segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Fugir a Morte não é Difícil!

Considerações e especulações a respeito da morte.

O significado da morte para o maçom.

Charles Evaldo Boller


Na explicação da morte pode-se encontrar razão em dois lados. É claro que não existe vida depois da morte, ao menos não da maneira como a nossa realidade atual concebe. A morte sempre é trágica, choca a qualquer um, é uma separação dolorosa, porém, adormecer na morte é comum a qualquer ser vivente. A boa explicação deste fato está nas palavras de Sócrates, que pouco antes de sua morte teria dito: "Fugir a morte não é difícil. Bem mais difícil é fugir a maldade, pois mais célere que a morte é a malvadez. Temer a morte é acreditar ser sábio e não o ser, posto que seja acreditar saber aquilo que não se sabe. Além do que, ela só pode significar: ou aquele que morre é reduzido ao nada, como uma longa noite de sono sem sonhos ou é a passagem daqui para outro lugar, e, se é verdade, como se diz, que todos os mortos aí se reúnem; pode-se imaginar maior bem? Mas eis a hora de partirmos, eu para a morte, vós para a vida. Quem de nós segue o melhor rumo, ninguém sabe, exceto o Deus".

O egípcio já desenvolvera uma noção de vida após a morte evidentes nas sepulturas neolíticas, em Tasa, Médio-Egito. Esta vida seria uma imitação da vida material que a mente humana tenta perpetuar. A ideia é evidente pela maneira como os mortos eram enterrados e pelos utensílios que o acompanham. Estes rituais antigos demonstram a preocupação do homem para explicar as mais intrigantes perguntas a serem dadas paras questões do por que e para que estamos aqui.

Na bíblia judaico-cristã encontra-se o seguinte: "os vivos ao menos sabem que vão morrer, enquanto os mortos não sabem nada, nem recebem salário, pois sua lembrança cai no esquecimento. Acabaram-se seus amores, ódios e paixões, e jamais tomarão parte no que se faz debaixo do sol"; "desfruta a vida com a mulher que amas, todos os dias que dure a tua vida fugaz que Ele te concedeu debaixo do sol, os anos todos de tua vida efêmera; pois essa é tua porção na vida e no trabalho com que afadigas debaixo do sol"; "tudo o que está ao teu alcance faze-o com esmero, pois não se trabalha nem se planeja, não há conhecer nem saber no xeol (sepultura) para onde vais.", Eclesiastes 9:5-10; "disse-lhe Jesus: "Eu sou a ressurreição e a vida." Quem crê em mim, ainda que morra, viverá". João 11:25.

A ansiedade, resultante da consciência da morte, faz o homem preocupar-se com o que pode acontecer após a morte. A crença na imortalidade, na vida depois da morte bem ilustra o quanto o homem se recusa a encarar o fim, ansiando por uma oportunidade eterna de vida. Esta é a razão que desde os primórdios da civilização humana exista preocupação de buscar abrigo na fé religiosa para aplacar este medo do desconhecido. Karl Jaspers disse que "existe algo em nós que não se pode crer suscetível de destruição".

Farias Brito afirmou que "se o espírito é a 'coisa em si' e o ser verdadeiro de todas as coisas, logo se compreende que não será possível chegar a legitima interpretação do verdadeiro sentido da existência, senão pela noção do espírito", então, a felicidade está no reconhecimento da própria realidade espiritual. Mas reconheceu que esta é uma tarefa árdua e considerou que liberdade e felicidade não é uma dádiva da natureza, mas uma conquista individual resultante do conhecimento próprio onde "cada um é a todo o momento criação de si mesmo". E considerou que "para descobrir a alma, o único meio eficaz consiste em interrogar a consciência, na qual existe o símbolo vivo da existência verdadeira. Procurar a alma fora da consciência é negá-la, e em verdade a alma só pode ser encontrada no fundo da consciência".

Existem duas maneiras de abordar a questão - E ambas estão corretas:

  1. A morte é o fim, o vazio, o sono eterno - Esta é a visão do homem material.
  2. Existe transcendência para um plano espiritual, que a alma passa para um nível diferente e desconhecido - É a visão do homem espiritualista.

Qual das duas visões é a menos dolorosa? Certamente é o exemplificado pelos antigos rituais de sepultamento dos mortos, onde a morte era associada com a crença numa vida após a morte; isto trás alento ao sofrimento daquele que remanesce vivo. Sem a visão espiritualista o homem não é completo, pois sofre muito mais com a realidade da morte que o acometerá ao final de sua existência.

