Servir-se do próprio intelecto é erguer o templo da razão em
meio às ruínas da ignorância. É o gesto mais nobre do homem livre, o mesmo que
a Maçonaria perpetua há séculos, iluminando consciências e lembrando que a iniciação
começa quando ousamos pensar com a própria luz.
A senda maçônica é, por excelência, o caminho do
esclarecimento. "Servir-se do próprio intelecto" é a tarefa
do homem livre, aquele que ousa pensar por si mesmo e, ao fazê-lo, ascende do
estado de menoridade para o de autonomia espiritual. Este princípio,
herdado do Iluminismo kantiano, encontra na Maçonaria um terreno fértil para
seu florescimento, pois ela propõe a educação do ser pela razão, pela ética e
pela fraternidade. O maçom esclarecido é o ser que, ao admirar o Universo e
reconhecer nele a manifestação de um Princípio Criador, não se limita a crer,
mas busca compreender, refletir e agir conforme as leis universais.
O Grande Arquiteto do Universo e a Razão Filosófica
Na visão maçônica, o Grande Arquiteto do Universo não é uma
entidade definida pelos dogmas religiosos, mas um conceito simbólico que
representa a causa primeira, o princípio ordenador e racional da existência.
Trata-se de uma ideia-limite, expressão do espírito humano que, diante do
mistério da criação, reconhece que há ordem, harmonia e proporção em tudo o que
existe.
O maçom não discute a essência do Criador, pois reconhece a
limitação do intelecto humano e a precariedade de qualquer linguagem que
pretenda capturar o Absoluto. Assim como o círculo não contém o ponto sem
reconhecer sua centralidade, o homem não pode abarcar o divino sem aceitar o
mistério. Essa postura filosófica é de humildade racional, não de negação: ela
afirma que a Verdade pode ser intuída, mas nunca totalmente possuída.
Em termos andragógicos, esse reconhecimento da limitação é o
primeiro passo da sabedoria. O adulto que aprende, e o maçom é um aprendiz de
tempo integral, compreende que todo saber é provisório, todo conceito é ponte e
não morada. A Maçonaria, ao estimular a autonomia do
pensamento, propõe o desenvolvimento do julgamento crítico, sem o
qual o homem torna-se refém da opinião, do fanatismo e da superstição.
Maçonaria e Religião: Duas Linguagens da Experiência Humana
As religiões instituídas, historicamente, pretendem ser
mediadoras entre o homem e a divindade. Criam ritos, dogmas e hierarquias para
traduzir o inefável. A Maçonaria, por sua vez, adota caminho diverso: não se
propõe a substituir a religião, mas a despertar no homem o sentimento do
sagrado em si mesmo. Ela é religiosa, no sentido de religar o homem ao
transcendente, mas não é religião, porque não se coloca como intermediária.
Esta distinção é essencial. Enquanto as religiões prescrevem
crenças e comportamentos, a Maçonaria estimula a reflexão e a prática
consciente da virtude. Sua moral é universal, fundada na razão e na
liberdade interior. O maçom pode, portanto, pertencer a qualquer religião que
não contradiga seus princípios de liberdade e tolerância. Se houver conflito
entre sua fé e sua consciência, ele deve escolher o caminho da coerência e da
verdade interior.
Essa liberdade espiritual é um exercício de maturidade. O homem
comum busca respostas fora de si; o maçom, pela introspecção e pela luz do
intelecto, descobre que o templo está dentro de seu próprio ser. Essa é
a essência do processo iniciático: deslocar o centro de autoridade do exterior
para o interior.
Aufklärung: o Iluminismo e a Maturidade da Razão
Immanuel Kant, em seu célebre ensaio "Was ist Aufklärung?", "O que é o Esclarecimento?",
define o Iluminismo como a "saída do
homem de sua menoridade autoinfligida". Menoridade, aqui, é a incapacidade
de usar o entendimento sem a direção de outro. "Sapere aude!", ouse saber, tenha coragem de servir-se de seu
próprio intelecto, é o grito libertador da consciência humana.
Na Maçonaria, essa máxima encontra sua mais alta expressão. O
maçom é chamado a pensar, não a repetir; a compreender, não a decorar; a
questionar, não a obedecer cegamente. A iniciação é o rito simbólico que o
desperta do sono da dependência. Ele sai da caverna platônica, abandona as
sombras das opiniões e busca a luz da razão.
