Charles Evaldo Boller
Abstrato
A quinta essência, desde a Antiguidade aristotélica, representa
o elemento sutil e incorruptível que transcende a terra, a água, o ar e o fogo.
Para Aristóteles, era o aither[1],
princípio que sustentava a ordem cósmica. Na tradição hermética e alquímica,
tornou-se símbolo da perfeição, da espiritualidade e da busca do absoluto.
Na Maçonaria, esse conceito não se apresenta em dogmas, mas
velado nos símbolos e alegorias. A estrela de cinco pontas, emblema do
microcosmo, é exemplo eloquente: os quatro membros expressam o quaternário
material, enquanto a cabeça, erguida, manifesta a quinta essência espiritual. É
o domínio do espírito sobre a matéria, a vitória da consciência sobre os
instintos.
O avental maçônico também ilustra esse princípio. No grau de
aprendiz, o triângulo espiritual está separado do quadrado material. No grau de
companheiro, uma ponta se une, levantando parcialmente o véu do mistério. No
mestrado, a fusão é completa: o espírito governa a matéria, e a quintessência
manifesta-se no homem.
A instrução maçônica é andragógica: não entrega verdades
prontas, mas convida o iniciado a decifrar símbolos, como a esfinge que
desafia: "decifra-me ou te devoro".
Cada contemplação amplia a consciência e desperta dimensões superiores do ser.
A antropogênese hermética[2] ensina
que a humanidade vive ciclos evolutivos. Nosso tempo é marcado pelo despertar
do quinto princípio - o mental abstrato, sede da intuição e da contemplação. Esse
é o propósito das iniciações: acelerar o despertar da quintessência em cada
indivíduo.
Assim, a quinta essência não é abstração vazia, mas chave do
caminho maçônico. É o ponto de convergência onde corpo e espírito se
harmonizam. É a assinatura do Grande Arquiteto do Universo no íntimo do homem,
que, ao dominá-la, torna-se livre e apto a servir à humanidade com sabedoria,
fraternidade e amor.
A Quinta Essência Como Símbolo da Espiritualidade
O conceito da quinta essência (ou quintessência) acompanha a
humanidade desde a Antiguidade, enraizado nas tradições filosóficas, herméticas
e alquímicas. Aristóteles, em sua Metafísica e em tratados da Física, já falava
de um quinto elemento, distinto da terra, do ar, da água e do fogo, chamado
aither, um princípio eterno, incorruptível, que sustentaria os astros e
conferiria movimento e ordem ao cosmo. A tradição hermética e alquímica
medieval herdou tal concepção, transformando-a em chave simbólica para explicar
tanto a constituição do Universo quanto o processo de transmutação espiritual
do homem.
Na Maçonaria, o tema nem sempre é abordado diretamente nos
graus iniciais, pois estes visam a formação ética e moral do iniciado,
preparando-lhe o intelecto para realidades mais sutis. No entanto, a quinta
essência ressurge como símbolo da espiritualidade, da superação do quaternário
material e da ascensão da consciência. Assim, o estudo deste princípio, sob a
ótica maçônica, torna-se um exercício filosófico profundo que exige a conjunção
da razão e da intuição, do método e da contemplação.
O presente ensaio propõe-se a explorar a quinta essência em sua
amplitude simbólica, filosófica e espiritual, articulando-a com a instrução
iniciática da Maçonaria, a simbologia do avental, a estrela flamejante, a lei
hermética da correspondência e os ciclos da evolução humana.
A Origem Filosófica do Conceito de Quinta Essência
O termo quinta essência surge de modo sistemático em
Aristóteles. Para ele, os quatro elementos (terra, água, ar, fogo) compunham a
realidade terrena, enquanto os céus eram feitos de um quinto elemento
incorruptível, o aither. Os astros, segundo essa concepção, não estavam
sujeitos à degradação, à mutabilidade e à corrupção do mundo sublunar, mas
seguiam uma ordem perfeita.
