A Comunhão Entre o Homem e o Cosmos
O altar maçônico, longe de ser uma simples peça de mobiliário
ritual, é a expressão viva da filosofia maçônica: o centro da consciência, o
lugar da comunhão entre o homem e o cosmos, o símbolo da eternidade dentro do
tempo. É ali, diante do altar interior, que o maçom encontra a si mesmo e ao
Grande Arquiteto do Universo.
O altar maçônico é o coração simbólico do templo, o ponto axial
em torno do qual gravitam os trabalhos e os pensamentos dos irmãos. Mais do que
um simples móvel litúrgico, o altar constitui a imagem concreta de uma
realidade interior: o espaço onde o homem encontra o divino, onde o profano se
eleva ao sagrado, onde o ser humano, reconhecendo-se imperfeito, inicia o
processo de lapidação da própria alma. Assim como no mundo antigo o altar
era o ponto de encontro entre o céu e a terra, na Maçonaria ele simboliza o
ponto de convergência entre a consciência humana e o Princípio Criador, o
Grande Arquiteto do Universo.
O Sentido Histórico e Filosófico do Altar
Desde os primórdios da civilização, o altar representa o local
de mediação entre o homem e o transcendente. Nas tradições suméria e egípcia,
ele era o ponto de contato com as forças cósmicas. Na Grécia antiga, altares
eram erguidos aos deuses olímpicos como reconhecimento das leis invisíveis que
regem o cosmos. No judaísmo, o altar de incenso no Santo dos Santos era o
símbolo máximo da presença divina. O cristianismo herdou essa tradição,
transformando o altar em mesa de comunhão, sinalizando a passagem do sacrifício
ritual à celebração espiritual.
Na filosofia, o altar pode ser entendido como o lugar da
epifania do ser, ou seja, o espaço simbólico em que o homem reconhece a
existência de uma realidade superior à sua. Segundo Mircea Eliade, em O Sagrado
e o Profano, o altar é o "centro do
mundo", o ponto onde o caos se organiza e o espírito se manifesta.
Assim, ao reproduzir esse centro dentro da Loja, a Maçonaria cria um microcosmo
do Universo, um espaço simbólico no qual cada maçom é chamado a reconstruir-se
à imagem da Ordem universal.
O Altar Maçônico e a Distinção Entre Religião e Filosofia
O altar maçônico difere essencialmente dos altares religiosos.
Enquanto os altares das religiões são lugares de sacrifício e de culto, o altar
maçônico é um espaço de reflexão moral e espiritual. Ele não serve a um deus
particular, mas a um princípio universal, o Grande Arquiteto do Universo, cuja
concepção transcende as fronteiras de qualquer credo. Essa distinção é
essencial, pois, como ensina Albert Pike em Morals and Dogma, "a Maçonaria não é uma religião, mas uma instituição
universal na medida em que ensina o respeito à Verdade em todas as suas formas".
O altar maçônico acolhe o livro da lei, que não é
necessariamente a bíblia judaico-cristã, mas o texto moral mais sagrado aos
presentes. Em uma loja composta por maçons cristãos, é comum encontrar o
Evangelho; em uma Loja judaica, a Torá; em lojas mistas, o Corão, o
Bhagavad-Gita ou até a Constituição da Ordem, simbolizando que o compromisso do
maçom é com a retidão, não com o dogma. O Livro Sagrado sobre o altar
representa a Luz da Verdade, a norma moral que deve reger o comportamento
humano.
Portanto, quando o maçom se inclina diante do altar, não adora
uma divindade exterior, mas reverencia o princípio ético que habita em seu
interior. Trata-se de um ato de reconhecimento da própria consciência como
templo do divino, em consonância com a máxima socrática "Conhece-te a ti mesmo", inscrita no
frontão do templo de Delfos.
O Templo como Espelho do Homem
Na filosofia maçônica, o templo não é apenas o edifício físico
onde se realizam os trabalhos, mas o símbolo do homem. O altar, colocado no
centro, representa o coração, o centro moral e espiritual do ser. Assim como
o templo abriga o altar, o homem abriga em si o espaço sagrado da consciência. O venerável mestre, o orador, os
vigilantes e demais oficiais representam as potências da alma: razão, vontade,
sentimento e ação. Tudo no templo reflete o ser humano em busca da perfeição.
O altar, portanto, é o ponto de equilíbrio. Ele representa a
justa medida aristotélica entre o excesso e a falta, o centro geométrico da
virtude. O homem que se inclina diante dele reconhece que a sacralidade não
está fora, mas dentro de si. Essa compreensão conduz à máxima maçônica: "O templo não é feito de pedras, mas de
homens." O templo interior se constrói com o labor da consciência, com
o polimento da pedra bruta, metáfora do ser imperfeito que busca a harmonia.
