Autoconhecimento consciente;
Método de treinamento da Maçonaria.
Charles Evaldo Boller
Foram significativas as mudanças que se manifestaram na
Europa durante o século XVIII, e entre estas surgiu a Maçonaria (1717), como
parte ativa do processo de gradativa migração do poder para a burguesia,
concentrado até então na nobreza e no clero. O Teocentrismo Medieval, com Jeová
no centro de tudo, há muito instigava ao lançamento de ideias que fortalecessem
o poder do cidadão. Aos poucos o poder absoluto sobre o cidadão cedeu espaço e
definiu os contornos da Democracia Republicana, onde se respeita a crença de
cada um. Na época, por herança de práticas e costumes medievais, os nobres
viviam à custa dos esforços de outros cidadãos da sociedade, o que prejudicou o
nascimento da indústria e dificultou o livre comércio.
A Luz dos Iluministas
Com a invenção da máquina a vapor (1765-1790) por James Watt
(1736-1819), se estabelece o início da Revolução Industrial, marca do fim do
poder de imperadores e papas. Nasce o poder do povo. Os burgueses, na Revolução
Francesa (1789-1799), usaram de palavras cunhadas por Rousseau (1712-1778) que
estabeleceram princípios de igualdade, liberdade e fraternidade, divisa usada
até hoje pela Maçonaria. Onde a Luz da iluminação é o poder da razão humana de
interpretar e reorganizar o Universo. Os movimentos da Iluminação visavam
inicialmente à liberdade de pesquisa científica, ação que se estendeu depois
para a moral, as atividades industriais e as relações comerciais.
O Século das Luzes teve inúmeros mentores, cuja ampla
maioria concordava que, em resumo, apenas a Educação pode proporcionar os meios
para livrar os homens das garras do poder absoluto que na época embotava o
desenvolvimento.
O Liberalismo foi outra forte movimentação da burguesia
absorvida pela Maçonaria. Atuando na economia, François Quesnay (1694-1774) e
Adam Smith (1723-1790) representam as aspirações do cidadão em gerenciar seus
próprios negócios sem a interferência do Estado. Defendia-se a economia
perseguindo caminhos ditados por leis naturais, onde a figura de um Estado
intervencionista não existe. Na política, os mesmos ideais liberais lutavam de
todas as formas contra o Absolutismo. Na moral buscavam-se formas laicas de
tornar naturais as ações do comportamento humano.
Rejeição da Religião
Por conta de abusos clericais e da Inquisição da Igreja
Católica Apostólica Romana (1183-1821), o Iluminismo rejeitava a adesão à
religião. Principalmente às filosofias religiosas povoadas de fantasias e
alegorias impostas como verdades, que pelo aspecto verossímil são colocadas
como fatos verdadeiros, ao invés de declaradas de origem ficcional, apenas para
fins de ilustração de verdades e filosofias.
O iluminista combatia os dogmas. As religiões estabelecem
invenções forçadas, inverossímeis, determinadas por decreto pela autoridade
religiosa e estabelecidas como verdade divina revelada e que o adepto tem por
obrigação acatar. É imutável. Verdades "absolutas" que sequer
permitem discussão, nem mesmo pensar em contestação; imposição que determina
como o adepto deve pensar e até sentir.
Os iluministas se rebelaram contra as religiões
fundamentalistas, aquelas que impõem dogmas e fantasias. Não eram ateus, ao
contrário! Isto não passa de acusação falsa de seus detratores.
Na prática maçônica, as proibições de discussões religiosas
nada têm de incentivo ao ateísmo, mas têm por finalidade afastar o maçom do
pântano do Fundamentalismo religioso e o conduzir para uma espiritualidade
natural, respeitando suas crenças e religião, independente de qual seja. O ateu
não é recebido pela ordem maçônica, para entrar é exigida a crença num
Princípio Criador.
