Valorizar os que se Destacam
É restaurar a ponte entre o visível e o invisível. É reconhecer
nos exemplos humanos a geometria divina do progresso moral. Na filosofia
maçônica, esse ato é mais que reconhecimento: é iniciação contínua, onde cada
herói exterior desperta o herói interior, o homem que busca a Verdade, edifica
o Bem e ilumina o mundo com a Luz do Grande Arquiteto do Universo.
Significado da Valorização
Valorizar os que se destacam é reconhecer o reflexo da Luz nas
ações humanas. O maçom, em sua busca pela perfeição moral e intelectual,
aprende a admirar e imitar os exemplos que conduzem à virtude, à sabedoria e à
liberdade interior. A admiração não é mero culto, mas um ato de discernimento
espiritual: ela distingue o transitório do essencial, o aplauso mundano do
reconhecimento ético.
Desde as antigas civilizações, os homens projetam em heróis e
mitos o ideal da humanidade aperfeiçoada. Na filosofia maçônica, este gesto
simbólico não se reduz à veneração, mas constitui exercício de
autoconhecimento: o herói externo reflete o herói interno. Como ensina o
axioma hermético, "assim como é
acima, é abaixo", o que se admira fora é o prenúncio do que deve ser
despertado dentro de si.
Herói, Ícone e Mito: a Arquitetura do Ideal
O herói, desde Homero até Campbell, é o símbolo do homem em
busca de sentido. O mito de Hércules, que enfrenta seus doze trabalhos, é o
arquétipo da alma que enfrenta suas paixões e limitações. Jesus, Sócrates, Buda
ou Tiradentes são expressões culturais distintas de um mesmo impulso universal:
transcender o ego em nome de um bem superior.
Na linguagem maçônica, o herói representa aquele que se lapidou
a ponto de refletir a Luz do Grande Arquiteto do Universo. Ele é o exemplo que desperta a consciência, inspira virtude e
estabelece um paradigma moral. A valorização dos heróis é, portanto, parte do
método iniciático: o maçom contempla o símbolo não para idolatrá-lo, mas
para compreender o princípio que ele encarna.
Platão, em sua teoria das Formas, ensinava que todo objeto
sensível participa de uma ideia eterna. Assim também o herói participa da Ideia
do Bem. A figura concreta, Cristo, Tiradentes, Sócrates, é a sombra visível de
uma essência invisível: a Virtude.
Jesus e Tiradentes: o Herói Natural e o Herói Fabricado
Existe uma distinção fecunda entre o "herói natural", como Jesus, e o
"herói fabricado", como
Tiradentes. O primeiro surge da espontaneidade moral e espiritual; o segundo é
construído pela necessidade política ou cultural de um povo.
Jesus, símbolo solar da Luz interior, representou a
desobediência criadora: rompeu com o poder dogmático de seu tempo e introduziu
uma nova ética baseada na compaixão e na consciência.
Sua crucificação é a metáfora da vitória do espírito sobre a matéria, do
amor sobre o poder.
Tiradentes, por sua vez, foi o arquétipo republicano do herói
político. Sua figura, moldada posteriormente à imagem de Cristo, serviu como
cimento simbólico para a unidade nacional. Mesmo "forjado", o mito desempenhou função vital: despertou no
povo brasileiro um sentimento de identidade e de liberdade.
Ambos, portanto, são necessários. O primeiro ilumina o interior
do homem; o segundo fortalece o espírito coletivo. Um eleva a alma ao infinito;
o outro ancora o cidadão na história. O maçom compreende que a verdade
simbólica transcende a factual: o mito, mesmo quando nascido da ficção, possui
valor moral real.
A Função Moral dos Mitos na Formação do Homem
Aristóteles afirmava que "a virtude nasce do hábito". Mas o hábito nasce do ideal. O
mito oferece à imaginação o modelo a ser repetido. Quando uma sociedade destrói
seus símbolos, ela destrói também o imaginário ético que sustenta a
civilização.
