A Maçonaria, em sua essência iniciática, é uma escola de
construção interior. Quando o homem ingressa no Templo simbólico, ele o faz
como uma pedra bruta: carregada de arestas irregulares, desejos, ambições e
paixões. Seu primeiro e mais árduo trabalho é aprender a dominar-se, pois o
maior tirano que o homem enfrenta não é externo, é o ego. Superar o ego
mantendo o Ser em equilíbrio é, portanto, a grande obra alquímica da Maçonaria:
transformar o chumbo da personalidade em ouro espiritual.
O ego, na linguagem maçônica, representa o conjunto das
ilusões, das vaidades e dos apegos que impedem o iniciado de perceber o Grande
Arquiteto do Universo em si e no outro. É o falso eu que busca poder, aprovação
e domínio, esquecendo-se de que o poder é o autodomínio. Já o Ser é a centelha
divina, o princípio luminoso que habita o coração do iniciado e o liga ao Todo.
Manter o Ser em equilíbrio é viver sob a luz do Compasso e do Esquadro, regulando
as ações e pensamentos segundo a harmonia universal.
O Ego como Pedra Bruta: o Início da Obra Maçônica
O Aprendiz, ao ingressar na Loja, recebe a tarefa de desbastar
a pedra bruta, símbolo do trabalho sobre si mesmo. Essa pedra representa a
personalidade com suas imperfeições, o ego ainda não educado. O malho e o
cinzel são as ferramentas do discernimento e da vontade, instrumentos com que o
maçom começa a desintegrar o império do ego.
No meio social, o ego se confunde com a identidade; na senda
iniciática, ele é visto como véu. O ego teme o silêncio, porque no silêncio o
Ser se manifesta. Por isso o primeiro grau ensina a falar pouco, a ouvir e a
meditar, o silêncio ritual é o primeiro golpe contra o orgulho interior. Não
significa ficar calado sem se manifestar, esse silêncio é interno.
Superar o ego, portanto, não é negá-lo, mas colocá-lo sob o
governo da consciência. Como ensina Santo
Agostinho em suas Confissões: "O
homem é um grande abismo, mas em sua profundidade habita a Verdade."
Assim, a pedra bruta não é inútil, é a matéria-prima da perfeição. Sem o ego,
não haveria impulso para agir; sem o Ser, não haveria direção para agir
corretamente.
O Simbolismo do Esquadro e do Compasso: Reguladores do Ser
Na simbologia maçônica, o Esquadro e o Compasso são as
principais ferramentas da harmonia moral. O Esquadro, símbolo da retidão e da
moralidade, representa os limites éticos do agir humano; o Compasso,
instrumento que traça o círculo das paixões, delimita o campo da ação justa e
equilibrada.
O ego tende à expansão ilimitada, quer dominar, quer possuir,
quer ser reconhecido. O Compasso o contém, desenhando o círculo sagrado da
temperança. O Esquadro, por sua vez, recorda ao iniciado que cada ato deve
estar conforme a lei moral universal, refletindo o equilíbrio entre vontade e
razão.
Platão, na República, ensina que a alma justa é aquela cujas
partes, razão, coragem e desejo, estão em harmonia. O Compasso e o Esquadro são
a tradução simbólica dessa filosofia: o domínio da razão sobre o desejo, da
sabedoria sobre o instinto. O homem equilibrado é aquele em quem o Compasso
do Ser circunscreve o Esquadro das ações.
O Altar do Ser: Onde o Ego se Prostra
No centro do Templo maçônico ergue-se o Altar dos Juramentos,
sobre o qual repousa o livro da lei, o Esquadro e o Compasso, símbolos da
aliança entre a razão, a fé e a consciência. O ego, ao aproximar-se desse
altar, deve inclinar-se: ali o homem reconhece que há uma lei superior à sua
vontade pessoal.
O Altar simboliza o coração do homem, lugar onde o Ser se manifesta
e onde o ego se rende. Cada vez que o maçom se coloca em atitude de reverência
diante do Altar, ele repete o gesto simbólico de renunciar ao domínio do ego
para permitir que o Espírito guie sua jornada.
Segundo Albert Pike, em Morals and Dogma, "a verdadeira iniciação é uma morte
simbólica, a abdicação do ego, para que o homem possa renascer em espírito".
Essa morte ritualística é o sacrifício do orgulho e da ignorância, as chaves
que trancam o Templo interior.
O Equilíbrio: a Harmonia Entre Luz e Sombra
O homem que tenta eliminar o ego completamente cria novo
desequilíbrio, pois nega parte de sua própria natureza. A Maçonaria não treina
a destruição do ego, mas sua integração consciente. O pavimento mosaico,
formado por quadrados pretos e brancos, é símbolo desse equilíbrio entre luz e
sombra, entre razão e emoção, entre ego e Ser.
