Charles Evaldo Boller
Síntese Filosófica
O pavimento mosaico, formado por ladrilhos brancos e negros,
ocupa o centro do templo maçônico e representa a própria condição humana. Mais
que adorno, é símbolo vivo dos contrastes que estruturam a existência.
Na filosofia clássica, Platão já descrevia o mundo sensível
como mistura de luz e sombra, aparência e realidade. O mosaico exprime
esta dualidade: ao caminhar sobre ele, o iniciado revive a lição da Caverna,
aprendendo que a luz só tem sentido quando confrontada com a treva.
Aristóteles, por sua vez, via na virtude o "justo meio" (mesótes) entre extremos; o mosaico torna visível
essa doutrina ao alternar branco e negro em harmonia equilibrada.
O mosaico também simboliza as dificuldades da vida. Assim como
Sêneca ensinava que a adversidade é escola da alma, cada ladrilho negro
lembra que os fracassos e dores não destroem o homem, mas o forjam. Os
ladrilhos brancos, por outro lado, remetem às conquistas e alegrias que, sem
contraste, perderiam valor.
Além disso, o mosaico é imagem das diferenças humanas.
Para os estoicos, todos os homens são cidadãos do mesmo Cosmópolis. Na Loja,
como no pavimento, não há privilégio de posição ou cor: todos caminham sobre
o mesmo chão, em fraternidade e igualdade.
O símbolo ainda convida a unir sabedoria e força. Platão
defendia a harmonia entre razão, coragem e desejo; o mosaico ensina que a
sabedoria sem ação é impotente, e a força sem reflexão é tirania.
O pavimento mosaico é chamado à arte
do equilíbrio: viver entre luz e sombra, alegria e tristeza,
felicidade e contrariedade, sem se perder em extremos. O iniciado, ao pisar
diariamente nesse chão simbólico, aprende que a verdadeira sabedoria consiste
em caminhar serenamente sobre os contrastes da vida, transformando-os em
harmonia e plenitude.
Um Exercício de Filosofia Prática
O pavimento mosaico é um dos símbolos mais eloquentes da
Maçonaria. Sua disposição geométrica, composta por ladrilhos brancos e negros
dispostos em alternância, ocupa o espaço central do templo, obrigando todo
maçom, ao ingressar, a caminhar sobre ele. Não se trata de um ornamento
arquitetônico fortuito, mas de uma linguagem simbólica silenciosa e
poderosa, que fala à razão e à intuição, ao consciente e ao inconsciente.
Como todo símbolo maçônico, não possui apenas uma interpretação, mas múltiplas
camadas de sentido, que se desvelam conforme o maçom progride em sua caminhada na
Ordem.
No Rito Escocês Antigo e Aceito, o pavimento mosaico representa
o mundo, as dificuldades da existência, a imagem das diferenças, a pluralidade
dos caminhos, a alternância entre luz e trevas, a dualidade de alegria e
tristeza, a tensão entre felicidade e contrariedades. Simboliza ainda a
horizontalidade do esquadro, a necessidade de unir sabedoria e força, e a arte
de praticar o equilíbrio.
Expandir essas ideias é um exercício de filosofia prática, uma
meditação sobre o sentido da vida, o papel do homem no cosmos e a responsabilidade do iniciado
diante dos contrastes que estruturam a realidade.
O Mundo Como Mosaico
O pavimento mosaico é, antes de tudo, um espelho do mundo. O
Universo em que vivemos não é homogêneo, mas tecido por contradições. Assim
como o cosmos se organiza pela tensão entre ordem e caos, gravidade e expansão,
matéria e energia, o mundo humano é feito de oposição e complementaridade.
Platão, em sua República, ensinava que a realidade sensível é
marcada pela imperfeição e pelo contraste; só o mundo inteligível das ideias é
perfeito e uno. O mosaico recorda que a vida humana se dá neste plano de
contradições, onde cada passo pode ser luz ou sombra.
No Rito
Escocês Antigo e Aceito, esta visão cosmológica assume caráter ético: o maçom
é chamado a compreender que sua vida não se desenrola em uma linha reta, mas em
um mosaico de experiências contraditórias que precisam ser integradas.