Joseph Campbell, em O Herói de Mil Faces, demonstra que o mito
não é superstição, mas mapa espiritual. Ele orienta a alma humana nas etapas do
"monomito"[1]: a
chamada, a travessia, o retorno transformado. O herói que retorna da jornada é
aquele que aprendeu a arte de viver.
A Maçonaria, ao preservar símbolos, alegorias e rituais, cumpre
a mesma função: manter vivos os arquétipos que a modernidade racional tende a
dissipar. O maçom, ao reverenciar seus "heróis", históricos ou simbólicos, reativa a memória moral da
humanidade. O templo interior só se ergue quando o homem se recorda de sua
natureza divina.
Ética e Metafísica da Valorização
Valorizar é reconhecer o telos[2], o fim nobre das
ações humanas. Kant ensinou que o valor moral não está na consequência,
mas na intenção conforme o dever. Assim, o maçom valoriza o irmão que age por
convicção e consciência, não por recompensa.
Na metafísica maçônica, o valor é luz condensada na forma da
virtude. O herói é aquele que manifesta essa luz em meio à treva do mundo
profano. A valorização, nesse contexto, é um ato de justiça ontológica:
reconhecer no outro a centelha do Grande Arquiteto do Universo.
A lógica da valorização, por sua vez, evita o culto à
personalidade e dirige-se ao princípio. Aristóteles distingue entre areté
(virtude) e doxa (opinião). O herói busca a areté, a excelência moral, enquanto
o falso herói busca a doxa, o aplauso efêmero.
O Colapso dos Símbolos e a Crise da Modernidade
Um ponto crucial: o desaparecimento dos mitos fundadores na
sociedade contemporânea. O homem moderno, submerso em redes virtuais e em
narrativas fragmentadas, perdeu o eixo simbólico. Vive a era do "homem sem centro", de que fala Mircea
Eliade[3].
Sem mitos, não há coesão moral. O indivíduo sem ídolos nobres
idolatra o efêmero: celebridades, ideologias ou o próprio ego. O vazio
simbólico converte-se em desordem ética.
A filosofia maçônica, nesse contexto, é antídoto contra a dissolução moral. Ela ensina a
restaurar o símbolo interior, a reerguer o templo da consciência. O pavimento mosaico, com seus contrastes de luz e
sombra, é a metáfora dessa dialética: o homem deve aprender a caminhar sobre
a diversidade e o conflito sem perder o equilíbrio da alma.
O Herói como Ponte Entre Razão e Espiritualidade
O herói reconcilia os domínios da razão e do espírito. Sócrates
foi condenado por "corromper a
juventude" e "introduzir
novos deuses", mas sua coragem em morrer pela verdade inspirou séculos
de filosofia moral. Sua maiêutica[4] é o exemplo perfeito do
método de ensino maçônico: despertar no outro a
verdade que já habita em si.
Jesus e Sócrates, separados por contextos, convergem na mesma
atitude: viver segundo a verdade interior, ainda que isso custe a vida
exterior. Ambos são exemplos de que a Luz não pode ser silenciada pela
injustiça humana.
Na Loja, cada maçom é convidado a realizar simbolicamente esse
mesmo gesto: morrer para o profano e renascer para a Luz. A iniciação é, por
excelência, o drama do herói.
A Valorização como Método de Autoeducação Maçônica
A Maçonaria entende a valorização como processo de aprendizado
ativo. O maçom aprende com os exemplos dos grandes homens, mas, sobretudo,
aprende a reconhecer a própria grandeza potencial.
Inspirado na Andragogia, a Ordem propõe uma educação pela
experiência: o conhecimento nasce da vivência simbólica, e o símbolo
desperta a consciência ética. Ao valorizar quem se destaca pela virtude, o
irmão interioriza padrões de conduta. A homenagem torna-se método de ensino de
valores e princípios.
O venerável mestre que louva a prudência de um irmão em
assembleia não o faz por vaidade, mas para semear virtudes imitáveis. Assim, a loja
transforma-se em microcosmo educativo, onde a ética é transmitida por contágio
de exemplo.
Economia, Ética e Prosperidade
A valorização do exemplo ético gera prosperidade, não como fim
material, mas como consequência da harmonia interior. Max Weber[5], em A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo, demonstrou que o comportamento
disciplinado e ético fomenta o desenvolvimento econômico.
Analogamente, a ética maçônica gera riqueza moral e social.
O maçom que pratica a retidão inspira confiança, atrai cooperação e multiplica
o bem comum. A valorização dos exemplos virtuosos constrói capital simbólico,
que se converte em prosperidade real.
Na loja, esse processo é visível: o irmão que cumpre seus
deveres, respeita os rituais e contribui com amor fraterno torna-se farol de
estabilidade e progresso coletivo.
Crítica ao Heroísmo Falso e à Idolatria
Há, contudo, um perigo: o culto ao falso herói. A sociedade do
espetáculo, descrita por Guy Debord[6], fabrica ídolos
descartáveis. O herói midiático substitui o sábio silencioso.
A Maçonaria alerta contra essa inversão de valores. O
verdadeiro destaque não está na aparência, mas na essência. O "herói maçônico" é aquele que serve,
não o que se exibe. Ele pratica a virtude no silêncio, lapidando a Pedra Bruta
sem buscar aplauso.
O reconhecimento deve ser exercício de justiça, não de
bajulação. A loja deve exaltar os que constroem, não os que aparecem. Assim,
preserva-se a pureza do mérito.
A Lógica do Reconhecimento e o Caminho da Liberdade
Do ponto de vista lógico, valorizar o que se destaca é
reconhecer a causa eficiente do progresso moral. É o raciocínio da coerência: a
virtude produz harmonia; a harmonia gera liberdade.
Espinosa[7], em sua Ética, ensina
que a liberdade é a consciência da necessidade. O maçom livre é aquele que
conhece as leis morais do Universo e age em conformidade com elas. Ao valorizar
os exemplos virtuosos, ele reforça o campo da necessidade racional,
afastando-se da paixão cega.
A lógica maçônica, portanto, é libertadora: raciocínio, símbolo
e ação convergem para o mesmo fim, o aperfeiçoamento
do Ser.
O Templo Interior e a Ordem Moral
A valorização dos que se destacam culmina na edificação do
Templo Interior. O herói exterior torna-se espelho do homem que o contempla. A
cada exemplo ético, o maçom assenta uma nova pedra em sua construção moral.
O templo é o símbolo da ordem interna. Sem ordem, não há
beleza; sem beleza, não há verdade. O herói é o arquiteto dessa harmonia: ele
inspira o traçado da vida justa.
Valorizar, portanto, é participar da obra do Grande Arquiteto
do Universo. É reconhecer que a Luz se manifesta nos que se dedicam ao Bem, à
Verdade e à Justiça.
A Arte de Viver pela Admiração
Valorizar os que se destacam é praticar a arte de viver. É
reconhecer que cada grande homem, mártir, sábio, líder ou irmão, é um degrau na
escada de Jacó que liga a Terra ao Céu.
A sociedade moderna, ao rejeitar seus mitos, mergulha na crise
de sentido. A Maçonaria oferece o remédio: restaurar o símbolo, honrar o
exemplo e viver com propósito.
Quando o maçom valoriza o herói, ele desperta em si mesmo o
herói adormecido. Jesus e Tiradentes, Sócrates e Newton, Confúcio e Hiram Abif,
todos são reflexos da mesma Luz eterna que brilha no coração do homem
consciente.
A loja é o espaço onde essa Luz é celebrada, transmitida e
ampliada. Valorizar é, pois, um ato de fé
racional, um exercício de amor fraterno e um compromisso com a eternidade.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin
Claret, 2015. Fundamenta a ideia de virtude como hábito, baseando a moral na
excelência prática, essencial à formação do caráter maçônico;
2.
