quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Reflexões Maçônicas Sobre a Solidão, a Sociedade e o Grande Arquiteto do Universo

 Charles Evaldo Boller

Deslocamento Pelo Universo

O tema do deslocamento pelo Universo é uma metáfora que atravessa tanto o campo da filosofia quanto o da espiritualidade. Para a Maçonaria, especialmente dentro da tradição do Rito Escocês Antigo e Aceito, esta metáfora assume um caráter peculiar: o homem é um viajante solitário em sua busca de sentido, mas nunca completamente apartado da vida em sociedade. O equilíbrio entre solidão espiritual e convivência fraterna é o que dá densidade à experiência iniciática.

A vida aponta para a tensão entre a jornada individual e a necessidade do convívio humano. A solidão da busca interior não equivale ao isolamento social; antes, reconhece que há experiências que só podem ser vividas em primeira pessoa, mesmo quando nutridas pelo amparo da fraternidade. Esse é um dos paradoxos fundamentais da vida maçônica: cada iniciado percorre sozinho a escada do conhecimento, mas o faz sempre sustentado pelas colunas da sociedade e pela convivência dos irmãos.

A Solidão na Jornada Espiritual

A solidão existencial é um dos grandes temas da filosofia. Kierkegaard, por exemplo, descreveu a fé como um "salto no absurdo", algo que só pode ser dado pelo indivíduo diante do mistério. Da mesma forma, o maçom, em sua jornada, confronta-se com perguntas últimas que não podem ser respondidas pelo coletivo, mas apenas pela introspecção.

No entanto, essa solidão não é isolamento. Ela é a experiência íntima da consciência que se abre ao mistério do Ser. Na Maçonaria, o silêncio do iniciado é justamente o momento de escutar a própria interioridade, mas esse silêncio é sustentado pelo Templo, pela presença dos irmãos, pela liturgia que dá forma ao mistério. A caminhada é solitária, mas o ambiente é comunitário.

Sociedade e Humanização

Sem sociedade não há humanização. As figuras literárias de Mogli, Tarzan ou Rômulo e Remo mostram que, sem o convívio humano, o indivíduo não se forma plenamente. A Maçonaria é, por excelência, uma escola de sociabilidade: nela, homens de diferentes origens se encontram como irmãos.

Se a solidão é necessária para a reflexão, a convivência é indispensável para a lapidação do caráter. O maçom precisa da alteridade, da presença do outro, para reconhecer seus limites e expandir sua consciência. Assim como as colunas zodiacais orientam os navegadores no cosmos, os irmãos servem de referência na jornada moral e espiritual.

A Escada de Jacó Como Símbolo

Um dos símbolos mais significativos para pensar essa ascensão é a escada de Jacó. Extraída do relato bíblico, a Maçonaria a reinterpreta não como uma escada literal para a vida após a morte, mas como metáfora do processo de elevação interior. Cada degrau representa uma virtude, um esforço, uma superação.

O maçom não sobe a escada em busca de recompensas celestiais, mas para realizar em si a transmutação da ignorância em sabedoria. É um trabalho de perseverança, disciplina e fé racional. Essa leitura simbólica evita o dogmatismo e reforça o caráter especulativo da Ordem: a escada não é realidade, é alegoria; mas sua força está em ajudar o homem a visualizar sua caminhada.

O Grande Arquiteto do Universo

O conceito de Grande Arquiteto do Universo é outro ponto central. Os iluministas viam com cautela discussões teológicas dogmáticas. Na Maçonaria, o Grande Arquiteto do Universo é um conceito aberto, simbólico, que acolhe diferentes visões de divindade ou transcendência.

Aqui está um dos grandes acertos da Ordem: ao invés de impor uma visão única de Deus, oferece um símbolo que cada maçom pode preencher com sua própria crença. O resultado é uma unidade que respeita a diversidade, uma fraternidade que supera dogmatismos. É também uma advertência contra o perigo de impor a própria visão aos demais, raiz de tantas guerras e divisões ao longo da história.

A Morte e a Ressurreição Simbólica

O deslocamento pelo Universo também é metáfora para a morte iniciática. Em cada grau, o maçom "morre" para uma condição anterior e "renasce" para um novo estágio. Não se trata de uma morte física, mas de uma transformação moral e espiritual.

