Há momentos em nossa vida maçônica em que sentimos a
necessidade de retornar à origem.
De revisitar o instante simbólico em que fomos conduzidos da
escuridão para a luz, o instante em que o profano deixou de ser apenas homem e
passou a ser buscador.
É sobre esse momento que desejo refletir convosco: a Iniciação,
não como simples cerimônia ritual, mas como processo de renascimento do ser.
Afinal, o que é ser iniciado?
Será o ato de vestir o avental e cruzar as colunas?
Ou será, antes, a profunda tomada de consciência de que dentro
de cada um existe um templo a ser construído e iluminado?
O Mistério do Rito
A iniciação, Irmãos, é um mistério que não se explica, vive-se.
A cerimônia de iniciação não cria o iniciado; apenas o
desperta.
O cerimonial é como o toque do malho na pedra, não a transforma
por si só, mas indica o início do trabalho.
Nenhum ritual, por mais belo ou solene que seja, possui em si
mesmo o poder de mudar o coração humano.
Ele apenas espelha o que já estava latente, aguardando a
centelha da consciência para acender-se.
O nascimento maçônico acontece quando o homem se reconhece como
pedra bruta e aceita o desafio de lapidar-se.
A Pedra Bruta e o Trabalho Interior
O primeiro grau nos ensina que o homem é matéria por polir.
Nossas imperfeições são as arestas irregulares da pedra:
orgulho, egoísmo, ira, indiferença.
Trabalhar a pedra é eliminar cada uma delas com o malho da
vontade e o cinzel da razão.
Mas há algo além desse trabalho exterior: há a lapidação interior.
Após o Aprendiz vir o Companheiro, aquele que compreende,
desperta para a realidade de que o templo a ser edificado não está fora, mas
dentro.
O segundo grau é a viagem do pensamento que se volta sobre si
mesmo.
A razão, iluminada pela fé filosófica, torna-se caminho para a
espiritualidade.
Nesse estágio, o maçom aprende que iniciar-se é nascer de novo,
nascer em nova consciência, em amor e em
espírito. E assim, gradativamente, vai escalando todos os graus do seu Rito.
A Jornada Filosófica
Freud nos ensinou que a alma humana é campo de forças em
tensão: o Id, que busca o prazer; o Superego, que impõe a lei; e o Ego, que
tenta harmonizar ambos.
Na linguagem maçônica, poderíamos dizer que o homem vive entre
duas colunas, uma representa a força dos instintos, a outra a beleza da
virtude.
O equilíbrio é o meio exato, onde habita a sabedoria.
E aqui reside o papel da iniciação: transformar o
conflito em harmonia, a culpa em consciência, o medo em serenidade.
A iniciação é o parto da alma, e todo parto traz dor.
Mas é essa dor que revela a luz.
O Encontro com o Divino
Quando o iniciado vence as sombras interiores, algo
extraordinário acontece: ele descobre que o Grande Arquiteto do Universo não
está fora, mas dentro dele.
Percebe que o medo do Criador foi invenção dos homens e que o Grande
Arquiteto do Universo jamais castiga.
O mal, então, deixa de ser força externa e passa a ser
compreendido como ignorância a ser iluminada.
O iniciado, liberto, já não busca o divino em templos de pedra,
ele O contempla no céu estrelado, na ordem do cosmos, no sorriso de uma criança
e na chama que brilha no coração de cada ser humano.
Ele não pede mais a Deus, agradece.
Não teme, compreende.
Não acredita, sabe.
E pode, em serenidade, afirmar: "Eu e o Pai somos um."
Amor: a Suprema Lei
Dessa compreensão nasce a ética do iniciado.
Se Deus habita em todos, então amar o próximo é amar a Deus.
O mandamento maior da Maçonaria, "Amar a Deus, amar a si mesmo e amar ao próximo", não é dogma,
mas síntese de toda iniciação espiritual.
O amor é o verdadeiro cimento da Loja Universal.
Sem ele, o Templo se desfaz em pó de vaidade e intolerância.
Com ele, toda pedra encontra seu lugar, toda diferença se torna
riqueza, e toda luz, por menor que seja, contribui para a grande iluminação
coletiva.
O Maçom Iniciado na Vida
Mas, irmãos, de que serve ser iniciado se a luz não ilumina a
vida cotidiana?
O maçom deve ser luz no lar, exemplo no trabalho, harmonia na
sociedade.
Não é o título, nem o grau, que o tornam sábio, é a
coerência entre o que aprende e o que pratica.
A iniciação só se completa quando o homem se torna instrumento
do bem.
Ser iniciado é ser livre, não livre de regras, mas livre das
amarras da ignorância e do medo.
É ser igual, não por aparência, mas por reconhecimento da
dignidade divina em todos.
É ser fraterno, não por conveniência, mas por amor desinteressado.
Símbolos e Reflexões
Cada símbolo maçônico fala da iniciação:
·
O malho representa o poder da vontade.
·
O cinzel, o discernimento que dá forma à
matéria.
·
O esquadro, a retidão moral.
·
O compasso, o limite ético que protege da
vaidade.
·
A Luz, enfim, é o resultado da harmonia entre
todas essas forças.
Trabalhar com essas ferramentas é lapidar o próprio espírito.
E quando o homem termina o trabalho, percebe que o templo que
construiu era ele mesmo.
Iniciação é Viver em Amor, Liberdade e Verdade
Meus, Irmãos, a iniciação não é uma lembrança do passado, é uma experiência permanente.
Cada dia em que lutamos contra nossas paixões, somos iniciados de novo.
Cada vez que perdoamos, que amamos, que servimos, a luz renasce em nós.
Que cada sessão de Loja seja para nós um novo rito de passagem;
Que cada palavra pronunciada entre colunas seja um passo em direção ao nosso renascimento interior;
E que o Grande Arquiteto do Universo nos conceda a lucidez para compreender que a iniciação é viver em amor,
liberdade e verdade.
Que a Luz do Oriente continue a
brilhar sobre todos nós.
Referências para Estudos Complementares
1. ALBERT PIKE. Morals and Dogma;
2.
ELIADE, Mircea. Ritos e Símbolos de Iniciação;
3.
GUÉNON, René. O Simbolismo da Cruz;
4.
JUNG, Carl. Símbolos da Transformação;
5.
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos
Costumes;
6.
PLATÃO. A República e O Banquete;
7.
WIRTH, Oswald. O Livro do Aprendiz Maçom;

Nenhum comentário:
Postar um comentário