Antiga Prece Judaica
Da
covardia que foge da nova verdade,
Da
preguiça que se contenta com meias-verdades,
Da
arrogância que pensa que sabe toda a verdade,
Oh!
Deus da verdade, livrai-nos!
A prece judaica é um espelho do labor maçônico: orar é lapidar;
pensar é construir; mudar é renascer. Que o homem, ao proferi-la, torne-se arquiteto
de si mesmo, instrumento do Grande Arquiteto do Universo na edificação da
Verdade.
A antiga prece judaica que pede libertação é uma súplica
profundamente iniciática. Seu sentido transcende a religiosidade formal e
adentra os domínios da filosofia moral e da espiritualidade esotérica, identificando-se
com a senda maçônica. A Maçonaria, ao propor a lapidação da pedra bruta,
convoca o homem a essa mesma atitude de vigilância interior: superar o
medo, o comodismo e a soberba intelectual. Esses três males, covardia, preguiça
e arrogância, são os grandes inimigos da iluminação interior e constituem,
simbolicamente, as três colunas invertidas que ameaçam o Templo da Verdade.
O Clamor pela Verdade e o Espírito da Iniciação
A prece, em sua simplicidade poética, revela o drama da
condição humana: o homem deseja a verdade, mas teme suas consequências.
No plano maçônico, esse temor é representado pela resistência à iniciação, o
medo de atravessar o véu da ignorância e ver-se despojado das certezas mundanas.
A Iniciação, enquanto rito e metáfora, é um processo de ruptura ontológica, onde
o ser profano morre simbolicamente para renascer como buscador.
A Maçonaria ensina que a Verdade não é posse, mas caminho.
De Albert Pike, em Morals and Dogma, verte: "A Verdade é um raio do Sol Divino; ela ilumina quem a busca, mas cega
quem a pretende possuir." O maçom é um peregrino do conhecimento, não
seu proprietário. A prece judaica, nesse sentido, é uma oração do aprendiz,
aquele que reconhece sua ignorância como o primeiro passo da sabedoria.
Covardia e o Medo da Nova Verdade
A primeira súplica, "Da
covardia que foge da nova verdade", aponta para o medo de abandonar as
zonas de conforto mental e espiritual. O covarde não é apenas aquele que foge
da batalha física, mas o que evita o combate interior contra seus próprios
dogmas. No simbolismo maçônico, essa covardia é o apego à pedra bruta, a
recusa em usar o malho e o cinzel para transformar-se.
Platão já advertia, no mito da caverna, que os homens preferem
a segurança das sombras à dor da luz. O iniciado, ao contrário, escolhe a
luz ainda que ela o fira nos olhos. É o mesmo gesto do neófito que, ao ser
desvendado, contempla a chama das velas no Templo e entende que cada
centelha é um chamado à coragem de pensar. Emmanuel Kant, em seu célebre
ensaio "Was ist Aufklärung?", define a maioridade espiritual
como a coragem de servir-se do próprio entendimento. O maçom, ao ser
iniciado, é exortado a sair dessa minoridade autoimposta, a libertar-se da
tutela de outros e a pensar com autonomia.
A covardia não é ausência de força física, mas de independência
intelectual. Ela é a antítese da liberdade maçônica. Em Loja, o trabalho começa
quando o irmão ousa colocar suas convicções à prova da razão e do diálogo. A
coragem de pensar é a mais alta virtude do espírito livre.
Preguiça e as Meias Verdades
A segunda súplica, "Da
preguiça que se contenta com meias-verdades", denuncia o conformismo
intelectual, o mais perigoso dos vícios para o iniciado. A preguiça
espiritual é a estagnação da alma; é a recusa de buscar o significado oculto
por detrás do símbolo. Em termos esotéricos, é permanecer no vestíbulo do
Templo sem desejar penetrar no Sanctum Sanctorum.
O aprendiz que se satisfaz com interpretações superficiais dos
símbolos maçônicos trai o espírito da Ordem. O livro da lei repousa sobre o
altar não como dogma, mas como convite à interpretação contínua. Cada letra,
cada palavra, cada gesto ritual é um véu que pede para ser levantado. A
preguiça mental é o oposto da vigilância do iniciado, virtude sem a qual o
Templo interior desmorona.
Na filosofia clássica, Aristóteles via na acídia, a preguiça
moral, um dos vícios capitais, pois impede o homem de agir conforme sua
natureza racional. O homem preguiçoso abdica da finalidade que lhe é própria: o
exercício da virtude pela razão. O maçom, ao contrário, deve cultivar o
labor interior, a ars longa da autoeducação[1], lembrando que o
trabalho é o princípio ativo da transformação. "A Maçonaria é trabalho", repete o ritual, não apenas o
trabalho material, mas o labor alquímico da alma.
Em termos práticos, essa prece pode ser traduzida na vida
cotidiana como o compromisso de revisar crenças, estudar, meditar e questionar.
O maçom preguiçoso é o que assiste às sessões, mas não as vive; é o que
repete palavras sem se deixar transformar por elas.
Arrogância e a Ilusão de Saber Toda a Verdade
A terceira súplica, "Da
arrogância que pensa que sabe toda a verdade", é talvez a mais
profunda. A arrogância é o pecado do intelecto, o hybris[2] dos sábios. Na
tradição maçônica, representa o mestre que esqueceu o espírito do aprendiz. O sábio,
como o rei Salomão, ajoelha-se diante do mistério.
Hermes Trismegisto, em sua Tábua de Esmeralda, ensina que
"o que está em cima é como o que
está embaixo", mas essa correspondência não é total: o homem reflete o
divino de modo fragmentário. A arrogância espiritual nasce quando o homem
confunde o reflexo com o sol. Por isso a Maçonaria insiste no simbolismo da
Luz: ela é algo que se recebe, não que se possui.
O orgulho do saber é o maior obstáculo ao progresso
filosófico. Spinoza, ao falar do conatus, descreve o impulso natural de
cada ser em perseverar em sua essência. No homem, esse conatus é a busca da
perfeição, mas, quando distorcido pelo orgulho, transforma-se em desejo de
dominação. O maçom arrogante não busca compreender, busca vencer debates, impor
interpretações, exibir erudição. Esquece que o templo é coletivo, e que cada
pedra, cada irmão, carrega uma verdade parcial que só ganha sentido no conjunto.
Assim, o exercício maçônico da humildade é também um método
epistemológico: reconhecer a incompletude do próprio saber como condição para
continuar aprendendo. Como dizia Sócrates, "só sei que nada sei", máxima que, dentro da Loja,
transforma-se em farol da fraternidade intelectual.
A Dor da Mudança e o Papel da Loja
"Modificar-se é
doloroso!", e essa dor é o preço da
iniciação. A Maçonaria, ao promover o trabalho em grupo, reconhece
que a transformação do ser humano é mais fecunda quando realizada em
fraternidade. A Loja é o laboratório do espírito, o espaço seguro onde o
homem experimenta a coragem de ser outro.
No simbolismo hermético, o processo iniciático é comparado à
alquimia: o chumbo das paixões deve ser transmutado no ouro da consciência.
Essa operação não se faz isoladamente; requer o calor do fogo coletivo, o
atrito das opiniões, o reflexo do outro. Por isso, o trabalho maçônico é
essencialmente dialógico. A Verdade nasce do encontro, do embate respeitoso
entre pontos de vista. "O ferro se
afia com o ferro", diz o Provérbio, e o
maçom se aperfeiçoa com o irmão.
Na prática, isso significa ouvir. Ouvir com paciência, sem a
ânsia de responder. O debate filosófico maçônico é exercício de tolerância
racional. Cada palavra pronunciada na Loja é uma pedra colocada no edifício
simbólico do conhecimento. O silêncio atento é o cinzel que permite lapidar as
ideias alheias e, por reflexo, as próprias.
A dor da mudança é o eco do martelo batendo na pedra
interior. O maçom suporta essa dor porque compreende que cada golpe é
libertação: liberta o ser de suas arestas, de suas vaidades, de suas ilusões.
Assim, o sofrimento é mestre e aliado. "Sem fogo, o ouro não se purifica", ensina a alquimia
espiritual.
A Iluminação e o Esclarecimento
A "Iluminação"
da iniciação maçônica é a saída da minoridade espiritual. É o momento em que
o homem descobre que a Luz que buscava fora sempre esteve dentro. Esse
instante, simultaneamente simbólico e psicológico, é o nascimento do "Homem Novo" de que falam as
tradições esotéricas.
Na filosofia clássica, esse despertar equivale ao noûs[3] de Anaxágoras, a
inteligência ordenadora que dá forma ao caos. No campo cristão-hermético, é o
"fiat lux" interior, o
verbo criador que se manifesta no microcosmo humano. Para o maçom, é o momento
em que a mente deixa de ser mera receptora e se torna fonte de Luz.
O termo "esclarecimento",
usado na tradição iluminista e retomado na Maçonaria Especulativa, carrega o
mesmo sentido: libertar-se da ignorância pela razão. Mas a luz maçônica não é
apenas racional; é também moral e espiritual. É uma Luz que aquece, não apenas
que revela. É o fogo tríplice, sabedoria, força e beleza, que dá harmonia à
existência.
Assim, a iluminação não é um evento, mas um processo
contínuo. Cada sessão em Loja é uma pequena iniciação, cada debate é um
novo nascer do sol. O maçom vive em constante alvorecer.
O Valor da Tolerância e o Sofrimento da Escuta
A tolerância implica em sofrimento. Essa observação é de
profunda sabedoria. Tolerar é suportar a dissonância sem reagir de imediato; é
deixar que o outro seja sem tentar moldá-lo à própria imagem. O maçom aprende,
pela convivência, que a verdade não se impõe, é compartilhada.
No entanto, o excesso de tolerância anula a própria virtude.
Assim como a corda muito tensa se rompe e a frouxa não produz som, a tolerância
exige equilíbrio. É preciso saber quando ceder e quando firmar-se na coluna
da retidão. Essa tensão é o que mantém viva a chama do diálogo.
Na prática maçônica, esse equilíbrio se expressa no respeito
aos rituais e à liberdade de expressão. A Loja é espaço de ordem e de liberdade,
duas forças que se complementam como as colunas J e B. Sem ordem, há caos; sem
liberdade, há tirania. A tolerância é a chave que harmoniza ambos.
O sofrimento que acompanha a escuta ativa é o mesmo da
lapidação: é a fricção necessária para o brilho. Ao acolher ideias novas, o
maçom experimenta o desconforto da revisão, mas também o júbilo do crescimento.
A Verdade Coletiva e o Corpo Maçônico
A Verdade "é
construída pela soma dos intelectos". Essa concepção é profundamente
platônica e ao mesmo tempo moderna. Platão via a Verdade como reminiscência de
uma forma ideal, acessível apenas em parte. A Maçonaria, por sua vez, vê a Verdade
como construção coletiva, uma catedral edificada por muitas mãos.
Cada irmão contribui com uma pedra, seu pensamento, sua
experiência, sua intuição. Nenhuma pedra é o templo inteiro, mas sem ela o
templo não se ergue. Essa é a beleza da fraternidade intelectual: cada
fragmento de luz reflete um aspecto do Grande Arquiteto do Universo.
Essa compreensão dissolve o ego e cria uma ética do diálogo. O
maçom aprende a pensar com o outro, não contra o outro. Essa atitude é o antídoto
contra a arrogância intelectual e o fundamento da sabedoria prática.
Exemplos Práticos na Vida Profana
A filosofia dessa prece e seu paralelo maçônico encontram
aplicação em múltiplas dimensões da vida. No trabalho, o homem iluminado sabe
ouvir, respeitar opiniões e inovar sem medo. No lar, pratica a tolerância e
reconhece o valor da palavra do outro. Na sociedade, atua com coragem moral
para defender a Verdade, mesmo quando impopular.