Carl Jung, em sua teoria da individuação[1], descreve o processo
de reconhecer a sombra como etapa essencial da integração psíquica. O maçom,
caminhando sobre o pavimento mosaico, aprende a aceitar sua dualidade e a
discernir os limites entre o que deve dominar e o que deve compreender. O
equilíbrio não é estagnação, mas movimento contínuo entre opostos
reconciliados.
Assim, o sábio não nega a existência do ego, ele o observa,
educa e o coloca a serviço da Luz. Como ensina o Corpus Hermeticum: "O homem deve tornar-se senhor de si mesmo,
pois quem domina a si, domina o universo."
A Escada de Jacó: Ascensão da Consciência
Nos graus simbólicos, a Escada de Jacó representa a ascensão
espiritual. Cada degrau é um nível de consciência que se eleva conforme o ego é
depurado. A humildade é o primeiro degrau, a sabedoria o último. Entre ambos,
há o trabalho silencioso da lapidação
interior.
O ego se alimenta de comparações; o Ser cresce na
interioridade. Por isso, subir a Escada não é competir, mas compreender. O
maçom que se julga mais elevado que seus irmãos, cai no degrau da vaidade, o
mais perigoso de todos.
O equilíbrio entre ego e Ser manifesta-se quando a ascensão não
é buscada por glória pessoal, mas por amor à Verdade. "Não busques ser o primeiro entre os homens,
mas o primeiro em servir", apreende-se no grau de mestre. A elevação é moral.
O Fogo do Coração: a Alquimia da Transformação
A Maçonaria é, em essência, uma alquimia moral. O fogo que arde
no coração do iniciado é o fogo do desejo transmutado em Luz. Quando o ego
domina, esse fogo consome; quando o Ser governa, ele ilumina.
Na simbologia hermética, o fogo é o elemento da purificação e
da vontade. A superação do ego ocorre quando o homem transforma o fogo das
paixões em energia espiritual. O alquimista interno transmuta o chumbo do
egoísmo no ouro da sabedoria.
É nesse sentido que o filósofo estoico Epicteto afirmava:
"Nenhum homem é livre até dominar a
si mesmo." E o mestre maçônico aprende que a liberdade é interior,
nasce do equilíbrio entre o querer e o dever.
O Silêncio e a Palavra: Dualidade do Caminho
O aprendiz é instruído a guardar silêncio, pois somente quem
cala a voz do ego pode ouvir a voz do Ser. Mas, no grau de mestre, o silêncio
cede lugar à Palavra reencontrada, não a palavra do orgulho, mas a da
Verdade.
Essa passagem do silêncio à palavra representa o domínio do
verbo interior. O ego fala para impor; o Ser fala para revelar. O equilíbrio
entre ambos é a arte da retórica maçônica: falar com sabedoria, ouvir com
humildade.
O Evangelho de João recorda: "No princípio era o Verbo". O Verbo é a vibração primordial, a
harmonia do Ser manifestado. Quando o maçom aprende a falar com o coração puro,
suas palavras tornam-se instrumentos de construção, e não de destruição.
O Mestre Interior: Domínio e Serviço
O mestre maçom, símbolo da consciência
desperta, já compreende que não há vitória sobre o ego sem o exercício do
serviço. O domínio é o domínio de si. O ego busca ser servido; o Ser busca
servir.
O ritual do terceiro grau instrui que a morte simbólica de
Hiram Abif representa o desaparecimento do ego pessoal para que renasça o Eu
espiritual. O mestre ressuscitado não busca glória; busca harmonia.
O equilíbrio do Ser manifesta-se na serenidade, na capacidade
de agir sem ansiedade e de compreender sem julgar. Assim como o Compasso
delimita o círculo da ação justa, o mestre delimita sua conduta pela medida
da consciência.
O Espírito do Templo: Microcosmo e Macrocosmo
O Templo maçônico é imagem do universo; o homem é seu
microcosmo. O que se constrói no Templo externo deve refletir-se no interior. Quando
o ego se exalta, o Templo interno desaba; quando o Ser governa, o Templo se
ilumina.
O equilíbrio entre o homem e o cosmos é o equilíbrio entre o
ego e o Ser. O ego separa, o Ser une. Essa unidade é o fundamento do conceito
do Grande Arquiteto do Universo, princípio ordenador de todas as coisas.
Como recomenda Hermes Trismegisto: "O que está em cima é como o que está embaixo." Dominar o ego é
harmonizar o microcosmo interior com o macrocosmo universal. O Ser equilibrado
vibra em consonância com as leis divinas.
Aplicações Práticas na Vida Maçônica
A filosofia maçônica não é teórica; ela é um método de vida.
