Considerações e significado da aparente falta de ordem dos
graus do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Charles Evaldo Boller
Ao fazer resumo dos graus filosóficos do Rito Escocês Antigo
e Aceito buscou-se por um encadeamento lógico entre eles; um ou outro formam
certa ligação, mas a conclusão até o momento é: não existe interconexão; os
diversos graus não mantêm vínculo entre si; o amor é elo da maioria, mas
existem graus que dele nem passam perto; é como se os temas dos graus fossem
jogados ao léu, em desordem, logicamente desconexos, aleatórios em suas
propostas, mas magníficos e esclarecedores em seus objetivos.
Esta inexistência de conexão lógica entre os graus é busca
constante de mentes com formação cartesiana. Teria a Cabala respostas? O
misticismo? O esoterismo? A lógica humana continua exuberante dentro da
filosofia maçônica, seja ela mecanicista ou mística, mas em todos predomina
cegueira, não se entende a possibilidade de existir ordem na desordem. O maçom
busca a perfeição. Seu objetivo é a religação com a divindade. Estará ele
munido de capacidade intelectual suficiente para ver beleza e ordem onde sua
capacidade de pensar ainda não alcança e apenas vê desordem? Infelizmente é na
busca desta condição de perfeição condicionada ao grau de evolução humana que
se obscurece a razão para ver ordem na aparente desordem.
Kepler é bom exemplo quando forçou beleza e simetria em seus
modelos, quando embutiu as órbitas planetárias do sistema solar em cubos e
esferas; sabe-se hoje que as órbitas dos planetas que circundam o Sol são
elípticas irregulares; ele não admitia que o Grande Arquiteto do Universo
pudesse usar de figuras irregulares na construção do Universo. Esteve privado
de visão devido à limitação da ciência e de seus referenciais transcendentais -
em sua concepção, um Deus geômetra respeitaria proporções e figuras perfeitas
na construção do Universo; aquilo que a mente de Kepler definia como perfeito e
belo e não a realidade criada por Deus. Foi um erro de interpretação que trouxe
luz para a ciência e assim ainda o é com respeito a muitas verdades a serem
desveladas.
O sistema da ordem maçônica trata a mente de homens que
pensam com lógica, mística e matemática em presença da desordem. Modifica o
pensamento do místico e do sensitivo na presença da desordem e intui a presença
de ordem. Leva o buscador cientista a encontrar nos mecanismos da Natureza a
inspiração de espiritualidade que o religam ao Grande Arquiteto do Universo,
mesmo na presença da aparente desordem. Existe evidência para especular e forte
razão para inferir que a falta de ligação lógica entre os diversos graus do
Rito Escocês Antigo e Aceito pretende demonstrar, provocar, que é na confusão
que está assentada a ordem das coisas; que Deus escreve em "linhas
tortas", em linguagem ainda incompreensível, indecifrável ao homem, todo o
projeto do Universo. E que esta linguagem, em virtude da visão limitada do
homem, mantém aparência de desordem quando em verdade manifesta perfeição num
nível superior á compreensão da criatura.
A psique humana insiste em buscar ordem, perfeição e
disciplina na Natureza porque não aceita que vai morrer, decompor-se em seus
elementos químicos elementares, voltar para o lugar de onde foi tomado. Se o
homem abandonar a ideia de buscar perfeição naquilo que ele define como
perfeito, lógico e belo, encontrará na imperfeição, na aparente desorganização,
razões onde tudo é gerado de forma perfeita e bela. Verá ordem no que aparenta
desordem, haja vista o homem ser limitado pelos seus sensores e ainda é incapaz
de entender a lógica do Criador. O indício transmitido da desarrumação dos graus
acena que é da mistura de ideias e sentimentos, emanada da filosofia dos graus
que ocorre ligação mais forte com a Natureza no bailado que celebra a vida.
Platão afirmava que o único círculo perfeito é a ideia de
círculo que existe na imaginação. É comum encontrar o que insiste na formação
de ligação matemática e perfeita entre o Grande Arquiteto do Universo e sua
criatura, o homem. Ao olhar-se para a Natureza revela-se exatamente o
contrário, que a ordem reside na confusão, da diversidade. Pretendem alguns que
a experiência mística da existência da divindade de alguma forma esteja ligada
ao homem por equações matemáticas, pela lógica ou consciência transcendente ao
mundo físico. Sábios tentam estabelecer pontes entre a razão humana e a
inteligência divina. O encadeamento ilógico dos graus do Rito Escocês Antigo e
Aceito levanta a possibilidade de se observar a origem da Natureza no caos.
