sexta-feira, 29 de setembro de 2023

A Prática do Debate na Maçonaria

 Absorvendo a Luz.

Charles Evaldo Boller


É no debate, na atividade em grupo, que o ser humano, considerando os seus valores e princípios, acumula conhecimentos em resultado da experiência da vida em grupo. Esta experiência de vida em comum com as pessoas tem carácter de transmitir complicados processos de pensamento em resultado da reciprocidade dos processos da comunicação humana. Isto acontece na divisão do trabalho e na organização social, e, principalmente, numa sessão maçônica onde os homens se reúnem para discutir temas e, com certeza, sempre saem da reunião com pensamentos individuais melhorados. Sobressai o patrimônio cultural da comunidade e cada indivíduo é enriquecido de forma surpreendente. Todos os participantes se beneficiam do esforço intelectual de cada membro do grupo.

Analogia simples é comparar as atividades do pensamento ao fato de vivenciar que é da reunião de pequenas poupanças que surge o desenvolvimento social. São exemplos: as instituições bancárias, as empresas de investimento, cooperativas, sociedades anônimas e outras. Basta estender este raciocínio para o trabalho em grupo de um debate bem dirigido. Os debates da Maçonaria funcionam qual cooperativa intelectual. Todos ganham dividendos imediatos em resultado da sua produção em equipe. Somam-se as experiências individuais e cada participante passa a ser depositário do conhecimento dos demais participantes.

Quando se cria em loja um processo sistemático de transmissão de experiência, além de transformar os momentos de reunião em algo prazeroso ela torna-se rentável até em termos financeiros. Os dividendos do investimento intelectual ocorrem imediatamente se a experiência acumulada, em resultado do somatório das experiências individuais, for colocada em prática. É onde o maçom torna-se homem de ação e progride no seu meio social. Desenvolver processos mentais não é tarefa individual, algo que se efetue com sucesso longe do convívio social. Acúmulo de conhecimentos é processo coletivo e a sua aplicação é individual. Depende apenas de como cada participante aceita mudar a si próprio. É a prática do famoso "conhece-te a ti mesmo", de Sócrates.

O interessante destes procedimentos é a ascensão de nova era de transmissão de experiências. Com isto desaparece a figura do professor e prevalece a força do grupo, sem a ocorrência de desperdícios da experiência acumulada. O coordenador de um grupo de debate não é professor ou chefe. Debates nivelam a loja. Todos os degraus e balaustradas desaparecem prevalecendo a igualdade do grupo. O coordenador é quem menos fala, mas pode ser aquele que detém maior conhecimento sobre o assunto em questão. Quem debate são os membros do grupo, o coordenador é mero participante em pé de igualdade e tem autoridade apenas para ceder a palavra ou retornar o debate ao tema quando eventualmente ocorre desvio. Com a participação ativa de cada membro no debate, os participantes passam a gostar cada vez mais das atividades culturais porque é a essência do ócio criativo defendido por Domenico de Mais e que na Maçonaria ganha a designação de Arte Real.

No debate desaparecem as cercas incutidas pela divisão do trabalho da sociedade e que dá aos participantes classificações como: engenheiro, médico, balconista, arquivista e outros. Estas designações funcionam como etiquetas que são afixadas a cada cidadão e muitas vezes os fazem despercebidos no meio social. É o caso de atividades mais humildes, mas extremamente importantes, como por exemplo: garis, faxineiros, copeiros garçons, e outros. O debate em loja tem o objetivo de eliminar estas diferenças e propiciar a participação de todos em pé de igualdade. Vale o poder do pensamento. É desta diferença cultural que o grupo de debate se vale para melhorar cada um dos seus participantes. São eliminadas as estereotipadas diferenças burocráticas e enaltecidos os valores de cada indivíduo.

Todos os maçons são cultos na base experimental de valores e princípios. Todo homem é culto. Por vezes o mais humilde participante de um grupo de debate é o que mais contribui com experiência ao tema que está em discussão. Frequentemente é dos calados e humildes que afloram as melhores soluções ao tema que está em discussão. Daí, em um dos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito se afirmar que o conhecimento não é questão do cargo, mas resultado do espírito colaborativo que surge num grupo de debates. Num debate ninguém dorme. Não existem as aulas ministeriais, desaparece a figura do doutor e do professor. Todos são iguais conforme estipulado pelo dístico: liberdade, igualdade e fraternidade.