O empresário que questiona práticas injustas, o professor que
revisa seus métodos, o cidadão que busca informação antes de opinar, todos são
maçons em espírito, ainda que não iniciados. A Maçonaria, como escola simbólica
da humanidade, oferece instrumentos para que cada indivíduo construa seu
próprio altar interior, onde a Verdade é cultuada sem fanatismo.
O Templo da Verdade
A antiga prece judaica e a filosofia maçônica convergem num
ponto essencial: a busca da verdade é um ato de
libertação. Libertar-se do medo, do comodismo e da soberba é
libertar-se de si mesmo. A Verdade, na Maçonaria, não é um dogma, mas um
horizonte. O Templo nunca se conclui, porque o homem é obra inacabada do Grande
Arquiteto do Universo.
Que cada maçom, ao lembrar essas palavras, renove o compromisso
de trabalhar sua pedra interior, de amar a Luz mais do que as sombras, e de
transformar o sofrimento em sabedoria. Assim, a prece torna-se prática, e o
Templo, que é o próprio homem, resplandece.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Fundamenta o
conceito de virtude como equilíbrio e hábito racional, base da ética maçônica e
da noção de tolerância equilibrada;
2.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. Relaciona
ciência e espiritualidade, mostrando que a verdadeira iluminação é um processo
de integração entre razão e intuição, ecoando o ideal maçônico do equilíbrio
entre ciência e fé;
3.
GUÉNON, René. Símbolos Fundamentais da Ciência
Sagrada. Analisa os símbolos universais sob a ótica esotérica, elucidando o
valor iniciático do trabalho coletivo e do autoconhecimento;
4.
HERMES TRISMEGISTO. Tábua de Esmeralda. Texto
essencial do hermetismo, ensina a correspondência entre macrocosmo e
microcosmo, inspiração simbólica para a ideia maçônica de que o Templo exterior
reflete o interior;
5.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o
Esclarecimento? (1784). Define a "maioridade" do homem como o uso
autônomo da razão - ideia diretamente refletida na filosofia maçônica da
iluminação interior;
6.
MACKEY, Albert. Encyclopedia of Freemasonry.
Fonte de referência sobre a simbologia e o pensamento maçônico, reforçando o
papel da fraternidade e da busca compartilhada da verdade;
7.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma (1871). Obra fundamental do Rito Escocês Antigo
e Aceito, onde Pike desenvolve a ideia de que a busca pela verdade é uma
jornada moral e espiritual, nunca concluída;
8.
PLATÃO. A República. O mito da caverna oferece
uma metáfora atemporal para o processo iniciático: sair das sombras para a luz
é doloroso, mas libertador;
9.
SPINOZA. Ética. Expõe o conceito de conatus, o impulso
de perseverar no ser, que na Maçonaria corresponde ao esforço de
aperfeiçoamento constante;
[1]
A expressão "ars longa da autoeducação" relaciona o processo
de aprendizado autônomo com o famoso aforismo latino Ars longa, vita brevis,
que significa "a arte é longa, a vida é breve". No contexto da
autoeducação, essa frase destaca a dedicação e o longo tempo necessários para
dominar uma habilidade, um conhecimento ou, no caso, para moldar a si mesmo;
[2]
"Hybris" (ou húbris) é um conceito grego que se refere à arrogância
desmedida ou ao orgulho excessivo que leva alguém a desafiar os deuses, a
não reconhecer limites ou a cometer atos impensados. Atualmente, o termo pode
ser usado para descrever a soberba, o excesso de confiança e a insolência que
frequentemente levam a um merecido castigo;
[3]
O noûs (ou nous) de Anaxágoras é o princípio inteligente que deu ordem
ao universo, separando e organizando as substâncias primordiais que estavam em
um estado inicial caótico. Traduzido como "mente" ou
"espírito", o noûs é uma força cósmica que pôs o movimento e a
geração em marcha, transformando um estado inicial de "tudo junto" em
um Universo ordenado;

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