Na Maçonaria, mesmo quando a bíblia judaico-cristã é
utilizada na construção de parábolas e alegorias, representação de pensamentos
e ideias de forma figurada, os textos são utilizados apenas como referência
para criação de estórias, estabelecer alegoria e criar símbolos que permitem
raciocinar e desenvolver moralidade. Tudo é entendido como ficção!
Verossimilhança que serve apenas de suporte para a criação de alegorias que
auxiliam na educação natural. Esta utilização é deixada bem clara para todos. É
a educação da Maçonaria voltada para a liberdade, a educação natural criada por
Rousseau e Kant. Por outro lado, a mesma bíblia é utilizada nas atividades
litúrgicas das lojas cristãs como livro da lei, a mais alta e sagrada
representação do grupo, sobre o qual se fazem juramentos e promessas, e da qual
se extraem pensamentos e sabedoria. O maçom cristão é constantemente instigado
a usá-la como fonte de inspiração no trabalho na pedra. Na absoluta maioria dos
ritos nenhuma sessão maçônica inicia sem que um trecho da mesma seja lido no
momento mais solene de abertura dos trabalhos.
A liturgia e a instrução maçônica constam de alegorias
definidas em todos os aspectos como invenções, historinhas, fantasias,
paulatinamente se encaminhando para dinâmica de sessões andragógicas,
orientadas para ajudar adultos a aprender. Lamentavelmente ainda se pratica a
metodologia pedagógica, usada para ensinar crianças, o que resulta no
incremento do índice de evasão, pois o homem de hoje já não aceita a palavra
dos que usam de autoridade para impor suas ideias em detrimento da simplicidade
da Educação Natural da Maçonaria. O ensino maçônico natural tem o objetivo de
construir novas ideias pelos eternos ciclos de construção do pensamento. Estes
ciclos, que Hegel (1770-1893) definiu como contradição Dialética, ou seja,
tese, antítese e síntese, é base do desenvolvimento de todo o conhecimento
humano: tese é a afirmação, a antítese é a negação ou complementação da tese, e
síntese a superação da contradição, é quando surge uma nova e inusitada ideia,
diferente da primeira e da segunda. Então se inicia um novo ciclo, e o processo
não tem fim. É o que ocorre nos debates da Maçonaria onde se constroem templos
vivos e livres, através da Educação Natural.
Deísmo
O Iluminismo influenciou o Deísmo, doutrina que considera a
razão como a única maneira de assegurar a existência de Deus. Os detratores do
Iluminismo acusam o movimento de introdutor do ateísmo na sociedade moderna,
entretanto, aquele movimento defende a religião natural, sem dogmas e
fanatismo. Para o iluminista, Deus é o Primeiro Motor, o Supremo Criador. Desta
magnífica ideia a Maçonaria, que não é religião, herdou o conceito Grande
Arquiteto do Universo, o que possibilita a reunião de diversas linhas filosóficas
e religiosas num mesmo foro de debate, onde, de forma proativa se discutem os
problemas da sociedade e do homem. Ato impossível para outras instituições,
mormente religiões que nunca se entendem e provavelmente nunca chegarão a
acordos fraternos na solução de qualquer problema devido à indiferença que uma
nutre pela outra.
Homem Natural
Rousseau disse: "Toda a nossa sabedoria consiste em
preconceitos servis. Todos os nossos usos não são senão sujeição, embaraço e
constrangimento. O homem civil nasce, vive e morre na escravidão. Ao nascer,
envolvem-no em um cueiro. Ao morrer, envolvem-no em um caixão. Enquanto
conserva sua figura humana está acorrentado a nossas instituições".
(Emílio, ou da Educação, Rousseau, São Paulo, Difel). Rousseau foi o mentor
inicial da Educação Natural, cujas ideias foram depois reforçadas, melhor definidas
e ampliadas por Kant (1724-1804). Estabeleciam um gradativo retorno à Natureza,
não de forma a transformar o homem em selvagem, mas pela naturalização
comportamental e espontaneidade dos sentimentos.
Papéis significativos foram também desempenhados por Diderot
(1713-1784) e Helvétius (1715-1771), quanto à importância no desenvolvimento
pessoal usando como mola propulsora as paixões positivas e que rejuvenesceriam
o mundo moral. Para obter a liberdade individual, as paixões positivas
desempenhariam valor vivificador no mundo moral. Os combates às paixões do
maçom dizem respeito àquelas associadas ao vício e licenciosidade, já as
paixões ligadas às virtudes e benéficas à educação natural do homem são fortemente
incentivadas.
Educação Natural
A escravidão sempre se baseia na falta de educação. É muito
mais fácil dominar o ignorante, violento e amoral que o indivíduo esclarecido,
ou iluminado pela educação. Quando a escola era domínio da religião, ela
disseminava a semente da dominação absoluta do rei para assuntos políticos e da
religião para assuntos metafísicos. Assim compartilhavam o poder apenas entre
si. A educação antiga só era de fato acessível às elites e em todas as eras
sempre representa uma forma de poder. Desde a invenção da escrita a manutenção
do Estado era realizada pelo escriba, cargo que só os mais ricos e influentes
obtinham. Em quase todas as civilizações a educação era controlada pela
Teocracia – isto sempre restringiu o acesso ao conhecimento técnico aos
iniciados na religião do Estado. No antigo Egito, Mesopotâmia, China, Índia, na
tradição hebraica, enfim, todas as civilizações centralizam o conhecimento nas
castas mais abastadas da população, e principalmente, em iniciados em mistérios
religiosos da religião do Estado, a Teocracia. Assim funcionava até que os
iluministas introduziram modificações na educação.
A educação natural, aquela voltada para a felicidade
individual, laica e não intelectualizada reduziu a dominação absolutista.
Normalmente em convulsões revolucionárias. O grande valor do trabalho de
Rousseau na Pedagogia, voltada para o ensino da criança, é o fato de dar ao
ensino público uma conotação política e de valorização do homem em todos os
níveis sociais, disposição exposta quando afirma que a educação pública deve
passar necessariamente por formação cívica, de identidade do cidadão com o país.
Afirmava não ser a educação pública ideia dele e quem tivesse interesse, que
lesse "A República", de Platão. O ensino público e gratuito foi o
veículo mais importante do Iluminismo que preconizava pelo uso da razão o
combate às superstições e obscurantismo religiosos.
A Maçonaria é instrumento importante, não o único, na defesa
da escola laica, não relacionada à religião e função do Estado. Entre outras
acusações, mas principalmente pelo posicionamento para a educação, a ordem
maçônica foi objeto de violentas reações do poder dos Estados, bem como, de
bulas papais de condenação. A oposição até hoje não foi revogada pela Igreja
Católica Apostólica Romana. O medo dos poderosos não é tanto pela forma
esotérica das reuniões dos maçons, mas principalmente pelo fato de pela educação
natural libertar o pensamento do cidadão, conscientizando-o de seu papel na
sociedade e no Universo. A ordem maçônica não concorda com posicionamentos
radicais ou de concentração de poder, e isto lhe rende poderosos inimigos. A
vingança de insidiosos perseguiu maçons. Milhares morreram para manter a ação
de educar o povo em direção à liberdade.
Em sua época, Rousseau teve de fugir diversas vezes da
perseguição. As bases de suas considerações pedagógicas declaravam que o homem
em estado natural é bom, mas a sociedade dominada pela hipocrisia das
instituições o corrompe, destruindo sua liberdade, dizia: "o homem nasce
livre e por toda parte encontra-se a ferros". Em termos políticos defendia
que o povo é soberano, e para tal há necessidade de educar o ser humano
integral. Desenvolveu a ideia da educação natural – nos moldes do que os nobres
praticavam em certa fase histórica de Atenas, na Grécia antiga e hoje na
Maçonaria, onde tal procedimento é representado simbolicamente pelo homem
esculpindo a si mesmo de dentro da rocha disforme.