Mas a coragem de pensar exige ética. A razão sem virtude
degenera em tirania intelectual; a fé sem razão, em fanatismo. A Maçonaria,
como escola moral e filosófica, harmoniza essas duas forças: ela ensina que o
intelecto deve ser iluminado pelo amor, e o coração, guiado pela razão.
A Andragogia e o Caminho da Autonomia
A pedagogia ensina a criança; a andragogia educa o adulto. O
método andragógico, proposto por Malcolm Knowles, parte do princípio de que o
adulto aprende pela experiência e pela motivação interna. Na Maçonaria, esse
princípio é aplicado em plenitude: o aprendizado não se dá pela imposição, mas
pela vivência ritualística, pelo debate e pela reflexão.
O maçom aprende fazendo, refletindo, questionando e comparando.
Cada símbolo, cada palavra e cada gesto ritual é um pretexto para despertar o
pensamento autônomo. O instrutor maçônico é um facilitador, não um doutrinador.
Ele acende tochas, mas não ilumina por outrem, pois a luz nasce de dentro.
Exemplo prático: quando o aprendiz contempla o esquadro e o
compasso, ele não deve perguntar o que "significam", mas o que "lhe dizem". O símbolo é espelho, não mapa. Assim, a andragogia
maçônica propõe que cada irmão descubra seu próprio sentido do sagrado e do
racional, tornando-se artífice da própria consciência.
A Razão Leiga e a Emancipação do Pensamento
A "razão leiga"
é a razão liberta da tutela religiosa, política ou ideológica. A Maçonaria,
como herdeira do Iluminismo, propõe a emancipação do pensamento frente a toda
autoridade dogmática. Não se trata de negar a fé, mas de submetê-la ao crivo da
consciência individual.
Kant, Spinoza e Voltaire partilham dessa visão: o homem deve
ser livre para pensar e agir de acordo com sua razão. No templo maçônico, essa
liberdade é cultivada como virtude. Nenhum dogma é imposto; nenhuma verdade é
absoluta. A verdade é buscada, construída, lapidada, como a pedra bruta que o
maçom trabalha incessantemente.
Essa lapidação intelectual e moral é o "trabalho de templo". A cada golpe do
malho, o homem retira de si o excesso da ignorância, do preconceito e da
intolerância. Servir-se do próprio intelecto é, portanto, o exercício contínuo
de polir a mente até que reflita a luz do Grande Arquiteto do Universo
Crítica Construtiva: o Risco da Razão Orgulhosa
Toda virtude contém seu risco. O culto à razão, se desprovido
de humildade, pode gerar soberba intelectual. A história mostra que o
racionalismo extremo levou, em certos períodos, ao desprezo pelo mistério e
pela dimensão simbólica do ser humano. A Maçonaria, consciente disso, ensina
que a razão é instrumento, não trono.
Quando o homem acredita dominar o Universo apenas pela lógica,
esquece que a lógica é apenas uma linguagem humana para tentar decifrar o
indizível. A sabedoria consiste em equilibrar o saber racional e o saber
intuitivo. Assim como o compasso e o esquadro se equilibram sobre o altar,
razão e sentimento devem coexistir em harmonia.
Um exemplo cotidiano: o líder maçônico que aplica friamente
regras sem compreender a alma dos irmãos reproduz a tirania da letra. Por outro
lado, o líder sentimental que age sem reflexão sucumbe ao caos. O caminho do
meio, que a filosofia maçônica propõe, é o uso equilibrado
do intelecto e da sensibilidade.
Maçonaria e a Educação da Consciência Cívica
Ao promover o uso da razão, a Maçonaria contribui para a
formação de cidadãos conscientes. Ela defende que o Estado deve ser laico e que
a educação deve libertar, não domesticar. A influência das religiões sobre o
poder político, quando excessiva, sufoca a liberdade de pensamento e impede o
progresso social.
O maçom, ao aplicar esses princípios na vida prática, torna-se
um agente de transformação. Ele defende o ensino científico, a liberdade de
imprensa, a igualdade de oportunidades, o respeito à diversidade. Ele entende
que servir-se do próprio intelecto é um dever moral, pois quem não pensa por si
mesmo, facilmente se torna instrumento da vontade alheia.
Nas relações profissionais e familiares, essa autonomia se
manifesta em decisões baseadas na reflexão, não na conveniência. O maçom que
age por consciência, e não por medo, torna-se exemplo de equilíbrio e justiça.
Assim, a filosofia maçônica ultrapassa o templo e se converte em ação
transformadora no mundo.
