Charles Evaldo Boller
Os dez degraus do templo ensinam que subir é servir, liderar é
ouvir e amar é coroar a vida maçônica. Cada passo, da disciplina ao amor fraterno,
revela a ascensão do homem em direção ao Grande Arquiteto do Universo.
Os dez degraus do templo do Rito Escocês Antigo e Aceito não
são simples elementos arquitetônicos, mas símbolos de uma escada espiritual que
conduz o maçom do silêncio do Aprendiz ao amor fraterno que coroa o Mestre.
Cada degrau ensina uma lição: a disciplina do primeiro passo, o trabalho e a
experiência do Companheiro, a tríade de sabedoria, força e beleza que sustenta
o Venerável, e, por fim, os quatro degraus que ligam Oriente e Ocidente,
lembrando a universalidade, a fraternidade, o serviço e o amor que unem a
humanidade. Subir não significa dominar, mas servir; não é vanglória, mas
humildade. Quem escala conscientemente os degraus transforma a Loja em escola
de humanismo e projeta na sociedade os valores do Grande Arquiteto do Universo.
No ápice da subida, o maçom descobre que todo caminho leva ao amor, síntese e
perfeição de todas as virtudes.
No Rito Escocês Antigo e Aceito, tal como praticado pela
maioria das Grandes lojas e Orientes regulares, os degraus dos templos NÃO possuem nomes oficiais ou designações
ritualísticas fixas. Eles existem como elementos arquitetônicos e
simbólicos do espaço, mas a tradição do Rito
Escocês Antigo e Aceito NÃO ESTABELECE,
em seus rituais canônicos, denominações específicas para cada degrau.
Entretanto, em algumas tradições maçônicas de outros ritos (por
exemplo, o Rito de York ou certas variantes do Rito Moderno), encontramos
escadas simbólicas com nomes e significados atribuídos aos degraus. Nesses
casos, os degraus podem representar:
·
As Virtudes Teologais (Fé, Esperança e
Caridade).
·
As Artes Liberais (Gramática, Retórica, Lógica,
Aritmética, Geometria, Música e Astronomia).
·
As Três Luzes Maiores (Sabedoria, Força e
Beleza).
·
As Três Idades do Maçom (Aprendiz, Companheiro e
Mestre).
Muitos autores maçônicos, ao refletirem sobre o simbolismo dos
dez degraus do templo no Rito
Escocês Antigo e Aceito, atribuem interpretações livres, tais como:
·
Aprendizado (degrau do Segundo Vigilante).
·
2-3. Trabalho e Experiência (degraus do Primeiro
Vigilante).
·
4-6. Sabedoria, Força e Beleza (degraus do
Venerável Mestre).
·
7-10. Universalidade, União dos Pontos Cardeais
e Harmonia (os quatro degraus que separam Oriente do Ocidente).
Assim, podemos dizer que NÃO há
nomes oficiais para os degraus no Rito Escocês Antigo e Aceito, mas há leituras
simbólicas possíveis: cada degrau pode ser associado a uma virtude, a uma etapa
da vida maçônica ou a um princípio iniciático.
Interpretação Global
·
Degrau 1: base do Aprendiz.
·
Degraus 2 e 3: formação do Companheiro.
·
Degraus 4, 5 e 6: tríade do Mestre (Sabedoria,
Força e Beleza).
·
Degraus 7 a 10: ponte universal, síntese do
caminho maçônico, que leva ao serviço e ao amor fraterno.
Assim, os dez degraus podem ser entendidos como uma escada
espiritual e pedagógica, que conduz o obreiro desde o início da sua formação
até o ápice do ideal maçônico.
Os Degraus nos Templos do Rito Escocês Antigo e Aceito: Uma Leitura Simbólica
O templo maçônico, espaço sagrado e instrucional, constitui uma
representação microcósmica do universo, onde cada detalhe arquitetônico possui
função simbólica. Nada ali se encontra por acaso: cada objeto, cada posição,
cada cor, cada palavra ritualizada serve para despertar a consciência do
iniciado e para recordá-lo de sua jornada iniciática. Nesse contexto, os
degraus do templo se tornam um convite permanente à reflexão.
No Rito Escocês Antigo e Aceito, há dez degraus distribuídos:
um no altar do Segundo Vigilante, dois no altar do Primeiro Vigilante, três no
trono do Venerável Mestre e quatro separando Oriente do Ocidente. Embora o rito
não lhes atribua nomes oficiais, é legítimo, pela hermenêutica simbólica e pela
prática andragógica, propor uma leitura filosófica que permita aos obreiros
refletir sobre seu significado.
A seguir, desenvolvemos uma interpretação que associa a cada
degrau um princípio ou virtude, compondo uma escada moral e espiritual que
conduz do aprendizado inicial ao amor fraterno, ápice da vida maçônica.
O Primeiro Degrau: Disciplina
O primeiro degrau, localizado junto ao altar do Segundo
Vigilante, é o degrau do Aprendiz. É o ponto de partida de toda jornada
maçônica. A disciplina, aqui, não deve ser entendida como submissão cega, mas
como capacidade de ouvir, de silenciar o próprio ego e de aprender.
