Conceito de educação natural; escalada da violência; possibilidade de corrigir direções erradas da civilização.
Charles Evaldo Boller
A escola pública na maioria dos países não contempla a
educação natural, aquela que organiza os valores e princípios internos,
preconizada pelo Movimento Iluminista, cujas bases foram lançadas por Rousseau
(1712-1778) e complementadas por Kant (1724-1804). A educação que humaniza o
homem não existe na escola pública moderna, em todos os países. A escola
pública gratuita está voltada mais para a transmissão de conhecimento que para
a formação do homem integral. Inclusive é negligente com a formação humana nos
aspectos de incutir valores e princípios. O homem não é treinado para: pensar;
meditar; desenvolver virtudes; emoções; e espiritualidade, mas para ser escravo
do próprio homem. Com raríssimas exceções, escolas particulares educam de fato,
incutem valores e espiritualidade junto com a formação para o mercado de
trabalho. Mas estas escolas normalmente estão fora da realidade econômica da
maioria da população.
A transmissão de conhecimentos está voltada para o Comércio
e a Indústria, requisitos do Capitalismo, que exerce domínio absoluto em todos
os níveis, em todas as escolas públicas ou privadas. Ganho financeiro é um
poder ao qual o homem se submete. Negligencia-se o homem em sua trajetória pela
vida e se favorece o aparecimento de criaturas com graves crises existenciais,
frustradas de tal forma que chegam a não dar mais o devido valor à própria
vida. Vive-se o momento e apenas para si mesmo. Os próprios filósofos alardeiam
que a vida humana não tem finalidade alguma, que em sua jornada pela biosfera o
homem é apenas objeto de eventos aleatórios. Sem a educação natural o homem
está condicionado para apenas gozar da vida e fugir das vicissitudes ao invés
de enfrentá-las. A única perspectiva futura daquele que não obteve este tipo de
educação é de sumir no nevoeiro do tempo de onde lhe foi dito que foi gerado a
partir da evolução de bactérias, algas, fermentos, fungos, esponjas,
águas-vivas e vermes, para uma não existência, um esquecimento eterno.
Abrir escolas incentiva a ciência, mas não intensifica a
consciência; sentimento ou conhecimento que permite ao ser humano vivenciar,
experimentar ou compreender aspectos ou a totalidade de seu mundo interior. Na
existência de mais consciência, o número de vagas ocupadas nas cadeias
diminuiria. Mesmo toda a informação e ciência produzidas pelas escolas podem
fechar uma prisão sequer se a sociedade não se conscientizar da necessidade do
desenvolvimento da consciência, da moralidade e do bem.
O que antigamente era desenvolvido no seio da família
deveria ser ministrado na escola pública, já que pai e mãe, quais escravos, são
obrigados a trabalhar debaixo do sistema. Entretanto, a escola pública
limita-se em transmitir conhecimento voltado para mercado de trabalho que
escraviza, enquanto o treinamento das emoções, sentimentos, sentidos e
instintos são negligenciados. Ações que o bom senso recomenda como fundamentais
para diminuir o número de presidiários e gerar cidadãos felizes, equilibrados e
socialmente integrados. A educação dos potenciais latentes em cada um aproxima
o homem de sua condição humana. Educação é consciência, instrução é ciência;
ambas sustentam o corpo; a mais importante é a invisível consciência.
Nem religiões, e muito menos governos tratam a educação com
a seriedade que deveriam. Governos querem transmitir instrução, religiões
restringem-se a moral e assim o homem fica incompleto. Descartes (1596-1650)
disse: "Toda a filosofia é como uma árvore: as raízes são a metafísica, o
tronco é a física e os ramos são todas as outras ciências". Usando deste
pensamento, o homem moderno está incompleto na raiz. Não existe alicerce.
Aquilo que não se vê. Sabe-se que existe, mas fica enterrado dentro da pessoa.
A escola constrói o homem material, apenas o que da árvore aparece acima do
solo; preocupa-se apenas com tronco e folhas. As raízes são complexas
necessidades que dão razão para viver e não se restringem apenas à moralidade.