A educação natural rejeita toda e qualquer tentativa de
erudição da educação. Na Maçonaria qualquer pessoa tem acesso a complexos
pensamentos filosóficos apenas por nutrir-se da vasta coleção de símbolos e
alegorias.
A linha de pensamento iluminista foi fortemente influenciada
pela obra intelectual de Rousseau na educação, inclusive vai além do ato
pedagógico, voltado ao ensino de crianças, e de formação humana que ele
apresenta em "Emílio" e depois complementa em "'Do Contrato
Social". Em conjunto estes trabalhos estabelecem conceitos de cidadania
natural do homem na sociedade. O objetivo de Rousseau sempre foi o homem do
povo. Do cidadão com vistas ao desenvolvimento do homem natural; que não deve
ser confundido com o homem da natureza, analisado em seu "Discurso Sobre a
Origem da Desigualdade Entre os Homens".
Homem Natural e Homem da Natureza
O homem natural é o melhoramento do homem da natureza, o
cidadão como essência do homem civil, mesmo quando este convive em ambiente
hostil às virtudes como acontece com o maçom hodierno. O afastamento de Emílio
da influência perniciosa da sociedade é copiado pela Maçonaria quando suas
reuniões acontecem longe e isoladas do mundo externo, num mundo idealizado,
igualitário, perfeito para o desenvolvimento do autoconhecimento do homem
natural, que:
- É completo em si: unidade e absoluto total. Aquele que tem relação apenas para consigo e a coletividade;
- Como homem civil não é nada mais que fração em relação ao corpo social;
- Como indivíduo usa da razão e da universalidade da natureza do homem para usufruto da felicidade;
- O homem é, em essência, representante da espécie humana que, dotado de razão, deve desenvolver-se através da educação natural para ocupar seu espaço no Universo.
Em seus estudos, Rousseau define que o homem não se reduz
apenas a sua condição intelectual, não é apenas razão e reflexão, mas
condicionável pela educação a controlar sentidos, emoção, instintos e
sentimentos, numa educação natural ativa voltada para usufruto da vida, por
ação proativa e movimentada pela curiosidade. Algo assim é absorvido na
vivência da rígida disciplina ritualística existente nos templos da Maçonaria,
local onde muito de seu pensamento voltado para a educação natural foi adaptado
e veio até nossos dias. A pretensão é a mesma da dos tempos de Rousseau –
libertar o homem e torná-lo feliz; a Maçonaria apenas propicia os meios e o
local para o homem se autoeducar. Na ordem maçônica pratica-se a educação de si
mesmo, a Educação Natural, faz parte do projeto do homem pelo Grande Arquiteto
do Universo. O entendimento é simples se considerar que o livre-arbítrio
permite apenas a existência da autoeducação. É bem diferente da educação
voltada para o conhecimento, dirigida quase que exclusivamente para a
escravidão e à alienação pelo trabalho. A educação natural está voltada para a
liberdade do homem em sentido lato.
