Charles Evaldo Boller
Caminhar é lapidar-se ondeA reta simboliza a sabedoria,O desvio ensinado pela dúvida leva aoConhece-te, pensa, age.Conspira pelo bem, combate a tirania,Amigo da sabedoria, sê filósofo em ato.Ser maçom é nunca deixar de caminhar.
O Dever do Maçom é Continuar a Filosofar e Agir
A Maçonaria não se define por limites estreitos: é escola de
moral, ciência da Verdade e fraternidade ativa. Sua essência está no
caminhar, no processo contínuo de lapidar-se como pedra bruta até tornar-se
polida. A reta simboliza a ordem e a sabedoria; o desvio, a dúvida necessária
que conduz à especulação e ao crescimento.
O aprendiz começa com Sócrates, "conhece-te a ti mesmo". O companheiro avança com Descartes "penso, logo existo". A especulação
filosófica conduz à amizade com a sabedoria,
a filosofia.
Historicamente, a Maçonaria Especulativa foi conspiratória em
sentido positivo: inspirou liberdade, Democracia e revoluções contra o
despotismo. Hoje, o dever do maçom é continuar a filosofar e agir, combatendo a
estagnação e difundindo Luz, inclusive no espaço digital.
Caminhar maçonicamente é viver em constante
transformação: aprender, agir, conspirar pelo bem. Ser maçom é
filosofar em ato.
A Caminhada Exige Vigilância
A Maçonaria é, ao mesmo tempo, escola de moral, ciência da
busca da verdade e fraternidade voltada ao progresso humano. Mas não se deixa
aprisionar em definições: é processo, movimento, caminhada. O símbolo da reta
representa a ordem e a sabedoria, enquanto os desvios necessários da reta
simbolizam a dúvida e a especulação. É no vaivém entre certeza e incerteza
que o maçom cresce.
O ponto de partida é socrático: conhece-te a ti mesmo. O
aprendiz é pedra bruta, que deve ser desbastada para revelar a forma oculta.
Esse trabalho simboliza a disciplina ética, a consciência de si e a busca da
verdade interior. No segundo estágio, o companheiro incorpora o espírito
cartesiano: "penso, logo existo".
O pensamento confirma a existência, expande horizontes e conduz à amizade com a
sabedoria, é o que define a filosofia.
O processo especulativo torna-se também conspiratório no
sentido nobre da palavra: respirar juntos, unir mentes em torno da liberdade e
da fraternidade. Foi assim que, nos séculos XVII e XVIII, a Maçonaria
influenciou revoluções políticas e a construção da Democracia. Hoje, esse
espírito conspiratório continua necessário contra obscurantismo, despotismo e
tirania.
A caminhada exige vigilância. O risco é reduzir a Maçonaria a
mero ritualismo ou a um clube social. O maçom não é colecionador de graus, mas filósofo
da vida, agente de transformação. Filosofar, para o maçom, significa
unir reflexão e ação. O templo não é apenas lugar de cerimônias, mas oficina de
pensamento, onde debates e instruções cumprem função andragógica de
aprendizagem ativa.
O Conhecimento é Correnteza
O Rito Escocês Antigo e Aceito organiza a caminhada em 33
graus, que configuram uma longa jornada espiritual e intelectual. Os três
primeiros graus são fundamentos simbólicos; os graus complementares até o 33º ampliam
horizontes. Cada etapa é um degrau de uma escada infinita, sustentada pelas
três colunas: Sabedoria, Força e Beleza.
Essa marcha pode ser representada por metáforas.
- A escada de Jacó: o maçom sobe olhando para o alto, mas com pés firmes na terra.
- O rio: o conhecimento é correnteza, e cabe ao iniciado aprender a remar.
- O jardim: virtudes são flores, vícios são ervas daninhas.
Todas essas imagens lembram que a Maçonaria é processo
constante, nunca terminado.
Na era cibernética, a caminhada amplia-se para o espaço
digital. O maçom especulativo deve levar sua voz também aos novos meios de
comunicação, não para vulgarizar segredos, mas para irradiar valores de
liberdade, racionalidade e fraternidade.
Assim, Maçonaria é, essencialmente, caminhada.
