sexta-feira, 24 de outubro de 2025

A Iniciação e o Renascimento do Ser, uma Experiência Permanente

 Charles Evaldo Boller

Há momentos em nossa vida maçônica em que sentimos a necessidade de retornar à origem.

De revisitar o instante simbólico em que fomos conduzidos da escuridão para a luz, o instante em que o profano deixou de ser apenas homem e passou a ser buscador.

É sobre esse momento que desejo refletir convosco: a Iniciação, não como simples cerimônia ritual, mas como processo de renascimento do ser.

Afinal, o que é ser iniciado?

Será o ato de vestir o avental e cruzar as colunas?

Ou será, antes, a profunda tomada de consciência de que dentro de cada um existe um templo a ser construído e iluminado?

O Mistério do Rito

A iniciação, Irmãos, é um mistério que não se explica, vive-se.

A cerimônia de iniciação não cria o iniciado; apenas o desperta.

O cerimonial é como o toque do malho na pedra, não a transforma por si só, mas indica o início do trabalho.

Nenhum ritual, por mais belo ou solene que seja, possui em si mesmo o poder de mudar o coração humano.

Ele apenas espelha o que já estava latente, aguardando a centelha da consciência para acender-se.

O nascimento maçônico acontece quando o homem se reconhece como pedra bruta e aceita o desafio de lapidar-se.

A Pedra Bruta e o Trabalho Interior

O primeiro grau nos ensina que o homem é matéria por polir.

Nossas imperfeições são as arestas irregulares da pedra: orgulho, egoísmo, ira, indiferença.

Trabalhar a pedra é eliminar cada uma delas com o malho da vontade e o cinzel da razão.

Mas há algo além desse trabalho exterior: há a lapidação interior.

Após o Aprendiz vir o Companheiro, aquele que compreende, desperta para a realidade de que o templo a ser edificado não está fora, mas dentro.

O segundo grau é a viagem do pensamento que se volta sobre si mesmo.

A razão, iluminada pela fé filosófica, torna-se caminho para a espiritualidade.

Nesse estágio, o maçom aprende que iniciar-se é nascer de novo, nascer em nova consciência, em amor e em espírito. E assim, gradativamente, vai escalando todos os graus do seu Rito.

A Jornada Filosófica

Freud nos ensinou que a alma humana é campo de forças em tensão: o Id, que busca o prazer; o Superego, que impõe a lei; e o Ego, que tenta harmonizar ambos.

Na linguagem maçônica, poderíamos dizer que o homem vive entre duas colunas, uma representa a força dos instintos, a outra a beleza da virtude.

O equilíbrio é o meio exato, onde habita a sabedoria.

E aqui reside o papel da iniciação: transformar o conflito em harmonia, a culpa em consciência, o medo em serenidade.

A iniciação é o parto da alma, e todo parto traz dor.

Mas é essa dor que revela a luz.

O Encontro com o Divino

Quando o iniciado vence as sombras interiores, algo extraordinário acontece: ele descobre que o Grande Arquiteto do Universo não está fora, mas dentro dele.

Percebe que o medo do Criador foi invenção dos homens e que o Grande Arquiteto do Universo jamais castiga.

O mal, então, deixa de ser força externa e passa a ser compreendido como ignorância a ser iluminada.

O iniciado, liberto, já não busca o divino em templos de pedra, ele O contempla no céu estrelado, na ordem do cosmos, no sorriso de uma criança e na chama que brilha no coração de cada ser humano.

Ele não pede mais a Deus, agradece.

Não teme, compreende.

Não acredita, sabe.

E pode, em serenidade, afirmar: "Eu e o Pai somos um."

Amor: a Suprema Lei

Dessa compreensão nasce a ética do iniciado.

Se Deus habita em todos, então amar o próximo é amar a Deus.

O mandamento maior da Maçonaria, "Amar a Deus, amar a si mesmo e amar ao próximo", não é dogma, mas síntese de toda iniciação espiritual.

O amor é o verdadeiro cimento da Loja Universal.

Sem ele, o Templo se desfaz em pó de vaidade e intolerância.

Com ele, toda pedra encontra seu lugar, toda diferença se torna riqueza, e toda luz, por menor que seja, contribui para a grande iluminação coletiva.

O Maçom Iniciado na Vida

Mas, irmãos, de que serve ser iniciado se a luz não ilumina a vida cotidiana?

O maçom deve ser luz no lar, exemplo no trabalho, harmonia na sociedade.

Não é o título, nem o grau, que o tornam sábio, é a coerência entre o que aprende e o que pratica.

A iniciação só se completa quando o homem se torna instrumento do bem.

Ser iniciado é ser livre, não livre de regras, mas livre das amarras da ignorância e do medo.

É ser igual, não por aparência, mas por reconhecimento da dignidade divina em todos.

É ser fraterno, não por conveniência, mas por amor desinteressado.

Símbolos e Reflexões

Cada símbolo maçônico fala da iniciação:

·         O malho representa o poder da vontade.

·         O cinzel, o discernimento que dá forma à matéria.

·         O esquadro, a retidão moral.

·         O compasso, o limite ético que protege da vaidade.

·         A Luz, enfim, é o resultado da harmonia entre todas essas forças.

Trabalhar com essas ferramentas é lapidar o próprio espírito.

E quando o homem termina o trabalho, percebe que o templo que construiu era ele mesmo.

Iniciação é Viver em Amor, Liberdade e Verdade

Meus, Irmãos, a iniciação não é uma lembrança do passado, é uma experiência permanente.

Cada dia em que lutamos contra nossas paixões, somos iniciados de novo.

Cada vez que perdoamos, que amamos, que servimos, a luz renasce em nós.

Que cada sessão de Loja seja para nós um novo rito de passagem;

Que cada palavra pronunciada entre colunas seja um passo em direção ao nosso renascimento interior;

E que o Grande Arquiteto do Universo nos conceda a lucidez para compreender que a iniciação é viver em amor, liberdade e verdade.

Que a Luz do Oriente continue a brilhar sobre todos nós.

Referências para Estudos Complementares

1.      ALBERT PIKE. Morals and Dogma;

2.      ELIADE, Mircea. Ritos e Símbolos de Iniciação;

3.      GUÉNON, René. O Simbolismo da Cruz;

4.      JUNG, Carl. Símbolos da Transformação;

5.      KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes;

6.      PLATÃO. A República e O Banquete;

7.      WIRTH, Oswald. O Livro do Aprendiz Maçom;

Nenhum comentário: