quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Dúvidas Intrigantes, a Religião, a Espiritualidade e a Maçonaria

 Charles Evaldo Boller

A Espiritualidade é Universal

A busca por uma religião verdadeira inquietou o homem ao longo da história. No entanto, a Maçonaria oferece uma visão singular: todas as religiões que sinceramente procuram religar o ser humano ao Princípio Criador são válidas, mas nenhuma detém a Verdade absoluta. Daí deduzir-se que o templo sagrado não é feito de pedra, mas é o próprio ser humano, que traz em si a centelha divina.

Enquanto as religiões se enredam em dogmas e disputas, a filosofia maçônica convida o iniciado a olhar para dentro de si e seguir o conselho socrático: "conhece-te a ti mesmo". Fé, nesse contexto, não é crença cega, mas confiança iluminada pela razão, comparável às raízes invisíveis de uma árvore que, embora ocultas, sustentam a vida.

O maçom entende que a espiritualidade é universal, independentemente de credos ou tradições. Ao reconhecer o Grande Arquiteto do Universo, ele não exclui, mas inclui: fornece um lugar seguro onde padres, pastores, rabinos, espíritas e outros, podem conviver no mesmo templo, cada qual tornando-se melhor dentro de sua própria fé. Assim, a Maçonaria realiza o ecumenismo, livre de hipocrisia, pois fundamentado no Amor Fraterno.

As religiões, ao longo do tempo, hostilizam a ordem maçônica, acusando-a de heresias ou práticas obscuras, muitas vezes para preservar privilégios ou poder. Mas a Maçonaria não impõe dogmas, apenas oferece símbolos e alegorias que estimulam o buscador a construir suas próprias respostas às grandes questões: quem sou, de onde vim, para onde vou.

Hoje, ciência e espiritualidade convergem. A física moderna e a biologia da complexidade revelam ordem no aparente caos, sugerindo uma inteligência subjacente ao universo. Essa visão ecoa a tradição maçônica, que sempre colocou a espiritualidade como raiz de todo conhecimento.

A vida maçônica, portanto, é uma jornada de lapidação: morrer para os vícios e renascer nas virtudes, em constante evolução, rumo à dignidade, à fraternidade e ao amor universal.

Construir as Próprias Respostas

O ser humano, em sua trajetória milenar de busca por sentido, sempre se viu diante de perguntas fundamentais: quem sou, de onde vim, para onde vou? Essas interrogações universais deram origem a cosmogonias, mitologias, religiões organizadas e também a escolas de pensamento filosófico e iniciático. A Maçonaria, inserida neste vasto horizonte, não se propõe a responder dogmaticamente tais questões, mas a estimular o indivíduo a construir suas próprias respostas, por meio do autoconhecimento, da razão crítica e da vivência da fraternidade.

A Inquietação Diante da Religião

Ao longo da história, as religiões surgiram como tentativas humanas de religar a criatura ao Criador. A palavra "religare" expressa justamente esse anseio de reconexão. No entanto, a pluralidade de tradições religiosas e a rigidez dos dogmas acabaram por gerar não apenas diversidade espiritual, mas também divisões, disputas e até guerras.

A dúvida fundamental, "existe uma religião verdadeira?", muitas vezes atormenta o buscador sincero. É nesse ponto que a filosofia maçônica oferece alento: para o maçom, todas as religiões que buscam, de modo autêntico, reconduzir o ser humano à centelha divina merecem respeito. A Verdade, em sua plenitude, não cabe em doutrinas rígidas; ela se manifesta no interior de cada ser humano, em seu "templo interior".

Sócrates já havia intuído esse caminho, ao exortar: "conhece-te a ti mesmo". Para o maçom, o autoconhecimento é a via real para o encontro com o Princípio Criador, dispensando intermediários e exegeses dogmáticas.

Fé e Razão: um Falso Dilema

As religiões institucionais frequentemente impõem dogmas e exigem adesão àquilo que não pode ser questionado. Chamam de fé a aceitação do invisível. Todavia, a filosofia e a espiritualidade maçônicas ensinam que a fé não é cega, mas iluminada pela razão.

A metáfora das raízes de uma árvore é útil: embora invisíveis, elas existem e sustentam a vida. Assim também a espiritualidade: não se vê, mas é perceptível em seus frutos. Esse raciocínio reconcilia fé e razão, mostrando que a espiritualidade não é irracional, mas suprarracional.

Autores como Kant (Crítica da Razão Pura) e William James (A Variedade da Experiência Religiosa) ressaltaram que a fé autêntica nasce da experiência interior e não da imposição externa. Na Maçonaria, essa experiência é simbolicamente representada pelo templo que cada iniciado constrói dentro de si.

O Templo Interior e a Filosofia Maçônica

Para o maçom, o ser humano é o templo do Inefável. Essa concepção encontra ressonância em tradições antigas: o corpo como templo do espírito, em Paulo de Tarso; o coração como morada de Deus, nos místicos sufis; o atman como centelha do brahman, no hinduísmo.

A instrução maçônica orienta o iniciado a polir sua pedra bruta, metáfora de sua personalidade imperfeita, até torná-la pedra cúbica, apta a se integrar ao edifício simbólico da humanidade. Esse processo exige vigilância constante, pois conspurcar o templo interior é trair a própria essência.

Assim, a Maçonaria ensina que a ética, a fraternidade e o amor universal não são preceitos externos, mas consequências naturais do reconhecimento da centelha divina no outro. O próximo não é apenas o correligionário, mas todo ser humano.

Ecumenismo e a Crítica à Hipocrisia Religiosa

Denuncia-se o falso ecumenismo praticado por muitas religiões, que pregam o amor universal, mas na prática restringem o "próximo" aos fiéis de sua própria doutrina. Essa contradição revela a dificuldade das religiões institucionais em transcender a lógica do poder e da identidade excludente.

A Maçonaria, por outro lado, acolhe em seus templos homens de todas as crenças. Padres, pastores, rabinos, espíritas ou agnósticos podem se assentar lado a lado, unidos pelo reconhecimento de um Princípio Criador, um conceito, uma ideia, denominada Grande Arquiteto do Universo. Esse princípio, deliberadamente aberto, evita reducionismos teológicos e permite a convivência pacífica de diferentes visões espirituais.

Dessa forma, a Maçonaria realiza um ecumenismo, não de discursos, mas de práticas, demonstrando que a fraternidade é possível mesmo em meio à diversidade de credos.

A Tradição dos Grandes Iniciados

Desde a Antiguidade, sábios e iniciados intuíram a mesma verdade: Rama, Krishna, Hermes Trismegisto, Moisés, Orfeu, Pitágoras, Sócrates, Platão, Cristo. Todos, em sua essência, proclamaram o amor, a justiça e a fraternidade como caminhos para a união com o divino.

A Maçonaria se coloca como herdeira dessa tradição perene. Não é religião, mas escola iniciática que transmite, por símbolos e ritos, o mesmo ensinamento atemporal: o homem é capaz de aperfeiçoar-se e aproximar-se do sagrado mediante o cultivo das virtudes.

Nesse sentido, a Ordem torna acessível ao douto e ao iletrado a mesma Verdade, sem exigir teologias complexas ou sacrifícios ritualísticos. Sua instrução é simbólica, experiencial e andragógica, adaptada ao adulto que busca sentido para sua vida.

Maçonaria e Religiões: Conflito e Hostilidade

Não é de hoje que religiões institucionais atacam a Maçonaria, acusando-a de heresia, paganismo ou até satanismo. As lendas sobre pactos demoníacos ou rituais macabros não passam de projeções do medo ou do interesse delas em desmoralizar aquilo que não se controla.

Essas acusações, nascidas do período da Inquisição da Igreja Católica Apostólica Romana, ainda hoje ressoam em ambientes fundamentalistas. O motivo é simples: muitas religiões transformaram a experiência espiritual em comércio e poder e veem na Maçonaria uma ameaça a seu monopólio.

Enquanto tais instituições prometem céu ou inferno mediante ritos e dízimos, a Maçonaria estimula o indivíduo a descobrir, por si, sua natureza espiritual e a viver com dignidade, sem precisar de dogmas ou intermediações obrigatórias.

A Resposta Maçônica às Grandes Perguntas

"Quem sou? De onde vim? Para onde vou? O que é a morte?" - essas perguntas inquietaram desde o homem das cavernas até os filósofos contemporâneos.

A Maçonaria não oferece respostas prontas. Em vez disso, oferece instrumentos: símbolos, alegorias, rituais. Cada iniciado, ao meditar sobre o esquadro, o compasso, o nível ou o prumo, descobre significados que respondem a suas inquietações pessoais.

A instrução maçônica é, nesse sentido, profundamente andragógica: respeita a autonomia do adulto e o incentiva a aprender a partir da experiência. Assim, cada maçom constrói sua própria Metafísica prática, sustentada não por dogmas, mas pela vivência da fraternidade e da moralidade.

Ciência e Espiritualidade: a Nova Convergência

Outro ponto de reflexão é a relação entre ciência e espiritualidade. Durante séculos, a ciência pareceu caminhar na contramão da religião, reduzindo o cosmos a mecanismo cego. Contudo, os avanços recentes da física, da biologia e da cosmologia têm levado muitos cientistas a reconsiderar a hipótese de um Princípio Criador.

Descartes já intuía isso, ao afirmar que a Metafísica é raiz da árvore do conhecimento. Para ele, a física brota dessa raiz, e os galhos - as demais ciências - só florescem porque estão sustentados pelo tronco. Hoje, a teoria do caos, a física quântica e a biologia da complexidade revelam que o aparente acaso obedece a padrões de ordem, sugerindo a presença de uma Inteligência Orientadora.

Assim, ciência e espiritualidade não são inimigas, mas complementares. A sabedoria integra ambas, como a Maçonaria sempre ensinou.

A Mutabilidade da Visão Humana

Um dos traços mais nobres do pensamento maçônico é reconhecer que a verdade humana é relativa e mutável. O que hoje nos satisfaz, amanhã pode ser superado por nova compreensão. Isso não é sinal de fraqueza, mas de evolução.

O Universo está em constante mutação e complexidade crescente. Assim também deve ser o pensamento humano: aberto, progressivo, dinâmico. O maçom não se fecha em dogmas imutáveis, mas permanece estudante permanente, consciente de que cada degrau da escada simbólica conduz a novos horizontes de Luz.

Morrer para Vícios, Viver para Virtudes

A instrução iniciática da Maçonaria ensina que a morte é abandonar os vícios que corrompem e que a vida é cultivar as virtudes que edificam.

A cada iniciação, o maçom simbolicamente morre para um estado de ignorância e renasce para um nível superior de consciência. Esse processo contínuo é sustentado por princípios éticos e morais, que, longe de serem imposições externas, são escolhas conscientes do iniciado que deseja viver em harmonia com o Grande Arquiteto do Universo, consigo mesmo e com os semelhantes.

Assim, a vida maçônica é um constante morrer e renascer, sempre no sentido da lapidação da pedra bruta.

Maçonaria não Substitui a Religião

As dúvidas intrigantes não são fraquezas, mas sinais de vitalidade espiritual. Perguntar-se sobre a religião, a fé, a espiritualidade e o sentido da vida são o primeiro passo para superar o dogmatismo e encontrar respostas mais profundas.

A Maçonaria, nesse percurso, não é religião e não substitui a religião, é uma instituição essencialmente filosófica que oferece um método iniciático de autoconhecimento, fraternidade e busca da Verdade. Seu ecumenismo prático, sua instrução simbólica e sua valorização do templo interior fazem dela uma escola singular para a vida adulta.

Enquanto a ciência descobre cada vez mais evidências de ordem e inteligência no cosmos, a espiritualidade maçônica convida cada ser humano a reconhecer essa mesma ordem dentro de si. É nesse encontro - interior e cósmico - que se revela a centelha do Grande Arquiteto do Universo.

Bibliografia Comentada

1.      DESCARTES, René. Meditações Metafísicas. Reflete a ideia da Metafísica como raiz do conhecimento, retomada neste ensaio ao relacionar ciência e espiritualidade;

2.      ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. Fundamenta a noção de que o homem é homo religiosus e sempre constrói templos, inclusive interiores;

3.      GUÉNON, René. O Simbolismo da Cruz. Ressalta a dimensão simbólica da espiritualidade, cara à instrução maçônica;

4.      HUXLEY, Aldous. A Filosofia Perenne. Apresenta a unidade das tradições espirituais, ponto central para a concepção maçônica de ecumenismo;

5.      JAMES, William. The Varieties of Religious Experience. Estudo clássico que mostra a diversidade das experiências espirituais, em sintonia com a visão maçônica da pluralidade de caminhos;

6.      KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Obra fundamental para compreender os limites da razão e a necessidade da fé prática. Relevante para a distinção entre dogma e experiência racional;

7.      KNOWLES, Malcolm. The Adult Learner. Obra de andragogia que fundamenta a ideia de que a Maçonaria aplica métodos adequados à aprendizagem adulta;

8.      PIAGET, Jean. O Nascimento da Inteligência na Criança. Referência indireta para compreender o desenvolvimento cognitivo e sua analogia com o aprendizado iniciático;

9.      PLATÃO. Diálogos. Sobretudo a Apologia de Sócrates, que inspira a máxima "conhece-te a ti mesmo";

Nenhum comentário: