Kant e a Maçonaria.
Charles Evaldo Boller
Kant (1724-1804) melhorou as ideias de Rousseau (1712-1778)
na linha do pensamento iluminista, traduzindo o pensamento daquele nos termos
conhecidos hoje na Maçonaria:
- Busca do equilíbrio entre corpo, mente, emoção e espiritualidade ficaram esclarecidas e desvinculadas de intermediação por terceiros; o maçom trabalha só num templo vivo, que é ele mesmo;
- A educação pessoal passa a ser focada no aprendiz, no aluno e não no professor, no clérigo ou numa instituição; o aprendiz trabalha em si mesmo; todo maçom é um eterno aprendiz no que diz respeito aos seus assuntos;
- Limita que a razão não é capaz de reconhecer realidades que não provocam a experiência sensível como: Deus, imortalidade da alma, o infinito do Universo, liberdade, questões metafísicas e consciência moral; daí o cultivo da espiritualidade ser parte da educação obtida na Maçonaria, que não é religião; a espiritualidade é parte indissolúvel do processo de educação natural sem configurar-se em religião; na Maçonaria, escolher uma religião é responsabilidade individual;
- Diferencia os princípios racionais da razão especulativa; razão da apresentação, pelos maçons, de múltiplas facetas de uma mesma verdade em suas considerações e especulações; deixa-se para o ouvinte formular seu próprio juízo;
- Aproxima a razão prática com a vida prática e moral; isto é o que recebe maior ênfase no desenvolvimento maçônico para preparar o homem para a ação social e de onde o maçom deriva ganhos em todos os aspectos, inclusive financeiros;
- Desenvolve raciocínios a respeito de se cumprir o dever pelo dever e não em troca de favores ou benefícios; a espiritualidade e a obediência civil instruída pela filosofia maçônica não é baseada em prêmio e castigo, céu e inferno; cumpre-se o dever pelo dever e não com vistas a um ganho de qualquer tipo; a obediência se dá porque o maçom deseja ser bom e não em resultado de benesse ou tribulação;
- Incentiva o homem a agir pelo dever e combater a boa luta interior entre a lei universal e as inclinações individuais, lançando os pressupostos da liberdade da vontade;
- Preconiza a aprendizagem do controle do desejo não com vista a um suposto prêmio, mas pela disciplina para atingir o governo de si mesmo e a capacidade de se autodeterminar; de modo que cada um forme em si mesmo o seu próprio caráter moral;
- Que mesmo sob forças de coerção, a finalidade principal é propiciar o afloramento do sujeito moral de modo a unir educação e liberdade; na Maçonaria a liberdade é resultado de treinamento, condicionamento do equilíbrio entre liberdade e responsabilidade;
- Define que nenhuma verdade vem de fora do indivíduo, mas é construída pelo cidadão em si mesmo, com alicerce naquilo que ele foi e é; é o indivíduo quem permite que a verdade lhe penetre mente e coração por ação da razão treinada e instruída;
- Estabelece que liberdade de credo seja o ponto base para a boa educação; isto enriquece o debate dos assuntos tratados, visto sob a ótica de outras interpretações religiosas e derruba a razão de tanta separação indevida em nome de verdades que às vezes divergem apenas por mera interpretação semântica ou posições de pontos e vírgulas;
- Cria critérios de liberdade e tolerância religiosa; é a razão de na Maçonaria sentarem sob um mesmo teto pessoas que em outras condições seriam capazes de se agredirem ao ponto de se matarem;
- Afirma que a pessoa moralmente livre é um fim em si mesmo e não para alguma coisa, para ninguém, nem mesmo para Deus; isto de forma alguma limita o poder divino, antes, o enaltece, pois o Criador criou a criatura com o espírito da liberdade, com livre arbítrio; é especificação intencional e característica da criatura ditada pelo Criador; O projeto do homem inclui a autodeterminação, tudo passa pelo filtro do ego, pelo livre arbítrio, e neste mecanismo nem o Grande Arquiteto do Universo interfere; a criatura foi criada livre; e liberdade responsável é uma das principais divisas utilizada pela Maçonaria.