Na Idade Média, alquimistas e filósofos cristãos
reinterpretaram esse elemento como a quinta essentia, a substância mais pura e
sutil, aquela que, ao ser destilada das coisas, revelaria sua verdadeira
natureza. Era, portanto, símbolo da busca pela perfeição, pelo absoluto, pelo
espiritual.
A tradição hermética, por sua vez, identificou a quinta
essência com o espírito universal, princípio que penetra todas as coisas e as
harmoniza. A quinta essência é, nesse sentido, não apenas uma substância, mas
uma ponte entre a imanência e a transcendência, entre o microcosmo humano e o
macrocosmo divino.
A Quinta Essência no Simbolismo Maçônico
A Maçonaria, como escola iniciática, não trata de matérias
abstratas de modo dogmático, mas por meio de símbolos, rituais e alegorias. O
conceito da quinta essência aparece velado em diversos símbolos: a estrela de
cinco pontas, o triângulo sobreposto ao quadrado, o avental, a própria ideia da
"Luz" iniciática.
A estrela de cinco pontas, por exemplo, representa o microcosmo
humano. Os quatro membros, braços e pernas, constituem o quaternário material,
enquanto a cabeça, elevada, corresponde ao quinto princípio, o espírito que domina a matéria. Assim, a ponta
superior da estrela flamejante simboliza a quintessência espiritual, a força
ordenadora que confere unidade ao ser.
O avental, por sua vez, constitui-se num compêndio da filosofia
iniciática. No grau de aprendiz, o triângulo espiritual está ainda separado do
quadrado material. No grau de companheiro, uma ponta do triângulo já se une ao
quadrado, representando a abertura parcial do véu do mistério. No grau de
mestre, a união do triângulo com o quadrado indica a vitória do espírito sobre
a matéria, a manifestação da quinta essência no homem.
Trindade e Setenário: a Manifestação da Unidade
A filosofia iniciática ensina que a unidade primordial se
manifesta como trindade e evolui como setenário. Os números 1, 3 e 7
constituem, assim, chaves universais.
·
O Uno é o princípio absoluto, origem de todas as
coisas.
·
O Três é a manifestação: corpo, alma e espírito;
pai, filho e espírito; criação, conservação e transformação.
·
O Sete é a evolução, a escada iniciática, os
sete princípios do homem: físico denso, físico etéreo, astral, mental inferior,
mental superior, intuitivo e transcendental.
A quinta essência aparece como síntese, como eixo que conecta
esses princípios. É o quinto estágio de desenvolvimento da consciência, o
mental abstrato, que a Maçonaria busca despertar por meio da linguagem
simbólica.
A Lei Hermética da Correspondência
O axioma hermético, "o
que está em cima é como o que está embaixo; e o que está embaixo é como o que
está em cima", ilumina o estudo da quinta essência. No macrocosmo, ela
é o espírito universal que sustenta a ordem cósmica. No microcosmo, é o
princípio espiritual que confere unidade ao homem.
O maçom, ao contemplar os símbolos, desperta progressivamente
essa correspondência interna. A estrela flamejante, por exemplo, não é apenas
um desenho: é um arquétipo que ressoa no inconsciente e ativa dimensões
superiores da mente. Cada vez que é contemplada, revela novos significados,
pois o iniciado não é mais o mesmo de antes, sua consciência
expandiu-se.
A Instrução Iniciática e o Despertar da Quintessência
A Maçonaria não transmite verdades prontas. Seu método é
andragógico: estimula o adulto a aprender pela experiência, pelo debate, pela
reflexão e pela contemplação. O símbolo funciona como provocação cognitiva.
Contemplar a esfinge, os vitrais das catedrais ou o avental
maçônico é mais do que ver: é conversar silenciosamente com arquétipos. "Decifra-me ou te devoro" é a máxima
que descreve o processo iniciático. Cada decifração parcial revela novas
camadas, aproximando o iniciado da quinta essência, o espírito que dá
sentido ao todo.
A Antropogênese Hermética e os Ciclos Evolutivos
Segundo a tradição hermética, a humanidade evolui por ciclos,
cada qual marcado pelo desenvolvimento de um princípio. Atualmente, estaria em
curso o despertar do quinto princípio, o mental abstrato, sede da intuição e da
contemplação.
Esse é o sentido profundo das iniciações: acelerar o despertar
da quintessência em cada homem. Quando o iniciado consegue integrar corpo e
espírito, sua consciência transcende ao plano da espiritualidade natural,
reencontrando a centelha divina que o habita.
A Quintessência Como Síntese da Vida Maçônica
Toda iniciação maçônica, desde o aprendiz até o Inspetor Geral,
busca a migração da matéria para o espírito. O trabalho de "lapidar a pedra bruta" é metáfora
dessa transmutação. A quinta essência é o símbolo final dessa vitória: o
domínio da consciência sobre os instintos, da luz sobre as trevas, do espírito
sobre a matéria.
O maçom que desperta sua quintessência não se isola do mundo.
Ao contrário, torna-se servidor mais lúcido da humanidade. Pois a espiritualidade
não é fuga, mas iluminação da ação.
Despertando a Quintessência que Liberta
A quinta essência, longe de ser mera especulação, constitui-se
em chave simbólica de valor inestimável para o pensamento maçônico. Ela
sintetiza o percurso iniciático: do quadrado ao triângulo, da pedra bruta à
cúbica, do quaternário material à estrela flamejante. É a presença do divino
no humano, a marca do Grande Arquiteto do Universo no coração do homem.
Decifrar esse mistério não é tarefa de um único estudo, mas de
uma vida inteira de contemplação, debate e ação. O maçom, ao seguir essa senda,
vai pouco a pouco unindo em si os contrários, despertando a quintessência que o
torna verdadeiramente livre.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Metafísica e Física. Obras
fundamentais onde surge a noção do aither como quinto elemento. Essencial para
compreender a origem filosófica da quinta essência;
2.
EVOLA, Julius. A Tradição Hermética. Analisa a
herança alquímica e hermética na espiritualidade ocidental, relacionando-a com
o processo iniciático;
3.
GUÉNON, René. Símbolos da Ciência Sagrada. Obra
que aprofunda o sentido dos símbolos tradicionais, incluindo a estrela, o
triângulo e o quadrado;
4.
HALL,
Manly P. The Secret Teachings of All Ages. Grande compêndio sobre
simbolismo esotérico, útil para relacionar a estrela flamejante, os números
cabalísticos e a quintessência;
5.
HERMES TRISMEGISTO. Corpus Hermeticum. Fonte da
lei da correspondência e da visão do homem como microcosmo. Essencial para
entender o pano de fundo hermético da simbologia maçônica;
6.
JUNG, Carl Gustav. Símbolos de Transformação.
Explora o simbolismo dos arquétipos e sua função na psique humana, relevante
para o entendimento do processo de interiorização simbólica;
7.
LEADBEATER, C. W. A Vida Interna. Texto
teosófico que descreve os sete princípios do homem, em consonância com a visão
maçônica de evolução espiritual;
8.
PARACELSO. Opera Omnia. O alquimista suíço
desenvolveu o conceito de quinta essentia como princípio medicinal e
espiritual, mostrando sua função de síntese e cura;
9.
YATES, Frances A. Giordano Bruno and the
Hermetic Tradition. Estudo sobre a tradição hermética renascentista, importante
para compreender a evolução do conceito de quintessência no pensamento europeu;
[1]
"Aither" se refere principalmente a duas coisas: na mitologia
grega, Aither (ou Éter) é o deus primordial da Luz e do Ar Puro, e também o
material celestial que preenchia o espaço entre os deuses. Na física, o éter é
a substância hipotética que se acreditava preencher o universo, embora essa
teoria tenha sido descartada pela ciência moderna;
[2]
Antropogênese hermética não é um termo comum, mas sugere a visão
hermética da origem do homem, que se baseia na ideia de que o homem é um
reflexo do cosmos (microcosmo), dotado de uma natureza dupla e imortal e
mortal, e que pode se elevar espiritualmente por meio do despertar da
consciência. Essa visão, que tem influências gnósticas e alquímicas, é
antropocêntrica e valoriza a divindade presente na natureza humana;
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