quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Amor e Bondade dos que Dirigem na Maçonaria

 Charles Evaldo Boller

A Maçonaria, escola moral e filosófica de aperfeiçoamento humano, recomenda aos seus dirigentes não apenas competência administrativa, mas sobretudo virtude, amor e bondade no exercício do poder. A liderança maçônica não é privilégio de quem conquista um título ou posição hierárquica, mas um estado de consciência que deve refletir o domínio ético sobre si mesmo e o compromisso inabalável com o bem coletivo. Nesse sentido, a filosofia maçônica compreende o comando como uma extensão do dever moral: governar é servir, e servir é amar.

Esse ensaio procura demonstrar que o comando maçônico não se sustenta em autoridade exterior, mas em domínio interior, onde amor e bondade não são fraquezas, e sim expressões da força mais elevada do ser humano: a sabedoria iluminada pela Luz do Grande Arquiteto do Universo.

A Ética Como Alicerce da Liderança Maçônica

A postura ética do maçom é a pedra fundamental sobre a qual se ergue a edificação moral da Ordem. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, afirma que a virtude está no equilíbrio entre os extremos, no "justo meio" que caracteriza a prudência (phronesis) do homem sábio. Na Maçonaria, tal prudência manifesta-se no comportamento equilibrado e na temperança do líder que age não por impulso, mas por reflexão; não por ambição, mas por justiça.

O líder maçom é guardião da moral da instituição. A ética, para ele, não é mera norma de conduta, mas modo de ser, é a própria forma do seu caráter lapidado. Sua presença purifica o ambiente da Loja, porque irradia sinceridade e integridade. O dirigente não tolera entre suas fileiras os que maculam o ideal maçônico com atitudes corruptas ou desonestas, pois sabe que a impureza moral é como uma pedra bruta não talhada: ameaça a harmonia do templo. Assim, o exercício do poder na Maçonaria é inseparável da vigilância moral e da prática do amor fraterno.

O Comando Entre a Disciplina e a Liberdade

O Rito Escocês Antigo e Aceito possui estrutura hierárquica bem definida, com disciplina e respeito à ordem. À primeira vista, essa organização pode parecer autocrática; contudo, o sentido dessa autoridade não reside na imposição, mas na harmonia. O líder maçom atua como ponto de convergência, tal qual o centro do compasso: a partir dele se traçam os círculos da convivência fraterna e da disciplina interior.

Platão, em A República, afirmava que o governante ideal seria o "filósofo-rei", aquele que une sabedoria e virtude, razão e compaixão. Na loja, o venerável mestre e demais oficiais devem encarnar esse ideal, transformando o exercício da autoridade em ato instrucional. Compreendem que a liberdade não é a ausência de regras, mas o domínio consciente sobre si mesmo.

Assim, o caráter disciplinado do Rito não oprime o maçom, mas o incentiva a educar-se. A disciplina é vista como ferramenta andragógica, método de ensino para adultos que visa o autoconhecimento e o autogoverno. O maçom não obedece por submissão, mas por compreensão. Seu respeito às hierarquias nasce da convicção de que a ordem é necessária para o progresso, e o progresso, para a Luz.

Amor e Bondade Como Fundamentos da Autoridade Moral

A filosofia maçônica ensina que o poder sem amor degenera em tirania; o amor sem poder, em impotência. É preciso conciliar ambos em justa medida. A autoridade maçônica, portanto, deve ser exercida com bondade, pois esta é a face visível do amor em ação.

No simbolismo da Loja, o Oriente representa a fonte da luz, o lugar do venerável mestre. Dali emanam as decisões, as palavras e os exemplos que iluminam os obreiros. Mas o Oriente não é apenas um espaço físico: é um estado espiritual. O líder maçom ocupa o Oriente porque aprendeu a ver com os olhos do coração. Seu amor pela fraternidade o torna paciente, empático e justo.

A bondade, no sentido kantiano, é uma disposição interior voltada ao cumprimento do dever por respeito à lei moral. Kant, em sua Crítica da Razão Prática, recorda que o valor moral de uma ação não está em seu resultado, mas na intenção pura que a motiva. Assim, o líder maçom que age com bondade o faz não para ser admirado, mas porque reconhece o bem como imperativo categórico da alma.

A Lógica da Virtude e a Estética do Comportamento

A conduta ética de um dirigente maçom não é apenas lógica, coerente com princípios, mas também estética, no sentido de tornar o comportamento uma expressão harmoniosa da alma. A estética da liderança está no gesto, na palavra serena, no sorriso paciente, na firmeza sem agressividade. Cada atitude é uma forma simbólica de beleza moral, e a beleza, segundo Plotino, é reflexo do Bem.

A lógica da virtude, por sua vez, não se submete a cálculos utilitários. Não se trata de fazer o bem porque convém, mas porque é verdadeiro. O líder maçom compreende que o raciocínio puramente técnico ou burocrático pode degenerar em frieza moral; por isso, tempera a razão com emoção equilibrada, em perfeita correspondência com a filosofia estoica, que recomendava a serenidade diante dos acontecimentos e a moderação das paixões.

Essa harmonia entre razão e sentimento é também reflexo da filosofia da mente. A neurociência moderna confirma o que os antigos sábios já intuíram: as decisões éticas mais elevadas não brotam apenas do intelecto, mas de uma integração entre cognição e emoção. O maçom, ao cultivar o amor e a bondade, ativa em si mesmo estados mentais de empatia e compaixão, que orientam o juízo moral de modo mais lúcido e humano.

