terça-feira, 21 de outubro de 2025

Venerar a Razão, a Luz que Guia o Pensamento Maçônico

 Charles Evaldo Boller

Razão, a Essência da Maçonaria

Venerar a razão é venerar a própria essência da Maçonaria. É iluminar o templo interior com a chama do discernimento e guiar as ações pela consciência moral. Quando a razão governa o coração, o homem se torna livre; quando a emoção o escraviza, ele retorna às trevas. O maçom racional é, pois, o filho da Luz, aquele que pensa, ama e age em harmonia com o Grande Arquiteto do Universo.

A razão é o altar invisível onde o homem ergue o templo da sua consciência. No campo da filosofia maçônica, venerar a razão não é simplesmente cultuar a lógica ou exaltar a frieza do intelecto, mas reconhecer nela o princípio mediador entre a Luz e as trevas, entre o instinto e a sabedoria, entre o ego e o espírito. O homem racional é o que busca compreender as leis que regem o cosmos e, ao compreendê-las, ordena também o seu próprio microcosmo interior.

O Despertar da Razão e a Inquietação Criadora

O homem reorganiza suas inquietações e delas extrai os experimentos que moldam sua realidade. Essa proposição, que parece simples, contém em si a semente de todo o progresso humano. A inquietação é a força motriz do espírito filosófico. Só há filosofia onde há desconforto, dúvida e admiração. Aristóteles, em sua Metafísica, já afirmava que "o homem começa a filosofar quando se admira", e essa admiração nasce justamente do espanto diante do desconhecido.

O maçom, como aprendiz da Luz, é chamado a conservar viva essa inquietação. Ela é o fogo interno, o "ignis philosophorum" dos alquimistas, que mantém a mente desperta e a alma em movimento. O maçom que se contenta com as verdades recebidas, que não interroga, que não experimenta, estagna. E estagnar é morrer espiritualmente. Por isso, venerar a razão é também venerar o movimento, o dinamismo da consciência que se esforça para sair da letargia.

A razão, no entanto, não é inimiga da emoção. A coluna da Beleza ensina que sem emoção não há motivação. A sabedoria maçônica não busca eliminar o sentimento, mas harmonizá-lo. A emoção é o combustível; a razão, o leme. Sem uma, o homem é apático; sem a outra, é insensato.

Razão, Ego e Equilíbrio Emocional

A filosofia clássica já advertia sobre os perigos da dominação das paixões. Platão, no Fedro, compara a alma humana a uma biga conduzida por dois cavalos: um dócil, outro indomado. A razão é o cocheiro que tenta conduzi-los. A vitória do cavalo indomado, símbolo do ego e das paixões, leva o homem à ruína moral.

Na vida prática, o maçom é instado a reconhecer essa luta interior. Quando as más notícias o abatem, quando as emoções dominam suas decisões, o equilíbrio se perde. O uso da razão "na dose correta" é o antídoto contra o caos das paixões. Em uma sessão de loja, quando o debate acalorado ameaça degenerar em discórdia, é a razão, simbolizada pela coluna da Sabedoria, que deve prevalecer.

O homem racional não é o frio calculista, mas aquele que, dominando as emoções, as converte em energia criadora. É o que consegue "subjugar o ego", não por repressão, mas por compreensão. Subjugar o ego é a iniciação interior por excelência: trata-se de reconhecer que o "eu" é apenas instrumento do Ser, não o próprio Ser. O ego é o operário; o espírito, o arquiteto.

Conhece-te a ti Mesmo, a Razão como Espelho

"Conheces a ti mesmo?", a máxima délfica inscrita no templo de Apolo é, para o maçom, um mandamento sagrado. Conhecer-se é o início de toda filosofia e o fundamento da moral. Mas esse autoconhecimento não se obtém por meio de fórmulas dogmáticas; ele exige o exercício constante da razão crítica.

O homem que não raciocina é levado pelas correntes da opinião, da moda, da ideologia. É um ser sem leme. Quando a razão é substituída pela emoção coletiva, nasce o fanatismo. A história mostra quantas tragédias a humanidade viveu sob o domínio da paixão ideológica. Da Inquisição às revoluções sangrentas, o que faltou não foi fé ou coragem, mas lucidez.

Na sociedade contemporânea a "deformação" cultural relega o erudito ao ostracismo e celebra a mediocridade. Vivemos, de fato, uma era de infantilização das consciências, em que o pensar se torna suspeito e o consumo é erigido a religião. O maçom, como guardião da razão, deve insurgir-se contra essa tirania do superficial. Ser racional, hoje, é um ato de rebeldia.

A Massificação e o Eclipse da Razão

A crítica social observada no mundo revela uma verdade amarga: a razão está em exílio. A mídia, as redes sociais e a indústria cultural substituíram o pensamento pela opinião, a sabedoria pelo entretenimento. O filósofo Theodor Adorno já advertia sobre essa "indústria cultural" que transforma o homem em consumidor passivo.

No contexto maçônico, venerar a razão é resistir a essa massificação. É reconstruir, em cada templo interior, um espaço de reflexão autêntica. A Loja, nesse sentido, é um microcosmo de resistência intelectual. Quando os irmãos se reúnem para debater ideias e princípios, reconstroem simbolicamente a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles, lugares onde o diálogo era a via para o esclarecimento.

A Razão e suas Limitações

O maçom não é ingênuo diante da razão. Ele "confia, mas desconfia dela". Kant já advertia: a razão é poderosa, mas finita; ela não pode ultrapassar certos limites sem cair em contradição. É por isso que o filósofo de Königsberg falava em uma "Crítica da Razão Pura", a razão deve examinar a si mesma.

Na simbologia maçônica, essa autocrítica é representada pelo esquadro. O esquadro mede, avalia, corrige. Assim deve ser o raciocínio do iniciado: examinar-se, ponderar-se, evitar os excessos da soberba intelectual. A razão que se julga infalível degenera em racionalismo dogmático, e o dogma, mesmo racional, continua sendo uma prisão.

Por isso, venerar a razão é venerar a dúvida. A dúvida é o cinzel que lapida a pedra bruta das certezas. Só o homem que duvida pode crescer. Como escreveu Descartes em seu Discurso do Método, "para alcançar a verdade, é preciso duvidar, tanto quanto possível, de todas as coisas".

Filosofia Maçônica e Lucidez Moral

A razão é "consciência intelectual e moral". Essa definição é profundamente kantiana e também maçônica. A razão moral é a que orienta o homem, não pelo medo do castigo ou pela esperança de recompensa, mas pelo dever. Age-se moralmente quando a ação é motivada pela lei interior, não por impulsos ou conveniências.

No templo maçônico, essa lei interior é simbolizada pela Luz que irradia do Oriente. É a mesma luz que os filósofos identificaram como logos, o princípio racional que ordena o universo. O maçom que venera a razão reconhece que o Universo não é caos, mas uma obra arquitetônica regida por proporção e harmonia, reflexo do Grande Arquiteto do Universo.

Essa visão não é meramente teísta; é esotérica. No hermetismo, ensina-se que "assim como é em cima, é embaixo". A razão humana é o reflexo da Razão Cósmica. Pensar é participar do pensamento divino. Logo, o exercício da razão é um ato sagrado. Quando o maçom raciocina, ele coedifica o Universo com o Criador.

A Dialética da Razão e da Intuição

Na Maçonaria evoca-se a intuição como manifestação da razão. Essa ideia é cara à filosofia neoplatônica e à própria tradição iniciática. Plotino afirmava que a alma, quando purificada, pode alcançar a intelectio intuitiva[1], a visão direta do Uno. Nessa dimensão, razão e intuição não se opõem, mas se completam.

A intuição é o lampejo; a razão, o desenvolvimento. A primeira revela, a segunda constrói. O maçom deve exercitar ambas. O raciocínio puro, sem intuição, torna-se estéril; a intuição sem razão, delirante. O equilíbrio é o segredo da sabedoria.

Em uma Loja, esse equilíbrio se manifesta nas discussões filosóficas e rituais. Quando os irmãos raciocinam coletivamente, unem suas luzes individuais em uma única chama. É a "razão coletiva", símbolo da egrégora maçônica[2], que transcende as limitações pessoais e gera o esclarecimento mútuo.

Emoção, Vício e Ideologia, a Vitória da Paixão Sobre a Lucidez

A advertência contra a perda da razão é central. Quando o coração domina o intelecto, surgem os vícios do pensamento: preconceito, dogmatismo, fanatismo. As ideologias, tal como as religiões institucionalizadas, criam "tropas de choque" que defendem crenças mesmo contra a evidência.

Essa crítica é atualíssima. O século XXI vê a proliferação de seitas políticas e morais que substituem a reflexão pela militância emocional. O maçom, porém, é chamado a ser livre pensador. Não adere a bandeiras cegamente; examina-as com o esquadro da razão e o compasso da tolerância.

Na vida prática, essa atitude se manifesta na capacidade de ouvir o outro sem ódio, de dialogar sem desejar vencer. A vitória é a do entendimento. Quando um irmão se encoleriza em debate, esquece-se de que a palavra é instrumento de construção, não de destruição.

O Autodomínio e o Espelho do Ego

A reação do iniciado diante dos conflitos é uma joia da psicologia maçônica. A forma como o homem reage às ofensas revela o quanto conhece a si mesmo. Quando o ego se ofende, é sinal de que a razão foi afastada do trono.

O maçom que usa a razão vê o erro do outro como um espelho de seu próprio erro. É o princípio hermético da correspondência aplicado à ética: "o que está fora é como o que está dentro". Aquele que reconhece no outro suas próprias sombras inicia o processo de autotransformação.

Essa percepção tem imenso valor prático. Em vez de condenar o próximo, o maçom pergunta: "o que em mim gerou essa reação?". Essa autoanálise desarma o conflito e ilumina a consciência. Assim, a razão cumpre sua missão de guia moral.

A Razão como Via de Iluminação

A Maçonaria venera a razão porque ela é o caminho da Luz. A palavra "iluminismo", movimento intelectual que tanto influenciou a Maçonaria moderna, deriva exatamente dessa crença no poder libertador da razão.

A Luz maçônica não é apenas simbólica: representa a claridade da consciência que substitui a escuridão da ignorância. Por isso, o neófito, ao ser iniciado, "recebe a Luz". Trata-se de uma metáfora do nascimento da razão, da passagem da infância espiritual à maturidade intelectual.

A razão é o "Sol do intelecto", como ensinava Marsílio Ficino. Ela dissipa as sombras da superstição e do medo. Mas essa Luz deve ser usada com humildade. O orgulho intelectual é tão nocivo quanto a ignorância. É o erro de Lúcifer, o portador da luz que quis possuir a Luz. O maçom, ao contrário, reflete a Luz do Grande Arquiteto do Universo com humildade e reverência.

Ética Racional e Liberdade Moral

As ações morais são atos de dever cumprido "sem compulsão". Essa concepção vem diretamente da ética kantiana: o homem livre é aquele que obedece à lei que ele mesmo se impõe. A razão é, portanto, a base da liberdade.

No simbolismo do templo, o esquadro representa o dever e o compasso, a liberdade. Ambos devem trabalhar juntos. O dever sem liberdade gera tirania; a liberdade sem dever gera caos. O maçom equilibrado sabe medir seus atos com o esquadro e limitar seus desejos com o compasso.

Na prática, essa ética se traduz em pequenas atitudes diárias: cumprir compromissos, respeitar a palavra dada, agir com justiça mesmo quando ninguém observa. O homem racional não precisa de vigilância externa; sua consciência é o próprio vigilante.

Venerar a Razão, Conclusão Iniciática

Venerar a razão é reconhecer nela o fio de Ariadne que conduz o homem para fora do labirinto da ignorância. O maçom que a cultiva torna-se senhor de si mesmo e servidor da humanidade. A razão é o meio pelo qual o homem se faz coautor do plano divino, edificando o templo da civilização sobre o alicerce da moral e do conhecimento.

A emoção move, mas a razão dirige. O ego deseja, mas a consciência escolhe. O homem que venera a razão transforma o instinto em virtude, a paixão em amor, a dúvida em sabedoria. Ele compreende que a Luz que busca no Oriente não está fora, mas dentro de si, é a chama da razão iluminada pelo espírito.

O filósofo e o maçom se encontram, então, no mesmo caminho: ambos buscam a Verdade, não como posse, mas como peregrinação. Pois, como dizia Sócrates, "a vida não examinada não vale a pena ser vivida". Examinar-se é raciocinar, e raciocinar é venerar a razão.

Bibliografia Comentada

1.      ADORNO, Theodor W. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. Crítica à sociedade de massas e à manipulação da consciência, apresenta a denúncia da "infantilização cultural" do texto;

2.      ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução Giovanni Reale. São Paulo: Loyola, 2002. Fundamenta o pensamento sobre o espanto como origem da filosofia, base para a inquietação racional;

3.      BACON, Francis. Novum Organum. Lisboa: Edições 70, 2002. Mostra como a razão experimental substitui o dogma, alinhando-se à inquietação criadora e ao método racional maçônico;

4.      DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo: Martins Fontes, 2000. A dúvida metódica é modelo da atitude maçônica diante da busca da Verdade e da veneração crítica da razão;

5.      FICINO, Marsílio. Teologia Platônica. Paris: Les Belles Lettres, 2003. Desenvolve o conceito do "Sol do Intelecto", relacionando a luz da razão à iluminação espiritual;

6.      GOETHE, Johann Wolfgang von. Fausto. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. A tragédia do homem que perde a razão por orgulho intelectual serve de metáfora à advertência maçônica contra a soberba racional;

7.      GUÉNON, René. O Simbolismo da Cruz. Lisboa: Vega, 1991. Inspira a leitura esotérica da razão como eixo que une o humano e o divino, microcosmo e macrocosmo;

8.      JUNG, Carl Gustav. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 2000. Ajuda a compreender a integração entre emoção e razão, ego e Self, no processo iniciático;

9.      KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura e Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. Base para a distinção entre razão teórica e razão moral; inspira a visão maçônica do dever racional e da liberdade ética;

10.  PLATÃO. Fedro e A República. São Paulo: abril Cultural, 1983. As metáforas da alma e da biga ilustram a luta entre razão e paixão, central à ética maçônica;

11.  PLOTINO. Enéadas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998. Fundamenta a noção de razão intuitiva e a unidade entre intelecto humano e divino, aplicável à iluminação maçônica;

12.  SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras. São Paulo: Martins Fontes, 2010. Exalta a razão como via para a liberdade e para o conhecimento do "Grande Arquiteto do Universo" filosófico;



[1] O termo "intelecto intuitiva" pode se referir ao intelecto no sentido filosófico (como em "intelecção intuitiva") ou mais comumente à inteligência intuitiva, a habilidade de tomar decisões e resolver problemas de forma consciente, mas sem um processo lógico passo a passo. Essa inteligência utiliza informações já existentes no subconsciente e na experiência de vida para gerar respostas rápidas e precisas, identificando padrões e conexões que não são imediatamente óbvias;

[2] A egrégora maçônica é a energia coletiva criada pela união dos pensamentos, sentimentos e intenções dos maçons durante os rituais e reuniões. Essa força espiritual e mental é vista como uma "alma coletiva" que fortalece a irmandade, potencializa o crescimento individual e moral dos membros e fortalece a Loja como um todo. O conceito é a soma das energias individuais que transcende o todo, criando uma sinergia espiritual que une o grupo e impulsiona seus propósitos comuns;

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