quarta-feira, 1 de outubro de 2025

A Quinta Essência na Perspectiva da Filosofia Maçônica

 Charles Evaldo Boller

Abstrato

A quinta essência, desde a Antiguidade aristotélica, representa o elemento sutil e incorruptível que transcende a terra, a água, o ar e o fogo. Para Aristóteles, era o aither[1], princípio que sustentava a ordem cósmica. Na tradição hermética e alquímica, tornou-se símbolo da perfeição, da espiritualidade e da busca do absoluto.

Na Maçonaria, esse conceito não se apresenta em dogmas, mas velado nos símbolos e alegorias. A estrela de cinco pontas, emblema do microcosmo, é exemplo eloquente: os quatro membros expressam o quaternário material, enquanto a cabeça, erguida, manifesta a quinta essência espiritual. É o domínio do espírito sobre a matéria, a vitória da consciência sobre os instintos.

O avental maçônico também ilustra esse princípio. No grau de aprendiz, o triângulo espiritual está separado do quadrado material. No grau de companheiro, uma ponta se une, levantando parcialmente o véu do mistério. No mestrado, a fusão é completa: o espírito governa a matéria, e a quintessência manifesta-se no homem.

A instrução maçônica é andragógica: não entrega verdades prontas, mas convida o iniciado a decifrar símbolos, como a esfinge que desafia: "decifra-me ou te devoro". Cada contemplação amplia a consciência e desperta dimensões superiores do ser.

A antropogênese hermética[2] ensina que a humanidade vive ciclos evolutivos. Nosso tempo é marcado pelo despertar do quinto princípio - o mental abstrato, sede da intuição e da contemplação. Esse é o propósito das iniciações: acelerar o despertar da quintessência em cada indivíduo.

Assim, a quinta essência não é abstração vazia, mas chave do caminho maçônico. É o ponto de convergência onde corpo e espírito se harmonizam. É a assinatura do Grande Arquiteto do Universo no íntimo do homem, que, ao dominá-la, torna-se livre e apto a servir à humanidade com sabedoria, fraternidade e amor.

A Quinta Essência Como Símbolo da Espiritualidade

O conceito da quinta essência (ou quintessência) acompanha a humanidade desde a Antiguidade, enraizado nas tradições filosóficas, herméticas e alquímicas. Aristóteles, em sua Metafísica e em tratados da Física, já falava de um quinto elemento, distinto da terra, do ar, da água e do fogo, chamado aither, um princípio eterno, incorruptível, que sustentaria os astros e conferiria movimento e ordem ao cosmo. A tradição hermética e alquímica medieval herdou tal concepção, transformando-a em chave simbólica para explicar tanto a constituição do Universo quanto o processo de transmutação espiritual do homem.

Na Maçonaria, o tema nem sempre é abordado diretamente nos graus iniciais, pois estes visam a formação ética e moral do iniciado, preparando-lhe o intelecto para realidades mais sutis. No entanto, a quinta essência ressurge como símbolo da espiritualidade, da superação do quaternário material e da ascensão da consciência. Assim, o estudo deste princípio, sob a ótica maçônica, torna-se um exercício filosófico profundo que exige a conjunção da razão e da intuição, do método e da contemplação.

O presente ensaio propõe-se a explorar a quinta essência em sua amplitude simbólica, filosófica e espiritual, articulando-a com a instrução iniciática da Maçonaria, a simbologia do avental, a estrela flamejante, a lei hermética da correspondência e os ciclos da evolução humana.

A Origem Filosófica do Conceito de Quinta Essência

O termo quinta essência surge de modo sistemático em Aristóteles. Para ele, os quatro elementos (terra, água, ar, fogo) compunham a realidade terrena, enquanto os céus eram feitos de um quinto elemento incorruptível, o aither. Os astros, segundo essa concepção, não estavam sujeitos à degradação, à mutabilidade e à corrupção do mundo sublunar, mas seguiam uma ordem perfeita.

