Charles Evaldo Boller
Elevação do Espírito e a Busca do Invisível
O compasso é, sem dúvida, um dos símbolos mais nobres e
universais da Maçonaria. Juntamente com o esquadro, ele compõe o par
fundamental de instrumentos que guiam o maçom em sua caminhada. O esquadro
estabelece os limites da ação justa no plano da horizontalidade; o compasso,
por sua vez, abre-se para a infinitude do espírito, medindo e regulando a vida
em dimensões que transcendem a mera materialidade. Enquanto o esquadro
representa a retidão da conduta no mundo visível, o compasso eleva o espírito
para a busca do invisível, estabelecendo a ponte entre o humano e o divino.
O presente ensaio busca expandir a interpretação
filosófico-maçônica do compasso, articulando-o com a tradição clássica, a
filosofia iluminista e a espiritualidade iniciática, além de considerar sua
aplicação prática na vida adulta, conforme os princípios da andragogia.
A Precisão dos Limites e a Certeza das Proporções
O compasso, instrumento dos arquitetos e construtores, permite
desenhar círculos perfeitos, medir distâncias, dividir espaços com rigor
geométrico. Essa função imediata simboliza a precisão dos limites que cada
homem deve impor a si mesmo, delimitando a esfera de sua ação e respeitando a
esfera do próximo.
Na filosofia clássica, Aristóteles ensinava que a virtude
consiste em alcançar o "justo meio",
evitando os excessos e as carências. O compasso, ao medir proporções, torna-se
metáfora da justa medida aristotélica. Na vida maçônica, essa precisão não é
fria racionalidade, mas prudência ativa: saber até onde ir, até onde falar, até
onde agir, respeitando os ritmos da vida e os limites éticos que preservam a
harmonia da coletividade.
A Justiça do Grande Arquiteto do Universo
Ao representar o círculo perfeito, o compasso remete à ideia
da totalidade cósmica, reflexo da harmonia do Grande Arquiteto do Universo.
Platão, em sua "República",
descreveu a justiça como a ordenação harmoniosa de todas as partes da alma e da
cidade. Assim o compasso ordena o desenho, mantendo todas as linhas em perfeita
equidistância do centro. Para o maçom, esse centro é o Grande Arquiteto do
Universo, fonte de toda medida. O círculo que o compasso traça é a
representação simbólica da justiça cósmica, que abarca todos os seres em
igualdade.
Distinguir o Bem do Mal
O compasso não apenas delimita, mas também separa. No campo
filosófico-maçônico, isso significa distinguir o bem do mal, a justiça da
iniquidade. A tarefa iniciática não é meramente contemplativa, mas prática:
o maçom deve exercer discernimento constante, utilizando o compasso interior
para medir as consequências de seus atos.
Em Kant, o princípio moral se funda no imperativo categórico,
que exige agir de modo que a máxima da ação possa valer como lei universal. O
compasso traduz graficamente esse universal, pois o círculo é sempre o mesmo,
independentemente de quem o trace. Distinguir o bem do mal é, portanto, agir
com base em princípios universais, não em caprichos momentâneos.
Apreciar e Medir o Justo Valor
Um dos maiores desafios do homem moderno é atribuir valor às
coisas e às pessoas. Vivemos em uma sociedade que confunde preço com valor,
utilidade com dignidade. O compasso, símbolo da proporção, convida a medir o
valor das coisas não pela conveniência imediata, mas pela sua contribuição à
perfeição do ser.
No âmbito maçônico, apreciar o justo valor é reconhecer a
fraternidade, a amizade e o conhecimento como riquezas maiores que qualquer bem
material. Essa perspectiva aproxima-se de Spinoza, para quem a liberdade não
consiste em satisfazer paixões, mas em compreender a ordem da natureza e nela
encontrar alegria racional.
Verticalidade do Esquadro e Novo Aspecto da Verdade
O compasso trabalha em sintonia com o esquadro. O esquadro é a
norma que garante a retidão; o compasso é a medida que expande essa retidão
para novas dimensões. A verticalidade do esquadro indica a ascensão do
espírito, que não se contenta com verdades relativas, mas busca a verdade
absoluta.
No entanto, a verdade não é estática. Cada abertura do compasso
revela um novo aspecto da verdade, um ângulo inexplorado. Isso ressoa com a
filosofia hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, que vê a verdade como um processo
de diálogo e abertura, jamais como dogma imutável. A Maçonaria ensina o mesmo:
cada grau, cada símbolo, cada interpretação é apenas um degrau na espiral da
verdade infinita.
Transcendentalidade do Espírito Iniciático
A mais elevada função simbólica do compasso está na sua
transcendentalidade. Ele não apenas mede o visível, mas aponta para o
invisível. O círculo desenhado não é apenas figura geométrica, mas arquétipo do
eterno, do infinito e do absoluto.
O espírito iniciático encontra no compasso a metáfora de sua
própria condição: circunscrever-se ao dever e ao bem, mas abrir-se ao infinito
da busca espiritual. Enquanto a matéria é transitória, limitada e efêmera, o
espírito é eterno e progressivo. A filosofia maçônica, nesse sentido, reflete
Plotino e os neoplatônicos, que viam no Uno a fonte de toda emanação e na alma
o desejo de retornar ao centro.
Espírito Sobre a Matéria
O compasso, instrumento que se abre para além do ângulo do
esquadro, ensina que o espírito prevalece sobre a transitoriedade da matéria.
Essa lição é central na vida maçônica: não somos apenas corpo, mas
consciência em expansão. A matéria é necessária, mas passageira; o espírito,
porém, é eterno.
Na tradição cristã, Paulo já distinguia o "homem exterior" do "homem interior". A Maçonaria, fiel
à sua vocação universalista, amplia esse ensinamento, lembrando que toda busca
espiritual deve superar a ilusão materialista. Nesse ponto, o compasso torna-se
guia de ascensão, símbolo do eterno sobre o efêmero.
Aplicações Práticas na Vida Maçônica e Profana
A filosofia do compasso não se limita a abstrações. Ela pode e
deve ser aplicada em diversas esferas da vida:
·
Na família: usar o compasso para medir
palavras e atitudes, evitando excessos de autoritarismo ou permissividade.
·
Na profissão: agir com equilíbrio, sem
sacrificar a ética pela vantagem material.
·
Na sociedade: ser defensor da justiça,
respeitando os limites do direito alheio.
·
Na Loja: exercitar a tolerância, a
paciência e a prudência, preservando a harmonia fraterna.
Esse caráter aplicado do símbolo corresponde ao que Malcolm
Knowles descreveu como princípio da andragogia: o adulto aprende melhor
quando vê utilidade prática no conhecimento. Assim, a meditação sobre o
compasso não é mero ritual, mas treinamento ético-espiritual para a vida
cotidiana.
O Compasso Como Símbolo Universal
Não apenas a Maçonaria, mas diversas tradições antigas
reconheceram no compasso o arquétipo do divino. Na iconografia medieval, Deus é
muitas vezes representado como "Arquiteto
do Mundo", traçando com o compasso os limites do cosmos.
Na filosofia chinesa, o Tao é simbolizado pelo círculo, em
constante movimento, mas sempre retornando ao centro. Na tradição hindu, o
mandala expressa graficamente a mesma ideia: a perfeição geométrica que leva ao
equilíbrio espiritual. O compasso, portanto, transcende culturas, sendo
universal.
O Símbolo da Busca Espiritual
O compasso, em sua simplicidade geométrica, revela uma
profundidade inesgotável. Ele ensina proporção, justiça, discernimento,
transcendência. É o símbolo da busca espiritual que não se contenta com a
materialidade, mas deseja circunscrever-se ao bem e abrir-se ao infinito.
Na vida do maçom, o compasso é guia
permanente: delimita o egoísmo, corrige os excessos, mede o valor,
aponta para o centro, conduz à verdade. Ele é o instrumento do espírito em sua
jornada de aperfeiçoamento contínuo.
Assim como o círculo não tem fim, também a interpretação do
compasso é infinita. Cada geração de maçons encontrará nele novas lições, novos
aspectos da verdade, novas formas de vivenciar a transcendência.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradicional fonte
do conceito de "justo meio", essencial para compreender a função do
compasso como medida de equilíbrio;
2.
CAMPANELLA, Tommaso. A Cidade do Sol. Texto que
relaciona geometria, espiritualidade e sociedade ideal;
3.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método. Relevante
para a noção de que a verdade é dinâmica, revelando-se em novos aspectos, assim
como a abertura do compasso;
4.
HALL,
Manly P. The Secret Teachings of All Ages. Obra clássica que amplia a
interpretação simbólica do compasso em diversas tradições esotéricas;
5.
JUNG, Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos.
Relevante para compreender o compasso como arquétipo universal do círculo e da
totalidade;
6.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos
Costumes. Inspira a ideia de princípios universais, que o compasso representa
geometricamente;
7.
KNOWLES,
Malcolm. The Adult Learner. Útil para aplicar a filosofia do compasso ao
ensino maçônico na perspectiva da andragogia;
8.
PLATÃO. A República. Fundamenta a ideia da
justiça como harmonia, associável ao círculo traçado pelo compasso;
9.
PLOTINO. Enéadas. Fundamenta a transcendência do
espírito e o retorno ao Uno, representado pelo círculo;
10. SPINOZA,
Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras. Traz a visão do valor
racional e da alegria intelectual, que ecoa na justa medida do compasso;
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