Ferramenta que afia o cinzel do maçom.
Charles Evaldo Boller
A obra da Maçonaria é propiciar ao iniciado um lugar
adequado para a modificação de sua consciência, percepção da realidade,
moderação de paixões, contenção de desejos e desenvolvimento de virtudes.
A escalada inicia numa operação denominada: desbastar a
pedra bruta, onde esta última é o próprio indivíduo. A atividade consiste no
trabalho, básico e rústico, de arrancar da pedra, deformidades e
protuberâncias, trabalhar no alinhamento e esquadrejamento de arestas, de modo
que a peça, o próprio maçom, se adapte em certo lugar de uma importante
construção: o edifício social.
Para tornar-se pedra perfeita, lisa e dentro das medidas
para se encaixar no templo moral e ético da sociedade, o maçom recebe
instruções, ferramentas e conhecimentos. Tudo assistido por método, doutrina e
simbologia próprios que, manipulados por seu intelecto, culminam em desenvolver
sua capacidade racional, intelectual, lógica, metafísica e filosófica a partir
das provocações da filosofia maçônica, cuja finalidade pretende atingir
objetivos político-sociais.
"Partiu Jacó de Berseba e seguiu para Harã. Tendo
chegado a certo lugar, ali passou a noite, pois já era sol-posto; tomou uma das
pedras do lugar, fê-la seu travesseiro e se deitou ali mesmo para dormir. E
sonhou: Eis posta na terra uma escada cujo topo atingia o céu; e os anjos de
Deus subiam e desciam por ela." (Gênesis 28:10-12).
Usa-se esse sonho de Jacó para ilustrar a ascese para o desenvolvimento
da espiritualidade. Essa escada simbólica parte do domínio da matéria e eleva a
alma do adepto até o estágio onde ocorre a predominância do espírito sobre a
matéria. Alma aqui considerada o homem completo com seu corpo, espírito,
intelecto e emoções. É na escalada para o alto desta escada, a qualquer
momento, em qualquer grau, que acorrem novas percepções de consciência que
levam o adepto a evoluir. Em termos materiais pode ser comparado ao topo da
pirâmide das necessidades de Maslow: a autorrealização.
O interessante é que, o potencial adquirido com o uso da sua
própria intelectualidade, dependendo de suas raízes culturais, não o precipita
na geração de dogmas que possam torná-lo fanático, ao contrário, o treinamento
o leva ao suave equilíbrio entre razão, emoção e espiritualidade.
Gradativamente, o processo abre portas inefáveis, até então
não percebidas, que permitem a entrada de fluxos energéticos. A sensibilidade
revela a cada reunião, no templo especialmente preparado para o desenvolvimento
pessoal, onde, sob efeito de sons, incenso e na companhia de irmãos, ocorre a
integração de energias sutis com as do maçom, campos energéticos gerados pelo
grupo. O fenômeno vem se desenvolvendo desde quando o dia pode ser alongado com
a descoberta do fogo e a convivência em vigília propiciou a troca de
informações entre os membros das vetustas tribos de humanos. Para funcionar
exige-se a presença no templo, onde um indivíduo influi nos pensamentos dos
outros. Não se trocam apenas blocos de informações, mas também de linhas de
força energética invisíveis, que apenas são percebidas.
A vida mística e profunda da essência dos símbolos vai
gradativamente revelando o que até então não enxerga. Desvelando apenas parte
onde o maçom é o material de construção, uma pedra que depois de trabalhada,
constitui parte integrante do grande templo moral da humanidade.
Dentre as ferramentas de trabalho do aprendiz estão o maço e
o inseparável cinzel que desbastam a pedra bruta, ele mesmo. O cinzel
representa o intelecto e ambos concorrem para o mesmo objetivo. É exemplo de
dualidade construtiva, eficaz e positiva.
O cinzel é símbolo do trabalho inteligente. Seguro pela mão
esquerda corresponde ao aspecto passivo da consciência, à penetração, à
receptividade intelectual, ao discernimento especulativo, indispensável para
descobrir as protuberâncias ou falhas da personalidade. Serve de intermediário
entre o homem e a natureza. Sozinho seu uso é quase nulo. Sem a ajuda do maço
ele produz pouco, exige-se a participação das duas ferramentas simultaneamente.
Assemelhado a razão humana que, isolada, nada constrói, exige a presença dos
outros irmãos no mesmo ambiente energético onde todos pensam na mesma
construção intelectual. O cinzel exige a parte operativa, a ação, a força e o
trabalho do maço.
