Razão, a Essência da Maçonaria
Venerar a razão é venerar a própria essência da Maçonaria. É
iluminar o templo interior com a chama do discernimento e guiar as ações pela
consciência moral. Quando a razão governa o coração, o homem se torna livre;
quando a emoção o escraviza, ele retorna às trevas. O maçom racional é, pois, o
filho da Luz, aquele que pensa, ama e age em harmonia com o Grande Arquiteto do
Universo.
A razão é o altar invisível onde o homem ergue o templo da sua
consciência. No campo da filosofia maçônica, venerar a razão não é simplesmente
cultuar a lógica ou exaltar a frieza do intelecto, mas reconhecer nela o
princípio mediador entre a Luz e as trevas, entre o instinto e a sabedoria,
entre o ego e o espírito. O homem racional é o que busca compreender as leis
que regem o cosmos e, ao compreendê-las, ordena também o seu próprio microcosmo
interior.
O Despertar da Razão e a Inquietação Criadora
O homem reorganiza suas inquietações e delas extrai os
experimentos que moldam sua realidade. Essa proposição, que parece simples,
contém em si a semente de todo o progresso humano. A inquietação é a força
motriz do espírito filosófico. Só há filosofia onde há desconforto, dúvida e
admiração. Aristóteles, em sua Metafísica, já afirmava que "o homem começa a filosofar quando se admira",
e essa admiração nasce justamente do espanto diante do desconhecido.
O maçom, como aprendiz da Luz, é chamado a conservar viva essa
inquietação. Ela é o fogo interno, o "ignis
philosophorum" dos alquimistas, que mantém a mente desperta e a alma
em movimento. O maçom que se contenta com as verdades recebidas, que não
interroga, que não experimenta, estagna. E estagnar
é morrer espiritualmente. Por isso, venerar a razão é também venerar o
movimento, o dinamismo da consciência que se esforça para sair da letargia.
A razão, no entanto, não é inimiga da emoção. A coluna da
Beleza ensina que sem emoção não há motivação. A sabedoria maçônica não busca
eliminar o sentimento, mas harmonizá-lo. A emoção é o combustível; a razão, o
leme. Sem uma, o homem é apático; sem a outra, é insensato.
Razão, Ego e Equilíbrio Emocional
A filosofia clássica já advertia sobre os perigos da dominação
das paixões. Platão, no Fedro, compara a alma humana a uma biga conduzida por
dois cavalos: um dócil, outro indomado. A razão é o cocheiro que tenta
conduzi-los. A vitória do cavalo indomado, símbolo do ego e das paixões, leva o
homem à ruína moral.
Na vida prática, o maçom é instado a reconhecer essa luta
interior. Quando as más notícias o abatem, quando as emoções dominam suas
decisões, o equilíbrio se perde. O uso da razão "na dose correta" é o antídoto contra o caos das paixões. Em
uma sessão de loja, quando o debate acalorado ameaça degenerar em discórdia, é
a razão, simbolizada pela coluna da Sabedoria, que deve prevalecer.
O homem racional não é o frio calculista, mas aquele que,
dominando as emoções, as converte em energia
criadora. É o que consegue "subjugar
o ego", não por repressão, mas por compreensão. Subjugar o ego é a
iniciação interior por excelência: trata-se de reconhecer que o "eu" é apenas instrumento do Ser,
não o próprio Ser. O ego é o operário; o espírito, o arquiteto.
Conhece-te a ti Mesmo, a Razão como Espelho
"Conheces a ti
mesmo?", a máxima délfica inscrita no templo de Apolo é, para o maçom,
um mandamento sagrado. Conhecer-se é o início de toda filosofia e o fundamento
da moral. Mas esse autoconhecimento não se obtém por meio de fórmulas
dogmáticas; ele exige o exercício constante da razão crítica.
O homem que não raciocina é levado pelas correntes da opinião,
da moda, da ideologia. É um ser sem leme.
Quando a razão é substituída pela emoção coletiva, nasce o fanatismo. A
história mostra quantas tragédias a humanidade viveu sob o domínio da paixão
ideológica. Da Inquisição às revoluções sangrentas, o que faltou não foi
fé ou coragem, mas lucidez.
Na sociedade contemporânea a "deformação" cultural relega o erudito ao ostracismo e celebra
a mediocridade. Vivemos, de fato, uma era de infantilização das consciências,
em que o pensar se torna suspeito e o consumo é erigido a religião. O maçom,
como guardião da razão, deve insurgir-se contra essa tirania do superficial. Ser
racional, hoje, é um ato de rebeldia.
A Massificação e o Eclipse da Razão
A crítica social observada no mundo revela uma verdade amarga:
a razão está em exílio. A mídia, as redes sociais e a indústria cultural
substituíram o pensamento pela opinião, a sabedoria pelo entretenimento. O
filósofo Theodor Adorno já advertia sobre essa "indústria cultural" que transforma o homem em consumidor
passivo.
No contexto maçônico, venerar a razão é resistir a essa
massificação. É reconstruir, em cada templo interior, um espaço de reflexão
autêntica. A Loja, nesse sentido, é um microcosmo de resistência intelectual.
Quando os irmãos se reúnem para debater ideias e princípios, reconstroem
simbolicamente a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles, lugares onde o
diálogo era a via para o esclarecimento.
A Razão e suas Limitações
O maçom não é ingênuo diante da razão. Ele "confia, mas desconfia dela". Kant
já advertia: a razão é poderosa, mas finita; ela não pode ultrapassar certos
limites sem cair em contradição. É por isso que o filósofo de Königsberg falava
em uma "Crítica da Razão Pura",
a razão deve examinar a si mesma.
Na simbologia maçônica, essa autocrítica é representada pelo
esquadro. O esquadro mede, avalia, corrige. Assim deve ser o raciocínio do
iniciado: examinar-se, ponderar-se, evitar os excessos da soberba intelectual.
A razão que se julga infalível degenera em racionalismo dogmático, e o dogma,
mesmo racional, continua sendo uma prisão.
Por isso, venerar a razão é venerar a dúvida. A dúvida é o
cinzel que lapida a pedra bruta das certezas. Só o homem que duvida pode
crescer. Como escreveu Descartes em seu Discurso do Método, "para alcançar a verdade, é preciso duvidar,
tanto quanto possível, de todas as coisas".
Filosofia Maçônica e Lucidez Moral
A razão é "consciência
intelectual e moral". Essa definição é profundamente kantiana e também
maçônica. A razão moral é a que orienta o homem, não pelo medo do castigo ou
pela esperança de recompensa, mas pelo dever. Age-se moralmente quando a ação é
motivada pela lei interior, não por
impulsos ou conveniências.
No templo maçônico, essa lei interior é simbolizada pela Luz
que irradia do Oriente. É a mesma luz que os filósofos identificaram como logos,
o princípio racional que ordena o universo. O maçom que venera a razão
reconhece que o Universo não é caos, mas uma obra arquitetônica regida por
proporção e harmonia, reflexo do Grande Arquiteto do Universo.
Essa visão não é meramente teísta; é esotérica. No hermetismo,
ensina-se que "assim como é em cima,
é embaixo". A razão humana é o reflexo da Razão
Cósmica. Pensar é participar do pensamento divino. Logo, o
exercício da razão é um ato sagrado. Quando o maçom raciocina, ele
coedifica o Universo com o Criador.
A Dialética da Razão e da Intuição
Na Maçonaria evoca-se a intuição como manifestação da razão.
Essa ideia é cara à filosofia neoplatônica e à própria tradição iniciática.
Plotino afirmava que a alma, quando purificada, pode alcançar a intelectio
intuitiva[1], a visão direta do Uno.
Nessa dimensão, razão e intuição não se opõem, mas se completam.
A intuição é o lampejo; a razão, o desenvolvimento. A
primeira revela, a segunda constrói. O maçom deve exercitar ambas. O raciocínio
puro, sem intuição, torna-se estéril; a intuição sem razão, delirante. O
equilíbrio é o segredo da sabedoria.
Em uma Loja, esse equilíbrio se manifesta nas discussões
filosóficas e rituais. Quando os irmãos raciocinam coletivamente, unem suas
luzes individuais em uma única chama. É a "razão coletiva", símbolo da egrégora maçônica[2], que transcende as
limitações pessoais e gera o esclarecimento mútuo.
Emoção, Vício e Ideologia, a Vitória da Paixão Sobre a Lucidez
A advertência contra a perda da razão é central. Quando o
coração domina o intelecto, surgem os vícios do pensamento: preconceito, dogmatismo,
fanatismo. As ideologias, tal como as religiões institucionalizadas, criam
"tropas de choque" que
defendem crenças mesmo contra a evidência.
Essa crítica é atualíssima. O século XXI vê a proliferação de
seitas políticas e morais que substituem a reflexão pela militância emocional. O
maçom, porém, é chamado a ser livre pensador.
Não adere a bandeiras cegamente; examina-as com o esquadro da razão e o
compasso da tolerância.
Na vida prática, essa atitude se manifesta na capacidade de
ouvir o outro sem ódio, de dialogar sem desejar vencer. A vitória é a do
entendimento. Quando um irmão se encoleriza em debate, esquece-se de que a
palavra é instrumento de construção, não de destruição.
O Autodomínio e o Espelho do Ego
A reação do iniciado diante dos conflitos é uma joia da
psicologia maçônica. A forma como o homem reage às ofensas revela o quanto
conhece a si mesmo. Quando o ego se ofende, é sinal de que a razão foi
afastada do trono.
O maçom que usa a razão vê o erro do outro como um espelho de
seu próprio erro. É o princípio hermético da correspondência aplicado à ética:
"o que está fora é como o que está
dentro". Aquele que reconhece no outro suas próprias sombras inicia o processo
de autotransformação.
Essa percepção tem imenso valor prático. Em vez de condenar o
próximo, o maçom pergunta: "o que em
mim gerou essa reação?". Essa autoanálise desarma o conflito e ilumina
a consciência. Assim, a razão cumpre sua missão de guia moral.
A Razão como Via de Iluminação
A Maçonaria venera a razão porque ela é o caminho da Luz. A palavra "iluminismo", movimento intelectual que tanto influenciou a
Maçonaria moderna, deriva exatamente dessa crença no poder libertador da
razão.
A Luz maçônica não é apenas simbólica: representa a claridade da consciência que substitui a
escuridão da ignorância. Por isso, o neófito, ao ser iniciado, "recebe a Luz". Trata-se de uma
metáfora do nascimento da razão, da passagem da infância espiritual à maturidade
intelectual.
A razão é o "Sol do
intelecto", como ensinava Marsílio Ficino. Ela dissipa as sombras da
superstição e do medo. Mas essa Luz deve ser usada com humildade. O orgulho
intelectual é tão nocivo quanto a ignorância. É o erro de Lúcifer, o portador
da luz que quis possuir a Luz. O maçom, ao contrário, reflete a Luz do Grande
Arquiteto do Universo com humildade e reverência.
Ética Racional e Liberdade Moral
As ações morais são atos de dever cumprido "sem compulsão". Essa concepção vem
diretamente da ética kantiana: o homem livre é aquele que obedece à lei que ele mesmo se impõe. A razão é, portanto, a base da liberdade.
No simbolismo do templo, o esquadro representa o dever e o
compasso, a liberdade. Ambos devem trabalhar juntos. O dever sem liberdade gera
tirania; a liberdade sem dever gera caos. O maçom equilibrado sabe medir seus
atos com o esquadro e limitar seus desejos com o compasso.
Na prática, essa ética se traduz em pequenas atitudes diárias:
cumprir compromissos, respeitar a palavra dada, agir com justiça mesmo quando
ninguém observa. O homem racional não precisa de vigilância externa; sua consciência é o próprio vigilante.
Venerar a Razão, Conclusão Iniciática
Venerar a razão é reconhecer nela o fio de Ariadne que conduz
o homem para fora do labirinto da ignorância. O maçom que a cultiva
torna-se senhor de si mesmo e servidor da humanidade.
A razão é o meio pelo qual o homem se faz coautor do plano divino, edificando o
templo da civilização sobre o alicerce da moral e do conhecimento.
A emoção move, mas a razão dirige. O ego deseja, mas a
consciência escolhe. O homem que venera a razão transforma o instinto em
virtude, a paixão em amor, a dúvida em sabedoria. Ele compreende que a Luz que
busca no Oriente não está fora, mas dentro de si, é a chama da razão
iluminada pelo espírito.
O filósofo e o maçom se encontram, então, no mesmo caminho:
ambos buscam a Verdade, não como posse, mas como peregrinação. Pois, como dizia
Sócrates, "a vida não examinada não
vale a pena ser vivida". Examinar-se é
raciocinar, e raciocinar é venerar a razão.
Bibliografia Comentada
1.
ADORNO, Theodor W. Dialética do Esclarecimento.
Rio de Janeiro: Zahar, 1985. Crítica à sociedade de massas e à manipulação da
consciência, apresenta a denúncia da "infantilização cultural" do
texto;
2.
ARISTÓTELES. Metafísica. Tradução Giovanni
Reale. São Paulo: Loyola, 2002. Fundamenta o pensamento sobre o espanto como
origem da filosofia, base para a inquietação racional;
3.
BACON, Francis. Novum Organum. Lisboa: Edições
70, 2002. Mostra como a razão experimental substitui o dogma, alinhando-se à
inquietação criadora e ao método racional maçônico;
4.
DESCARTES, René. Discurso do Método. São Paulo:
Martins Fontes, 2000. A dúvida metódica é modelo da atitude maçônica diante da
busca da Verdade e da veneração crítica da razão;
5.
FICINO, Marsílio. Teologia Platônica. Paris: Les
Belles Lettres, 2003. Desenvolve o conceito do "Sol do Intelecto",
relacionando a luz da razão à iluminação espiritual;
6.
GOETHE,
Johann Wolfgang von. Fausto. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. A
tragédia do homem que perde a razão por orgulho intelectual serve de metáfora à
advertência maçônica contra a soberba racional;
7.
GUÉNON, René. O Simbolismo da Cruz. Lisboa:
Vega, 1991. Inspira a leitura esotérica da razão como eixo que une o humano e o
divino, microcosmo e macrocosmo;
8.
JUNG, Carl Gustav. O Eu e o Inconsciente.
Petrópolis: Vozes, 2000. Ajuda a compreender a integração entre emoção e razão,
ego e Self, no processo iniciático;
9.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura e
Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.
Base para a distinção entre razão teórica e razão moral; inspira a visão
maçônica do dever racional e da liberdade ética;
10. PLATÃO.
Fedro e A República. São Paulo: abril Cultural, 1983. As metáforas da alma e da
biga ilustram a luta entre razão e paixão, central à ética maçônica;
11. PLOTINO.
Enéadas. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998. Fundamenta a noção de
razão intuitiva e a unidade entre intelecto humano e divino, aplicável à
iluminação maçônica;
12. SPINOZA,
Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras. São Paulo: Martins Fontes,
2010. Exalta a razão como via para a liberdade e para o conhecimento do "Grande
Arquiteto do Universo" filosófico;
[1]
O termo "intelecto intuitiva" pode se referir ao intelecto no
sentido filosófico (como em "intelecção intuitiva") ou mais comumente
à inteligência intuitiva, a habilidade de tomar decisões e resolver problemas
de forma consciente, mas sem um processo lógico passo a passo. Essa
inteligência utiliza informações já existentes no subconsciente e na
experiência de vida para gerar respostas rápidas e precisas, identificando
padrões e conexões que não são imediatamente óbvias;
[2]
A egrégora maçônica é a energia coletiva criada pela união dos
pensamentos, sentimentos e intenções dos maçons durante os rituais e reuniões.
Essa força espiritual e mental é vista como uma "alma coletiva" que
fortalece a irmandade, potencializa o crescimento individual e moral dos
membros e fortalece a Loja como um todo. O conceito é a soma das energias individuais
que transcende o todo, criando uma sinergia espiritual que une o grupo e
impulsiona seus propósitos comuns;
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