Por influência do Iluminismo, Kant cunhou o verbete alemão
"Aufklärung", em português "esclarecimento", onde ele
afirma que o homem é culpado de sua própria menoridade em termos educacionais,
quando esta deficiência não for falta de entendimento, mas falta de coragem ou
indolência.
É devida a Horácio, e neste mesmo contexto utilizada por
Kant, a expressão latina "sapere aude", ou "ouse saber",
que determina ao homem munir-se de coragem para saber, estudar, conhecer.
A Maçonaria provoca o maçom a largar de sua acomodação de
menoridade e que desenvolva a coragem de se responsabilizar pela vida e pela
sua história, conduzindo a sua existência para a maioridade. Insiste-se que se
abandone a culpa que o escraviza e o submete ao sistema de coisas. Isto é
incutido já na iniciação do primeiro grau, quando não pode prescindir da
condução de um terceiro em seus passos, cuja dependência dos irmãos vai se
libertando cada vez mais na escalada dos graus.
É intenção que o homem saia de sua condição de culpado pela
menoridade e vá à luta, que saia de sua acomodação e comece a pensar por si
mesmo, utilizando-se plenamente de sua capacidade racional. As provocações
contra a alienação do pensamento e da heteronomia, deixar-se conduzir por
outro, pretendem livrar o homem e conduzir para a educação natural. Fomenta-se
que passe a assumir o risco de suas decisões e coragem para superar o medo que
inibe os processos criativos.
Para obter a coragem de determinar-se livre o maçom se
utiliza dos irmãos, do apoio que deles emana como grupo. O indivíduo interage
com o grupo, agindo cada um reciprocamente sobre o outro. Esta interação pode
levar a ação positiva pelo condicionamento pela educação, mas não é
determinante porque depende muito da força de vontade de cada um em
determinar-se, de superar o ego, de derrubar as quase intransponíveis muralhas
do livre arbítrio.
Para obter a liberdade apenas coragem não é suficiente. Há
necessidade de comprometimento pessoal, a autoeducação, de o maçom esculpir-se
para fora da rocha disforme e rústica, daí aflora a possibilidade de
transformação interna, da transformação do homem integral. Ao superar a
minoridade da heteronomia, o medo da liberdade, e assumir a responsabilidade de
si mesmo, desperta o homem natural definido por Rousseau; morre o homem
escravizado e nasce o homem livre. Todas as iniciações da Maçonaria são exercícios
de aprender a morrer para aprender a viver bem. Mostra-se o quanto é efêmera a
vida, daí resultar em motivação para viver bem a vida, de ser bom porque assim
a razão o determina e não porque possa sofrer algum castigo ou receber
determinado prêmio.
Ao ser humano que faz uso de sua capacidade racional é dada
a oportunidade de construir-se a si mesmo, de esculpir-se de dentro da pedra em
todos os sentidos. Trabalhar o todo de si mesmo bem acima dos instintos e
produzir cada característica individual de sua própria existência. Esta é a
educação natural definida por Rousseau e Kant na construção de homens livres e
donos de si, que na Maçonaria são pedras vivas e independentes, construtores
com seus próprios corpos do edifício da sociedade. E este trabalho justifica o
fato de o maçom nunca iniciar uma tarefa antes de render honra ao Grande
Arquiteto do Universo.
Bibliografia
1. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, História da Educação e da
Pedagogia, Geral e Brasil, ISBN 85-16-05020-3, terceira edição, Editora Moderna
limitada., 384 páginas, São Paulo, 2006;
2. ROHDEN, Humberto, Educação do Homem Integral, primeira
edição, Martin Claret, 140 páginas, São Paulo, 2007;
3. ROUSSEAU, Jean- Jacques, Emílio ou Da Educação, R. T.
Bertrand Brasil, 1995;
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