Complementação de Kant
Kant melhorou as ideias de Rousseau na linha do pensamento
iluminista, traduzindo o pensamento daquele nos termos conhecidos hoje na
Maçonaria:
- Busca do equilíbrio entre corpo, mente, emoção e espiritualidade ficaram esclarecidas e desvinculadas de intermediação por terceiros; o maçom trabalha só e num templo vivo, que é ele mesmo;
- A educação pessoal passa a ser focada no aprendiz, no aluno e não no professor, no clérigo ou numa instituição; o aprendiz trabalha em si mesmo; todo maçom, independente de grau é eterno estudante, mas não "eterno aprendiz" no que diz respeito aos seus assuntos;
- Limita que a razão não é capaz de reconhecer realidades que não provocam a experiência sensível como: Deus, imortalidade da alma, o infinito do universo, liberdade, questões metafísicas e consciência moral; daí o cultivo da espiritualidade ser parte da educação obtida na Maçonaria, que não é religião. Espiritualidade é parte indissolúvel do processo de educação natural sem configurar-se em religião. Escolher uma religião é responsabilidade individual;
- Diferencia os princípios racionais da razão especulativa; razão da apresentação, pelo maçom, de múltiplas facetas de uma mesma Verdade em suas considerações e especulações. Deixa-se para o ouvinte formular seu próprio juízo;
- Aproxima a razão prática com a vida prática e moral; isto é o que recebe maior ênfase no desenvolvimento maçônico para preparar o homem para a ação social e de onde o maçom deriva ganhos em todos os aspectos, inclusive financeiros;
- Desenvolve raciocínios a respeito de se cumprir o dever pelo dever e não em troca de favores ou benefícios; a espiritualidade e a obediência civil instruída pela filosofia maçônica não é baseada em prêmio e castigo, céu e inferno; cumpre-se o dever pelo dever e não com vistas a um ganho de qualquer tipo; a obediência se dá porque o maçom deseja ser bom e não em resultado de benesse ou tribulação;
- Incentiva o homem a agir pelo dever e combater a boa luta interior entre a lei universal e as inclinações individuais, lançando os pressupostos da liberdade da vontade;
- Preconiza a aprendizagem do controle do desejo não com vistas a suposto prêmio, mas pela disciplina para atingir o governo de si mesmo e a capacidade de se autodeterminar; de modo que cada um forma em si mesmo o seu próprio caráter moral;
- Que mesmo sob forças de coerção, a finalidade principal é propiciar o afloramento do sujeito moral de modo a unir educação e liberdade; na Maçonaria a liberdade é resultado de treinamento, condicionamento do equilíbrio entre liberdade e responsabilidade;
- Define que nenhuma verdade vem de fora do indivíduo, mas é construída pelo cidadão em si mesmo, com alicerce naquilo que ele foi e é; é o indivíduo quem permite que a verdade lhe penetre mente e coração; razão de se aplicar a Andragogia, técnica e dinâmica de ensino que auxilia o adulto a aprender, em detrimento da Pedagogia, técnica de treinamento e ensino da criança.
- Estabelece que liberdade de credo seja o ponto base para a boa educação; isto enriquece o debate dos assuntos tratados, visto sob a ótica de outras interpretações religiosas e derruba a razão de separação indevida em nome de verdades que às vezes divergem apenas por mera interpretação semântica ou posições de pontos e vírgulas;
- Cria critérios de liberdade e tolerância religiosa; é a razão de na Maçonaria sentarem sob um mesmo teto pessoas que em outras condições seriam capazes de se agredirem ao ponto de se matarem;
- Afirma que a pessoa moralmente livre é um fim em si mesmo e não para alguma coisa, para ninguém, nem mesmo para Deus; isto de forma alguma limita o poder divino, antes, o enaltece, pois o Criador criou a criatura com o espírito da liberdade, com livre-arbítrio; é especificação intencional e característica da criatura ditada pelo Grande Arquiteto do Universo;
- O projeto do homem inclui a autodeterminação, tudo passa pelo filtro do ego, pelo livre-arbítrio, e neste mecanismo nem o Grande Arquiteto do Universo interfere; a criatura foi criada livre; e liberdade responsável é uma das principais divisas utilizada pela Maçonaria.
Por influência do Iluminismo, Kant cunhou o verbete alemão
"Aufklärung", em português "esclarecimento", onde ele
afirma que o homem é culpado de sua própria menoridade em termos educacionais,
quando esta deficiência não for falta de entendimento, mas falta de coragem ou
indolência.
É devida a Horácio, e neste mesmo contexto utilizada por
Kant, a expressão latina "sapere aude", ou "ouse saber",
que determina ao homem munir-se de coragem para saber, estudar, conhecer.
A Maçonaria provoca o maçom a largar de sua acomodação de
menoridade e que desenvolva a coragem de se responsabilizar pela vida e pela
sua história, conduzindo a sua existência para a maioridade. Insiste-se que se
abandone a culpa que o escraviza e o submete ao sistema de coisas humano. Isto
é incutido já na iniciação do primeiro grau, quando não pode prescindir da
condução de um terceiro em seus passos, cuja dependência dos irmãos vai se
libertando cada vez mais na escalada dos graus.