Na Maçonaria, fugir a morte não é difícil, pois lá se procura desenvolver o homem espiritual que existe dentro de cada um, isto torna as coisas mais fáceis, mais doces, leva o indivíduo a tornar-se mais tenro, tolerante e maleável. A cada iniciação o maçom morre simbolicamente para uma situação anterior, de modo que possa viver uma nova vida num nível mais elevado dali em diante. É o treinamento para aceitar a morte como algo natural e deduzir desta experiência a importância de aprender a morrer bem para viver sempre melhor. Tal desenvolvimento afasta do costume de escamotear a morte, em resultado da dificuldade que sente em lidar com ela, e aproxima mais da possibilidade de incrementar a capacidade do maçom de lidar com a vida, ajudando-o a discernir se a sua vida é, ou não, autêntica.


Bibliografia

1. BENOÎT, Pierre; VAUX, Roland de, A Bíblia de Jerusalém, título original: La Sainte Bible, tradução: Samuel Martins Barbosa, primeira edição, Edições Paulinas, 1663 páginas, São Paulo, 1973;

2. COSTA, Cristina, Sociologia, Introdução à Ciência da Sociedade, ISBN 85-16-04810-1, terceira edição, Editora Moderna limitada., 416 páginas, São Paulo, 2005;

3. DURANT, Will, A História da Filosofia, tradução: Luiz Carlos do Nascimento Silva, ISBN 85-351-0695-2, primeira edição, Editora Nova Cultural limitada., 480 páginas, Rio de Janeiro, 1926;

4. MARTINS, Maria Helena Pires; ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, Temas de Filosofia, ISBN 85-16-02110-6, primeira edição, Editora Moderna limitada., 256 páginas, São Paulo, 1998;

5. PLATÃO, Defesa de Sócrates, Platão, Xenofonte, Ditos e Feitos Memoráveis de Sócrates, Coleção os Pensadores, tradução: Gilda Maria Reale Starzynski, Jaime Bruna, Líbero Rangel de Andrade, primeira edição, Victor Civita, 230 páginas, São Paulo, 1972;

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Tolerância

Interpretação filosófica, limites e considerações da tolerância aplicada na Maçonaria.

Destaca a aplicação no comportamento individual e nas relações interpessoais.

Charles Evaldo Boller


Dentro daquilo que a Maçonaria preconiza como ideal, a mente do maçom equilibrado não tolera tudo. É incentivado a ser inimigo figadal dos que tolhem a liberdade das massas e tentam agrilhoar a ele ou seus irmãos. Recebe treinamento para repudiar emoções desenfreadas, que induzem à tirania e conduzem ao despotismo. É intransigente com a intolerância desenfreada que conduz a perseguição ou a ignorância das massas conduzidas por homens inescrupulosos. Sua tolerância deve ser tal que não fique posando qual ingênuo, que confunde tolerância com licenciosidade.

A Maçonaria educa aqueles que são iniciados em seus segredos porque é de sua crença que um povo desenvolvido não pode ser escravizado e um povo ignorante não pode ser libertado. O verdadeiro maçom é um estudioso prático, um intelectual que age. Sem estudo não existe progresso. Sem discussão e exercício do pensar não existe evolução.

A história da Maçonaria tem em torno de dois séculos. Afirmar que seja mais velha é apenas vaidade de uns poucos que acreditam que quanto mais no passado estiver a origem de uma organização maior é sua credibilidade e grandeza. E neste espaço de tempo ela já angariou miríades de inimigos implacáveis e vingativos, sempre movidos pela intolerância, ignorância e escravidão mental e espiritual. No Brasil, um grande exemplo de intolerância com a escravidão física, mental e espiritual proveio do homem maçom Deodoro da Fonseca. São de sua iniciativa: institucionalizar o casamento civil, tornar sem efeito jurídico o matrimônio religioso; instituir o registro civil; proibir o ensino de religião em escolas públicas; tirar os cemitérios do domínio das igrejas, secularizando-os; promulgar o Código Penal que extinguiu a pena de morte em tempo de paz no Brasil. Mesmo que tenha dirigido o país por curto tempo sob ditadura, ele é um exemplo do homem maçom que atuou na defesa das liberdades constitucionais e direitos inerentes ao povo. Usava da tolerância e da intolerância com equilíbrio.

É treinando seus adeptos que a Maçonaria combate intolerância, tirania, fanatismo, brutalidade e ignorância. O fato de desenvolver a tolerância, não significa que ela seja subserviente e sucumba diante da posição de homens mal orientados, mas bem intencionados, pois se assim fosse, ela já teria caído no esquecimento há bastante tempo. No exercício da tolerância e em seu treinamento a Maçonaria ensina que tolerância exige a definição de limites. Quando o maçom filosofa, faz exercícios na arte de pensar, especula e teoriza dentre as mais variadas linhas de pensamento, aí ele exercita a tolerância. Respeita e defende o que o outro maçom diz e pensa, a tal ponto que afirma ser capaz até de morrer para defender o pensamento de seu irmão.

