sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Maçonaria é Caminhada

 Charles Evaldo Boller

Caminhar é lapidar-se onde
A reta simboliza a sabedoria,
O desvio ensinado pela dúvida leva ao
Conhece-te, pensa, age.
Conspira pelo bem, combate a tirania,
Amigo da sabedoria, sê filósofo em ato.
Ser maçom é nunca deixar de caminhar.

O Dever do Maçom é Continuar a Filosofar e Agir

A Maçonaria não se define por limites estreitos: é escola de moral, ciência da Verdade e fraternidade ativa. Sua essência está no caminhar, no processo contínuo de lapidar-se como pedra bruta até tornar-se polida. A reta simboliza a ordem e a sabedoria; o desvio, a dúvida necessária que conduz à especulação e ao crescimento.

O aprendiz começa com Sócrates, "conhece-te a ti mesmo". O companheiro avança com Descartes "penso, logo existo". A especulação filosófica conduz à amizade com a sabedoria, a filosofia.

Historicamente, a Maçonaria Especulativa foi conspiratória em sentido positivo: inspirou liberdade, Democracia e revoluções contra o despotismo. Hoje, o dever do maçom é continuar a filosofar e agir, combatendo a estagnação e difundindo Luz, inclusive no espaço digital.

Caminhar maçonicamente é viver em constante transformação: aprender, agir, conspirar pelo bem. Ser maçom é filosofar em ato.

A Caminhada Exige Vigilância

A Maçonaria é, ao mesmo tempo, escola de moral, ciência da busca da verdade e fraternidade voltada ao progresso humano. Mas não se deixa aprisionar em definições: é processo, movimento, caminhada. O símbolo da reta representa a ordem e a sabedoria, enquanto os desvios necessários da reta simbolizam a dúvida e a especulação. É no vaivém entre certeza e incerteza que o maçom cresce.

O ponto de partida é socrático: conhece-te a ti mesmo. O aprendiz é pedra bruta, que deve ser desbastada para revelar a forma oculta. Esse trabalho simboliza a disciplina ética, a consciência de si e a busca da verdade interior. No segundo estágio, o companheiro incorpora o espírito cartesiano: "penso, logo existo". O pensamento confirma a existência, expande horizontes e conduz à amizade com a sabedoria, é o que define a filosofia.

O processo especulativo torna-se também conspiratório no sentido nobre da palavra: respirar juntos, unir mentes em torno da liberdade e da fraternidade. Foi assim que, nos séculos XVII e XVIII, a Maçonaria influenciou revoluções políticas e a construção da Democracia. Hoje, esse espírito conspiratório continua necessário contra obscurantismo, despotismo e tirania.

A caminhada exige vigilância. O risco é reduzir a Maçonaria a mero ritualismo ou a um clube social. O maçom não é colecionador de graus, mas filósofo da vida, agente de transformação. Filosofar, para o maçom, significa unir reflexão e ação. O templo não é apenas lugar de cerimônias, mas oficina de pensamento, onde debates e instruções cumprem função andragógica de aprendizagem ativa.

O Conhecimento é Correnteza

O Rito Escocês Antigo e Aceito organiza a caminhada em 33 graus, que configuram uma longa jornada espiritual e intelectual. Os três primeiros graus são fundamentos simbólicos; os graus complementares até o 33º ampliam horizontes. Cada etapa é um degrau de uma escada infinita, sustentada pelas três colunas: Sabedoria, Força e Beleza.

Essa marcha pode ser representada por metáforas.

  • A escada de Jacó: o maçom sobe olhando para o alto, mas com pés firmes na terra.
  • O rio: o conhecimento é correnteza, e cabe ao iniciado aprender a remar.
  • O jardim: virtudes são flores, vícios são ervas daninhas.

Todas essas imagens lembram que a Maçonaria é processo constante, nunca terminado.

Na era cibernética, a caminhada amplia-se para o espaço digital. O maçom especulativo deve levar sua voz também aos novos meios de comunicação, não para vulgarizar segredos, mas para irradiar valores de liberdade, racionalidade e fraternidade.