Essa experiência de morrer e renascer prepara o iniciado para enfrentar a realidade última da morte biológica com serenidade. Se houver algo além, como rios de mel e harpas angelicais, o maçom estará pronto; se não houver nada, terá vivido dignamente e com honra. A Maçonaria, nesse sentido, ensina a arte de viver bem como o maior preparo para a morte.

Fraternidade no Caminho Cósmico

O deslocamento pelo Universo não é apenas físico, mas também metafísico. O homem viaja pelo cosmos em direção ao desconhecido, sustentado por leis e regularidades que, embora complexas, dão sentido à existência. Nessa viagem, a companhia dos irmãos é essencial.

O amor fraterno é, para a Maçonaria, o único antídoto contra o caos humano. É ele que permite que o deslocamento cósmico tenha sentido. Mesmo conscientes de nossa insignificância diante do Universo, a fraternidade dá densidade à existência. Assim, cada Loja se torna uma miniatura do cosmos, onde o amor, a verdade e a justiça são experimentadas em pequena escala.

Filosofia Maçônica e a Busca da Verdade

A vida em loja aponta para a necessidade de que os mestres maçons não abdiquem de sua missão de ensinar. A busca da Verdade, ainda que relativa, é tarefa comunitária. O debate filosófico em Loja permite que as diferentes interpretações se confrontem, não para estabelecer dogmas, mas para ampliar horizontes.

Esse exercício reflete a própria natureza da Maçonaria como sociedade especulativa. Não há verdades absolutas, mas há verdades relativas que iluminam o caminho de cada um. O diálogo fraterno, feito com espiritualidade, lógica e razão, é o instrumento que possibilita corrigir rumos e avançar na jornada espiritual.

O Deslocamento como Caminho de Sabedoria

O deslocamento pelo Universo, a partir da ótica maçônica, é um símbolo rico. Ele traduz a solidão do homem diante do mistério, a necessidade da convivência para a humanização, a escada simbólica da ascensão espiritual, a abertura ao mistério do conceito de Grande Arquiteto do Universo, a preparação para a morte e a ressurreição moral, e a importância da fraternidade com amor como cimento da jornada.

Viver bem, no aqui e agora, é a melhor forma de honrar o Grande Arquiteto do Universo. Se houver delícias eternas após a morte, serão apenas a continuidade do bem vivido. Se não houver nada, o bem já terá sido realizado, e isso basta. Assim, a filosofia maçônica provoca o livre-pensador com a ideia de que o deslocamento cósmico é interno: do bruto para o lapidado, da ignorância para a sabedoria, da discórdia para a fraternidade.

Bibliografia Comentada

1.      ANDERSON, J. Constitutions of the Free-Masons (1723). Documento fundador da Maçonaria Especulativa, estabelece a importância da tolerância religiosa e da convivência social como pilares da Ordem;

2.      BAIGENT, M.; Leigh, R.; Lincoln, H. O Santo Graal e a Linhagem Sagrada. Apesar de mais especulativo, mostra como mitos e símbolos sustentam tradições espirituais, assim como ocorre na Maçonaria;

3.      CAMPBELL, J. O Poder do Mito. Apresenta o papel dos símbolos e mitos como guias da experiência espiritual, útil para compreender a escada de Jacó e outros símbolos maçônicos;

4.      DREWS, P. História da Filosofia Maçônica. Obra que percorre a evolução das ideias filosóficas dentro da Ordem, esclarecendo a dimensão especulativa da busca da verdade;

5.      GUÉNON, R. Símbolos Fundamentais da Ciência Sagrada. Discute a linguagem simbólica como meio de acesso ao transcendental, aplicável à interpretação dos ritos e alegorias maçônicas;

6.      KIERKEGAARD, S. Temor e Tremor. Reflexão existencial sobre a fé como salto solitário, iluminando a dimensão individual da jornada espiritual;

7.      PLATÃO. A República. Introduz a alegoria da caverna, paralela à jornada maçônica de sair das trevas para a luz;

8.      SPINOZA, B. Ética. Propõe uma visão racional do divino como substância infinita, aproximando-se do conceito aberto de Grande Arquiteto;

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