Charles Evaldo Boller
A Ilusão da Certeza: o Efeito Dunning-kruger e a Filosofia Maçônica
Todos nós gostamos de acreditar que somos bons em alguma coisa,
talvez até melhores do que a maioria. Essa confiança pode nos motivar, mas
também pode nos enganar. A ciência psicológica nos mostra um fenômeno
inquietante: o efeito Dunning-Kruger. Ele revela que, em muitas áreas da vida,
quanto menos sabemos, mais acreditamos que sabemos. É a ignorância que se
fantasia de certeza, confundindo confiança com competência.
Esse inimigo não é externo; instala-se silencioso dentro de
nós. Ele não rouba nossos bens nem invade nossas casas, mas compromete nossa
clareza de pensamento. Faz-nos acreditar que somos heróis quando, na verdade,
somos cegos que juram que o mundo é escuro, apenas porque não conseguem
enxergá-lo.
A filosofia maçônica combate diretamente essa armadilha. O
iniciado, colocado em trevas, reconhece sua condição de ignorância inicial. O
silêncio que lhe é imposto é um exercício de humildade intelectual. A cada
grau, aprende-se que a luz recebida é parcial, que nunca possuímos o todo, e
que a sabedoria não se veste de certezas, mas de perguntas.
Enquanto a ignorância arrogante fecha a mente, a sabedoria
abre-se ao diálogo, à dúvida e à escuta. É o malho e o cinzel que lapidam a
pedra bruta, transformando-a em obra mais perfeita. O maçom aprende que até
mesmo nos graus mais altos permanece aprendiz.
Assim, a Maçonaria oferece um antídoto: cultivar a humildade,
buscar a Luz, rever crenças e aprender continuamente. O inimigo não está
fora, mas dentro: é a arrogância da ignorância.
Vencê-la é a mais nobre de nossas vitórias.
A Incapacidade Estrutural: para Reconhecer a Própria Incompetência
Há em cada ser humano um impulso íntimo de acreditar que possui
competências especiais, que é dotado de um saber particular, superior, talvez
até mais refinado do que o da maioria. Essa convicção não é mero capricho
psicológico; ela se relaciona com a necessidade de autoafirmação, de conferir
sentido e valor à própria existência. Porém, essa tendência esconde um paradoxo
inquietante: em muitas áreas da vida, o homem não apenas se engana sobre o que
sabe, mas é incapaz de perceber a extensão de sua ignorância. Esse fenômeno,
estudado pela psicologia moderna e conhecido como efeito Dunning-Kruger,
encontra ressonância nos mais antigos sistemas de sabedoria e na filosofia
maçônica, que desde a sua origem insiste na máxima socrática: "Só sei que nada sei".
O efeito Dunning-Kruger, descrito inicialmente em 1999 pelos
psicólogos David Dunning e Justin Kruger, demonstra que indivíduos com baixo
nível de competência em determinado campo tendem a superestimar suas
habilidades. Não se trata de vaidade, mas de uma incapacidade estrutural: para
reconhecer a própria incompetência, é necessário o mesmo tipo de habilidade que
está ausente. Assim, quanto menos alguém sabe, mais convicto se sente de saber.
É como um homem cego que, ao não enxergar o mundo, afirma que ele é vazio de
cores e formas.
Essa constatação científica lança luz sobre um problema humano
universal: a ignorância que se disfarça de certeza. Diferente da
ignorância honesta, que admite "eu
não sei", essa é a ignorância arrogante, que afirma "eu tenho certeza". É o vilão invisível
que se instala na mente e, sorrateiramente, convence-nos de que somos heróis de
uma narrativa ilusória.
A Ignorância Disfarçada de Saber
A ignorância não é, em si mesma, um mal. Ela é ponto de partida
de toda busca. O aprendiz maçom, ao entrar em Loja, é colocado em "trevas", com os olhos vendados,
como símbolo de sua condição inicial: ele não sabe, mas sabe que não sabe. Essa
consciência é fértil, é humilde, é transformadora. É exatamente a postura que
prepara o homem para receber a Luz da instrução.