Ao maçom é ensinado que o filosofar é pensar sem provas, isto exige tolerância, mas perseverar num erro é para ele uma falta que deve ser combatida, é a intolerância disparada pela ultrapassagem aos limites estabelecidos. É o limite do que é tolerável. Parte do princípio que ao intolerante imoral falta mesmo é inteligência, é desprovido de liberdade e não quer por isto dar liberdade aos outros. Para o maçom a liberdade de espírito vem da experiência e da razão exercida com tolerância limitada, pois só assim ela é efetiva.

E como a necessidade de tolerância surge apenas em questões de opinião, então em suas discussões ou estudos, normalmente é de praxe ao maçom sábio fazer severos exercícios de dicotomia, apresentar as mais diversas linhas de pensamento para qualquer verdade que defenda; deixa-se para o irmão ouvinte tirar suas próprias conclusões daquilo que postula em seu constante filosofar.

O maçom é condicionado na prática a combater a tolerância absoluta porque sabe que uma tolerância universal é moralmente condenável exatamente porque esqueceria as vítimas em casos intoleráveis de violência e abuso dos tiranos. Isto é, existem situações em que a tolerância em excesso perpetuaria o martírio das pobres vítimas. Dentro dos limites ditados pela moral, tolerar seria aceitar o que poderia ser condenado, seria deixar fazer o que se poderia impedir ou combater. Nesta linha podem-se tolerar os caprichos de uma criança ou as posições de um adversário, mas em nenhuma circunstancia o despotismo alienante de uma pessoa ou instituição.

Com humildade aceita que não há tolerância quando nada se tem a perder, haja vista que tolerar é se responsabilizar, porque uma tolerância que responsabiliza o outro já não é mais tolerância. Tolerar o sofrimento dos outros, a injustiça de que outros são vítimas, o horror que o poupa, já não é mais tolerância; é indiferença, egoísmo ou algo pior. Antes ódio, antes fúria, antes violência do que a passividade diante do horror, do que a aceitação vergonhosa do pior! Pela imposição de limites que o homem maçom se impõe em resultado de seu treinamento, uma tolerância universal seria tolerância do atroz. E quando levada ao extremo, a tolerância acabaria por negar a si mesma.

A tolerância só vale dentro de certos limites, que são os da sua própria salvaguarda e da preservação de suas condições e possibilidades. Se o maçom enveredasse por uma tolerância absoluta, mesmo para com os intolerantes, e se não defendesse a sociedade tolerante contra seus assaltos, os tolerantes seriam aniquilados, e com eles acabaria também a própria tolerância. O treinamento maçônico revela que uma sociedade em que uma tolerância universal fosse possível, já não seria humana. As conclusões da ordem maçônica levam seus adeptos a verificar que a tolerância é essencialmente limitada, pois uma tolerância infinita seria a fim da própria tolerância. Não se deve tolerar tudo, pois destina a tolerância à sua perda. Também não se deve renunciar a toda e qualquer tolerância para com aqueles que não a respeitam. Aquele que só é justo com os justos, generoso com os generosos, misericordioso com os misericordiosos, não é nem justo, nem generoso, nem misericordioso. Tampouco é tolerante aquele que só o é com os tolerantes. A tolerância como virtude depende do ponto de vista daqueles que não a têm. O justo é guiado pelos princípios da Justiça e não pelo fato do injusto não poder se queixar.

Democracia não é fraqueza. Tolerância não é passividade. Moralmente condenável e politicamente condenada, uma tolerância universal não seria nem virtuosa nem viável. A tolerância como força prática, como virtude, tem os seus fundamentos alicerçados no fato de que a fraqueza humana resulta de sua incapacidade de alcançar o absoluto.

A prática das oficinas maçônicas, naquelas aonde permanentemente é exercitada a capacidade de pensar, discutir, debater, ouvir e calar revela que a evidência é uma qualidade relativa. Mesmo que algo pareça exato, verdade, correto, pode no decurso de um debate mostrar que não é absoluto, daí nunca admitir-se que uma verdade é absoluta e final. As discussões, longe de afastar um irmão do outro, aproxima-os quando praticam dentro dos limites impostos pela tolerância que todos os seres humanos, indistintamente, são constituídos de fraquezas e de erros. Com isto em vista, o verdadeiro homem maçom, aquele que está desperto e ativo, perdoa as tolices que o outro comete e aguarda que aquele irmão de pensamento equivocado acorde de sua inconsciência, dando cumprimento para com esta primeira lei da sua natureza: a falibilidade.