Assim, Maçonaria é, essencialmente, caminhada. Caminhar é duvidar, aprender, conspirar, transformar. Caminhar é lapidar-se até que a pedra bruta se torne pedra polida. O maçom é viajante do espírito, jardineiro da virtude, amigo da sabedoria.

É simples: ser maçom é filosofar em ato. E filosofar é nunca parar de caminhar.

O Enigma da Definição

A Maçonaria, ao longo de séculos, vem sendo descrita por seus adeptos, estudiosos e críticos sob múltiplos ângulos: instituição de formação cívica, escola de moral, ciência da busca da verdade divina, fraternidade filantrópica ou mesmo conspiração de livres-pensadores. No entanto, qualquer definição se revela insuficiente, pois a Maçonaria abarca tanto o conhecimento humano conhecido quanto o ainda por descobrir. É, em essência, uma caminhada. Uma marcha simbólica que conduz o homem da ignorância ao esclarecimento, da pedra bruta ao polido templo interior, do silêncio da dúvida à proclamação da sabedoria.

Para entender a Maçonaria convém desenvolver essa metáfora da "caminhada" como essência da experiência maçônica, ampliando-a com reflexões filosóficas, andragógicas e simbólicas. O fio condutor será a ideia de que a Maçonaria é um processo, nunca um estado acabado. Tal processo não é linear, mas dialético: envolve avanços e recuos, certezas e dúvidas, quedas e retomadas.

A Marcha do Simbolismo e a Filosofia da Reta

O simbolismo maçônico representa a vida como uma reta, mas também como o desvio necessário dessa reta. Ao sair do caminho, o maçom experimenta a dúvida, questiona as verdades estabelecidas, reconstrói sua racionalidade e retorna mais fortalecido à linha da sabedoria. Esse movimento lembra o método socrático, em que o filósofo, ao interrogar, desconstrói o falso saber para reconstruir o verdadeiro.

Metafisicamente, a reta simboliza o princípio ordenador do cosmos, o logos divino que dá sentido ao ser. O desvio é o mundo da contingência, da matéria, do erro humano. É nesse desvio que o maçom aprende: não há crescimento sem tropeços. A caminhada maçônica, assim, se aproxima do processo dialético de Hegel, em que o espírito avança por meio de contradições.

Epistemologicamente, a dúvida é a chave. René Descartes afirmava "penso, logo existo", mas antes de chegar a essa conclusão, mergulhou no método da dúvida hiperbólica. Também o maçom é chamado a desconfiar, a submeter à razão suas crenças, a experimentar o vaivém da especulação.

O Conhece-te a ti Mesmo: Sócrates e a Pedra Bruta

No primeiro momento de sua jornada, o maçom enfrenta o imperativo socrático: "gnothi seauton", conhece-te a ti mesmo. Essa máxima, inscrita no templo de Delfos, ecoa como fundação da filosofia e como fundamento da iniciação maçônica.

O aprendiz começa pela pedra bruta, metáfora da condição humana natural: imperfeita, tosca, mas com potencial de ser trabalhada. Ao desbastá-la, o homem lapida a si mesmo, disciplinando paixões, refinando o intelecto e despertando sua espiritualidade. Aqui a ética se entrelaça com a metafísica: ao conhecer-se, o maçom descobre sua essência de criatura racional, dotada de liberdade e responsabilidade.

Do ponto de vista da filosofia da mente, o trabalho sobre a pedra bruta pode ser lido como exercício de autoconsciência. Thomas Nagel perguntava: "como é ser um morcego?". A Maçonaria pergunta: como é ser si mesmo? O maçom aprende a olhar de dentro para fora, reconhecendo que sua mente é templo e que nela habita o reflexo do Grande Arquiteto do Universo.

Penso, Logo Existo: o Estágio Cartesiano

Após a fase socrática, o maçom adentra a fase cartesiana: "cogito, ergo sum". O pensar não é apenas exercício lógico, mas afirmação existencial. Ser é pensar, e pensar é transcender.

