quinta-feira, 28 de setembro de 2023

O Maçom e a Dúvida

Duvidar é preciso.

Charles Evaldo Boller


Na Maçonaria buscam-se novos horizontes no plano do pensamento. Existem conhecimentos que escapam ao campo da experiência em virtude da limitação sensorial e analítica inerente ao homem ego: aquele que bloqueia qualquer atitude verdadeira e autêntica em si, tornando-se seu próprio inimigo. São noções que exigem círculos de juízos muito acima dos limites individuais e da linguagem humana. Ideias que ultrapassam o mundo sensível, onde a experiência não serve de guia.

São quatro as escolas que permeiam as discussões dos maçons:

  • Autêntica ou Histórica;
  • Antropológica ou Primitiva;
  • Mística ou Teológica;
  • Oculta ou Esotérica.

As investigações, destas diferentes escolas, partem com os pensamentos de base inicialmente teológicas e mágicas, depois metafísicas e místicas, podendo alcançar o nível da compreensão científica.

Devido a estes diferentes níveis de estudo progressivos, a Maçonaria ressalta a importância do respeito ao pensamento do outro, enquanto a ideia passa pelas diversas fases em direção a consolidação: é quando o pensamento deixa de ser filosófico e passa a ser ciência.

E é apenas nestas situações que o maçom exercita a tolerância: somente para com o pensamento do outro. Mau comportamento e atitudes grosseiras nunca devem ser aceitas porque conspurcam o ambiente puro desejado para os estudos da nobre arte do pensamento, cujo alicerce é a dúvida, representado pelo número dois.

O ponto forte da fraternidade maçônica é o respeito ao pensamento do outro.

Na área da especulação, fatalmente os intelectuais enveredam no Eruditismo, o que complica a absorção de conhecimentos mais sutis. Outros mais tímidos têm medo de exporem seus pensamentos. Existem aqueles que conhecem, mas não compartilham seus conhecimentos. Porém, seguindo a metodologia maçônica, o entendimento de conhecimentos acima dos limites normais de entendimento é aprendido com facilidade quando o grupo e suas dinâmicas agem sobre a pessoa, razão da necessidade de reuniões regulares em loja: os participantes se soltam e lentamente o conhecimento de todos aumenta.

Mesmo na complexidade dos temas, não existe na Maçonaria a figura do professor, seja na pessoa do venerável, do orador, dos vigilantes ou qualquer outro maçom: todos são mestres e aprendizes. O conhecimento suprassensorial, das vivências do homem e seu despertar pela vontade em atividades e experiências da liberdade, é transmitido de pessoa a pessoa na forma de blocos de informação que emanam da interação do grupo e não da imposição de algum líder.

O maçom duvida até o momento em que passa a sentir e entender fenômenos sublimes com o auxílio de sua própria capacidade intelectual e sensorial, ou na eminência de comprovação científica de suas ideias.

O processo evolutivo do pensamento atravessa distintas fases de tratamento mental: parte-se da observação concreta e abstrata, envereda-se pela meditação e análise indutiva e dedutiva para, finalmente, florescer na linguagem e nos processos mentais racionais. Este é o caminho por onde passam todas as análises dos fenômenos invisíveis que, pelo fato de não serem acessíveis aos padrões normais, são sempre retomados e criticados: florescem da dúvida.

Informações e conceitos como Grande Arquiteto do Universo, liberdade, imortalidade, e outros, apenas são acessíveis e estudados pela Metafísica e Mística depois de passarem pelos processos naturais de desenvolvimento. No plano espiritual os pensamentos são impossíveis de se definirem ou de se estabelecerem em resultados desejáveis a priori. Daí todos os processos de busca das verdades sutis serem especulações filosóficas incertas. E estas, considerando a ilusão sensorial a que o homem é submetido pela própria Natureza, devem sempre serem reavaliadas, desacreditadas, reconsideradas. O Ceticismo é a atitude usual do maçom porque, apesar de perscrutar em direção à verdade, sabe que está sendo enganado permanentemente pelos seus sensores primários, daí expandir também esta disposição aos sensores sutis, aqueles que têm a faculdade de penetrarem na alma, na essência do ser.

Em Maçonaria, o conhecimento transcendental passa inicialmente pelo estabelecimento de lendas e ficções que servem apenas de esboço aos pensamentos iniciais. Estes depois são filtrados em outros níveis. Podem chegar a verdades demonstráveis por leis naturais: as ideias apenas são lançadas dentro da mente do ouvinte que, de sua livre iniciativa, usa como guarda de trânsito o livre-arbítrio, as adapta e modifica ao nível de sua própria evolução. Daí se afirmar que não existe a figura do educador, existe apenas autoeducação, o que elimina a figura do professor, do mestre. A maioria das revelações, em níveis sensoriais sutis ocorre em grupo e é resultado de pura intuição individual. Pode ser percebida, mas não verbalizada, racionalizada. O acesso ao divino se dá apenas no silêncio.

Alguns maçons penetram logo naquilo que a Maçonaria provoca nestes aspectos, outros só alcançam a Luz, ou Aufklärung de Kant, depois de longa e penosa caminhada. Outros, mais arraigados ao seu conservadorismo, ego e vícios, jamais a veem. A divindade não pode ser pensada, falada, refletida, apenas percebida na meditação contemplativa, receptiva e afastada de exercícios do intelecto.

Independente do fato de perceberem verdades mais sutis ou não, o que interessa aos maçons em suas oficinas é reunirem-se para debaterem assuntos que possibilitem a evolução individual, cujo caminho passa pela dúvida, simbolizado no número dois estudado no primeiro grau. Maçom desperto é homem inquieto e desejoso em decifrar os mistérios que estão velados nos rituais e na Natureza. Uma vez percebida uma particularidade ao seu redor, o maçom duvida. Não em sentido negativo, mas atento, de modo a reavaliar os mistérios debaixo da luz contemporânea da ciência e evolução tecnológica. É da dúvida que nascem novos e inusitados pensamentos que tem a pretensão de mudar o homem, e com isso a sociedade e o mundo. É a busca do homem cósmico, integrado ao Universo, com o qual se unifica. É por isso que podem denominar o maçom iluminado como aquele que se considera "filho da heresia": aquele que busca na dúvida reavaliar conceitos já estabelecidos para fugir da estagnação e do conservadorismo.

O maçom e a dúvida são companheiros inseparáveis na caminhada pelo Universo que se originou num ponto dentro de um círculo. Aquele ponto, o ovo cósmico que deu à luz a realidade que o homem é levado a acreditar, por meios fantásticos. Consciência de que o homem e toda a materialidade é nada! Tudo é espaço vazio! Inclusive o próprio homem. Tomado em termos atômicos toda a realidade é apenas uma ilusão dos sentidos que o Grande Arquiteto do Universo criou num ato de amor.


Bibliografia

1. CAMINO, Rizzardo da, Maçonaria Metafísica, ISBN 978-85-370-0157-8, 1ª edição, Madras Editora Limitada, 246 páginas, São Paulo, 2007;

2. GOSWAMI, Amit, Consciência Quântica, uma Nova Visão Sobre o Amor, a Morte e o Sentido da Vida, título original: The Everything Answer Book, tradução: Marcello Borges, ISBN 978-85-7657-421-7, 1ª edição, Editora Aleph, 244 páginas, São Paulo, 2018;

3. GUIMARÃES, João Francisco, Maçonaria, A Filosofia do Conhecimento, ISBN 85-7374-565-7, 1ª edição, Madras Editora Ltda., 308 páginas, São Paulo, 2003;

4. PARANÁ, Grande Loja do, Ritual do Grau 01, Aprendiz Maçom, Rito Escocês Antigo e Aceito, 1ª edição, Grande Loja do Paraná, 126 páginas, Curitiba, 2013;

5. WILGESS, Ângela, Só Somos Consciência Quântica? ISBN 978-85-370-1080-8, 1ª edição, Madras Editora Limitada, 214 páginas, São Paulo, 2017;

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