Superar o ego mantendo o Ser em equilíbrio exige prática constante. Eis alguns
princípios práticos do exercício diário:
·
Meditação antes do trabalho: purificar a mente
de opiniões e vaidades, dispondo-se a ouvir com atenção.
·
Trabalho ritualístico consciente: compreender
cada símbolo como espelho de si mesmo.
·
Ação compassiva: agir com firmeza, mas sem
ferir; com justiça, mas sem orgulho.
·
Autocrítica fraterna: revisar atitudes e buscar
reconciliação sempre que o ego dividir.
·
Serviço à Loja e à sociedade: oferecer tempo e
talento sem esperar reconhecimento.
Assim, o maçom transforma o cotidiano em oficina espiritual e o
mundo profano em extensão do Templo. O equilíbrio do Ser não é isolamento, mas
presença serena no meio do caos.
O Grau Supremo: Equilíbrio como Luz Interior
Nos graus filosóficos do Rito Escocês Antigo e Aceito, o iniciado descobre que
a sabedoria não está em possuir conhecimento, mas em ser Luz. O ego
coleciona títulos; o Ser irradia sabedoria.
O grau 14, "Grande
Eleito, Perfeito e Sublime Maçom", ensina que a perfeição é interior:
o delta luminoso no peito simboliza a consciência equilibrada, onde o Ser reina
e o ego serve. A harmonia entre ambos é o estado de perfeição moral, não a
ausência de defeitos, mas a consciência deles.
Quando o homem vive sob o governo do Ser, ele torna-se
instrumento do Grande Arquiteto do Universo. Sua vida passa a refletir o
equilíbrio cósmico, e suas ações tornam-se orações silenciosas.
O Ser que Domina o Ego
Superar o ego mantendo o Ser em equilíbrio é a meta de toda a
iniciação maçônica. O ego é o servo necessário, mas o Ser é o mestre. O
caminho do aprendiz à perfeição é a longa jornada do domínio interior, da
humildade iluminada e da serenidade conquistada.
O homem equilibrado é aquele que compreende que o poder está em
dominar a si mesmo, e a Luz é aquela que, mesmo pequena, não se apaga diante
das trevas do orgulho.
No fim, quando o ego se cala e o Ser fala, o homem ouve em seu
coração as palavras do Grande Arquiteto do Universo: "Constrói, em ti, o Templo da Sabedoria".
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco (séc. IV a. C.):
define a virtude como meio-termo entre excessos, princípio que ressalta no
ideal maçônico do equilíbrio;
2.
CAMINO, Rizzardo da. Simbolismo Maçônico (1994):
interpreta os instrumentos e rituais do Rito
Escocês Antigo e Aceito, como meios de lapidação moral e superação do
ego;
3.
EPICTETO. Manual de Vida (século I d. C.):
mostra que a liberdade humana reside no autodomínio e na serenidade diante do
mundo;
4.
GUÉNON, René. Símbolos Fundamentais da Ciência
Sagrada (1962): analisa o valor metafísico dos símbolos maçônicos, explicando
que cada um é uma chave para a integração do Ser com o Todo;
5.
JUNG, Carl Gustav. Aion (1951): descreve o
processo de individuação e a necessidade de integrar a sombra, oferecendo uma
leitura psicológica moderna do equilíbrio entre ego e Self;
6.
PIKE, Albert. Morals and Dogma (1871): obra
central da filosofia do Rito
Escocês Antigo e Aceito, propõe que a iniciação é uma progressiva
iluminação moral e espiritual. Descreve o ego como obstáculo à compreensão da
Verdade;
7.
PLATÃO. A República (séc. IV a. C.): oferece a
base filosófica do equilíbrio interior, ensinando que a justiça da alma depende
da harmonia entre suas partes;
8.
SANTO AGOSTINHO. Confissões (séc. IV): examina o
conflito entre o ego e o espírito, propondo a interioridade como caminho de
iluminação;
9.
TOLLE, Eckhart. O Poder do Agora (1997):
apresenta práticas de dissolução do ego pela consciência do presente, em
harmonia com o ideal maçônico de vigilância interior;
10. TRISMEGISTO,
Hermes, Corpus Hermeticum (séc. II): texto esotérico que fundamenta a correspondência
entre microcosmo e macrocosmo, essencial à filosofia maçônica;
[1]
A teoria da individuação refere-se ao processo de se tornar um indivíduo
único, integrando aspectos conscientes e inconscientes da psique. Criada por
Carl Jung, ela descreve uma jornada de autodescoberta e desenvolvimento pessoal
ao longo da vida, na qual a pessoa se torna singular e mais autêntica,
conectando-se ao "Si-mesmo";

Nenhum comentário:
Postar um comentário