Caminhar é duvidar, aprender, conspirar, transformar. Caminhar é lapidar-se até
que a pedra bruta se torne pedra polida. O maçom é viajante do espírito,
jardineiro da virtude, amigo da sabedoria.
É simples: ser maçom é filosofar em ato. E filosofar é nunca
parar de caminhar.
O Enigma da Definição
A Maçonaria, ao longo de séculos, vem sendo descrita por seus
adeptos, estudiosos e críticos sob múltiplos ângulos: instituição de formação
cívica, escola de moral, ciência da busca da verdade divina, fraternidade
filantrópica ou mesmo conspiração de livres-pensadores. No entanto, qualquer
definição se revela insuficiente, pois a Maçonaria abarca tanto o conhecimento
humano conhecido quanto o ainda por descobrir. É, em essência, uma caminhada.
Uma marcha simbólica que conduz o homem da ignorância ao esclarecimento, da
pedra bruta ao polido templo interior, do silêncio da dúvida à proclamação da
sabedoria.
Para entender a Maçonaria convém desenvolver essa metáfora da
"caminhada" como essência
da experiência maçônica, ampliando-a com reflexões filosóficas, andragógicas e
simbólicas. O fio condutor será a ideia de que a Maçonaria é um processo, nunca
um estado acabado. Tal processo não é linear, mas dialético: envolve avanços e
recuos, certezas e dúvidas, quedas e retomadas.
A Marcha do Simbolismo e a Filosofia da Reta
O simbolismo maçônico representa a vida como uma reta, mas
também como o desvio necessário dessa reta. Ao sair do caminho, o maçom
experimenta a dúvida, questiona as verdades estabelecidas, reconstrói sua
racionalidade e retorna mais fortalecido à linha da sabedoria. Esse
movimento lembra o método socrático, em que o filósofo, ao interrogar,
desconstrói o falso saber para reconstruir o verdadeiro.
Metafisicamente, a reta simboliza o princípio ordenador do
cosmos, o logos divino que dá sentido ao ser. O desvio é o mundo da
contingência, da matéria, do erro humano. É nesse desvio que o maçom aprende: não
há crescimento sem tropeços. A caminhada maçônica, assim, se aproxima do
processo dialético de Hegel, em que o espírito avança por meio de contradições.
Epistemologicamente, a dúvida é a chave. René Descartes afirmava
"penso, logo existo", mas
antes de chegar a essa conclusão, mergulhou no método da dúvida hiperbólica.
Também o maçom é chamado a desconfiar, a submeter à razão suas crenças, a
experimentar o vaivém da especulação.
O Conhece-te a ti Mesmo: Sócrates e a Pedra Bruta
No primeiro momento de sua jornada, o maçom enfrenta o
imperativo socrático: "gnothi
seauton", conhece-te a ti mesmo. Essa máxima, inscrita no templo de
Delfos, ecoa como fundação da filosofia e como fundamento da iniciação
maçônica.
O aprendiz começa pela pedra bruta, metáfora da condição humana
natural: imperfeita, tosca, mas com potencial de ser trabalhada. Ao
desbastá-la, o homem lapida a si mesmo, disciplinando paixões, refinando o
intelecto e despertando sua espiritualidade. Aqui a ética se entrelaça com a
metafísica: ao conhecer-se, o maçom descobre sua essência de criatura
racional, dotada de liberdade e responsabilidade.
Do ponto de vista da filosofia da mente, o trabalho sobre a
pedra bruta pode ser lido como exercício de autoconsciência. Thomas Nagel
perguntava: "como é ser um morcego?".
A Maçonaria pergunta: como é ser si mesmo? O maçom aprende a olhar de dentro
para fora, reconhecendo que sua mente é templo e que nela habita o reflexo do Grande
Arquiteto do Universo.
Penso, Logo Existo: o Estágio Cartesiano
Após a fase socrática, o maçom adentra a fase cartesiana: "cogito, ergo sum". O pensar não é
apenas exercício lógico, mas afirmação existencial. Ser é pensar, e pensar é
transcender.