As Dificuldades da Jornada
O mosaico é símbolo das dificuldades que o homem enfrenta. Não
há iniciação sem provação. Cada ladrilho negro recorda a dor, a perda, a
frustração, o fracasso; cada ladrilho branco, a vitória, o consolo, o
reencontro, a esperança. A alternância não é punição, mas método de
aprendizado.
O filósofo estoico Sêneca já dizia: "Nenhum vento é favorável para quem não sabe aonde vai". O
pavimento mosaico é o mar revolto da existência, onde ondas de sombra e luz se
alternam. O iniciado aprende que a dificuldade não é obstáculo absoluto, mas
ocasião de crescimento.
Diferenças e Diversidade
O mosaico expressa ainda a imagem das diferenças. Em uma Loja,
cada irmão traz sua origem, sua profissão, sua fé, sua visão de mundo. O
mosaico mostra que a fraternidade não se constrói pela homogeneização, mas pela
aceitação das diferenças.
Claude Lévi-Strauss lembrava que a diversidade cultural é o
maior patrimônio da humanidade. Da mesma forma, o pavimento mosaico é
metáfora da sociedade: negros e brancos,
ricos e pobres, eruditos e simples, todos caminham sobre o mesmo chão.
No templo, não há privilégio de cor, classe ou credo. O
mosaico é a Democracia espiritual do chão comum.
Caminhos e Escolhas
O pavimento mosaico é também metáfora das escolhas da vida. A cada passo, decide-se pisar no
claro ou no escuro. O iniciado aprende que a vida é uma sequência de escolhas
éticas: dizer a verdade ou mentir, agir com justiça ou com egoísmo, servir ou
explorar.
Kierkegaard lembrava que viver é escolher. A liberdade
humana, embora angustiante, é oportunidade de criar sentido. O mosaico é uma
cartografia silenciosa dos dilemas éticos que cada homem deve enfrentar.
Luz e Trevas
A alternância entre ladrilhos brancos e negros recorda a
dualidade de luz e sombra. A tradição maniqueísta via o bem e o mal como forças
em guerra. A Maçonaria, porém, não reduz o mosaico a um maniqueísmo simplista: o
negro não é o mal absoluto, mas ausência de luz; o branco não é perfeição, mas
luminosidade relativa.
Jung, ao falar da "sombra",
destacou que ela é parte constitutiva da psique. O iniciado, ao caminhar sobre
o mosaico, é lembrado de que a sombra não deve ser negada, mas integrada. Só
quem reconhece sua própria escuridão pode trazer luz ao mundo.
Alegria e Tristeza
A vida é feita de emoções contraditórias. O mosaico lembra que
existe tempo de rir e tempo de chorar, como diz Eclesiastes. O iniciado aprende
a não buscar apenas a alegria, mas a compreender que a tristeza aprofunda o
espírito.
A Maçonaria não promete felicidade permanente, mas equilíbrio
diante das alternâncias da vida. O pavimento mosaico é a aceitação serena de
que as lágrimas têm lugar sagrado na existência.
Felicidade e Contrariedades
A filosofia aristotélica vê a felicidade como fim último da
vida. Mas Aristóteles advertia que só a virtude conduz ao bem viver. O mosaico
recorda que a felicidade não é ausência de problemas, mas capacidade de viver
bem apesar das contrariedades.
O maçom, ao pisar sobre os contrastes do mosaico, aprende que a
felicidade é construção constante, que exige retidão, disciplina e esperança.
Horizontalidade e Retidão
O mosaico, sendo plano, remete à horizontalidade do esquadro. O
chão do templo não é vertical, como o altar ou a coluna, mas horizontal, comum
a todos. É o espaço da igualdade fraterna.
O esquadro, símbolo da retidão, aplicado ao pavimento mosaico,
lembra que a vida ética se mede nos gestos simples, horizontais: no trato justo
com o vizinho, na honestidade nos negócios, no respeito às diferenças.
Sabedoria e Força
O mosaico ensina a unir sabedoria e força. O branco
simboliza a claridade do intelecto; o negro, a densidade da ação. Um sem o
outro gera unilateralidade: a sabedoria sem força é estéril; a força sem
sabedoria é brutal.