A grande salvaguarda do homem maçom quando se contrapõe aos tiranos, é o conhecimento de que aquele, mesmo que possua em suas mãos o poder absoluto, não tem condições de impô-lo a ninguém, porque não poderia forçar um indivíduo a pensar diferente do que pensa, nem a crer verdadeiro o que lhe parece falso. Esta a razão da Maçonaria ter sido hostilizada e proibida desde quando surgiu na França e Holanda, países onde foi proscrita logo no início de sua expansão. É no pensamento que o maçom deve ser livre de forma absoluta, pois não há liberdade nem sociedade próspera sem inteligência.

A tolerância é tema fundamental da Maçonaria, inclusive sua existência é devida a ela, pois nasceu em decorrência da intolerância entre facções políticas e religiosas. É uma tolerância calcada na definição de limites claros. Ultrapassou o limite definido pelas leis em vigor em sua linha de tempo, não tem comiseração, o castigo deve ser aplicado com todo o rigor ou a sociedade fenece.

Cada maçom é estimulado de forma diferente pelo ensinamento da Maçonaria. O lastro que carrega mostra que o principal aspecto da ordem maçônica é o desenvolvimento de princípios morais calcados na espiritualidade. A simbologia, a ritualística e toda a filosofia envolvida, sempre em seu centro destaca a espiritualidade. O meio para desenvolver em espírito, apesar de ressaltado, não fica tão evidente. Apenas os mais sensíveis e aplicados a desenvolvem. Existem homens Maçons já bem antigos na ordem maçônica que sequer sabem de fato o que alguns símbolos representam. Um exemplo é o símbolo composto formado pelo esquadro, compasso e o livro da lei, onde o olho perspicaz visualiza um homem circunscrito por uma estrela de cinco pontas, significando a criatura religada ao Grande Arquiteto do Universo por laços de carne, pela espiritualidade encarnada. E disto se deduz a união com o Grande Arquiteto do Universo, sua religação com a divindade.

A tolerância é o que permite aos homens da Maçonaria viver em harmonia, onde esta última não existir, certamente não há tolerância com limites. Em consequência não existe amor, a única solução de todos os problemas da humanidade. E onde não existe amor também não se manifesta o Grande Arquiteto do Universo, o Deus que cada um venera a sua maneira, pois este só está onde as pessoas se tratam como irmãos, demonstram e praticam o mais profundo amor entre si.


Bibliografia

1. BAYARD, Jean-Pierre, A Espiritualidade na Maçonaria, Da Ordem Iniciática Tradicional às Obediências, tradução: Julia Vidili, ISBN 85-7374-790-0, primeira edição, Madras Editora limitada., 368 páginas, São Paulo, 2004;

2. BENNETT, William John, O Livro das Virtudes, Antologia, título original: A Tresaury of Great Moral Stories, ISBN 85-209-0672-9, primeira edição, Editora Nova Fronteira S/A, 534 páginas, Rio de Janeiro, 1993;

3. CAPRA, Fritjof, A Teia da Vida, Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos, título original: The Web of Life, a New Scientific Understandding Ofliving Systems, tradução: Newton Roberval Eichemberg, ISBN 85-316-0556-3, primeira edição, Editora Pensamento Cultrix limitada., 256 páginas, São Paulo, 1996;

4. COMTE-SPONVILLE, André, O Espírito do Ateísmo, título original: L'esprit de L'théisme, tradução: Eduardo Brandão, ISBN 978-85-60156-66-5, primeira edição, Livraria Martins Fontes Editora limitada., 192 páginas, São Paulo, 2007;

5. COMTE-SPONVILLE, André, Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, tradução: Eduardo Brandão, ISBN 85-336-0444-0, primeira edição, Livraria Martins Fontes Editora limitada., 392 páginas, São Paulo, 1995;

6. GREGÓRIO, Fernando César, Chaves da Espiritualidade Maçônica, ISBN 978-85-7252-236-6, primeira edição, Editora Maçônica a Trolha limitada., 184 páginas, Londrina, 2007;

7. ROHDEN, Humberto, Educação do Homem Integral, primeira edição, Martin Claret, 140 páginas, São Paulo, 2007;

8. SOUTO, Élcio, O Iniciado, Drama Cósmico Maçônico, ISBN 85-7374-331-X, primeira edição, Madras Editora limitada., 106 páginas, São Paulo, 2001;


A Mochila da Vida

Considerações da inutilidade de manter e alimentar ódio e ressentimentos;

Valor do perdão;

Posicionamento do maçom.