Ao se especular a história do Cosmos, desde o início da
grande expansão até a formação da célula, o caos é uma boa e razoável - não
única - explicação para a existência da vida. Quando o homem olha a si mesmo:
primeiro - como matéria feita com quase nada de massa; se considerar o átomo
composto essencialmente de espaço vazio, possuidor de diminutas partículas; que
todas juntas possuem massa insignificante, mas tremenda energia; isto pode até
justificar a volta ao pó. Segundo - como matéria totalmente destituída de
massa, absolutamente nada em termos físicos; se o átomo for considerado
resultado de fenômenos eletromagnéticos; o átomo ser o resultado da interação
de campos magnéticos, dipolos; apenas energia; nada de matéria; apenas o vazio,
o nada; isto pode até justificar a volta para a luz. Somos pó? Somos luz? Ainda
não sabemos ao certo. Experiências de laboratório demonstram que a superfície
da pele humana emite brilho, luz, fótons, que pode ser a manifestação do corpo
físico do homem possuir nada em termos materiais, montado a partir da mais pura
energia. A partir destas meditações pode-se especular que neste nível de observação
da Natureza abala-se qualquer convicção de ordem e perfeição; ressalta-se desta
observação que a vida é resultado de imperfeições, acidentes e assimetrias que
ocorreram na linha de tempo construída pela história do Cosmos. A existência da
vida ainda é um acontecimento fora das leis naturais inferidas pela concepção
tecnológica e mística humana.
O que é inexplicável à compreensão humana ou é denominado
milagre ou se constrói ao seu redor uma interpretação mística que usa da
perfeição interpretada pelo homem e, a semelhança de Kepler, encaixa-se tudo o
que não se consegue explicar dentro de padrões que são familiares aos sensores
materiais. Na concepção do homem material, em sua concepção antropomórfica, o
Grande Arquiteto do Universo usaria apenas aquilo que a mente humana já
concebeu em termos de perfeição e beleza. É o homem quem encaixa o que não
entende em padrões simbólicos ao seu alcance e é por isso que não aceita o
padrão definido pelo Grande Arquiteto do Universo na construção do Universo. É
a razão do maçom não discutir a constituição e aparência do Grande Arquiteto do
Universo, um ser desta magnitude está fora de sua capacidade sensorial; cada
homem cria um Deus de acordo com sua própria experiência sensorial. O conceito
maçônico de Grande Arquiteto do Universo é o mais inteligente dos estratagemas
para obter liberdade de dogmas e falácias resultantes da interpretação humana
do Universo e da vida.
O homem que se conscientiza como resultado perfeito de
fenômenos aleatórios e imperfeitos, percebe, justifica e testifica a existência
de uma mente orientadora e criadora à qual o maçom materializa pelo conceito de
Grande Arquiteto do Universo. Sem uma mente por detrás do caos a concepção de
vida é impossível. Caos transmite para a lógica humana a ideia de destruição,
imperfeição e apenas uma força ou mente orientadora poderia, na concepção
humana de perfeição, colocar ordem no caos. O homem apenas não domina ainda a
capacidade de entender como o Arquiteto dos Mundos desenha a matéria animada e
inanimada; principalmente de onde resulta a vida, o que certamente afastaria o
medo da morte, do nada, do esquecimento.
O homem considera-se muito importante, é a criatura eleita,
o centro do Universo. Falta-lhe humildade para reconhecer que o código, a
lógica divina está escrita em símbolos que ainda não formam sentido nem para a
mente de formação mecanicista nem para a de formação mística. Todas as
criaturas vivas da biosfera da Terra são parte de uma única criatura viva e
interdependente, onde o homem é apenas mais uma criatura deste imenso caldeirão
de massa viva. Sua percepção ainda não está capacitada para entender o alfabeto
e a lógica do Grande Arquiteto do Universo. E como tenta construir a lógica
divina enclausurada em sua própria experiência, condicionada a ilusão percebida
pelos seus próprios sentidos, as tentativas de esclarecimento conduzem a
respostas falaciosas, inverdades. Daí uma minoria tentar impor suas verdades
aos demais pela força, resultando em prepotência e obscurantismo, empecilho na
busca de aperfeiçoamento da simbologia da criação. O homem iludido pela sua
percepção do Universo há que aperfeiçoar seus sensores ou utilizar-se de
instrumentos que permitam ver muito além de sua restrita realidade, até o
momento em que consiga ver ordem no caos.
A filosofia é um instrumento que permite ver aonde não
existe luz, onde os sensores materiais e místicos nada percebem. A luz provém
do caos. A ordem é inanimada, não se modifica, é sinônimo de morte. O caos é
movimento, é energia, é manifestação de vida. Da divisa dos graus filosóficos
do Rito Escocês Antigo e Aceito verte "ordo ab chao", "ordem no
caos"; ou seria, "a ordem está no caos"?
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