Esse estágio corresponde ao companheiro maçom, que já se move
além da materialidade, especulando sobre as causas e finalidades do ser. Se no
primeiro momento ele desbastava a pedra exterior, agora busca o conteúdo
interno da pedra polida. O trabalho não é apenas ético, mas epistemológico: busca
a clareza, a evidência, a razão como guia.
É nesse ponto que a filosofia da mente ganha relevo. O
pensamento humano, ao refletir sobre si mesmo, descobre horizontes que não
estavam na experiência imediata. O homem é capaz de imaginar, projetar,
antecipar. Aqui nasce a amizade com a sabedoria, a filosofia.
A dimensão conspiratória da Maçonaria Especulativa
A palavra "conspiração"
costuma carregar conotação negativa, mas na tradição maçônica especulativa tem
outro sentido: conspirar é respirar juntos, partilhar um ideal, unir mentes em
torno de um projeto de transformação.
Do ponto de vista histórico, essa conspiração especulativa foi
decisiva nos séculos XVII e XVIII. Inspirados pelo Iluminismo, maçons debateram
em templos, ideias que depois ganharam as ruas: liberdade, igualdade,
fraternidade, Democracia. A independência dos Estados Unidos e os movimentos
constitucionais na Europa receberam influxos diretos desse pensar
conspiratório.
Filosoficamente, conspirar é agir de acordo com a lógica da
fraternidade. Não se trata de segredo pelo segredo, mas da consciência de que
as grandes mudanças começam no interior, no pequeno círculo de iniciados, para
depois expandirem-se. A lógica aqui é aristotélica: o ato humano é potência
que se atualiza no real.
O Dever do Maçom: Filosofar e Agir
A Maçonaria é, antes de tudo, filosofia em ação. Ser maçom é
filosofar, mas não no sentido abstrato e estéril. É pensar para transformar. É
especular para agir. Não se exige que o maçom seja um filósofo profissional ou
acadêmico, mas sim um indivíduo que busca o conhecimento, a reflexão e a
aplicação prática de princípios morais e virtuosos;
Do ponto de vista ético, isso significa não se limitar ao
cumprimento ritualístico, esse cumpre apenas o preparo do ambiente apropriado
para o maçom filosofar. O perigo sempre presente é o da fossilização:
transformar o rito em formalismo, esquecer a chama especulativa que o anima. O maçom
não é burocrata da iniciação, mas filósofo da vida.
Do ponto de vista andragógico, o dever maçônico é aprender
ensinando. O adulto aprende na medida em que
aplica, partilha, debate. Assim, a Loja se converte em laboratório
vivo de aprendizagem ativa. As peças de arquitetura, os debates filosóficos, as
instruções simbólicas não são discursos monológicos, mas exercícios coletivos
de pensamento crítico.
A Caminhada no Rito Escocês Antigo e Aceito
O simbolismo da caminhada encontra sua expressão mais
estruturada no Rito Escocês Antigo e Aceito. São 33 graus que, do aprendiz ao inspetor
geral, configuram uma jornada de mais de uma década. Mais que o suficiente para
aprender a viver, acordar percepções, despertar sensibilidades, desenvolve o
raciocínio, treina a consciência r muitas outras vantagens.
Os primeiros três graus formam o ensino fundamental: aprender a
viver na ética, a trabalhar a pedra bruta, a cultivar fraternidade. Depois, os
graus filosóficos abrem novas portas, exigindo do maçom maturidade intelectual
e espiritual.
A caminhada é longa, podendo levar quinze anos ou mais. Mas não
se trata de colecionar graus, e sim de interiorizá-los. Cada grau é degrau de
uma escada infinita, sustentada pelas três colunas, Sabedoria, Força e Beleza.
A honra ao Grande Arquiteto não se dá por palavras, mas pela vida transformada.
Considerações Filosóficas Complementares
Metafísica: A Maçonaria afirma a existência de um
princípio ordenador, chamado Grande Arquiteto do Universo. Mas não impõe dogma:
convida o maçom a especular. É Metafísica aberta, que acolhe diferentes
tradições religiosas e filosóficas, desde Platão até Spinoza.
Epistemologia: O conhecimento maçônico não é meramente
teórico. É gnose vivida, experimentada no rito, na fraternidade, na vida
cotidiana. O saber aqui é prático, como propunha Aristóteles ao distinguir
episteme (ciência) de phronesis (prudência).
Ética: A caminhada maçônica é essencialmente ética ao
combater vícios, cultivar virtudes, inspirar amor à humanidade. Não se trata de
moral dogmática, mas de ética racional, universal, fundada na dignidade da
pessoa humana.
Lógica: O raciocínio maçônico é dialético. Parte da
dúvida, vai ao argumento, volta à dúvida. É lógica do diálogo, não do silogismo
fechado. Como em Sócrates, a Verdade nasce do confronto de opiniões.
Filosofia da mente: O trabalho interior do maçom é
exercício de autoconsciência, de domínio das paixões, de expansão da mente. É
busca pela unidade entre corpo, alma e espírito, numa antecipação do que hoje a
neurociência chama de integração psíquica.
Metáforas da Caminhada
Podemos ilustrar a caminhada maçônica com metáforas:
·
A escada de Jacó: cada grau é um degrau,
e o maçom sobe olhando para o alto, mas sempre com pés firmes na terra.
·
O rio: o conhecimento é correnteza, o
maçom é navegante. Aprende a remar contra as ilusões, a desviar de rochedos, a
buscar águas mais profundas.
·
O jardim: cada virtude é uma flor, cada
vício é uma erva daninha. O trabalho do jardineiro é constante, nunca acabado.
Essas metáforas revelam que a caminhada não é destino, mas
processo permanente.
Críticas Construtivas: Perigos da Estagnação
Toda instituição corre o risco da cristalização.
A Maçonaria, se esquecer a chama especulativa, pode transformar-se em clube
social ou museu de rituais. A crítica
construtiva exige que se volte sempre à essência: filosofar, duvidar, agir.
Outro risco é a banalização.
Muitos buscam graus como títulos, sem vivência interior. Mas a Maçonaria é
menos coleção de insígnias e mais transformação de vida.
A Maçonaria na Era Cibernética
Hoje, a caminhada maçônica não pode restringir-se às quatro
paredes do templo. A comunicação digital abre novos espaços para divulgar
ideias, debater filosofia, combater obscurantismo. O maçom especulativo é
chamado a estar presente também no espaço virtual, sem perder a essência do
real.
Isso não significa vulgarizar segredos rituais, mas expandir o
espírito da especulação: liberdade, racionalidade, fraternidade. A caminhada
agora se dá também no espaço cibernético.
Caminhar é Viver Maçonicamente
A Maçonaria é, em última instância, uma filosofia prática da
caminhada. Caminhar é aprender, duvidar, pensar, agir, conspirar,
transformar. Caminhar é filosofar. Caminhar é lapidar-se até que a pedra bruta
revele a beleza da criação.
O maçom não estaciona. Continua sempre amigo da sabedoria,
levando sua luz aos recantos da Terra. Ser maçom é ser viajante do espírito,
peregrino da razão, jardineiro da virtude. É caminhar com os pés na terra e os
olhos no infinito.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Fundamenta a
noção de virtude como hábito e de sabedoria prática (phronesis), essencial à
caminhada maçônica;
2.
DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Inspira
o estágio cartesiano da jornada maçônica, com a dúvida como método;
3.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas.
Ajuda a compreender o simbolismo maçônico como linguagem cultural;
4.
HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. O
conceito de progresso dialético do espírito se aproxima do vaivém maçônico
entre dúvida e sabedoria;
5.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática.
Fundamenta a ética racional e universal que norteia a moral maçônica;
6.
NAGEL,
Thomas. "What is it like to be a bat?". Texto clássico sobre
consciência, aplicável à filosofia da mente maçônica;
7.
PLATÃO. Apologia de Sócrates. A máxima socrática
"conhece-te a ti mesmo" é a pedra angular do aprendizado maçônico;
8.
SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos
Geômetras. Inspira a visão do divino como imanente e racional, próxima à ideia
do Grande Arquiteto do Universo;
9.
YATES, Frances A. A Arte da Memória. Explora
tradições esotéricas renascentistas que dialogam com o simbolismo maçônico;
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