Esse estágio corresponde ao companheiro maçom, que já se move além da materialidade, especulando sobre as causas e finalidades do ser. Se no primeiro momento ele desbastava a pedra exterior, agora busca o conteúdo interno da pedra polida. O trabalho não é apenas ético, mas epistemológico: busca a clareza, a evidência, a razão como guia.

É nesse ponto que a filosofia da mente ganha relevo. O pensamento humano, ao refletir sobre si mesmo, descobre horizontes que não estavam na experiência imediata. O homem é capaz de imaginar, projetar, antecipar. Aqui nasce a amizade com a sabedoria, a filosofia.

A dimensão conspiratória da Maçonaria Especulativa

A palavra "conspiração" costuma carregar conotação negativa, mas na tradição maçônica especulativa tem outro sentido: conspirar é respirar juntos, partilhar um ideal, unir mentes em torno de um projeto de transformação.

Do ponto de vista histórico, essa conspiração especulativa foi decisiva nos séculos XVII e XVIII. Inspirados pelo Iluminismo, maçons debateram em templos, ideias que depois ganharam as ruas: liberdade, igualdade, fraternidade, Democracia. A independência dos Estados Unidos e os movimentos constitucionais na Europa receberam influxos diretos desse pensar conspiratório.

Filosoficamente, conspirar é agir de acordo com a lógica da fraternidade. Não se trata de segredo pelo segredo, mas da consciência de que as grandes mudanças começam no interior, no pequeno círculo de iniciados, para depois expandirem-se. A lógica aqui é aristotélica: o ato humano é potência que se atualiza no real.

O Dever do Maçom: Filosofar e Agir

A Maçonaria é, antes de tudo, filosofia em ação. Ser maçom é filosofar, mas não no sentido abstrato e estéril. É pensar para transformar. É especular para agir. Não se exige que o maçom seja um filósofo profissional ou acadêmico, mas sim um indivíduo que busca o conhecimento, a reflexão e a aplicação prática de princípios morais e virtuosos;

Do ponto de vista ético, isso significa não se limitar ao cumprimento ritualístico, esse cumpre apenas o preparo do ambiente apropriado para o maçom filosofar. O perigo sempre presente é o da fossilização: transformar o rito em formalismo, esquecer a chama especulativa que o anima. O maçom não é burocrata da iniciação, mas filósofo da vida.

Do ponto de vista andragógico, o dever maçônico é aprender ensinando. O adulto aprende na medida em que aplica, partilha, debate. Assim, a Loja se converte em laboratório vivo de aprendizagem ativa. As peças de arquitetura, os debates filosóficos, as instruções simbólicas não são discursos monológicos, mas exercícios coletivos de pensamento crítico.

A Caminhada no Rito Escocês Antigo e Aceito

O simbolismo da caminhada encontra sua expressão mais estruturada no Rito Escocês Antigo e Aceito. São 33 graus que, do aprendiz ao inspetor geral, configuram uma jornada de mais de uma década. Mais que o suficiente para aprender a viver, acordar percepções, despertar sensibilidades, desenvolve o raciocínio, treina a consciência r muitas outras vantagens.

Os primeiros três graus formam o ensino fundamental: aprender a viver na ética, a trabalhar a pedra bruta, a cultivar fraternidade. Depois, os graus filosóficos abrem novas portas, exigindo do maçom maturidade intelectual e espiritual.

A caminhada é longa, podendo levar quinze anos ou mais. Mas não se trata de colecionar graus, e sim de interiorizá-los. Cada grau é degrau de uma escada infinita, sustentada pelas três colunas, Sabedoria, Força e Beleza. A honra ao Grande Arquiteto não se dá por palavras, mas pela vida transformada.

Considerações Filosóficas Complementares

Metafísica: A Maçonaria afirma a existência de um princípio ordenador, chamado Grande Arquiteto do Universo. Mas não impõe dogma: convida o maçom a especular. É Metafísica aberta, que acolhe diferentes tradições religiosas e filosóficas, desde Platão até Spinoza.

Epistemologia: O conhecimento maçônico não é meramente teórico. É gnose vivida, experimentada no rito, na fraternidade, na vida cotidiana. O saber aqui é prático, como propunha Aristóteles ao distinguir episteme (ciência) de phronesis (prudência).

Ética: A caminhada maçônica é essencialmente ética ao combater vícios, cultivar virtudes, inspirar amor à humanidade. Não se trata de moral dogmática, mas de ética racional, universal, fundada na dignidade da pessoa humana.

Lógica: O raciocínio maçônico é dialético. Parte da dúvida, vai ao argumento, volta à dúvida. É lógica do diálogo, não do silogismo fechado. Como em Sócrates, a Verdade nasce do confronto de opiniões.

Filosofia da mente: O trabalho interior do maçom é exercício de autoconsciência, de domínio das paixões, de expansão da mente. É busca pela unidade entre corpo, alma e espírito, numa antecipação do que hoje a neurociência chama de integração psíquica.

Metáforas da Caminhada

Podemos ilustrar a caminhada maçônica com metáforas:

·         A escada de Jacó: cada grau é um degrau, e o maçom sobe olhando para o alto, mas sempre com pés firmes na terra.

·         O rio: o conhecimento é correnteza, o maçom é navegante. Aprende a remar contra as ilusões, a desviar de rochedos, a buscar águas mais profundas.

·         O jardim: cada virtude é uma flor, cada vício é uma erva daninha. O trabalho do jardineiro é constante, nunca acabado.

Essas metáforas revelam que a caminhada não é destino, mas processo permanente.

Críticas Construtivas: Perigos da Estagnação

Toda instituição corre o risco da cristalização. A Maçonaria, se esquecer a chama especulativa, pode transformar-se em clube social ou museu de rituais. A crítica construtiva exige que se volte sempre à essência: filosofar, duvidar, agir.

Outro risco é a banalização. Muitos buscam graus como títulos, sem vivência interior. Mas a Maçonaria é menos coleção de insígnias e mais transformação de vida.

A Maçonaria na Era Cibernética

Hoje, a caminhada maçônica não pode restringir-se às quatro paredes do templo. A comunicação digital abre novos espaços para divulgar ideias, debater filosofia, combater obscurantismo. O maçom especulativo é chamado a estar presente também no espaço virtual, sem perder a essência do real.

Isso não significa vulgarizar segredos rituais, mas expandir o espírito da especulação: liberdade, racionalidade, fraternidade. A caminhada agora se dá também no espaço cibernético.

Caminhar é Viver Maçonicamente

A Maçonaria é, em última instância, uma filosofia prática da caminhada. Caminhar é aprender, duvidar, pensar, agir, conspirar, transformar. Caminhar é filosofar. Caminhar é lapidar-se até que a pedra bruta revele a beleza da criação.

O maçom não estaciona. Continua sempre amigo da sabedoria, levando sua luz aos recantos da Terra. Ser maçom é ser viajante do espírito, peregrino da razão, jardineiro da virtude. É caminhar com os pés na terra e os olhos no infinito.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Fundamenta a noção de virtude como hábito e de sabedoria prática (phronesis), essencial à caminhada maçônica;

2.      DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Inspira o estágio cartesiano da jornada maçônica, com a dúvida como método;

3.      GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Ajuda a compreender o simbolismo maçônico como linguagem cultural;

4.      HEGEL, G.W.F. Fenomenologia do Espírito. O conceito de progresso dialético do espírito se aproxima do vaivém maçônico entre dúvida e sabedoria;

5.      KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Fundamenta a ética racional e universal que norteia a moral maçônica;

6.      NAGEL, Thomas. "What is it like to be a bat?". Texto clássico sobre consciência, aplicável à filosofia da mente maçônica;

7.      PLATÃO. Apologia de Sócrates. A máxima socrática "conhece-te a ti mesmo" é a pedra angular do aprendizado maçônico;

8.      SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras. Inspira a visão do divino como imanente e racional, próxima à ideia do Grande Arquiteto do Universo;

9.      YATES, Frances A. A Arte da Memória. Explora tradições esotéricas renascentistas que dialogam com o simbolismo maçônico;

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