Na Idade Média, alquimistas e filósofos cristãos reinterpretaram esse elemento como a quinta essentia, a substância mais pura e sutil, aquela que, ao ser destilada das coisas, revelaria sua verdadeira natureza. Era, portanto, símbolo da busca pela perfeição, pelo absoluto, pelo espiritual.

A tradição hermética, por sua vez, identificou a quinta essência com o espírito universal, princípio que penetra todas as coisas e as harmoniza. A quinta essência é, nesse sentido, não apenas uma substância, mas uma ponte entre a imanência e a transcendência, entre o microcosmo humano e o macrocosmo divino.

A Quinta Essência no Simbolismo Maçônico

A Maçonaria, como escola iniciática, não trata de matérias abstratas de modo dogmático, mas por meio de símbolos, rituais e alegorias. O conceito da quinta essência aparece velado em diversos símbolos: a estrela de cinco pontas, o triângulo sobreposto ao quadrado, o avental, a própria ideia da "Luz" iniciática.

A estrela de cinco pontas, por exemplo, representa o microcosmo humano. Os quatro membros, braços e pernas, constituem o quaternário material, enquanto a cabeça, elevada, corresponde ao quinto princípio, o espírito que domina a matéria. Assim, a ponta superior da estrela flamejante simboliza a quintessência espiritual, a força ordenadora que confere unidade ao ser.

O avental, por sua vez, constitui-se num compêndio da filosofia iniciática. No grau de aprendiz, o triângulo espiritual está ainda separado do quadrado material. No grau de companheiro, uma ponta do triângulo já se une ao quadrado, representando a abertura parcial do véu do mistério. No grau de mestre, a união do triângulo com o quadrado indica a vitória do espírito sobre a matéria, a manifestação da quinta essência no homem.

Trindade e Setenário: a Manifestação da Unidade

A filosofia iniciática ensina que a unidade primordial se manifesta como trindade e evolui como setenário. Os números 1, 3 e 7 constituem, assim, chaves universais.

·         O Uno é o princípio absoluto, origem de todas as coisas.

·         O Três é a manifestação: corpo, alma e espírito; pai, filho e espírito; criação, conservação e transformação.

·         O Sete é a evolução, a escada iniciática, os sete princípios do homem: físico denso, físico etéreo, astral, mental inferior, mental superior, intuitivo e transcendental.

A quinta essência aparece como síntese, como eixo que conecta esses princípios. É o quinto estágio de desenvolvimento da consciência, o mental abstrato, que a Maçonaria busca despertar por meio da linguagem simbólica.

A Lei Hermética da Correspondência

O axioma hermético, "o que está em cima é como o que está embaixo; e o que está embaixo é como o que está em cima", ilumina o estudo da quinta essência. No macrocosmo, ela é o espírito universal que sustenta a ordem cósmica. No microcosmo, é o princípio espiritual que confere unidade ao homem.

O maçom, ao contemplar os símbolos, desperta progressivamente essa correspondência interna. A estrela flamejante, por exemplo, não é apenas um desenho: é um arquétipo que ressoa no inconsciente e ativa dimensões superiores da mente. Cada vez que é contemplada, revela novos significados, pois o iniciado não é mais o mesmo de antes, sua consciência expandiu-se.

A Instrução Iniciática e o Despertar da Quintessência

A Maçonaria não transmite verdades prontas. Seu método é andragógico: estimula o adulto a aprender pela experiência, pelo debate, pela reflexão e pela contemplação. O símbolo funciona como provocação cognitiva.

Contemplar a esfinge, os vitrais das catedrais ou o avental maçônico é mais do que ver: é conversar silenciosamente com arquétipos. "Decifra-me ou te devoro" é a máxima que descreve o processo iniciático. Cada decifração parcial revela novas camadas, aproximando o iniciado da quinta essência, o espírito que dá sentido ao todo.

A Antropogênese Hermética e os Ciclos Evolutivos

Segundo a tradição hermética, a humanidade evolui por ciclos, cada qual marcado pelo desenvolvimento de um princípio. Atualmente, estaria em curso o despertar do quinto princípio, o mental abstrato, sede da intuição e da contemplação.

Esse é o sentido profundo das iniciações: acelerar o despertar da quintessência em cada homem. Quando o iniciado consegue integrar corpo e espírito, sua consciência transcende ao plano da espiritualidade natural, reencontrando a centelha divina que o habita.

A Quintessência Como Síntese da Vida Maçônica

Toda iniciação maçônica, desde o aprendiz até o Inspetor Geral, busca a migração da matéria para o espírito. O trabalho de "lapidar a pedra bruta" é metáfora dessa transmutação. A quinta essência é o símbolo final dessa vitória: o domínio da consciência sobre os instintos, da luz sobre as trevas, do espírito sobre a matéria.

O maçom que desperta sua quintessência não se isola do mundo. Ao contrário, torna-se servidor mais lúcido da humanidade. Pois a espiritualidade não é fuga, mas iluminação da ação.

Despertando a Quintessência que Liberta

A quinta essência, longe de ser mera especulação, constitui-se em chave simbólica de valor inestimável para o pensamento maçônico. Ela sintetiza o percurso iniciático: do quadrado ao triângulo, da pedra bruta à cúbica, do quaternário material à estrela flamejante. É a presença do divino no humano, a marca do Grande Arquiteto do Universo no coração do homem.

Decifrar esse mistério não é tarefa de um único estudo, mas de uma vida inteira de contemplação, debate e ação. O maçom, ao seguir essa senda, vai pouco a pouco unindo em si os contrários, despertando a quintessência que o torna verdadeiramente livre.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Metafísica e Física. Obras fundamentais onde surge a noção do aither como quinto elemento. Essencial para compreender a origem filosófica da quinta essência;

2.      EVOLA, Julius. A Tradição Hermética. Analisa a herança alquímica e hermética na espiritualidade ocidental, relacionando-a com o processo iniciático;

3.      GUÉNON, René. Símbolos da Ciência Sagrada. Obra que aprofunda o sentido dos símbolos tradicionais, incluindo a estrela, o triângulo e o quadrado;

4.      HALL, Manly P. The Secret Teachings of All Ages. Grande compêndio sobre simbolismo esotérico, útil para relacionar a estrela flamejante, os números cabalísticos e a quintessência;

5.      HERMES TRISMEGISTO. Corpus Hermeticum. Fonte da lei da correspondência e da visão do homem como microcosmo. Essencial para entender o pano de fundo hermético da simbologia maçônica;

6.      JUNG, Carl Gustav. Símbolos de Transformação. Explora o simbolismo dos arquétipos e sua função na psique humana, relevante para o entendimento do processo de interiorização simbólica;

7.      LEADBEATER, C. W. A Vida Interna. Texto teosófico que descreve os sete princípios do homem, em consonância com a visão maçônica de evolução espiritual;

8.      PARACELSO. Opera Omnia. O alquimista suíço desenvolveu o conceito de quinta essentia como princípio medicinal e espiritual, mostrando sua função de síntese e cura;

9.      YATES, Frances A. Giordano Bruno and the Hermetic Tradition. Estudo sobre a tradição hermética renascentista, importante para compreender a evolução do conceito de quintessência no pensamento europeu;



[1] "Aither" se refere principalmente a duas coisas: na mitologia grega, Aither (ou Éter) é o deus primordial da Luz e do Ar Puro, e também o material celestial que preenchia o espaço entre os deuses. Na física, o éter é a substância hipotética que se acreditava preencher o universo, embora essa teoria tenha sido descartada pela ciência moderna;

[2] Antropogênese hermética não é um termo comum, mas sugere a visão hermética da origem do homem, que se baseia na ideia de que o homem é um reflexo do cosmos (microcosmo), dotado de uma natureza dupla e imortal e mortal, e que pode se elevar espiritualmente por meio do despertar da consciência. Essa visão, que tem influências gnósticas e alquímicas, é antropocêntrica e valoriza a divindade presente na natureza humana;

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