O maçom é chamado a ser sábio e forte, justo e corajoso,
intelectual e prático. O mosaico é convite à síntese.
A Arte do Equilíbrio
Talvez a mensagem mais profunda do mosaico seja o equilíbrio. A
alternância entre luz e sombra não é desordem, mas ordem rítmica. O mosaico
é harmonia construída pela tensão dos opostos.
Aristóteles chamava a virtude de mesótes, o justo meio entre
extremos. O mosaico é expressão visual dessa doutrina: não suprimir os opostos,
mas equilibrá-los em justa medida.
Aplicações Maçônicas e Andragógicas
No campo da instrução maçônica, o mosaico é um recurso
andragógico de aprendizado experiencial. O adulto aprende melhor quando
relaciona símbolos à própria vida. Ao pisar no mosaico, o maçom reflete sobre
suas vitórias e fracassos, alegrias e tristezas, escolhas éticas e erros
cometidos.
Em Loja, o pavimento mosaico pode inspirar debates sobre
dilemas concretos: como agir diante da corrupção? Como equilibrar trabalho
e família? Como lidar com perdas e sucessos? O mosaico se torna metáfora para o
debate filosófico e moral, núcleo da formação maçônica.
O Pavimento Mosaico como Cosmograma
O mosaico pode ainda ser visto como um cosmograma, uma
representação simbólica do universo. Assim como o cosmos se sustenta pela
tensão entre forças contrárias, o pavimento mosaico é imagem da estrutura da
realidade.
A física moderna confirma essa visão: a luz é ao mesmo tempo
partícula e onda; a matéria é feita de cargas positivas e negativas; a energia
oscila em dualidades. O mosaico é, assim, uma antecipação simbólica do que a
ciência descreve como estrutura dual do real.
Existência não Uniforme Feita de Contrastes
O pavimento mosaico do Rito Escocês Antigo e Aceito é um livro aberto sob os pés do iniciado. Ele
representa o mundo, as dificuldades da vida, as diferenças entre os homens, os
caminhos éticos, a luz e a sombra, a alegria e a tristeza, a felicidade e as contrariedades.
Ensina a horizontalidade do trato justo, a união da sabedoria e da força, e
sobretudo a prática do equilíbrio.
Ao caminhar sobre o mosaico, o maçom aprende que a existência
não é uniforme, mas feita de contrastes que se iluminam mutuamente. A arte
da vida não está em escolher apenas os ladrilhos brancos, mas em aprender a caminhar sobre todos, com serenidade,
sabedoria e fraternidade.
Bibliografia Comentada
1.
ANDERSON, James. Constituições de Anderson.
Londres, 1723. Fundamento da Maçonaria moderna, mostra a importância de
princípios universais aplicáveis a todos os irmãos, sem distinção, como no
pavimento mosaico;
2.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo:
Martins Fontes, 2009. Obra central para compreender o equilíbrio (mesótes) como
fundamento ético, paralelo à alternância do mosaico;
3.
BÍBLIA SAGRADA. Eclesiastes. Texto clássico que
legitima a alternância dos tempos, alegria e tristeza, vitória e derrota, tal
qual os contrastes do mosaico;
4.
HALL,
Manly P. The Secret Teachings of All Ages. Los Angeles: Philosophical
Research Society, 1928. Reúne interpretações simbólicas do pavimento mosaico e
sua relação com tradições antigas;
5.
JUNG, Carl Gustav. Aion. Petrópolis: Vozes,
2007. Fundamenta a noção da sombra, indispensável para interpretar os ladrilhos
negros do mosaico;
6.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos
Costumes. Lisboa: Edições 70, 1991. Apoia a ideia de lei moral universal e da
retidão do esquadro aplicada ao mosaico;
7.
LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e História. Lisboa:
Presença, 1989. Sustenta a interpretação do mosaico como metáfora da
diversidade cultural e social;
8.
PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2010. A alegoria da caverna e a dualidade sensível/inteligível
iluminam a filosofia do mosaico;
9.
SÊNECA. Cartas a Lucílio. São Paulo: Nova
Alexandria, 2014. Texto estoico que inspira a leitura do mosaico como símbolo
das dificuldades da vida e do aprendizado pela adversidade;
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