A lógica representada pelo cinzel torna o maçom
independente, sem torná-lo mesquinho. Sem sua intervenção, o resultado do
trabalho seria inútil, perigoso. A sua falta representa as soluções
aprisionadas no espírito. Além de ser emblema da escultura, arquitetura e belas
artes, é imagem da causticidade dos argumentos que permite destruir os sofismas
do erro.
O cinzel é usado para o trabalho mais bruto, como no
alicerce de uma construção. Um trabalho básico. É o metal aplicado sobre a
pedra, ambos duros, mas, a dureza do cinzel é maior, ademais, está afiado, daí
sua capacidade de penetração, de corte das asperezas. Com ele corta-se fora o
que o homem tem de feroz, levando-o a condição mais elevada diante da natureza
e aproximando-o do conceito Grande Arquiteto do Universo.
A terra seria deserta se os seres humanos deixassem de fazer
por polidez o que são incapazes de fazer por amor e seria quase perfeita, se
cada um conseguisse fazer por amor o que só faz por polidez. Isto porque, a
polidez faz a pessoa parecer por fora, como deveria ser por dentro. Cinzel e
maço iniciam o processo de polimento por fora nos primeiros estágios do
polimento da pedra. Outras ferramentas concorrem para otimizar a polidez em
sentido lato e produzir o fruto das virtudes. Tudo concorre ao preparo do
ambiente interno para o desenvolvimento espiritual. Maço e cinzel simbólicos
são utilizados no polimento interno, o grande objetivo da filosofia maçônica.
Quem não for bastante delicado e cortês não pode ser muito
bom. Cerimônias são diferentes em cada país, mas a cortesia é igual em todos os
lugares. Assim como a cera, naturalmente dura e rígida, torna-se, com um pouco
de calor, tão moldável que se pode levá-la a tomar a forma que se desejar,
também pode-se, com um pouco de cortesia e amabilidade, conquistar os
obstinados e os hostis. Partindo do princípio de que uma virtude não é natural,
mas uma qualidade desenvolvida ao longo do crescimento individual, do ponto de
vista moral, a polidez é virtude. Exemplo: o que acorreria com as quatro
virtudes cardeais justiça, prudência, temperança e coragem, se o indivíduo não
é polido ou destituído de qualquer educação ou cortesia? Seriam inúteis!
Sem treinamento e respeito não se desenvolvem virtudes e
como a polidez é algo de aparente pouca importância, é neste quase nada que
reside seu mérito. A polidez pode ser definida como o caráter ou a qualidade do
que é polido, da fina educação, da gentileza nas relações interpessoais. É
também forma do discurso que indica cortesia e civilidade daquele que fala. Ao
que se esforça no uso de expressões que atenuem o tom autoritário, do
imperativo e outras fórmulas de etiqueta linguística. Adicionalmente, designa o
indivíduo que possui grandes virtudes e elevada cultura e conhecimento em
determinadas áreas do saber. Essas são as aplicações práticas onde a energia do
maço imprime força onde o intelecto dirige o cinzel.
Na intenção de obter controle do espírito sobre a matéria, a
polidez lustra o ser por dentro, em seu coração, de modo que revele o não
visto. Sua transparência é proporcional ao quanto é polido. Para quem mais
poliu sua sensibilidade manifestam-se mais formas invisíveis e revelam-se
verdades para as quais a mais sofisticada racionalidade é impotente.
O cinzel deve ser afiado continuamente, permanentemente,
exige constante aporte de novos conhecimentos para não embotar. Isso,
naturalmente, aponta para o constante comparecimento aos trabalhos em loja, a
oficina onde o maçom efetua o seu polimento e afia o seu cinzel. É a polidez, o
conhecimento aprofundado de temas da vida que o afia. Afiar o cinzel significa
receber fina educação, cortês, disciplinado e atencioso. São atividades nas
quais denodadamente o maçom investe com força, com a ação do malho, e,
gradativamente, parcimoniosamente, galga a escada que apareceu num sonho que
leva às regiões altas da perfeição que pertencem ao Grande Arquiteto do
Universo.
Bibliografia
1. ALMEIDA, João Ferreira de, Bíblia Sagrada, ISBN
978-85-311-1134-1, Sociedade Bíblica do Brasil, 1268 páginas, Barueri, 2009;
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