O Aprendiz é chamado a dominar sua língua, seus impulsos e sua
ansiedade de falar. Aprende a observar e a escutar. Essa disciplina não é
servilismo, mas uma forma elevada de liberdade: quem não domina a si mesmo jamais
poderá liderar ou servir ao próximo.
Filosoficamente, este degrau remete ao preceito socrático:
"Conhece-te a ti mesmo". O primeiro passo não é impor-se sobre o
outro, mas aprender a governar-se. Como lembra Epicteto, "ninguém é livre
enquanto não for senhor de si". O Aprendiz, ao subir este degrau, dá o
primeiro passo para a verdadeira liberdade.
O Segundo Degrau: Trabalho
O segundo degrau situa-se no altar do Primeiro Vigilante.
Representa o ingresso do Companheiro, aquele que já superou a etapa inicial e
começa a compreender a importância do trabalho como caminho de aperfeiçoamento.
Na Maçonaria, o trabalho não é mero labor físico ou
profissional, mas esforço constante de lapidação do ser. O Companheiro é
convidado a usar as ferramentas simbólicas para burilar a pedra bruta de sua
personalidade. O trabalho é, portanto, um exercício permanente de
autoconstrução.
Aqui se aplica a máxima aristotélica: "Somos aquilo que
repetidamente fazemos. A excelência não é um ato, mas um hábito." O
trabalho maçônico é hábito, repetição consciente de boas ações, que pouco a
pouco molda o caráter do homem livre.
O Terceiro Degrau: Experiência
O terceiro degrau, também junto ao altar do Primeiro Vigilante,
é continuidade do anterior. Se o segundo degrau é o trabalho, este é a
experiência. O Companheiro não apenas trabalha, mas reflete sobre o que produz.
Aprende a distinguir o erro do acerto, a avaliar os frutos de suas escolhas, a
transformar o labor em sabedoria prática.
A experiência confere maturidade. Um Companheiro sem
experiência é como um artesão que golpeia a pedra sem observar os efeitos de
seus golpes. Já o Companheiro atento transforma cada ação em aprendizado.
Na perspectiva andragógica, este degrau representa a passagem
do aprendizado passivo para o aprendizado ativo. O adulto aprende pela
experiência. Cada erro em Loja é oportunidade de crescimento. A experiência
converte-se, assim, em etapa indispensável da ascensão maçônica.
O Quarto Degrau: Sabedoria
No trono do Venerável Mestre, encontram-se três degraus. O
primeiro deles é o da Sabedoria, que corresponde ao vértice da tríade
fundamental da Maçonaria. O Mestre, ao subir este degrau, não se torna
superior, mas responsável. Sua sabedoria não é privilégio, mas dever de
orientar com prudência.
A sabedoria aqui não é mera erudição, mas a capacidade de
discernir, de julgar com equilíbrio, de escolher a ação justa. É a sabedoria
prática, que lembra Aristóteles em sua Ética a Nicômaco, onde descreve a
phronesis (prudência) como a virtude que orienta todas as outras.
O Mestre sábio sabe ouvir antes de falar, sabe meditar antes de
agir. É o exemplo vivo para os irmãos, pois ensina mais por sua conduta do que
por suas palavras.
O Quinto Degrau: Força
O segundo degrau do trono do Venerável Mestre é a Força. A
sabedoria precisa de energia para concretizar-se. A força não é violência, mas
firmeza de caráter, coragem de manter princípios diante das adversidades,
capacidade de sustentar a Loja e a si mesmo nos momentos de crise.
A força do Mestre não é autoritária. É força de serviço,
semelhante à do pastor que protege seu rebanho. Lembra-nos São Tomás de Aquino,
ao definir a fortaleza como virtude que nos permite enfrentar o medo e
perseverar no bem.
Assim, a força do Mestre não oprime, mas ampara. É aquela que
ergue os irmãos quando caem e sustenta a Loja quando esta vacila.
O Sexto Degrau: Beleza
O terceiro degrau do trono é o da Beleza, complemento da
tríade. Se a sabedoria orienta e a força sustenta, a beleza coroa a obra. Não é
a beleza estética superficial, mas a harmonia que resulta da ação equilibrada.
Na Loja, a beleza é expressa na liturgia, nos símbolos, nos
rituais, mas principalmente na conduta harmoniosa entre os irmãos. A verdadeira
beleza é fruto da união entre razão e coração, entre disciplina e amor.
Plotino, em suas Enéadas, ensina que a beleza é reflexo da
unidade e da perfeição divina. O Mestre que alcança este degrau transforma a
Loja em reflexo de ordem e harmonia, tornando-a pequena imagem do cosmos.
O Sétimo Degrau: Universalidade
Os quatro degraus que separam Oriente do Ocidente representam o
esforço coletivo de unir mundos. O primeiro deles é o da Universalidade.
A Maçonaria não é religião, nem partido político, nem seita
restrita a um grupo. É uma fraternidade universal, aberta a homens de todas as
origens, credos e culturas. Subir este degrau significa reconhecer que o
trabalho maçônico não se limita às paredes da Loja, mas se estende ao mundo.
O maçom que compreende a universalidade sabe que seu dever é
para com toda a humanidade. Como escreveu Kant, cada ação deve ser guiada por
máximas que possam valer como lei universal.
O Oitavo Degrau: Fraternidade
O oitavo degrau, ainda na passagem do Oriente ao Ocidente, é o
da Fraternidade. Representa a união entre irmãos, fundamento essencial da
Maçonaria.
Sem fraternidade, todos os outros degraus perdem sentido. A
disciplina degenera em autoritarismo, o trabalho em exploração, a sabedoria em
soberba, a força em tirania e a beleza em vaidade. A fraternidade é o cimento
que une as pedras vivas do templo humano.
Rousseau, em seu Contrato Social, recorda que a sociedade só se
sustenta pela fraternidade dos cidadãos. A Loja, como microcosmo, antecipa essa
realidade: só prospera onde os irmãos se tratam como iguais e se reconhecem
como partes de uma mesma família espiritual.
O Nono Degrau: Serviço
O nono degrau é o do Serviço. Ele recorda que a liderança
maçônica não é privilégio, mas responsabilidade. O Mestre não se eleva para ser
servido, mas para servir.
Este princípio aproxima-se da noção de liderança servidora, formulada
por Robert Greenleaf. Para ele, o verdadeiro líder é aquele que serve primeiro,
e que só é seguido porque coloca o bem dos outros acima de seus interesses
pessoais.
O maçom que sobe este degrau aprende que sua vida não lhe
pertence por completo: foi chamado a servir à Loja, à sociedade, à Pátria e à
humanidade.
O Décimo Degrau: Amor Fraterno
O último degrau, o mais elevado, é o do Amor Fraterno. É o
coroamento da escalada. Todas as virtudes anteriores convergem para este ponto.
Sem amor, a disciplina é tirania, o trabalho é escravidão, a
experiência é cinismo, a sabedoria é arrogância, a força é opressão, a beleza é
vaidade, a universalidade é abstração, a fraternidade é palavra vazia e o
serviço é exploração.
Com amor, todas essas virtudes ganham vida e se tornam
eficazes. O amor fraterno é o laço perfeito que une os irmãos e torna presente
o Grande Arquiteto do Universo no templo. É, como dizia São Paulo, "o
vínculo da perfeição".
A Liderança Nasce da Humildade
Os dez degraus do templo no Rito Escocês Antigo e Aceito, interpretados como
símbolos, compõem uma escada iniciática que conduz o maçom do aprendizado
inicial ao amor fraterno. Eles ensinam que a liderança nasce da humildade, que
o poder é serviço, que a disciplina é liberdade, e que o ápice de toda escalada
não é a glória pessoal, mas o amor que edifica a comunidade.
Na prática, esses degraus constituem uma pedagogia da vida
adulta. Cada um deles é lição que se traduz em ação concreta na Loja e na
sociedade. Assim, os templos maçônicos não são apenas construções
arquitetônicas, mas escolas vivas de humanismo.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Lisboa:
Gulbenkian, 2004. Fundamenta a noção de hábito e excelência, útil para
compreender os degraus do Trabalho e da Experiência;
2.
CÍCERO. De Officiis. São Paulo: Martins Fontes,
2005. Obra sobre o dever, relacionada ao degrau da Sabedoria e da Força;
3.
GREENLEAF, Robert. Servant Leadership. Nova
York: Paulist Press, 1977. Texto clássico sobre liderança servidora, aplicado ao
nono degrau (Serviço);
4.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos
Costumes. Lisboa: Edições 70, 1991. Defende o princípio da universalidade
moral, associado ao sétimo degrau;
5.
KNOWLES,
Malcolm. The Adult Learner. Houston: Gulf Publishing, 1980. Referência
da andragogia, que sustenta a leitura dos degraus como método de ensino para
adultos;
6.
MACNULTY, W. Kirk. Freemasonry: Symbols,
Secrets, Significance. Londres: Thames & Hudson, 2006. Obra essencial sobre
o simbolismo maçônico, incluindo análise arquitetônica do templo;
7.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of
Freemasonry. Charleston, 1871. Fonte clássica do Rito Escocês Antigo e
Aceito, que inspira interpretações sobre virtude, sabedoria e liderança;
8.
PLOTINO. Enéadas. São Paulo: abril Cultural,
1973. Base filosófica para a noção de beleza como reflexo da unidade,
relacionada ao sexto degrau;
9.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social.
Lisboa: Estampa, 1996. Fundamenta a ideia da fraternidade como base de toda
sociedade, aplicada ao oitavo degrau;
10. SPINOZA,
Baruch. Ética. São Paulo: abril Cultural, 1979. Reforça a concepção de
progresso ético por etapas, iluminando a leitura integral da escada dos dez
degraus;
Nenhum comentário:
Postar um comentário