A religião deveria preocupar-se com o alicerce e completar o
que está invisível, mas isto não acontece! Centenas as religiões apenas
exploram as pessoas em seus metais e as enganam com fantasias. Durante um curto
espaço de tempo até é possível enganar alguns, mas é difícil manter mentiras
por muito tempo. Acrescente-se que todas as religiões fundamentam seu poder no
medo de muitos e na inteligência de um grupo reduzido que lhes definem os
descaminhos, sempre voltados ao domínio e opressão pelo medo. Todos os
esforços, da absoluta maioria das religiões, estão voltados para um aviltante
senhor e único amo: o valor financeiro. A religião coloca de um lado um diabo e
de outro um salvador. Enquanto um leva o homem à perdição o outro supostamente
o resgataria. Em grosso modo, as maquinações teologais buscam fora do homem a
solução de suas incertezas e angústias existenciais; e só se manifestam se sua
ação for possível de converter em ganho de qualquer natureza; principalmente
financeira e política. Diante desta realidade, que é constante em todas as
civilizações, não se constrói ou se fortalece a raiz, o alicerce invisível que
mantém o homem de pé frente às tempestades e incertezas da vida. Fica o homem
jogado de um lado ao outro ao sabor de tentações e redenções.
Na ausência de formação integral e do despertar da
consciência o desenvolvimento do homem fenece e de sua essência lhe apodrece a
raiz nos porões da sociedade, raízes atadas por inquebrantáveis grilhões;
indestrutíveis porque são usados voluntariamente, no exercício do livre
arbítrio. A consequência do livre arbítrio é o homem ser o único ator da
construção de sua vida e responsável tanto pelo mal como pelo bem que produz.
Ele é responsável por todas as suas ações, independente de prêmio ou castigo,
céu ou inferno, ser bom ou mau. Se o homem não gozasse de um projeto que o
criou livre e independente, de nada serviria educação de qualquer tipo;
bastaria seguir o que lhe fosse ditado pelos instintos. Mas não é assim. O
homem é responsável por sua história porque foi dotado de livre arbítrio e
nenhum intermediário, homem santo ou clérigo religioso o poderá salvar; nem
mesmo Deus interferirá, porque o Grande Arquiteto do Universo criou o homem
independente, livre, dotado de livre escolha. Se o Criador interferisse nas
ações da criatura seria como admitir a existência de erros em seu projeto. É
devido a isto que a Maçonaria ensina que liberdade vem sempre acompanhada de
responsabilidade. Quem escraviza é o próprio homem. E o que é ilógico, o homem
escraviza a si mesmo. Ao longo da história homem vem explorando homem em seu
próprio prejuízo. É dominado à força ou se deixa dominar em virtude de suas
limitações e vícios.
No convívio social eclodem choques de todos os tipos. A
violência alcançou patamares insustentáveis. Se buscadas razões fora de si, a
culpa pela violência é do meliante que pratica a violência. Mas ao lume da fria
razão a culpa é partilhada com o omisso que se prende atrás das grades e muros
de seu castelo, pensando que isolando a violência lá fora será poupado de sua
ação. Diz o sábio que o silêncio dos bons é tão responsável pela maldade quanto
o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem caráter, dos sem
ética. Felizmente os maus ainda constituem minoria. O problema é que a
sociedade está cada vez mais tolerante e omissa no tratamento com o mau. O
egocentrismo cria legiões de omissos e materialistas. Resguardam-se na ilusão
de que o mal nunca cairá sobre eles e por covardia e omissão deixam o mal
crescer. Mas como a realidade mostra, o mal sobrevirá para todos os que o
provocam, seja por ação ou por omissão. O cidadão bom está por detrás das
grades enquanto o meliante está do lado de fora tentando levar vantagem. A
sociedade corre atrás de corrigir o mal depois de feito e pouco se faz de forma
preventiva através da educação.
Se o homem fosse apenas produto do meio de nada adiantaria
também qualquer tipo de educação. Seria simplíssimo! Para resolver os problemas
de violência bastaria modificar as circunstâncias do meio em que o homem vive.
Afastá-lo da sociedade que o perverte; como o Emílio descrito por Rousseau. Se
apenas o meio modificasse o homem para o bem, então todo maçom seria só
candura! Mas a realidade não é assim! Ser bom ou mau é questão de escolha, de
exercer o poder do livre arbítrio para o bem ou para o mal, e isto é
modificável pela educação. Incentivados pela Maçonaria, autoconhecimento e
autorrealização são caminhos para amenizar o mal porque usam do poder do livre
arbítrio do próprio homem para o bem.
Na política, o nebuloso clima de corrupção e a sensação de
impunidade deixam a todo bom cidadão desalentado. Isto porque o homem transfere
poder aos maus ao vender seu voto. Desta forma os maus estão no poder criando
leis cada vez mais complexas e intrincadas de modos que ao meliante fica fácil
constituírem defensores matreiros que os defendam na Justiça. E para complicar
ainda mais, a Justiça - brasileira - é tão lenta em responder aos anseios do
bom que é como se ela sequer existisse. A sensação de impunidade é
insuportável!
Se a escola pública realmente educasse o homem conforme
preconizado pelos iluministas, e não apenas o instruísse para o trabalho
assalariado, a forma de escravidão moderna, a realidade social seria muito
diferente. A Maçonaria oferece a educação natural e basta ao maçom aproveitar
da oportunidade oferecida e partir para se autoeducar nos moldes ditados por
homens como Rousseau e Kant. O ideário educacional iluminista traçou o caminho
de uma época de escravidão ao absolutismo imperial e clerical e pavimentaram
caminhos para a Democracia e o capitalismo, realidades que apresentam hoje
outras nuanças e dificuldades. Os eventos que sucederam os ideários
humanitários e pacifistas dos iluministas tornaram-se sucessões de impérios de
terror e amarguras. Para os iluministas do século das luzes a violência
desencadeada depois de sua atuação destruiu os resíduos de esperança que ainda
lhes restavam. Foram revoluções e guerras globais revestidas de muita maldade,
do jorrar de muito sangue inocente, de acendimento e manutenção de muito
ressentimento. A paz só é mantida pela guerra; são guerras preventivas em todos
os quadrantes do Orbe. A constante é sempre o homem explorando o próprio homem.
Quantos hoje são os que seguem a única lei, a do amor
fraterno, ditada por grandes iniciados do passado? Ritualística, simbologia e
alegorias são ferramentas pedagógicas da Maçonaria programadas como portadoras
de mensagens de homens do passado para os homens ao futuro, que é o hoje. A
educação natural preconizada por Rousseau e Kant ainda está em sintonia com a
dinâmica social de nossos dias. Cabe ao maçom usar da oportunidade que a ordem
maçônica oferece e desenvolver em si consciência e valores morais com vistas à
sabedoria que conduz a felicidade da humanidade. É a razão de ser designado
construtor social. O bom senso indica que a tarefa do malho e do cinzel ainda
não terminou. Cabe ao maçom morrer e renascer diversas vezes e ressurgir sempre
renovado de dentro da pedra bruta e disforme para servir de pedra angular na
construção de templos vivos, purificados da maldade que o homem desenvolve
quando se sociabiliza. Certamente o Grande Arquiteto do Universo, através
daquilo que inspira o maçom a pensar com sabedoria, proverá as Luzes
necessárias para iluminar os caminhos do futuro e usar da Sublime Instituição
para a libertação do homem dominado pelo próprio homem.
Bibliografia
1. ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, História da Educação e da
Pedagogia, Geral e Brasil, ISBN 85-16-05020-3, terceira edição, Editora Moderna
Ltda., 384 páginas, São Paulo, 2006;
2. ROHDEN, Humberto, Educação do Homem Integral, primeira
edição, Martin Claret, 140 páginas, São Paulo, 2007;
3. ROUSSEAU, Jean- Jacques, Emílio ou Da Educação, R. T.
Bertrand Brasil, 1995;
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