Charles Evaldo Boller
Deslocamento Pelo Universo
O tema do deslocamento pelo Universo é uma metáfora que
atravessa tanto o campo da filosofia quanto o da espiritualidade. Para a
Maçonaria, especialmente dentro da tradição do Rito Escocês Antigo e Aceito,
esta metáfora assume um caráter peculiar: o homem é um viajante solitário em
sua busca de sentido, mas nunca completamente apartado da vida em sociedade. O
equilíbrio entre solidão espiritual e convivência fraterna é o que dá densidade
à experiência iniciática.
A vida aponta para a tensão entre a jornada individual e a
necessidade do convívio humano. A solidão da busca interior não equivale ao
isolamento social; antes, reconhece que há experiências que só podem ser
vividas em primeira pessoa, mesmo quando nutridas pelo amparo da fraternidade.
Esse é um dos paradoxos fundamentais da vida maçônica: cada iniciado percorre
sozinho a escada do conhecimento, mas o faz sempre sustentado pelas colunas da
sociedade e pela convivência dos irmãos.
A Solidão na Jornada Espiritual
A solidão existencial é um dos grandes temas da filosofia.
Kierkegaard, por exemplo, descreveu a fé como um "salto no absurdo", algo que só pode ser dado pelo indivíduo
diante do mistério. Da mesma forma, o maçom, em sua jornada, confronta-se com
perguntas últimas que não podem ser respondidas pelo coletivo, mas apenas pela
introspecção.
No entanto, essa solidão não é isolamento. Ela é a experiência
íntima da consciência que se abre ao mistério do
Ser. Na Maçonaria, o silêncio do iniciado é justamente o momento de escutar
a própria interioridade, mas esse silêncio é sustentado pelo Templo, pela
presença dos irmãos, pela liturgia que dá forma ao mistério. A caminhada é
solitária, mas o ambiente é comunitário.
Sociedade e Humanização
Sem sociedade não há humanização. As figuras literárias
de Mogli, Tarzan ou Rômulo e Remo mostram que, sem o convívio humano, o
indivíduo não se forma plenamente. A Maçonaria é, por excelência, uma escola de
sociabilidade: nela, homens de diferentes origens se encontram como irmãos.
Se a solidão é necessária para a reflexão, a convivência é
indispensável para a lapidação do caráter. O maçom precisa da alteridade, da
presença do outro, para reconhecer seus limites e expandir sua consciência.
Assim como as colunas zodiacais orientam os navegadores no cosmos, os irmãos
servem de referência na jornada moral e espiritual.
A Escada de Jacó Como Símbolo
Um dos símbolos mais significativos para pensar essa ascensão é
a escada de Jacó. Extraída do relato bíblico, a Maçonaria a reinterpreta não
como uma escada literal para a vida após a morte, mas como metáfora do processo
de elevação interior. Cada degrau representa uma virtude, um esforço, uma
superação.
O maçom não sobe a escada em busca de recompensas
celestiais, mas para realizar em si a transmutação da ignorância em sabedoria. É um trabalho de perseverança,
disciplina e fé racional. Essa leitura simbólica evita o dogmatismo e reforça o
caráter especulativo da Ordem: a escada não é realidade, é alegoria; mas sua
força está em ajudar o homem a visualizar sua caminhada.
O Grande Arquiteto do Universo
O conceito de Grande Arquiteto do Universo é outro ponto
central. Os iluministas viam com cautela discussões teológicas dogmáticas. Na
Maçonaria, o Grande Arquiteto do Universo é um conceito aberto, simbólico, que
acolhe diferentes visões de divindade ou transcendência.
Aqui está um dos grandes acertos da Ordem: ao invés de impor
uma visão única de Deus, oferece um símbolo que cada maçom pode preencher com
sua própria crença. O resultado é uma unidade que respeita a diversidade, uma
fraternidade que supera dogmatismos. É também uma advertência contra o perigo
de impor a própria visão aos demais, raiz de tantas guerras e divisões ao longo
da história.
A Morte e a Ressurreição Simbólica
O deslocamento pelo Universo também é metáfora para a morte
iniciática. Em cada grau, o maçom "morre"
para uma condição anterior e "renasce"
para um novo estágio. Não se trata de uma morte física, mas de uma
transformação moral e espiritual.