É intenção que o homem saia de sua condição de culpado pela
menoridade e vá à luta, que saia de sua acomodação e comece a pensar por si
mesmo, utilizando-se plenamente de sua capacidade racional. As provocações
contra a alienação do pensamento e da Heteronomia, deixar-se conduzir por
outro, pretende livrar o homem e o conduzir para a educação natural aplicando a
Andragogia como técnica de aprendizagem. Fomenta-se que passe a assumir o risco
de suas decisões e coragem para superar o medo que inibe os processos
criativos.
Para obter a coragem de determinar-se livre, o maçom se
utiliza dos irmãos, do apoio que deles emana como grupo; consta de uma forma de
energia sutil que se desenvolve desde o tempo em que passou a dominar o fogo e
passou a dispor de mais tempo para comunicar-se. O indivíduo interage com o
grupo, agindo cada um reciprocamente sobre o outro. Esta interação leva a ação
positiva pelo condicionamento na aprendizagem e autoconhecimento. Não é
determinante porque depende da força de vontade de cada um em determinar-se, de
superar o ego, de derrubar as quase intransponíveis muralhas do livre-arbítrio
e do ego.
Para obter a liberdade apenas coragem não é suficiente. Há
necessidade de comprometimento pessoal, a autoeducação, aquela de o maçom
esculpir-se para fora da rocha disforme e rústica. Daí aflora a possibilidade
de transformação interna do homem integral. Ao superar a minoridade da
Heteronomia, o medo da liberdade, e assumir a responsabilidade de si mesmo,
desperta o homem natural definido por Rousseau. Morre o homem escravizado por
condicionamentos e nasce o homem livre pelo uso da razão. Todas as iniciações
da Maçonaria são exercícios de aprender a morrer para aprender a viver bem.
Mostra-se o quanto é efêmera a vida, daí resultar em motivação para viver bem a
vida, de ser bom porque assim a razão o determina e não porque possa sofrer
algum castigo ou receber determinado prêmio.
Ao ser humano que faz uso de sua capacidade racional é dada
a oportunidade de construir a si mesmo, de esculpir-se de dentro da pedra em
todos os sentidos e componentes de sua existência natural. Trabalhar o todo de
si mesmo, bem acima dos instintos, e produzir cada característica individual de
sua própria existência. Esta é a educação natural definida por Rousseau e Kant
na construção de homens livres e donos de si, que na Maçonaria são pedras vivas
e independentes, construtores com seus próprios corpos do edifício da
sociedade.
O Homem de Hoje
A educação natural não existe na escola pública moderna, em
todos os países. A escola está voltada mais para a transmissão de conhecimento
que para a formação do homem integral; é negligente com a formação humana. O
homem não é treinado para pensar, meditar, desenvolver virtudes, emoções e
espiritualidade. É apenas mais um escravo para o sistema de exploração criado
pelo próprio homem. Com raríssimas exceções, escolas particulares de
propriedade de sociedades religiosas educam de fato, incutem valores, espiritualidade
e o domínio do ego. As escolas públicas, na maioria dos países, é fraude contra
a evolução natural do homem!
O treinamento está voltado mais para o comércio e a
indústria, requisitos do Capitalismo, que exerce domínio absoluto em todos os
níveis, em todas as escolas, público ou privado. Condicionado ao Hedonismo,
levar vantagem em tudo, onde o ganho financeiro é o Deus e rei o homem se
submete ao abuso dos metais. Negligencia-se o homem em sua trajetória pela vida
e se favorece o aparecimento de criaturas com graves crises existenciais,
frustradas de tal forma que chegam a não dar mais o devido valor à própria vida;
vive-se o momento e apenas para si mesmo. Os próprios filósofos trombeteiam que
a vida humana não tem finalidade alguma, que em sua jornada pela Biosfera o
homem é apenas objeto de eventos aleatórios. Sem a educação natural o homem
está condicionado para apenas gozar da vida e fugir das vicissitudes ao invés
de enfrentá-las. A única perspectiva futura daquele que não obteve educação
natural, nos moldes da Maçonaria, é de sumir no nevoeiro do tempo de onde pensa
que surgiu.