Charles Evaldo Boller


Ao percorrer a estrada da vida cada um se faz acompanhar de uma mochila que contém tudo o que se realiza. Existe aquele que, para não deixar ninguém ver seus erros, ainda não é sábio o suficiente para deixar pelo caminho as lascas que arrancou com esmero e força da pedra bruta. Seu medo em deixar transparecer sua condição humana imperfeita aos outros o leva a colocar tais detritos escondidos dentro de sua mochila da vida e passa a carregar aquelas nódoas consigo ao longo da jornada. Se não treinar o perdoar, este saco de viagem vai ficar cada vez mais pesado. Aprender a perdoar é perseverar num treinamento mental. É um grande e difícil passo. É livrar-se de algo que incomoda. Pode ser alguma ação que se fez ou que outros fizeram.

Deve-se desenvolver a habilidade mental de constantemente reorganizar a mochila da vida. Periodicamente tirar tudo de dentro dela e só recolocar o que se presta para uma viagem leve e tranquila. Só recolocar nela aquilo que realmente é necessário. Organizando-a de tal forma a aliviar seu peso e tornar a vida leve e solta. Não colocar dentro dela, em hipótese alguma e sob nenhum pretexto, ressentimento, desgosto, raiva ou decepção. Isto culmina na obtenção de facilidades na caminhada, na constante subida e descida das rampas de dificuldades com que se é confrontado. Tem-se o direito de ser feliz, e, para isto, começar por perdoar a si mesmo, elevar a autoestima. É forçoso deixar o lixo atormentador pelo caminho, independente do que dizem outros. Não é bobagem, é sabedoria!

"Seria muito mais produtivo se as pessoas procurassem compreender seus pretensos inimigos. Aprender a perdoar é muito mais proveitoso do que simplesmente tomar de uma pedra e arremessá-la contra o objeto de sua ira. Quanto maior a provocação, maior a vantagem do perdão. É quando padecemos os piores infortúnios que surgem as grandes oportunidades de se fazer o bem, a si e aos outros." (Dalai Lama).

É fácil perdoar a quem nos prejudicou?

Não, não é!

A necessidade de perdoar alguém sempre aflora quando alguma expectativa sua não foi alcançada.

Qual expectativa?

Por exemplo: que o outro faça, ou seja, alguma coisa, que deixe de usar algo, e assim por diante. Quer dizer: quando o outro faz algo que quebra expectativa sua. Quem não possui esta habilidade espera um pedido de perdão vindo do outro. O raciocínio mais comum é: o problema é do outro e não meu. E, devido a isto, o inapto fica cada vez com mais raiva do outro. Fica na expectativa que o outro lhe peça perdão, e, como aquele não o faz, cria uma sequência crescente de frustrações. Sua ira aumenta cada vez mais. A mochila da vida mais o pressiona contra o chão.

Levar a vida com outro nível de expectativa leva ao perdoar. Primeiro a si mesmo, depois ao próximo.

"O perdão cai como uma chuva suave do céu na terra. É duas vezes bendito: bendito ao que dá e bendito ao que recebe!" (William Shakespeare).

O homem sábio não permite que o outro o atinja. Ele sabe que é ele mesmo quem permite que o outro o acerte. Já aprendeu que é ele mesmo quem coloca mais peso dentro da sua própria mochila da vida. O próximo não é responsável pela sua frustração. É algo particular de cada um. Não tem como controlar um processo que é único e resultado exclusivo do livre-arbítrio do próximo. É você mesmo quem aceita colocar às suas costas o peso da frustração que alguém, intencionalmente ou não, impinge.

Tem aquele que diz:

- Você é a razão da minha felicidade!

Como é possível expressar tal sandice?

Isto é algo que leva fatalmente ao desenvolvimento de ressentimento e raiva. A necessidade de perdoar vem de o outro nem sempre fazer o que se espera. E a conclusão a que se chega deste raciocínio é que amar está mais no doar que no esperar.

Outra razão frequente de perdão vem para aquele que não tem tempo equilibrado em coisas distintas. Fatalmente terá momentos de decepção se não equilibrar seu tempo para todos os aspectos da vida.

Para perdoar o que contribui muito é boa saúde, alimentação correta, relaxamento, meditação, pensamento positivo e exercícios físicos.

Considerar que os problemas de relações interpessoais são cinco por cento reais e noventa e cinco por cento o que se faz deles. O sábio analisa as possibilidades e o nível de expectativa real sem fantasias. Isto diminui a frustração.

E como frustrações geram culpa, ao perdoar a si próprio, alivia-se o peso da mochila da vida. As lascas retiradas da pedra bruta são deixadas pelo caminho. E, só então, devidamente fortalecido, existe real possibilidade de perdoar ao ofensor, àquele que quebrou suas expectativas. Isto desenvolve a energia emocional de aceitar ao outro como ele é, sem a obrigação de aceitar o mal que faz ou a maneira como se comporta. Como não existe meio de controlar as ações de terceiros, ninguém é obrigado a tornar-se conivente com o indesejado. Aceitar seria ferir o seu direito à felicidade e certamente prejudica a saúde.

"O néscio aplica todas as energias na vingança; o perdão é a vingança da sabedoria." (Carl Wernick).

Como é impossível esquecer um mal que o outro fez, perdoar é evitar pensar na injúria recebida. Se possível, afastar-se do ofensor. Perdão é ato de defesa do próprio ser e implica em não realimentar emoções negativas. Perdoar não é ato de amor, mas de defesa pessoal. Amar é interessar-se pelo outro e tolerar pequenas imperfeições, mas quando a injúria é grande demais, o ato de perdoar, significa não pensar ou remoer o assunto. A indiferença é forma eficaz de aliviar a mochila da vida.

"A doença alimenta-se da falta de perdão. O perdão não tem nada a ver com aceitar um mau comportamento. A pessoa que você acha mais difícil de perdoar em geral é aquela da qual você mais precisa se libertar. Eu descobri que perdoar e em seguida deixar partir o ressentimento são atitudes que ajudam a curar até mesmo o câncer." (Louise L. Hay).

E como você nunca fará os outros mudarem, então a mudança deve vir de você mesmo. E, normalmente, como são os mais próximos que ofendem, é importante colocar limites. Ao mudar o seu relacionamento com as pessoas, elas mudam com certeza.

Sempre se obtém resultado positivo ao aliviar a mochila da vida.

"O fraco jamais perdoa: o perdão é característica do forte." (Mahatma Gandhi).

E o maçom forte e esperto tem sua mochila da vida sempre aliviada.


Bibliografia

1. BUSCAGLIA, Leo, Amando uns Aos Outros, O Desafio das Relações Humanas, título original: Loving Each Other, tradução: Sílvia Rocha, ISBN 85-01-03140-2, 12ª edição, Nova Era, 210 páginas, Rio de Janeiro, 1984;

2. CAPOZZI, Carmo, A Luva e a Alma, primeira edição, Agnes Gráfica e Editora, 96 páginas, São Paulo, 2008;

3. KEATING, Kathleen, A Terapia do Amor, título original: The Love Therapy Book, tradução: Terezinha Batista dos Santos, ISBN 85-315-0797-9, 11ª edição, Editora Pensamento Cultrix limitada., 98 páginas, São Paulo, 1999;

4. MARKHAM, Ursula, Superando o Estresse, Um Guia Prático para Aprender a Lidar com as Pressões do Dia-a-dia, título original: Managing Stress, tradução: Débora da Silva Guimarães, ISBN 85-7123-425-6, primeira edição, 198 páginas, São Paulo, 1989;

5. PRATHER, Hugh, Não Leve a Vida Tão a Sério, Pequenas Mudanças para Você se Livrar de Grandes Problemas, título original: The Litle Book of Letting Go, tradução: Beatriz Sidou, ISBN 85-7542-047-X, nona edição, Editora Sextante, 156 páginas, Rio de Janeiro, 2003;

6. SHINYASHIKI, Roberto T., A Carícia Essencial, Uma Psicologia do Afeto, ISBN 85-85247-01-0, 119ª edição, Editora Gente, 156 páginas, São Paulo, 1985;

7. SHINYASHIKI, Roberto T., Os Donos do Futuro, ISBN 85-87881-07-8, primeira edição, Editora Gente, 190 páginas, São Paulo, 2000;

8. TIBA, Içami, Amor, Felicidade & Cia, Integração Relacional, Coletânea de Textos, ISBN 85-7312-178-5, primeira edição, Editora Gente, 136 páginas, São Paulo, 1998;

9. TOURNIER, Paul, Para Melhor Compreender-se no Matrimônio, título original: Pour se Mieux Comprendre Entre Époux, tradução: Bertholdo Weber, primeira edição, Editora Sinodal, 72 páginas, São Leopoldo, 1972;

A Luz Seja Dada ao Neófito!

Interpretação filosófica e prática da cerimônia de iniciação;

Significado da cegueira na vida; busca da maioridade;

A busca da Luz segundo Kant.

Charles Evaldo Boller


Dar a Luz ao Neófito!

O que significa?

Significa uma caminhada solitária em busca da maioridade, do esclarecimento.

Segundo Kant, aufklärung, ou esclarecimento, significa a saída do homem de sua menoridade, da qual o culpado é ele próprio. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é culpado dessa menoridade se sua causa não estiver na ausência de entendimento, mas na ausência de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sabia que existem alguns que, mesmo iniciados, nunca encontraram o esclarecimento e tecnicamente permanecem profanos?

Querido irmão que golpeastes a pedra bruta e a olhastes por fora, pelos seus aspectos materiais e deformidades. Peço-vos que me acompanheis ao centro dela. Num arroubo de imaginação visualize a mesma por dentro, procure alcançar o centro dela. Este exercício é resultado de observação importante que se faz na Maçonaria, onde a maioria dos símbolos destaca algo importante no centro. O que imagina encontrar lá no centro da pedra bruta, que você mesmo? Tua espiritualidade! A espiritualidade é o centro. Cada maçom a possui a sua própria maneira. Mantenha sempre este lugar sagrado livre de conspurcação, porque todo corpo de maçom é considerado templo vivo da manifestação da presença do Grande Arquiteto do Universo.

Em tudo na vida busque o centro. Por exemplo: busque a Justiça pelo centro, da forma correta e equilibrada. Considere que Justiça sem força é fraca, tíbia, inexistente; e a Justiça que é só força tende a ser truculenta, bruta, aviltante. E quantos foram trucidados pela Justiça por insignificâncias, e outros tantos, grandes criminosos, estão soltos nas Ruas. Para obter a verdadeira Justiça, procurai um ponto de onde todas as características necessárias se equilibram. Busque Justiça a partir de um ponto que equilibra a força a ser aplicada para que resulte em verdadeiro crescimento e esclarecimento.

Fugi dos extremos!

  • Excesso de cultura sem Sabedoria poderá tornar-vos enfunados de orgulho, soberbos;
  • Força sem comedimento e em excesso poderá tornar-vos escravo do trabalho, dos sistemas que escravizam;
  • Exageros na busca da Beleza poderão levar-vos a uma vida cheia de lascívia e vícios.

Procure o centro!

Esclarecimento é o estabelecimento de limites e consta da busca do centro, com uma força interna que equilibre todas as tendências externas de vossa prospecção à verdade. Buscar o centro é procurar o equilíbrio na busca da verdade! E mesmo a verdade que achardes, desconfiai dela; porque como resultado de tudo estar em constante mutação, não existe verdade absoluta. Colocai-vos no centro, num ponto equidistante de vossas capacidades, e cercai-as com vossos próprios limites. Dentro destes limites colocai as virtudes, e como estais no centro, onde rege vossa espiritualidade, estareis cercado de virtudes, elas ficam bem próximas. Para além da sebe que criastes, dos limites que estabelecestes, colocai os vícios. E ficai no centro vendo os vícios afastarem-se cada vez mais.

O caminho da maioridade na Maçonaria exige: trabalho, disciplina e dedicação. O trabalho de ler, estudar, pensar. A Disciplina deve ser férrea ao dividir o tempo entre as atividades. Não vos esqueçais de também que estais numa via de duas mãos, ao mesmo tempo em que outros vos alimentam eles também poderão necessitar de vosso apoio, mesmo que seja apenas para encostar a cabeça em vosso ombro e chorar, ou abraçar-vos e sorrir. A Dedicação deve levar a não perder nenhuma sessão. Desta presença depende vosso crescimento. E o farás na companhia de irmãos que te amam e comungam o mesmo amor fraterno. Este conhecimento não é obtido em livros, é resultado da dinâmica de grupo das reuniões em loja. Em sendo o homem é um ser social por excelência, o poder do grupo é o que transmite o verdadeiro conhecimento que devereis buscar. E usai sempre de vossa espiritualidade para vos centrar. Buscai o centro, o equilíbrio harmonioso de todas as vossas tarefas, e em consequência encontrai vossa maturidade, vossa maioridade.

"A luz seja dada ao Neófito" significa esta caminhada ao centro de si mesmo e ninguém a poderá fazer por você. Desejo boa viagem! Que o Grande Arquiteto do Universo nos guarde a todos, e nos guie nesta jornada que só terá fim quando a luz de nossos pensamentos se apagarem!


