quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Rousseau e a Educação Natural

Educação natural e liberdade.

Charles Evaldo Boller


Rousseau (1712-1778) disse que: "Toda a nossa sabedoria consiste em preconceitos servis; todos os nossos usos não são senão sujeição, embaraço e constrangimento. O homem civil nasce, vive e morre na escravidão; ao nascer, envolvem-no em um cueiro; ao morrer, envolvem-no em um caixão; enquanto conserva sua figura humana está acorrentado a nossas instituições". (Emílio, ou da Educação, Rousseau, São Paulo, Difel). Rousseau foi o mentor inicial da educação natural, cujas ideias foram depois reforçadas, melhor definidas e ampliadas por Kant (1724-1804). Estabeleciam um gradativo retorno à natureza, não de forma a transformar o homem em selvagem, mas pela naturalização comportamental e espontaneidade dos sentimentos.

Papéis significativos foram também desempenhados por Diderot (1713-1784) e Helvétius (1715-1771), quanto à importância no desenvolvimento pessoal usando como mola propulsora as paixões positivas e que rejuvenesceriam o mundo moral. Para obter a liberdade individual, as paixões positivas desempenhariam valor vivificador no mundo moral. Os combates às paixões do maçom dizem respeito àquelas associadas ao vício e licenciosidade, já as paixões ligadas às virtudes e benéficas à educação natural do homem são fortemente incentivadas.

A escravidão sempre se baseia na falta de educação; é muito mais fácil dominar o ignorante, violento e amoral que o indivíduo esclarecido, ou iluminado pela educação. Quando a escola era domínio da religião, ela disseminava a semente da dominação absoluta do rei para assuntos políticos e da religião para assuntos metafísicos; assim compartilhavam o poder apenas entre si. A educação antiga só era de fato acessível às elites e em todas as eras sempre representa uma forma de poder. Desde a invenção da escrita a manutenção do Estado era realizada pelo escriba, cargo que só os mais ricos e influentes obtinham. Em quase todas as civilizações a educação era controlada pela Teocracia - isto sempre restringiu o acesso ao conhecimento técnico aos iniciados na religião do Estado. No antigo Egito, Mesopotâmia, China, Índia, na tradição hebraica, enfim, todas as civilizações centralizaram o conhecimento nas castas mais abastadas da população, e principalmente, em iniciados em mistérios religiosos da religião do Estado. Assim funcionava até que os iluministas introduziram modificações na educação.

A educação natural, aquela voltada para a felicidade individual, laica e não intelectualizada reduziu a dominação absolutista. Normalmente em convulsões revolucionárias. O grande valor do trabalho de Rousseau na pedagogia é o fato de dar ao ensino público uma conotação política e de valorização do homem em todos os níveis sociais, disposição exposta quando afirma que a educação pública deve passar necessariamente por formação cívica, de identidade do cidadão com o país. Afirmava não ser a educação pública ideia dele e quem tivesse interesse, que lesse 'A República', de Platão. O ensino público e gratuito foi o veículo mais importante do Iluminismo que preconizava pelo uso da razão no combate às superstições e obscurantismo religiosos.

A Maçonaria é instrumento importante, não o único, na defesa da escola leiga, não relacionada a religião e função do Estado. Entre outras acusações, mas principalmente pelo posicionamento para a educação, a Ordem Maçônica foi objeto de violentas reações do poder dos estados, bem como, de bulas papais de condenação; ódio que até hoje não foi revogado. O medo dos poderosos não é tanto pela forma esotérica das reuniões dos maçons, mas principalmente pelo fato de pela educação natural libertar o pensamento do cidadão, conscientizando-o de seu papel na sociedade e no Universo. A ordem maçônica não concorda com posicionamentos radicais ou de concentração de poder, e isto lhe rende poderosos inimigos. A vingança de insidiosos perseguiu maçons; miríades morreram para manter a ação de educar o homem do povo em direção à liberdade.

Em sua época, Rousseau teve de fugir diversas vezes da perseguição. As bases de suas considerações pedagógicas declaravam que o homem em estado natural é bom, mas a sociedade dominada pela hipocrisia das instituições o corrompe, destruindo sua liberdade; dizia: - "o homem nasce livre e por toda parte encontra-se a ferros". Em termos políticos defendia que o povo é soberano, e para tal há necessidade de educar o ser humano integral; desenvolveu a ideia da educação natural - nos moldes do que os nobres praticavam em certa fase histórica de Atenas, na Grécia antiga, e hoje, na Maçonaria, tal procedimento é representado simbolicamente pelo homem esculpindo a si mesmo de dentro da rocha disforme.

A educação natural rejeita toda e qualquer tentativa de intelectualização da educação; na Maçonaria qualquer pessoa tem acessos e facilitadores a complexos pensamentos filosóficos apenas por nutrir-se da vasta coleção de símbolos e alegorias.

A linha de pensamento iluminista foi fortemente influenciada pela obra intelectual de Rousseau na educação, inclusive vai além do ato pedagógico e de formação humana que ele apresenta em 'Emílio' e depois complementa em 'Do Contrato Social'. Em conjunto estes trabalhos estabelecem conceitos de cidadania natural do homem na sociedade. O objetivo de Rousseau sempre foi o homem do povo; do cidadão com vistas ao desenvolvimento do homem natural; que não deve ser confundido com o homem da natureza, analisado em seu 'Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens'.

O homem natural é o melhoramento do homem da natureza, o cidadão como essência do homem civil, mesmo quando este convive em ambiente hostil às virtudes como acontece com o maçom hodierno. O afastamento de Emílio da influência perniciosa da sociedade é copiado pela Maçonaria quando suas reuniões acontecem longe e isoladas do mundo externo; num mundo idealizado, igualitário, perfeito para o desenvolvimento da educação do homem natural, que:

  • É completo em si, a unidade e absoluto total, aquele que tem relação apenas para consigo e a coletividade;
  • Como homem civil não é nada mais que uma fração em relação ao corpo social;
  • Como indivíduo usa da razão e da universalidade da natureza do homem para usufruto da felicidade;
  • O homem é em essência um representante da espécie humana que, dotado de razão, deve desenvolver-se através da educação natural para ocupar seu espaço no Universo.

Em seus estudos Rousseau define que o homem não se reduz apenas a sua condição intelectual, não é apenas razão e reflexão, mas condicionável pela educação a controlar sentidos, emoção, instintos e sentimentos, numa educação natural ativa voltada para usufruto da vida, por ação proativa e movimentada pela curiosidade. Algo assim é absorvido na vivência da rígida disciplina ritualística existente nos templos da Maçonaria, local onde muito de seu pensamento voltado para a educação natural foi adaptado e veio até nossos dias. A pretensão é a mesma da dos tempos de Rousseau - libertar o homem e torná-lo feliz; a Maçonaria apenas propicia os meios e o local para o homem se autoeducar.

Na ordem maçônica pratica-se a educação de si mesmo, a educação natural; que já é parte do projeto do homem. O entendimento é simples se considerar que o livre arbítrio permite apenas a existência da autoeducação. É bem diferente da educação voltada para o conhecimento, dirigida quase que exclusivamente para a escravidão, à alienação pelo trabalho. A educação natural está voltada para a liberdade do homem em sentido lato e através do qual honra o ato criativo do Grande Arquiteto do Universo.


Bibliografia

1. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, História da Educação e da Pedagogia, Geral e Brasil, ISBN 85-16-05020-3, terceira edição, Editora Moderna limitada., 384 páginas, São Paulo, 2006;

2. CAPRA, Fritjof, A Teia da Vida, Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos, título original: The Web of Life, a New Scientific Understandding Ofliving Systems, tradução: Newton Roberval Eichemberg, ISBN 85-316-0556-3, primeira edição, Editora Pensamento Cultrix limitada., 256 páginas, São Paulo, 1996;

3. CAPRA, Fritjof, As Conexões Ocultas, Ciência para a Vida Sustentável, título original: The Hidden Connections, tradução: Marcelo Brandão Cipolla, 13ª edição, Editora Pensamento Cultrix limitada., 296 páginas, São Paulo, 2002;

4. ROHDEN, Humberto, Educação do Homem Integral, primeira edição, Martin Claret, 140 páginas, São Paulo, 2007;

5. ROUSSEAU, Jean- Jacques, Emílio ou Da Educação, R. T. Bertrand Brasil, 1995;

6. ROUSSEAU, Jean-Jacques, A Origem da Desigualdade Entre os Homens, tradução: Ciro Mioranza, primeira edição, Editora Escala, 112 páginas, São Paulo, 2007;

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