Entretanto, quando a ignorância assume a forma da certeza
inflexível, ela se converte em arrogância. O ignorante arrogante é incapaz de
aprender porque acredita já ter aprendido. Despreza a escuta porque crê ser
portador da última palavra. A dúvida, para ele, não é uma oportunidade de
crescimento, mas uma fraqueza a ser eliminada. Eis aqui o perigo: o fechamento
da mente, a cristalização da consciência, a esterilidade da alma.
Esse processo é antigo. Aristóteles já distinguia entre a doxa
(opinião) e a episteme (conhecimento verdadeiro), advertindo que a opinião,
quando se apresenta como verdade absoluta, torna-se um obstáculo ao avanço do
saber. A filosofia maçônica, na sua simbologia, reproduz essa lição: a pedra
bruta, que representa o homem ignorante, só pode ser lapidada quando reconhece
suas arestas e deformidades. Mas se ela se considera já polida, recusa o malho
e o cinzel, permanecendo imperfeita.
A Armadilha da Confiança
O efeito Dunning-Kruger demonstra que a autoconfiança não é
sempre um sinal de competência. Ao contrário, pode ser sintoma de profunda
ignorância. Quantos líderes, políticos, gestores e até mestres, em diferentes
épocas, não caíram nessa armadilha?
Na vida profana, vemos exemplos diários: o cidadão que, após
ouvir superficialmente sobre economia, julga-se apto a elaborar teorias mais
profundas que as de Adam Smith ou Keynes; o internauta que, lendo meia dúzia de
artigos, acredita-se mais preparado que médicos para dar diagnósticos; o
aprendiz que, mal iniciado, julga-se apto a ensinar aos mestres.
A Maçonaria, ao contrário, ensina a desconfiar das certezas
fáceis. O aprendiz aprende a ouvir, a duvidar, a interrogar-se. O silêncio que
lhe é imposto não é punição, mas método pedagógico: silenciar é condição de
aprendizagem, é convite à humildade. Nesse sentido, o silêncio do aprendiz é
antídoto ao efeito Dunning-Kruger. Ele não fala porque ainda não sabe, mas
também porque sabe que não sabe.
Sabedoria e Silêncio
A sabedoria veste-se de silêncio, de dúvida e de humildade. Não
afirma: "eu sei", mas
pergunta: "como posso saber melhor?".
O sábio é aquele que, mesmo após décadas de estudo, conserva a atitude de
aprendiz.
Platão, em sua Carta VII, afirma que certos conhecimentos, os
mais elevados, não podem ser transmitidos por meio de discursos ou escritos,
mas apenas despertados na alma do discípulo após longa convivência e esforço
pessoal. Esse "conhecimento inefável",
que não se traduz em fórmulas, exige do iniciado uma humildade radical: admitir
que as palavras não contêm a verdade última.
A Maçonaria retoma essa tradição platônica. Muitos de seus
ensinamentos não são dados diretamente, mas sugeridos por símbolos, alegorias,
metáforas. Cabe ao maçom, na sua caminhada, aprender a interpretar, a
desconfiar do óbvio, a ler nas entrelinhas. Essa pedagogia simbólica é também
uma lição contra o efeito Dunning-Kruger: ensina que o que parece simples pode
conter abismos de profundidade, e que o verdadeiro conhecimento exige
paciência, escuta e meditação.
O Vilão Invisível na Sociedade Contemporânea
Na sociedade contemporânea, o efeito Dunning-Kruger ganhou nova
dimensão com as redes sociais. Se antes a ignorância arrogante ficava restrita
a círculos menores, hoje ela se propaga com velocidade digital. A Internet
democratizou a voz, o que é positivo, mas também conferiu legitimidade a
opiniões infundadas, tornando-as equivalentes, na aparência, ao saber
especializado.
Esse fenômeno alimenta o populismo, o negacionismo científico,
o fanatismo religioso e a polarização política. A ignorância que se fantasia de
certeza se multiplica, porque encontra eco em milhões de vozes semelhantes.
Cria-se um consenso ilusório, em que todos se reforçam mutuamente na convicção
de que possuem a verdade.
Para a Maçonaria, esse é um desafio ético e instrucional. O
maçom, comprometido com a verdade, precisa aprender a navegar nesse mar de
certezas frágeis sem perder o rumo da lucidez. Deve ser voz de equilíbrio,
lembrando sempre que a dúvida é mais fecunda que a certeza dogmática.
A Jornada Maçônica como Antídoto
A estrutura iniciática da Maçonaria é, em si, um remédio contra
o efeito Dunning-Kruger. Cada grau, do 1 ao 33 do Rito Escocês Antigo e Aceito, representa uma etapa de
conscientização. Ao passar de um grau a outro, o maçom aprende que o saber é
progressivo, que nunca está completo, que cada conquista abre portas para novos
mistérios.
O ritual insiste na metáfora da Luz: o iniciado recebe Luz, mas
não toda. Sempre haverá trevas a dissipar. Essa consciência gradual é
fundamental: impede a arrogância de quem julga possuir a verdade absoluta.
O maçom é chamado a ser eterno estudante. Mesmo no grau mais
elevado, continua aprendendo. Essa postura corresponde à definição de sabedoria
dada por filósofos como Montaigne, para quem o maior sinal de inteligência é
reconhecer os próprios limites.
Aplicações Práticas
A filosofia maçônica oferece práticas concretas para combater a
ignorância arrogante:
·
O silêncio do aprendiz - Exercício de humildade
intelectual.
·
O estudo contínuo - Leitura, pesquisa, diálogo
constante.
·
O debate em Loja - Espaço seguro para confrontar
ideias, onde o contraditório é ferramenta de aprendizado.
·
A escuta ativa - Aprender a ouvir antes de
falar.
·
A revisão de crenças - Estar disposto a mudar de
opinião diante de argumentos melhores.
·
A prática da tolerância - Reconhecer que outros
possuem verdades parciais que completam a nossa.
Esses elementos fazem da Maçonaria um espaço privilegiado de
lapidação da consciência contra o autoengano.
Caminho Simbólico para Vencer Armadilhas
O efeito Dunning-Kruger é mais que um fenômeno psicológico; é
um espelho da condição humana. Mostra que a ignorância mais perigosa
é a que se veste de certeza, e que a
sabedoria, ao contrário, se expressa na dúvida, no silêncio, na humildade.
A filosofia maçônica, ao trabalhar o iniciado como pedra bruta
a ser lapidada, oferece um caminho simbólico para vencer essa armadilha. Ensina
que o verdadeiro mestre é aquele que permanece humilde. Que a luz recebida não
é final, mas convite a buscar sempre mais.
Assim, o maçom aprende a desconfiar de suas certezas e a
cultivar a vigilância sobre si mesmo. O inimigo invisível não está fora,
mas dentro. Vencê-lo é tarefa diária, e talvez seja essa a maior vitória
que a Arte Real oferece: a vitória sobre a arrogância da ignorância.
Bibliografia Comentada
1.
ANDERSON, R. "Maçonaria: Simbolismo e
Filosofia". Obra que relaciona símbolos maçônicos ao processo de
aprendizagem contínua e à busca da Luz, em oposição às certezas dogmáticas;
2.
ARISTÓTELES. "Ética a Nicômaco".
Discute a diferença entre opinião (doxa) e conhecimento verdadeiro (episteme),
oferecendo base filosófica para distinguir certeza ilusória de sabedoria;
3.
CONFÚCIO. "Analectos". Enfatiza a
importância da consciência da ignorância e da disposição para aprender ao longo
da vida;
4.
DUNNING,
D. & Kruger, J. (1999). "Unskilled and Unaware of It". Journal of
Personality and Social Psychology. Estudo clássico que descreve o efeito
psicológico que leva indivíduos incompetentes a superestimar suas habilidades.
Fundamenta cientificamente o tema;
5.
KANT, I. "Resposta à Pergunta: O que é o
Esclarecimento?". Texto iluminista que relaciona a saída do homem de sua
menoridade à coragem de pensar por si mesmo, mas também à humildade de
reconhecer a necessidade de instrução;
6.
MONTAIGNE, M. "Ensaios". Reafirma a
humildade como marca da sabedoria e a dúvida como atitude filosófica;
7.
MORIN, E. "O Método". Reforça a
necessidade de pensamento complexo e da consciência dos limites de todo saber,
contrapondo-se ao reducionismo arrogante;
8.
PLATÃO. "Carta VII". Texto fundamental
para compreender a ideia de doutrinas não escritas e do conhecimento inefável,
que só pode ser despertado na alma;
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