Bibliografia

1. ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni, História da Filosofia, Antiguidade e Idade Média, Volume 1, ISBN 85-349-0114-7, primeira edição, Paulus, 670 páginas, São Paulo, 1990;

2. BERKENBROCK, Volney J., Dinâmicas para Encontros de Grupo, ISBN 978-85-326-2916-6, primeira edição, Editora Vozes limitada., 148 páginas, Petrópolis, 2008;

3. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, versão 1.0, 2001;

4. Enciclopédia Microsoft Encarta, 2001;

5. FIGUEIREDO, Joaquim Gervásio de, Dicionário de Maçonaria, Seus Mistérios, seus Ritos, sua Filosofia, sua História, quarta edição, Editora Pensamento Cultrix limitada., 550 páginas, São Paulo, 1989;

6. LIMA, Lauro de Oliveira, Dinâmicas de Grupo, na Empresa, no Lar e na Escola, Grupos de Treinamento para a Produtividade, ISBN 85-326-3151-7, primeira edição, Editora Vozes limitada., 310 páginas, Petrópolis, 2005;

7. WEIL, Pierre; TOMPAKOW, Roland, O Corpo Fala, A Linguagem Silenciosa da Comunicação Não-verbal, ISBN 85-326-0208-8, 33ª edição, Editora Vozes limitada., 288 páginas, Petrópolis, 1994;

A Ignorância, o Fanatismo e a Solidariedade

Arbitrariedades humanas.

Charles Evaldo Boller


Longe de se tratar apenas do desconhecimento generalizado, a Ignorância é o pior mal que aflige a sociedade humana. Não se trata apenas da falta de cultura geral, mas do mau uso que se faz do conhecimento existente. O ignorante oprime e subjuga o próximo em sua busca pelo poder, ao ganho fácil e desonesto ou baseado na força física e no ardil, provoca baderna, guerra, desmando e desmoraliza toda a sociedade; é um bruto.

Já o homem sábio e espiritualizado prima pela busca do respeito a si próprio e pratica o amor fraterno. Mesmo que a maioria não o mereça, é tolerante até o limite de sua capacidade individual. A sabedoria não é a erudição; é um conjunto harmonioso de conhecimentos e disposição mental. Além de ser estudioso, aperfeiçoar-se permanentemente, o homem de perspicácia age e fala em conformidade com a razão e a moral, com prudência e experiência de vida, é sensato, equilibrado, sensível, moderado, sereno, amigo do progresso, sujeito a mudanças, evita o confronto pela força física, luta pela verdade, justiça e união dos povos, visa a intensificação da luz da visão interior, fomenta a promoção do crescimento do bem e da perfeição e promove o autoconhecimento. Ao entrar na posse das noções equilibradas dos direitos e deveres de cidadão e ser humano, e, ao educar-se permanente, liberta-se, pois só uma pessoa livre pode promover ações que ajudam a sociedade a quebrar os grilhões da escravidão do sistema dos embrutecidos.

Infelizmente, tanto o fanatismo político como o religioso promovem as maiores arbitrariedades. Supostamente por ordem da divindade o fanatismo religioso é uma espécie de anomalia mental que contamina as pessoas e perverte a razão. A história tem muitos relatos de quão horrorosa pode ser uma sociedade dominada pela superstição, falsidade e loucura fundamentalista. Também os fanáticos políticos, movidos pela cobiça e o poder, muitos males causam a sociedade. Miríades de homens e mulheres de valor foram calados ao longo da história humana pelos extremismos político e religioso.

A Maçonaria, orientada pelo Grande Arquiteto do Universo, sem ufano, tem a pretensão de promover a educação necessária para melhorar o ser humano, combater o fanatismo e promover a solidariedade como recurso para eliminar os males da vida de seus obreiros e da sociedade em geral. A associação de Maçons não consta de uma proteção incondicional recíproca, mas é fundamentada em valores e condições razoáveis. A melhor proteção de seus membros vem da educação que ela promove, e deste desenvolvimento pessoal e do relacionamento interpessoal florescem amizades, vínculos de perfeita união, tão fortes que fazem da ordem um local onde o amor fraterno é usado para moldar espíritos e intelectos para se tornarem pessoas de valor na sociedade em que vivem.

E assim, educando a pessoa, esta pelo exemplo, conquista outras pessoas no meio em que vive, tornando a vida da sociedade global mais fácil de ser vivida.

Que o Grande Arquiteto do Universo abençoe a todos!


Bibliografia

1. EBRAM, José, A Alma Maçônica, ISBN 85-7374-649-1, primeira edição, Madras Editora limitada., 94 páginas, São Paulo, 2003;

2. NALLY, Luis Javier Miranda MC, A Ética no Caos ou Aprendendo com o Caos, ISBN 978-85-7252-271-7, primeira edição, Editora Maçônica a Trolha limitada., 176 páginas, Londrina, 2009;

3. PUSCH, Jaime, ABC do Aprendiz, segunda edição, 146 páginas, Tubarão Santa Catarina, 1982;

4. TZU O MILITAR CHINÊS, Sun, A Arte da Guerra, tradução: Ana Aguiar Cotrim, ISBN 85-336-1684-8, primeira edição, Livraria Martins Fontes Editora limitada., 336 páginas, São Paulo, 2002;