Comparando a atividade oratória numa palestra com um vibrante debate entre diversos irmãos: com cinco minutos de oratória as mentes dos ouvintes iniciam um processo de divagação, em sete minutos desvio para outros pensamentos, em dez minutos acontece bloqueio total das palavras do orador, o ouvinte pode chegar até a dormir. Resultado: pouco é aproveitado por se tratar de atividade passiva. Num debate isto não acontece. Todos ficam ligados ao debate porque podem ser acionados a qualquer momento a se pronunciarem sobre o assunto e esta expectativa mantém todos vigilantes a ativos. Resultado: o conhecimento compartilhado é melhor aproveitado pelos elementos do grupo.

Numa loja maçônica existe o ambiente propício ao desenvolvimento de debates produtivos e motivadores porque as sessões estão pautadas em disciplina treinada de falar um de cada vez, sem apartear o orador que está com a palavra. Prevalece o princípio da autoridade calcada na hierarquia que todos respeitam e obedecem. Não degenera em sufocação da liberdade ou coação. A hierarquia não impede que os membros se considerem pessoas livres e questionem ordens: sem questionamento desaparece a responsabilidade. Os participantes são motivados em serem amigos da sabedoria, do latim "philos" + "sophia". Prevalece o filosofar maçônico que faz a todos crescerem além daquilo que cada um tem em si, antes de adentrar ao templo. Ocorre a personalização do indivíduo. São construídas pessoas, diferente de instrumentos de linha de produção ou simples executor de ordens. Aflora a conscientização da necessidade de participação do indivíduo menos culto. O grupo desenvolve ambiente amoroso e fraterno. Prevalece o princípio da igualdade. O grupo impõe a obediência às leis e regulamentos.

As sessões com debates atraem as pessoas porque cada obreiro sai fortalecido e renovado da reunião para as suas atividades do quotidiano. Torna-se mais astuto na convivência com outras pessoas, fugindo às demandas improdutivas e com isto cresce no meio social. Tal disposição mental é resultado da convivência e do treino a que se sujeita dentro da loja em debates onde a sua capacidade intelectual vive em constante desafio para montar o pensamento para o bem da comunidade. E como construtor da sociedade o maçom obtém sucesso no seu meio social e dá honra e glória ao Grande Arquiteto do Universo.


Bibliografia

1. ANTISERI, Dario; REALE, Giovanni, História da Filosofia, Antiguidade e Idade Média, Volume 1, ISBN 85-349-0114-7, primeira edição, Paulus, 670 páginas, São Paulo, 1990;

2. BERKENBROCK, Volney J., Dinâmicas para Encontros de Grupo, ISBN 978-85-326-2916-6, primeira edição, Editora Vozes limitada., 148 páginas, Petrópolis, 2008;

3. LIMA, Lauro de Oliveira, Dinâmicas de Grupo, na Empresa, no Lar e na Escola, Grupos de Treinamento para a Produtividade, ISBN 85-326-3151-7, primeira edição, Editora Vozes limitada., 310 páginas, Petrópolis, 2005;

4. MASI, Domenico de, Criatividade e Grupos Criativos, título original: La Fantasia e lá Concretezza, tradução: Gaetano Lettieri, ISBN 85-7542-092-5, primeira edição, Editora Sextante, 796 páginas, Rio de Janeiro, 2003;

5. MASI, Domenico de, O Futuro do Trabalho, Fadiga e Ócio na Sociedade Pós-industrial, título original: Il Futuro del Lavoro, tradução: Yadyr A. Figueiredo, ISBN 85-03-00682-0, nona edição, José Olympio Editora, 354 páginas, Rio de Janeiro, 1999;

6. MASI, Domenico de, O Ócio Criativo, tradução: Léa Manzi, ISBN 85-86796-45-X, primeira edição, Editora Sextante, 328 páginas, Rio de Janeiro, 2000;

7. RUSSELL, Bertrand Arthur William; MASI, Domenico de; LAFARGE, Paul, A Economia do Ócio, ISBN 85-86796-87-5, primeira edição, Editora Sextante, 184 páginas, Rio de Janeiro, 2001;

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