Ócio criativo após as sessões.
Charles Evaldo Boller
Considerando o equipamento de comunicação, sensibilidade e
habilidade de que o homem é provido, só isto já o faz reinar soberano nesta
biosfera. Sua superioridade é aumentada ao colocar em prática a sua capacidade
de sonhar, e, principalmente, de pensar com lógica e clareza.
Mesmo que sua construção emocional o construa com instintos
que podem ser usados para bem e para o mal, ele desenvolve processos de
interiorização que o defendem e transformam de besta cruel e sanguinária em
criatura dócil e amorosa.
É neste desenvolvimento que a Maçonaria atua no maçom que
realmente deseja ser pessoa de bem em sentido lato. Ao incentivar o pensamento
com ilustrações e especulações racionais, ensina ao homem a favorecer-se de sua
capacidade racional e lógica. O maçom aprende a pensar.
Pensar como fruto do próprio esforço e iniciativa é
característica que a poucos seres humanos é dado fazer. Não que sejam
indolentes para meditar sobre temas importantes, mas estão submetidos a um
sistema cruel de sobrevivência e concorrência - pouco ou nenhum tempo resta
para o indivíduo caminhar pelos meandros do pensamento especulativo.
Esta falta de tempo é agravada pelas ofertas do mundo da
propaganda e do entretenimento passivo. A concorrência é tão intensa e os
atrativos para atividades passivas são tantas, que a maioria fica
impossibilitada de oportunidades para meditar e pensar. Cinema, televisão,
joguinhos de computador e outras distrações roubam o tempo e viciam as pessoas
em atividade que não exigem praticamente nenhum esforço e os impedem de
desenvolver a capacidade de pensamento para a felicidade.
A Maçonaria usa símbolos e alegorias para fazer as pessoas
pensarem. Todo aquele que é assíduo aos trabalhos em loja, praticamente sem
esforço algum é conduzido pela caminhada dos símbolos e das estorinhas de fundo
moral, que levam a pensar. Inclusive, por breves instantes, quando reunido em
loja, o maçom é afastado dos laços alienantes do mercado consumidor para
exercitar sua capacidade de pensar com lógica, filosofar, e, até, sonhar.
Um símbolo fala mais que palavras. Ele induz pensamentos
completos que não são estáticos na linha do tempo, mas que se adaptam a cada
situação, a cada estágio evolutivo da pessoa e da sociedade. O símbolo é o
mesmo, a ideia que o circunda é diferente.
Uma alegoria representa de forma figurada expressões de
pensamentos que se não forem traduzidas por ficções tornam-se difíceis, senão
impossíveis de analisar com isenção.
Os preconceitos e referenciais da cultura induzem enveredar
por caminhos tortuosos, difíceis e até errados.
Se a dificuldade for grande, a mente desiste e desliga o
assunto. É semelhante a um ruído monótono e continuo; a mente desliga a
capacidade de filtrar aquela informação e a pessoa consegue até dormir.
O homem usa de sua capacidade de contar estorinhas para
transmitir conceitos de moral e ética complicados aos seus pares, consistindo
na principal razão de o homem chegar ao ponto de evolução em que se encontra.
Não fosse a sua maravilhosa capacidade de contar estorinhas ao redor das
fogueiras desde o tempo das cavernas, não teria desenvolvido sua capacidade de
pensar e até de sonhar.
A Maçonaria abraçou esta intuitiva capacidade de ensinar
utilizando-se de símbolos e estorinhas. O maçom nem percebe que está evoluindo
em sua capacidade latente de pensar com lógica.
Esta característica de transmitir conhecimento era usada
pelos pedreiros operativos no projeto e ensino das tarefas da profissão. Depois
do trabalho, duro e estafante, eles reuniam-se de modo fraternal em algum lugar
confortável, e lá, ao sabor de bom vinho e boa comida sonhavam e trocavam
ideias de como fazer e melhorar em sua arte de construir catedrais.
Os sábios que deram origem à Maçonaria perceberam isto e
transportaram os hábitos e costumes daqueles pedreiros ao campo da especulação,
na construção de catedrais que usam de pedras vivas para o aprimoramento de
pedras vivas para edificar a sociedade. Em loja tratam do treinamento formal e
disciplinado, e, após a reunião, em alegres reuniões, os irmãos discutem os
mais variados temas de interesse comum do indivíduo ou da sociedade. Assim foi
o berço das grandes ações desenvolvidas por maçons que alteraram de forma
permanente a história.
É nos momentos de descontração que afloram os potenciais de
pensar. Semelhante ao tempo em que não existia rádio e televisão, quando as
pessoas conversavam e trocavam as mais valiosas informações para o seu
crescimento intelectual, emocional e espiritual. É a prática daquela reunião
familiar tão comum antes da Primeira Guerra Mundial. É uma sábia forma de
escapar da alienação do sistema que escraviza e afasta o homem do seu estado
natural selvagem.
O maçom que participa das atividades de sua loja, em todos
os aspectos, se humaniza com mais facilidade. As duas atividades são
importantes e complementares.
O ritual comportado e ordeiro das lojas e a descontração
livre e solta após os trabalhos complementam-se.
É nos momentos de relaxamento que o maçom encontra solução
para a maioria de seus problemas do cotidiano. Estes postulados são
meticulosamente defendidos por Domenico de Masi e Bertrand Russell. Muitas
vezes um simples comentário de um irmão dispara um processo racional para
solução de problemas, que, até então, pareciam insolúveis. É a volta para o
círculo das fogueiras praticado pelos vetustos homens das cavernas, um hábito
que a poucos é dado desfrutar neste mundo recheado de artificialidades.
Muitas vezes uma pessoa que não está contaminada pela emoção
ou submetida a um sentimento de culpa desperta soluções na mente do irmão que
tem algum problema em sua casa ou escritório.
Em todas as oportunidades da vida moderna o cidadão é
instado a preparar-se para o trabalho. São raras ou inexistentes as vezes em
que é treinado para o ócio. Nas ágapes festivas após os trabalhos em loja, o
maçom reúne-se com outros seres humanos e troca símbolos ou ideias que o ajudam
na programação de sua vida profissional e familiar.
Há tempos, bem antes da loucura de nossas lides estafantes e
alienantes que a Maçonaria trabalha assim, preparando o homem para usufruir bem
os momentos de descontração. É o ócio criativo que possibilita e fomenta um
futuro de qualidade e feliz para o ser humano.
Estes procedimentos complementares das reuniões nas lojas
maçônicas liberam intelectualidade, energias psicológicas, morais, emocionais e
espirituais. Existe um intercâmbio de sensações, emoções, símbolos e estorinhas
que constroem o ser humano para fazer frente às vicissitudes da vida. Esta
convivência pacífica e prazerosa desperta o poder dos símbolos latentes em cada
intelecto e que foram treinados, até de forma subliminar, na reunião do templo.
Cada atitude exterior do maçom reflete uma disposição
interior, que foi desenvolvida no templo. Os momentos de descontração e
divertimento consolidam aquilo a que o maçom foi exposto em loja. É importante
não sair correndo após os trabalhos da loja exatamente devido a esta
característica de complementação do que se aprendeu no templo. Ambas as
atividades tem igual importância na fixação de tudo o que se aprendeu. Se assim
não ocorre na loja é porque existe algum problema que está dispersando os
irmãos, e cabe aos os mestres maçons examinar quais os motivos que levam à
debandada dos irmãos após os trabalhos. Motivos que podem ser de saúde física,
a sinalização de simples apatia, e, até o perigo de degradação dos relacionamentos
da irmandade ao ponto de culminar com abatimento de colunas. Além de tornar
infrutífero tudo o que se desenvolveu durante a sessão.
A confraternização após os trabalhos da sessão é útil. É
quando afloram as maravilhas dos símbolos e o ócio criativo em termos práticos.
É o momento de gozar das delícias para as quais o corpo humano foi
maravilhosamente projetado. Isto porque, o homem não foi feito para o trabalho
abusivo e degradante, mas para em suas lides obter prazer e alegria.
Os orientais dizem que é devido ao cidadão encontrar um
trabalho que ama que ele nunca mais trabalhará na vida.
É nos momentos de ócio que a mente humana cria as mais belas
obras de arte, seja esta uma arte útil ou fútil.
O que interessa é fazer jus de ser maçom, desenvolver para fazer
o bem, criar mais e melhores obras que influenciem a sociedade para a honra e à
glória do Grande Arquiteto do Universo.
Bibliografia
1. MARKHAM, Ursula, Superando o Estresse, Um Guia Prático
para Aprender a Lidar com as Pressões do Dia-a-dia, título original: Managing
Stress, tradução: Débora da Silva Guimarães, ISBN 85-7123-425-6, primeira
edição, 198 páginas, São Paulo, 1989;
2. MASI, Domenico de, O Futuro do Trabalho, Fadiga e Ócio na
Sociedade Pós-industrial, título original: Il Futuro del Lavoro, tradução:
Yadyr A. Figueiredo, ISBN 85-03-00682-0, nona edição, José Olympio Editora, 354
páginas, Rio de Janeiro, 1999;
3. MASI, Domenico de, O Ócio Criativo, tradução: Léa Manzi,
ISBN 85-86796-45-X, primeira edição, Editora Sextante, 328 páginas, Rio de Janeiro,
2000;
4. PRATHER, Hugh, Não Leve a Vida Tão a Sério, Pequenas
Mudanças para Você se Livrar de Grandes Problemas, título original: The Litle
Book of Letting Go, tradução: Beatriz Sidou, ISBN 85-7542-047-X, nona edição,
Editora Sextante, 156 páginas, Rio de Janeiro, 2003;
5. RUSSELL, Bertrand Arthur William, O Elogio ao Ócio,
tradução: Pedro Jorgensen Júnior, ISBN 85-7542-020-8, terceira edição, Editora
Sextante, 184 páginas, Rio de Janeiro, 1935;
6. RUSSELL, Bertrand Arthur William; MASI, Domenico de;
LAFARGE, Paul, A Economia do Ócio, ISBN 85-86796-87-5, primeira edição, Editora
Sextante, 184 páginas, Rio de Janeiro, 2001;
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