Metáforas da Pedra e da Luz
O maçom é a pedra bruta destinada a tornar-se cúbica, símbolo
da estabilidade e perfeição moral. O altar é o ponto de referência desse
trabalho. Polir-se é aprender, compreender e agir segundo a luz da razão e da
virtude. "Polidez" deriva
do mesmo radical de "polir"
e "polido", indicando não
apenas refinamento exterior, mas sobretudo erudição e domínio de si mesmo. O
homem polido é aquele que reflete a luz que dele emana, assim como o mármore
lapidado reflete o brilho do Sol.
A luz que ilumina o altar, vinda das três Grandes Luzes da
Maçonaria: o livro da lei, o Esquadro e o Compasso, simboliza o conhecimento, a
moral e a razão em harmonia. O Livro é o princípio moral, o Esquadro é a medida
da retidão, e o Compasso é o limite da ação justa. Juntos, representam o tripé
ético da Maçonaria: sabedoria, força e beleza. O altar torna-se, assim, o
centro luminoso que irradia esses princípios sobre toda a Loja.
O Significado Esotérico do Altar
No plano esotérico, o altar é o símbolo do microcosmo refletindo
o macrocosmo. Ele representa o centro de energia onde o homem se alinha com as
leis universais. Essa concepção remonta à tradição hermética, sintetizada na
máxima "O que está em cima é como o
que está embaixo". O altar é o local onde se estabelece essa
correspondência: o homem, como microcosmo, reflete o cosmos em miniatura, e
suas ações no templo repercutem simbolicamente no universo.
A disposição do altar na Loja, normalmente entre o Oriente e o
Ocidente, simboliza o eixo da consciência, que liga o nascimento da luz no Oriente
à plenitude da sabedoria no Ocidente. Assim como o Sol percorre o céu,
iluminando a Terra, a consciência do maçom percorre o templo interior,
iluminando suas próprias sombras. O altar, nesse sentido, é o ponto do
amanhecer espiritual: sobre ele repousa a luz da Verdade, que nunca se apaga,
mesmo quando o templo mergulha nas trevas.
O Altar e a Moral Maçônica
A moral maçônica é essencialmente autônoma e racional. Ela não
depende da revelação, mas da razão iluminada pela experiência e pela
consciência ética. O altar, ao abrigar o livro da lei, não impõe fé, mas propõe
reflexão. É um convite ao livre exame, à responsabilidade moral, à superação do
dogmatismo. Kant, em sua Crítica da Razão Prática, afirma que "a moralidade não precisa de religião, mas
conduz inevitavelmente a ela". O altar maçônico representa essa
condução: não é o altar de uma fé, mas o altar de uma ética.
A ética maçônica se fundamenta no dever, na justiça e na
fraternidade. O homem que se inclina diante do altar compromete-se a agir com
retidão, a respeitar os direitos dos outros, a construir a paz social. Ele
compreende que não há espiritualidade sem prática moral. Assim, o altar é
também o tribunal da consciência, onde cada maçom é seu próprio juiz.
Diante dele, ninguém pode mentir a si mesmo.
Crítica à Religiosidade Externa
A confusão entre Maçonaria e religião decorre da dificuldade
humana em compreender o simbolismo da interioridade. Muitos buscam no exterior
o que deveria ser encontrado no próprio coração. A religião, quando mal
compreendida, torna-se instrumento de separação; a Maçonaria, ao contrário,
busca a união pela razão e pela moral. Ao colocar o altar no centro, e não num
pódio elevado, a ordem maçônica define que o sagrado está ao alcance de todos,
e que a Verdade não pertence a uma casta sacerdotal.
A crítica maçônica, portanto, não se dirige à fé, mas ao
fanatismo. O maçom pode ser religioso, mas jamais sectário. Ele entende que o
divino é uno, embora se manifeste de múltiplas formas. O altar é, assim, o
símbolo da unidade na diversidade, o ponto de convergência das diferentes
crenças sob a égide da moral universal.
Aplicações Práticas na Vida Maçônica e Profana
O altar não é apenas um símbolo ritualístico; é também um
modelo de comportamento. Na vida cotidiana, o maçom é chamado a construir seu
altar interior, um espaço de silêncio, meditação e retidão. É ali que ele deposita
suas intenções mais puras, suas decisões éticas, seus compromissos com a
Verdade. Assim como o altar no templo é o centro da Loja, o altar interior é
o centro de sua vida.
Quando um maçom enfrenta dilemas morais, lembra-se do altar.
Diante de uma decisão difícil, ele pode perguntar a si mesmo: "Esta ação está em harmonia com a Luz que
brilha sobre o altar?" Essa reflexão prática conduz à sabedoria ética.
O altar torna-se, então, um instrumento de autogoverno moral, lembrando que a iniciação
não termina com o ritual, mas começa com a prática diária do bem.
A Dimensão Metafísica do Altar
Do ponto de vista metafísico, o altar é o símbolo da aliança
entre o ser e o absoluto. Ele representa o ponto onde o finito toca o infinito,
onde o homem reconhece sua origem e seu destino. Platão, em sua República,
descreve o Bem como o Sol que ilumina todas as coisas, permitindo que sejam
conhecidas. O altar, iluminado pelas luzes maçônicas, é a imagem dessa ideia
platônica: o Bem supremo que dá sentido a todas as virtudes.
Em termos epistemológicos, o altar é o ponto da Verdade, onde o
conhecimento se transforma em sabedoria. Ele ensina que o saber, sem moral, é
estéril; e que a moral, sem saber, é cega. Essa integração entre saber e
virtude é o núcleo da filosofia maçônica. O altar, portanto, não é um
objeto, mas um método: é o método de ensino simbólico do autoconhecimento e
da ascensão espiritual.
O Altar e o Incenso: A Oração sem Dogma
O incenso, presente em muitas tradições religiosas, é usado na
Maçonaria como símbolo das boas intenções que se elevam ao Grande Arquiteto do
Universo. O seu perfume representa a pureza dos pensamentos, a harmonia das
ações, a elevação do espírito. Quando o incenso se eleva, ele lembra ao maçom
que suas ações devem ser dignas de ascender às alturas da consciência. O ato de
"queimar o incenso" é
metafórico: é o fogo da virtude que consome as impurezas da alma.
Dessa forma, o altar e o incenso unem-se num só gesto: o da
relação ética com o divino. Não há súplica, não há medo, não há penitência,
apenas comunhão e reverência. O maçom não adora, ele contempla; não se prostra,
ele se eleva. Sua oração é silenciosa e ativa, feita de pensamentos justos e
ações retas.
O Altar como Centro da Existência
O altar maçônico é, portanto, o símbolo da totalidade humana.
Ele reúne o que está disperso, harmoniza o que está em conflito, ilumina o que
está oculto. Nele, o maçom aprende que o templo é o próprio coração e que a oferenda
é a prática do bem. O altar é o espelho do homem que busca refletir a luz
divina; é a pedra angular da construção moral; é o centro onde o humano toca o eterno.
A cada sessão, ao dirigir-se ao altar, o maçom repete
silenciosamente a antiga máxima hermética: "Assim como é dentro, é fora." Ao acender a chama simbólica
sobre o altar, ele reacende a chama interior que o liga ao Grande Arquiteto do
Universo. E ao encerrar os trabalhos, leva consigo a lembrança de que o altar
não fica na Loja, mas o acompanha em cada ato de sua vida, em cada decisão
ética, em cada gesto de fraternidade.
Bibliografia Comentada
1.
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Londres, 1723. Documento fundador da Maçonaria moderna, estabelece o caráter
universal e não sectário da Ordem, onde o altar representa o centro moral da
Loja;
2.
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Martins Fontes, 1991. Fundamenta o conceito da justa medida e da virtude como
equilíbrio - ideias centrais ao simbolismo do altar como centro moral;
3.
BLAVATSKY, Helena P. A Doutrina Secreta. Adyar:
Theosophical Publishing House, 1888. Apresenta o simbolismo esotérico do altar
como microcosmo do Universo e ponto de contato com o divino interior;
4.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. Clássico estudo sobre o simbolismo religioso e a
sacralização do espaço, essencial para compreender o altar como centro cósmico
e interior;
5.
GUÉNON, René. Símbolos Fundamentais da Ciência
Sagrada. Lisboa: Vega, 1986. Explora o valor universal dos símbolos
tradicionais e sua relação com o centro e o altar como eixo do mundo;
6.
JUNG, Carl G. O Homem e seus Símbolos. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1977. Aprofunda a dimensão psicológica do simbolismo
maçônico, associando o altar ao Self - o centro unificador da psique;
7.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática.
Lisboa: Edições 70, 1999. Base para a ética maçônica autônoma, mostrando que a moralidade
nasce da razão e não do dogma;
8.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of
Freemasonry. Charleston, 1871. Obra fundamental da filosofia maçônica,
onde o autor aprofunda o simbolismo do altar e das luzes como expressões da
razão e da moral universal;
9.
PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da
Rocha Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000. Fundamenta a
concepção platônica do Bem como luz, analogia direta com a iluminação sobre o
altar maçônico;
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