A Teoria Contingencial e a Sabedoria da Adaptação

Na administração nos meios da sociedade, fala-se da Teoria Contingencial de Liderança, segundo a qual o estilo do líder deve variar conforme a situação. Esse princípio também encontra abrigo na filosofia maçônica: o dirigente sábio é aquele que compreende o momento e age de modo adequado ao contexto.

O venerável mestre que conduz uma loja em tempos de harmonia pode adotar uma postura liberal e participativa; mas, diante de crises, precisa ser firme e decisivo. Essa capacidade de alternar estilos de liderança é expressão da inteligência simbólica, isto é, da sabedoria prática que resulta do autoconhecimento.

Na tradição hermética, "o que está em cima é como o que está embaixo", o equilíbrio cósmico reflete-se no equilíbrio interior. O líder maçom, consciente dessa correspondência, procura ser reflexo da ordem universal: flexível como o vento, firme como a rocha. Sabe que comandar é servir à harmonia do Todo, não aos próprios desejos.

A Metafísica do Amor Fraterno

O amor maçônico transcende a afeição pessoal; é princípio metafísico. Deriva da ideia de que todas as criaturas emanam da mesma centelha do Grande Arquiteto do Universo. Assim, amar o irmão é reconhecer nele o reflexo da própria Luz.

Spinoza, em sua Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras, define o amor como "alegria acompanhada da ideia de uma causa exterior". No contexto maçônico, essa causa é o próprio Grande Arquiteto do Universo, origem e fim de toda harmonia. O amor, portanto, não é emoção passageira, mas força ontológica que une os seres.

Quando um líder maçom age com amor, ele reproduz no microcosmo da loja a ordem do macrocosmo universal. Sua bondade torna-se energia de coesão, sustentando o equilíbrio entre os irmãos e purificando os vínculos da fraternidade.

Crítica Construtiva: o Risco do Autoritarismo Ritual

Apesar de sua nobre filosofia, a prática maçônica nem sempre reflete esses ideais. Em muitas lojas, o formalismo excessivo e a rigidez ritualística podem sufocar o espírito do amor fraterno. Quando a hierarquia se converte em pretexto para vaidade, o Oriente obscurece-se. O poder, desprovido de humildade, degenera em caricatura do ideal iniciático.

É preciso, pois, cultivar a autocrítica. A autoridade maçônica não deve ser confundida com poder pessoal, mas entendida como responsabilidade espiritual. Líder é aquele que, mesmo no ápice da hierarquia, conserva a simplicidade de um aprendiz.

A filosofia clássica nos oferece o exemplo de Sócrates, que, apesar de seu saber, se declarava ignorante; sua liderança era dialógica, não impositiva. Assim também deve ser o dirigente maçom: aquele que guia pela pergunta, não pela ordem; que inspira pelo exemplo, não pela coerção.

O Ideal Ético do Dirigente Iluminado

O maçom que dirige com amor e bondade aproxima-se do ideal do "homo illuminatus", o homem que encontrou equilíbrio entre mente e coração. Ele compreende que o governo das almas exige mais do que inteligência, requer sabedoria e compaixão.

Na prática, isso se traduz em gestos concretos: ouvir os irmãos com paciência, mediar conflitos com serenidade, elogiar discretamente, corrigir com delicadeza. O líder iluminado é como o Sol: não escolhe sobre quem brilhar.

A liderança maçônica, portanto, é ato de criação contínua, o constante lapidar de si e dos outros. Dirigir é construir pontes entre diferenças, transformar o pavimento mosaico das contradições humanas em obra de arte moral.

O Amor Como Chave da Construção Moral

A Maçonaria ensina que o Templo só se ergue quando cada pedra é colocada com amor. Assim também ocorre na direção da Ordem: cada decisão tomada com bondade torna-se alicerce de uma sociedade mais justa e fraterna.

O líder maçom é artífice da harmonia. Sua ética, firme como o esquadro; sua razão, justa como o compasso; e seu coração, puro como o pavimento mosaico. O amor e a bondade não são apenas virtudes acessórias, mas a própria substância do poder legítimo. O Oriente é aquele onde a luz da razão se funde com o calor do coração.

Bibliografia Comentada

1.      ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martins Fontes, 2009. Obra clássica sobre a virtude como hábito racional. Fundamenta a noção maçônica de equilíbrio moral e prudência do líder;

2.      BOLLER, Charles Evaldo. Educação Maçônica e Consciência Moral. Manuscrito inédito. Explora o papel da andragogia e do autoconhecimento na formação do líder maçom, enfatizando o poder do amor e da bondade como instrumentos de governo ético;

3.      DELORS, Jacques. Educação: um Tesouro a Descobrir. Paris: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, 1996. Fonte contemporânea para a aplicação andragógica dos princípios maçônicos de formação moral e contínua aprendizagem;

4.      EPICTETO. Manual de Vida. São Paulo: L&PM, 2011. Texto estoico que inspira a serenidade e o autodomínio como virtudes essenciais do líder;

5.      KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. Apresenta o conceito de dever moral como princípio incondicional. Inspirou a visão de que o dirigente maçom age por amor ao bem, não por interesse;

6.      PLATÃO. A República. São Paulo: Edipro, 2012. Propõe o modelo do "filósofo-rei", que combina sabedoria e virtude, análogo ao ideal do venerável mestre maçônico;

7.      PLOTINO. Enéadas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2000. Explora a relação entre o Belo e o Bem, sustentando a estética moral da liderança maçônica;

8.      SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras. São Paulo: Martins Fontes, 2013. Define o amor como força cósmica e racional. Sua Metafísica do amor fundamenta o conceito maçônico de fraternidade universal;

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