Essa experiência de morrer e renascer prepara o iniciado
para enfrentar a realidade última da morte biológica com serenidade. Se
houver algo além, como rios de mel e harpas angelicais, o maçom estará pronto;
se não houver nada, terá vivido dignamente e com honra. A Maçonaria, nesse
sentido, ensina a arte de viver bem como o maior preparo para a morte.
Fraternidade no Caminho Cósmico
O deslocamento pelo Universo não é apenas físico, mas também
metafísico. O homem viaja pelo cosmos em direção ao desconhecido, sustentado
por leis e regularidades que, embora complexas, dão sentido à existência. Nessa
viagem, a companhia dos irmãos é essencial.
O amor fraterno é, para a Maçonaria, o único antídoto contra o caos humano. É ele que permite que o
deslocamento cósmico tenha sentido. Mesmo conscientes de nossa insignificância
diante do Universo, a fraternidade dá densidade à existência. Assim, cada Loja
se torna uma miniatura do cosmos, onde o amor, a verdade e a justiça são experimentadas
em pequena escala.
Filosofia Maçônica e a Busca da Verdade
A vida em loja aponta para a necessidade de que os mestres maçons
não abdiquem de sua missão de ensinar. A busca da Verdade, ainda que relativa,
é tarefa comunitária. O debate filosófico em Loja permite que as diferentes
interpretações se confrontem, não para estabelecer dogmas, mas para ampliar
horizontes.
Esse exercício reflete a própria natureza da Maçonaria como
sociedade especulativa. Não há verdades absolutas, mas há verdades relativas
que iluminam o caminho de cada um. O diálogo fraterno, feito com espiritualidade,
lógica e razão, é o instrumento que possibilita corrigir rumos e avançar na
jornada espiritual.
O Deslocamento como Caminho de Sabedoria
O deslocamento pelo Universo, a partir da ótica maçônica, é um
símbolo rico. Ele traduz a solidão do homem diante do mistério, a necessidade
da convivência para a humanização, a escada simbólica da ascensão espiritual, a
abertura ao mistério do conceito de Grande Arquiteto do Universo, a preparação
para a morte e a ressurreição moral, e a importância da fraternidade com amor como
cimento da jornada.
Viver bem, no aqui e agora, é a melhor forma de honrar o Grande
Arquiteto do Universo. Se houver delícias eternas após a morte, serão apenas a
continuidade do bem vivido. Se não houver nada, o bem já terá sido realizado, e
isso basta. Assim, a filosofia maçônica provoca o livre-pensador com a ideia
de que o deslocamento cósmico é interno: do
bruto para o lapidado, da ignorância para a sabedoria, da discórdia para a
fraternidade.
Bibliografia Comentada
1.
ANDERSON,
J. Constitutions of the Free-Masons (1723). Documento fundador da Maçonaria
Especulativa, estabelece a importância da tolerância religiosa e da convivência
social como pilares da Ordem;
2.
BAIGENT, M.; Leigh, R.; Lincoln, H. O Santo
Graal e a Linhagem Sagrada. Apesar de mais especulativo, mostra como mitos e
símbolos sustentam tradições espirituais, assim como ocorre na Maçonaria;
3.
CAMPBELL, J. O Poder do Mito. Apresenta o papel
dos símbolos e mitos como guias da experiência espiritual, útil para
compreender a escada de Jacó e outros símbolos maçônicos;
4.
DREWS, P. História da Filosofia Maçônica. Obra
que percorre a evolução das ideias filosóficas dentro da Ordem, esclarecendo a
dimensão especulativa da busca da verdade;
5.
GUÉNON, R. Símbolos Fundamentais da Ciência
Sagrada. Discute a linguagem simbólica como meio de acesso ao transcendental,
aplicável à interpretação dos ritos e alegorias maçônicas;
6.
KIERKEGAARD, S. Temor e Tremor. Reflexão
existencial sobre a fé como salto solitário, iluminando a dimensão individual
da jornada espiritual;
7.
PLATÃO. A República. Introduz a alegoria da
caverna, paralela à jornada maçônica de sair das trevas para a luz;
8.
SPINOZA, B. Ética. Propõe uma visão racional do
divino como substância infinita, aproximando-se do conceito aberto de Grande
Arquiteto;
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