A Maçonaria, escola moral e filosófica de aperfeiçoamento
humano, recomenda aos seus dirigentes não apenas competência administrativa,
mas sobretudo virtude, amor e bondade no exercício do poder. A liderança
maçônica não é privilégio de quem conquista um título ou posição hierárquica,
mas um estado de consciência que deve refletir o domínio ético sobre si mesmo e
o compromisso inabalável com o bem coletivo. Nesse sentido, a filosofia
maçônica compreende o comando como uma extensão do dever moral: governar é servir, e servir é amar.
Esse ensaio procura demonstrar que o comando maçônico não se
sustenta em autoridade exterior, mas em domínio interior, onde amor e bondade
não são fraquezas, e sim expressões da força mais elevada do ser humano: a
sabedoria iluminada pela Luz do Grande Arquiteto do Universo.
A Ética Como Alicerce da Liderança Maçônica
A postura ética do maçom é a pedra fundamental sobre a qual se
ergue a edificação moral da Ordem. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, afirma
que a virtude está no equilíbrio entre os extremos, no "justo meio" que caracteriza a
prudência (phronesis) do homem sábio. Na Maçonaria, tal prudência manifesta-se
no comportamento equilibrado e na temperança do líder que age não por impulso,
mas por reflexão; não por ambição, mas por justiça.
O líder maçom é guardião da moral da instituição. A ética, para
ele, não é mera norma de conduta, mas modo de ser, é a própria forma do seu caráter
lapidado. Sua presença purifica o ambiente da Loja, porque irradia sinceridade
e integridade. O dirigente não tolera entre suas fileiras os que maculam o
ideal maçônico com atitudes corruptas ou desonestas, pois sabe que a impureza
moral é como uma pedra bruta não talhada: ameaça a harmonia do templo. Assim, o
exercício do poder na Maçonaria é inseparável da vigilância moral e da prática
do amor fraterno.
O Comando Entre a Disciplina e a Liberdade
O Rito Escocês Antigo e Aceito possui estrutura hierárquica bem
definida, com disciplina e respeito à ordem. À primeira vista, essa organização
pode parecer autocrática; contudo, o sentido dessa autoridade não reside na
imposição, mas na harmonia. O líder maçom atua como ponto de convergência, tal
qual o centro do compasso: a partir dele se traçam os círculos da convivência
fraterna e da disciplina interior.
Platão, em A República, afirmava que o governante ideal seria o
"filósofo-rei", aquele que
une sabedoria e virtude, razão e compaixão. Na loja, o venerável mestre e
demais oficiais devem encarnar esse ideal, transformando o exercício da
autoridade em ato instrucional. Compreendem que a liberdade não é a ausência de
regras, mas o domínio consciente sobre si mesmo.
Assim, o caráter disciplinado do Rito não oprime o maçom, mas o
incentiva a educar-se. A disciplina é vista como ferramenta andragógica, método
de ensino para adultos que visa o autoconhecimento e o autogoverno. O maçom não
obedece por submissão, mas por compreensão. Seu respeito às hierarquias nasce
da convicção de que a ordem é necessária para o progresso, e o progresso, para
a Luz.
Amor e Bondade Como Fundamentos da Autoridade Moral
A filosofia maçônica ensina que o poder sem amor degenera em
tirania; o amor sem poder, em impotência. É preciso conciliar ambos em justa
medida. A autoridade maçônica, portanto, deve ser exercida com bondade, pois
esta é a face visível do amor em ação.
No simbolismo da Loja, o Oriente representa a fonte da luz, o
lugar do venerável mestre. Dali emanam as decisões, as palavras e os exemplos
que iluminam os obreiros. Mas o Oriente não é apenas um espaço físico: é um
estado espiritual. O líder maçom ocupa o Oriente porque aprendeu a ver com os
olhos do coração. Seu amor pela fraternidade o torna paciente, empático e
justo.
A bondade, no sentido kantiano, é uma disposição interior
voltada ao cumprimento do dever por respeito à lei moral. Kant, em sua Crítica
da Razão Prática, recorda que o valor moral de uma ação não está em seu
resultado, mas na intenção pura que a motiva. Assim, o líder maçom que age com
bondade o faz não para ser admirado, mas porque reconhece o bem como
imperativo categórico da alma.
A Lógica da Virtude e a Estética do Comportamento
A conduta ética de um dirigente maçom não é apenas lógica,
coerente com princípios, mas também estética, no sentido de tornar o
comportamento uma expressão harmoniosa da alma. A estética da liderança
está no gesto, na palavra serena, no sorriso paciente, na firmeza sem
agressividade. Cada atitude é uma forma simbólica de beleza moral, e a beleza,
segundo Plotino, é reflexo do Bem.
A lógica da virtude, por sua vez, não se submete a cálculos
utilitários. Não se trata de fazer o bem porque convém, mas porque é
verdadeiro. O líder maçom compreende que o raciocínio puramente técnico ou
burocrático pode degenerar em frieza moral; por isso, tempera a razão com
emoção equilibrada, em perfeita correspondência com a filosofia estoica, que
recomendava a serenidade diante dos acontecimentos e a moderação das paixões.
Essa harmonia entre razão e sentimento é também reflexo da
filosofia da mente. A neurociência moderna confirma o que os antigos sábios já
intuíram: as decisões éticas mais elevadas não brotam apenas do intelecto, mas
de uma integração entre cognição e emoção. O maçom, ao cultivar o amor e a
bondade, ativa em si mesmo estados mentais de empatia e compaixão, que orientam
o juízo moral de modo mais lúcido e humano.
A Teoria Contingencial e a Sabedoria da Adaptação
Na administração nos meios da sociedade, fala-se da Teoria
Contingencial de Liderança, segundo a qual o estilo do líder deve variar
conforme a situação. Esse princípio também encontra abrigo na filosofia
maçônica: o dirigente sábio é aquele que compreende o momento e age de modo
adequado ao contexto.
O venerável mestre que conduz uma loja em tempos de harmonia
pode adotar uma postura liberal e participativa; mas, diante de crises, precisa
ser firme e decisivo. Essa capacidade de alternar estilos de liderança é
expressão da inteligência simbólica, isto é, da sabedoria prática que resulta
do autoconhecimento.
Na tradição hermética, "o que está em cima é como o que está embaixo", o equilíbrio
cósmico reflete-se no equilíbrio interior. O líder maçom, consciente dessa
correspondência, procura ser reflexo da ordem universal: flexível como o vento,
firme como a rocha. Sabe que comandar é servir à harmonia do Todo, não aos
próprios desejos.
A Metafísica do Amor Fraterno
O amor maçônico transcende a afeição pessoal; é princípio
metafísico. Deriva da ideia de que todas as criaturas emanam da mesma
centelha do Grande Arquiteto do Universo. Assim, amar o irmão é reconhecer
nele o reflexo da própria Luz.
Spinoza, em sua Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras,
define o amor como "alegria
acompanhada da ideia de uma causa exterior". No contexto maçônico,
essa causa é o próprio Grande Arquiteto do Universo, origem e fim de toda
harmonia. O amor, portanto, não é emoção passageira, mas força ontológica que
une os seres.
Quando um líder maçom age com amor, ele reproduz no microcosmo
da loja a ordem do macrocosmo universal. Sua bondade torna-se energia de
coesão, sustentando o equilíbrio entre os irmãos e purificando os vínculos da
fraternidade.
Crítica Construtiva: o Risco do Autoritarismo Ritual
Apesar de sua nobre filosofia, a prática maçônica nem sempre
reflete esses ideais. Em muitas lojas, o formalismo excessivo e a rigidez
ritualística podem sufocar o espírito do amor fraterno. Quando a hierarquia se
converte em pretexto para vaidade, o Oriente obscurece-se. O poder, desprovido
de humildade, degenera em caricatura do ideal iniciático.
É preciso, pois, cultivar a autocrítica. A autoridade maçônica
não deve ser confundida com poder pessoal, mas entendida como responsabilidade
espiritual. Líder é aquele que, mesmo no ápice da hierarquia, conserva a
simplicidade de um aprendiz.
A filosofia clássica nos oferece o exemplo de Sócrates, que,
apesar de seu saber, se declarava ignorante; sua liderança era dialógica, não
impositiva. Assim também deve ser o dirigente maçom: aquele que guia pela
pergunta, não pela ordem; que inspira pelo exemplo, não pela coerção.
O Ideal Ético do Dirigente Iluminado
O maçom que dirige com amor e bondade aproxima-se do ideal do "homo illuminatus", o homem que
encontrou equilíbrio entre mente e coração. Ele compreende que o governo das
almas exige mais do que inteligência, requer sabedoria e compaixão.
Na prática, isso se traduz em gestos concretos: ouvir os irmãos
com paciência, mediar conflitos com serenidade, elogiar discretamente, corrigir
com delicadeza. O líder iluminado é como o Sol: não escolhe sobre quem brilhar.
A liderança maçônica, portanto, é ato de criação contínua, o
constante lapidar de si e dos outros. Dirigir é construir pontes entre
diferenças, transformar o pavimento mosaico das contradições humanas em obra de
arte moral.
O Amor Como Chave da Construção Moral
A Maçonaria ensina que o Templo só se ergue quando cada pedra é
colocada com amor. Assim também ocorre na direção da Ordem: cada decisão tomada
com bondade torna-se alicerce de uma sociedade mais justa e fraterna.
O líder maçom é artífice da harmonia. Sua ética, firme como o
esquadro; sua razão, justa como o compasso; e seu coração, puro como o
pavimento mosaico. O amor e a bondade não são apenas virtudes acessórias, mas a
própria substância do poder legítimo. O Oriente é aquele onde a luz da razão se
funde com o calor do coração.
Bibliografia Comentada
1.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo:
Martins Fontes, 2009. Obra clássica sobre a virtude como hábito racional.
Fundamenta a noção maçônica de equilíbrio moral e prudência do líder;
2.
BOLLER, Charles Evaldo. Educação Maçônica e
Consciência Moral. Manuscrito inédito. Explora o papel da andragogia e do
autoconhecimento na formação do líder maçom, enfatizando o poder do amor e da
bondade como instrumentos de governo ético;
3.
DELORS, Jacques. Educação: um Tesouro a
Descobrir. Paris: Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura, 1996. Fonte contemporânea para a aplicação andragógica dos princípios
maçônicos de formação moral e contínua aprendizagem;
4.
EPICTETO. Manual de Vida. São Paulo: L&PM,
2011. Texto estoico que inspira a serenidade e o autodomínio como virtudes
essenciais do líder;
5.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. Apresenta o conceito de dever moral
como princípio incondicional. Inspirou a visão de que o dirigente maçom age por
amor ao bem, não por interesse;
6.
PLATÃO. A República. São Paulo: Edipro, 2012.
Propõe o modelo do "filósofo-rei", que combina sabedoria e virtude,
análogo ao ideal do venerável mestre maçônico;
7.
PLOTINO. Enéadas. Lisboa: Calouste Gulbenkian,
2000. Explora a relação entre o Belo e o Bem, sustentando a estética moral da
liderança maçônica;
8.
SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos
Geômetras. São Paulo: Martins Fontes, 2013. Define o amor como força cósmica e
racional. Sua Metafísica do amor fundamenta o conceito maçônico de fraternidade
universal;
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