Metáforas para a Autonomia do Pensamento
Podemos imaginar o intelecto humano como uma lâmpada. Quando
desligada, permanece inerte, mesmo em meio à luz do dia. Somente quando o homem
acende sua própria lâmpada interior é que pode enxergar o que o sol externo não
revela, os recessos da própria alma.
Outra metáfora útil é a do templo interior: cada pedra
simboliza uma ideia adquirida, um conceito lapidado. Construir esse templo é um
ato contínuo de pensar e repensar, de duvidar e confirmar. O maçom que se serve
do próprio intelecto é o arquiteto de sua própria catedral interior, sustentada
não por dogmas, mas por colunas de sabedoria, tolerância e amor.
Em termos práticos, esse ideal se traduz em atitudes simples:
questionar o que se lê, duvidar do que se ouve, refletir antes de julgar,
estudar antes de opinar. A Maçonaria ensina que o intelecto é a ferramenta mais
nobre do homem, mas que seu uso exige disciplina, ética e compaixão.
A Luz Maçônica como Processo de Libertação
A iluminação maçônica não é um evento, mas um processo. Cada
grau representa um estágio de libertação das sombras da ignorância. Servir-se
do próprio intelecto é, portanto, o exercício contínuo de acender velas no
templo interior da consciência.
Essa luz não é apenas racional: ela é moral e espiritual. O
maçom que aprende a pensar por si mesmo deve também aprender a sentir com o
coração e agir com justiça. Assim, a tríade pensamento-sentimento-ação
constitui a base da sabedoria maçônica.
Quando o homem pensa com clareza, sente com empatia e age com
retidão, torna-se instrumento do Grande Arquiteto do Universo. Sua mente é o
compasso, seu coração o esquadro, e sua vida a obra que testemunha o equilíbrio
entre ambos.
Ousar Pensar, Ousar Ser Livre
Servir-se do próprio intelecto é o maior ato de liberdade. É
reconhecer que o Universo é inteligível, que o homem é coautor do seu destino,
e que a razão é uma centelha do próprio Grande Arquiteto do Universo em nós. A
Maçonaria, como escola de moral e filosofia, propõe essa revolução silenciosa, a
emancipação da consciência humana.
O maçom que compreende essa lição transforma o mundo não pela
imposição, mas pelo exemplo. Ele não prega doutrinas, mas irradia luz. Ele não
se curva a dogmas, mas se inclina diante da Verdade. Ele é o homem que, tendo aprendido
a servir-se do próprio intelecto, torna-se servo apenas da sabedoria.
Assim, a Maçonaria continua sendo, como no ideal iluminista, a
oficina onde se forjam os arquitetos da própria alma e os construtores da
humanidade futura, uma humanidade livre, consciente e fraterna.
Bibliografia Comentada
1.
DELORS, Jacques (org.). Educação: Um Tesouro a
Descobrir. São Paulo: Cortez, 2000. Documento da UNESCO que defende os quatro
pilares da educação, aprender a conhecer, a fazer, a conviver e a ser, em plena
consonância com o ideal maçônico de aperfeiçoamento humano integral;
2.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o
Esclarecimento? São Paulo: Martins Fontes, 2005. Texto fundamental para
compreender o conceito de Aufklärung que inspira o lema maçônico "Ouse
pensar por si mesmo". Kant propõe a autonomia da razão e a superação da
dependência intelectual, ideias basilares da filosofia maçônica moderna;
3.
KNOWLES, Malcolm. The Modern Practice of Adult Education:
From Pedagogy to Andragogy. New York: Cambridge Books, 1980. Fundamenta a
educação maçônica como processo andragógico, centrado na autonomia, na
experiência e na motivação do aprendiz adulto;
4.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of
Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871. Obra clássica que
explora a dimensão filosófica e simbólica dos graus do Rito Escocês Antigo e
Aceito, ressaltando o papel da razão e do livre-arbítrio na jornada iniciática;
5.
SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada segundo a
Ordem Geométrica. Lisboa: Edições 70, 2009. Obra seminal sobre a unidade entre
Deus e Natureza, cuja visão racional do divino influenciou o conceito maçônico
do Grande Arquiteto do Universo como Princípio Criador imanente;
6.
VOLTAIRE. Tratado sobre a Tolerância. Rio de
Janeiro: L&PM, 2011. Voltaire defende a liberdade de pensamento e a
tolerância religiosa, valores que inspiram o laicismo e a razão leiga da
Maçonaria;
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