BACON, Francis. Novum Organum. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1984. Introduz a noção de conhecimento empírico e lógico,
baseando a relação entre experiência e sabedoria prática, aplicável ao
aprendizado simbólico;
3.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São
Paulo: Cultrix, 2007. Explica a jornada arquetípica do herói, oferecendo chave
simbólica para compreender o papel do mito na transformação individual;
4.
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo:
Palas Athena, 1990. Reitera a função pedagógica e espiritual do mito,
convergindo com o método andragógico maçônico;
5.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de
Janeiro: Contraponto, 1997. Critica a fabricação de ídolos na modernidade,
servindo de alerta contra o heroísmo falso e o esvaziamento simbólico;
6.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo:
Perspectiva, 1998. Mostra como os mitos estruturam o sentido da existência
humana e sustentam as civilizações, sendo aplicável à função simbólica da
Maçonaria;
7.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos
Costumes. Lisboa: Edições 70, 2012. Define a ética do dever e a autonomia
moral, princípios centrais ao ideal maçônico de liberdade interior;
8.
PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2006. Desenvolve a teoria das Formas e o conceito de Bem como
princípio supremo, referência Metafísica para o entendimento do herói ideal;
9.
SPINOZA, Baruch. Ética. São Paulo: Martins
Fontes, 2009. Relaciona liberdade à compreensão racional da necessidade,
perspectiva aplicável à lógica do reconhecimento maçônico;
10. WEBER,
Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Pioneira,
2004. Demonstra a conexão entre ética e prosperidade, confirmando a tese de que
valores morais moldam o sucesso material;
[1]
O monomito, conhecido como a jornada do herói, é uma estrutura narrativa
universal encontrada em mitos, lendas e histórias, descrita por Joseph Campbell
em seu livro O Herói de Mil Faces. A estrutura descreve um padrão comum: um
herói parte em uma aventura, é vitorioso em uma crise decisiva e retorna para
casa transformado. Essa jornada geralmente envolve três fases principais: a
Partida, a Iniciação e o Retorno;
[2]
Telos é o antigo termo grego para fim, realização, completude, meta ou
objetivo; é a origem da palavra moderna "teleologia";
[3]
Mircea Eliade, cientista das religiões, filósofo, historiador, mitólogo,
professor e romancista de nacionalidade norte-americana e romena. Nasceu em
Bucareste, Romênia em 9 de março de 1907. Faleceu em Chicago em 22 de abril de
1986. Um dos mais influentes cientistas das religiões e filósofos das religiões
da contemporaneidade;
[4]
Maiêutica é um método filosófico socrático que consiste em fazer
perguntas para ajudar as pessoas a "dar à luz" suas próprias ideias e
conhecimentos. O termo, que significa "arte de partejar", foi
inspirado na profissão da mãe de Sócrates, uma parteira. Através de um diálogo
que geralmente começa com a ironia socrática (o questionador finge não saber
para desconstruir preconceitos), o interlocutor é levado a refletir, a
reconhecer a contradição em seus próprios argumentos e, finalmente, a chegar a
novas conclusões por si mesmo;
[5]
Max Weber ou Maximilian Karl Emil Weber, economista, intelectual,
jurista e sociólogo de nacionalidade alemã. Nasceu em Erfurt em 21 de abril de
1864. Faleceu em Munique em 14 de junho de 1920. Considerado um dos fundadores
da Sociologia;
[6]
Guy Debord, escritor e filósofo de nacionalidade francesa. Nasceu em
Paris em 28 de dezembro de 1931. Faleceu em 30 de novembro de 1994;
[7]
Baruch de Espinoza ou Baruch de Benedictus Spinoza, autor, filósofo e
maçom de nacionalidade holandesa, judia e portuguesa. Também conhecido por
Baruch Spinoza ou Bento Espinosa. Nasceu em Amsterdã em 24 de novembro de 1632.
Faleceu em Haia em 1677, tuberculose. Profundo estudioso da Bíblia, do Talmude
e de obras de judeus;
Nenhum comentário:
Postar um comentário