No plano espiritual são milhares de religiões que apenas
exploram as pessoas em seus metais, dentro do espírito Materialista e
Capitalista. Tudo está voltado para um aviltante senhor e deus: os valores
financeiros. Enquanto o desenvolvimento do homem fenece e sua essência,
apodrece nos porões da sociedade, atado por inquebrantáveis grilhões;
indestrutíveis porque são usados voluntariamente em virtude do vício e da
alienação do trabalho.
Na política o nebuloso clima de corrupção e a sensação de
impunidade deixam a todo bom cidadão desalentado.
No convívio social eclodem choques de todos os tipos. A
violência alcança patamares insustentáveis que apontam para novo conflito
global eminente.
Se a escola pública realmente educasse o homem conforme
preconizado pelos iluministas, e não apenas o instruísse para o trabalho, a
realidade social seria diferente. A Maçonaria tem os meios para suprir esta
falta de educação natural da escola pública. Basta ao maçom aproveitar da
oportunidade oferecida sem enveredar nos descaminhos do sistema humano e partir
para se autoeducar nos moldes ditados por homens como Rousseau e Kant. É certo
que hoje se dispõe até de melhores e mais efetivos recursos, porque se vive
outro tempo, dispõe-se de outros recursos tecnológicos, mas a essência do homem
é a mesma.
O Futuro
O ideário educacional iluminista traçou o caminho de uma
época de escravidão ao Absolutismo imperial e clerical e pavimentou os caminhos
para a Democracia Republicana e o Capitalismo com visão social, realidades que
apresentam hoje nuanças e dificuldades que escravizam. Ritualística, educação
natural, simbologia e alegorias são ferramentas de dinâmica de grupo da
Maçonaria com o suporte da Andragogia, programadas como portadoras de mensagens
da época dos enciclopedistas iluministas ao futuro, que é o hoje.
Estará a educação natural preconizada por Rousseau e Kant
ainda em sintonia com a dinâmica social de nossos dias? Estará ela ainda
habilitada para lidar com o novo estado de coisas? Certamente o Grande
Arquiteto do Universo, através daquilo que inspira o maçom a pensar com
sabedoria, proverá as Luzes necessárias para iluminar os caminhos do presente e
usar da Sublime Instituição para a libertação do homem. O bom senso indica que
a tarefa do malho e do cinzel ainda não terminou!
Bibliografia
1. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, História da Educação e da
Pedagogia, Geral e Brasil, ISBN 85-16-05020-3, 3ª edição, Editora Moderna
limitada., 384 páginas, São Paulo, 2006.
2. CAPRA, Fritjof, A Teia da Vida, Uma Nova Compreensão
Científica dos Sistemas Vivos, título original: The Web of Life, a New
Scientific Understandding Ofliving Systems, tradução: Newton Roberval
Eichemberg, ISBN 85-316-0556-3, 1ª edição, Editora Pensamento Cultrix
limitada., 256 páginas, São Paulo, 1996.
3. CAPRA, Fritjof, As Conexões Ocultas, Ciência para a Vida
Sustentável, título original: The Hidden Connections, tradução: Marcelo Brandão
Cipolla, 13ª edição, Editora Pensamento Cultrix limitada., 296 páginas, São
Paulo, 2002.
4. ROHDEN, Humberto, Educação do Homem Integral, 1ª edição,
Martin Claret, 140 páginas, São Paulo, 2007.
5. ROUSSEAU, Jean- Jacques, Emílio ou Da Educação, R. T.
Bertrand Brasil, 1995.
6. ROUSSEAU, Jean-Jacques, A Origem da Desigualdade Entre os
Homens, tradução: Ciro Mioranza, 1ª edição, Editora Escala, 112 páginas, São
Paulo, 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário