Charles Evaldo Boller
Jornada Entre a Materialidade e a Espiritualidade
A distinção simbólica entre Oriente e Ocidente constitui uma
das mais belas e ricas metáforas utilizadas pela Maçonaria para ilustrar a
jornada humana entre a materialidade e a espiritualidade. Mais do que
coordenadas geográficas, os dois polos exprimem dimensões complementares do
existir: o ponto onde nasce a Luz, no Leste, e o ponto onde ela se recolhe, no
Oeste. Entre ambos, desenvolve-se o drama humano do aprendizado, da evolução
intelectual e da busca da perfeição moral.
No templo maçônico, esta dualidade se manifesta em disposições
físicas, a elevação do Oriente, os degraus que o separam do Ocidente, a posição
do Venerável Mestre e dos Vigilantes, mas, sobretudo, em significações
filosóficas, éticas e espirituais. A diferença entre Oriente e Ocidente não é
apenas arquitetônica, mas representa a passagem interior que cada iniciado deve
percorrer: da menoridade intelectual à maioridade kantiana, da dependência
servil à autonomia racional, da cegueira à Luz.
Exploram-se aqui as dimensões filosóficas, simbólicas e
espirituais do Oriente e Ocidente no contexto da Maçonaria e da cultura
ocidental, articulando sua relevância prática à vida do maçom e do homem
moderno.
O Sol Como Símbolo Universal
O Sol nasce no Oriente e se põe no Ocidente. Esta constatação,
trivial para a astronomia, é fonte inesgotável de simbolismos espirituais. Em
praticamente todas as tradições religiosas e filosóficas, o Sol é fonte da
vida, princípio ordenador e metáfora da Verdade. Na Maçonaria, o astro rei
representa a Sabedoria, a Luz iniciática, a energia que ilumina igualmente
justos e injustos, sábios e insensatos.
O Oriente é o lugar do nascimento, da esperança e da revelação.
O Ocidente é o lugar do repouso, do recolhimento, mas também da colheita do que
foi semeado. No templo, o Venerável Mestre ocupa o Oriente, como representação
do Sol nascente; o Segundo Vigilante, no Sul, simboliza o Sol do meio-dia, e o
Primeiro Vigilante, no Ocidente, representa o Sol poente. Essa distribuição
marca o ciclo da vida, da iniciação ao ocaso, da juventude à maturidade, da
ignorância à sabedoria.
Oriente e Ocidente no Espaço do Templo
Fisicamente, o Oriente distingue-se do Ocidente por estar num
plano mais elevado, separado por uma balaustrada e degraus. Este arranjo
espacial não é gratuito: sugere a necessidade de ascensão moral e intelectual
para alcançar os patamares da sabedoria. No Oriente sentam-se o Venerável
Mestre e os antigos Veneráveis, guardiões da Tradição. No Ocidente, em duas
colunas, estão os obreiros, aprendizes, companheiros e mestres, que sustentam a
estrutura da Loja.
Mas a disposição física não garante a evolução espiritual.
Estar sentado no Oriente não significa estar iluminado, assim como ocupar o
Ocidente não implica ignorância. O que importa é a jornada
interior: a passagem simbólica que cada iniciado realiza, movendo-se
da escuridão para a Luz, da servidão para a liberdade.
Luz, Liberdade e Tolerância
A Luz é o pedido fundamental de todo iniciado. Recebê-la,
porém, depende da disposição íntima em se expor a ela. Muitos permanecem
vendados, por egoísmo, ignorância ou apego à materialidade. Outros, mais
corajosos, arriscam-se a enfrentar a claridade, aceitando as dores do
crescimento.
Na Loja, todos recebem a mesma intensidade luminosa, mas cada
um a absorve segundo sua abertura interior. Daí a necessidade de tolerância: os
mais avançados auxiliam os menos iluminados, não pela imposição, mas pelo
exemplo. O cérebro humano, como "máquina
de copiar", aprende pela convivência. Assim, a paciência e a
fraternidade dos mais sábios induzem os demais ao progresso.
Essa convivência espelha a própria sociedade, onde homens em
diferentes estágios de evolução coexistem. A diferença entre Oriente e
Ocidente, nesse sentido, é menos de hierarquia e mais de complementaridade: o
Sol que nasce no Oriente é o mesmo que se põe no Ocidente; a Luz que ilumina o
Mestre é a mesma que guia o Aprendiz.
O Oriente Como Plano Espiritual
Simbolicamente, o Oriente é o plano espiritual, o destino
almejado por todo maçom em sua jornada. O Ocidente, ao contrário, representa a
materialidade, o ponto de partida, o espaço da ação prática. O caminho do
Aprendiz, sentado no Ocidente, é mover-se em direção ao Oriente, em busca da
sabedoria e da perfeição.
Contudo, a passagem não se faz com os pés, mas com a mente e o
coração. A subida dos degraus é metáfora da ascensão interior, a escada de Jacó
que conduz do profano ao iniciado, do homem comum ao maçom consciente.
O Iluminismo e a Caminhada do Ocidente ao Oriente
A Maçonaria moderna foi profundamente moldada pelo Iluminismo.
O lema kantiano Sapere aude! - "ousa
saber", é expresso na iniciação, quando o neófito é convidado a
abandonar a menoridade e confiar em sua própria razão.
Immanuel Kant definiu menoridade como a incapacidade de usar o
próprio entendimento sem a direção de outrem. Muitos permanecem assim, não por
falta de inteligência, mas por indolência ou covardia. A iniciação maçônica é,
nesse sentido, um exercício de coragem: o homem é desafiado a caminhar por si,
a pensar por si, a libertar-se dos grilhões de religiões dogmáticas, tiranias
políticas e preconceitos morais.
O Oriente, portanto, não é apenas o lugar do Sol nascente, mas
o espaço simbólico da razão emancipada, da consciência desperta, da
espiritualidade livre de dogmas.
A Espiritualidade Racional
A crítica iluminista não elimina a dimensão espiritual. Ao
contrário, propõe uma espiritualidade racional e natural, liberta de
superstições e mitos. O conceito maçônico de Grande Arquiteto do Universo
reflete esta perspectiva: não um Deus dogmático, mas o princípio ordenador do
cosmos, a força universal que rege as leis naturais.
Assim, o maçom caminha do Ocidente ao Oriente não para se
tornar adepto de uma religião particular, mas para despertar sua
espiritualidade interior, fundamentada na ética, na fraternidade e na liberdade
de consciência.
O Oriente e Ocidente Como Metáfora Existencial
Mais do que categorias espaciais, Oriente e Ocidente
representam momentos existenciais. O Oriente é o nascimento, o despertar, o
início da jornada rumo à verdade. O Ocidente é o término, a maturidade, a
preparação para o repouso. A vida inteira se desenrola nesse percurso: todos
caminhamos do Leste ao Oeste, iluminados pelo mesmo Sol que nasce e se põe.
No plano maçônico, essa metáfora convida o iniciado a refletir
sobre seu próprio caminho: está ele preso na escuridão da ignorância ou aberto
à Luz da razão? Vive em servidão mental ou em liberdade de consciência? Sua
jornada é de menoridade ou de maioridade?
Convivência Entre Oriente e Ocidente
No templo, Oriente e Ocidente não se opõem, mas se
complementam. Os obreiros do Ocidente sustentam a estrutura; o Oriente fornece
a orientação. A Loja só existe porque ambos os polos coexistem.
Do mesmo modo, na sociedade, materialidade e espiritualidade
não são inimigas, mas dimensões interdependentes da vida humana. O desafio do
maçom é equilibrá-las, não rejeitar uma em favor da outra. A sabedoria está em
transformar a materialidade em veículo da espiritualidade, e a espiritualidade
em guia da ação material.
A Consciência da Caminhada
As diferenças entre Oriente e Ocidente na Maçonaria transcendem
o espaço físico do templo. Representam a dualidade entre matéria e espírito,
ignorância e sabedoria, servidão e liberdade. O caminho do iniciado é mover-se
interiormente do Ocidente ao Oriente, guiado pela Luz da razão e pela chama da
espiritualidade.
Essa jornada não é exclusiva da Maçonaria, mas parte da
condição humana. Todos nascemos no Ocidente da ignorância e caminhamos em
direção ao Oriente da sabedoria. O que distingue o maçom é a consciência dessa
caminhada, a disciplina de buscar a Luz e a coragem de enfrentar as sombras.
O Oriente e o Ocidente, longe de serem apenas direções
cardeais, são símbolos de um processo de transformação interior. O templo
não é o edifício de pedra, mas o coração humano.
E a verdadeira Luz não é a do Sol físico, mas a claridade da razão e da espiritualidade
que cada homem pode despertar em si.
Bibliografia Comentada
1.
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. São Paulo:
Palas Athena, 2007. Explora arquétipos universais como o Sol nascente e poente,
conectando-os à jornada do herói, paralela à do iniciado maçônico;
2.
CASSIRER, Ernst. A Filosofia do Iluminismo.
Campinas: Editora UNICAMP, 1997. Apresenta a visão geral do pensamento
iluminista, que inspirou a Maçonaria Especulativa e sua ênfase na razão e
liberdade de consciência;
3.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São
Paulo: Martins Fontes, 2001. Explica o simbolismo universal do Sol, do Oriente
e do Ocidente como categorias religiosas e existenciais. Auxilia a ampliar a
leitura maçônica em perspectiva antropológica;
4.
GUSDORF, Georges. Professores para quê? São
Paulo: Martins Fontes, 2003. Embora focado em educação, sua reflexão sobre
autonomia intelectual dialoga com a passagem do Ocidente ao Oriente como
metáfora da formação da consciência;
5.
HADOT, Pierre. Exercícios Espirituais e
Filosofia Antiga. Petrópolis: Vozes, 2014. Mostra como a filosofia, desde a
Antiguidade, é prática espiritual. Ajuda a relacionar a caminhada maçônica
entre Oriente e Ocidente com exercícios de transformação interior;
6.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é Esclarecimento?
São Paulo: Martins Fontes, 2005. Texto clássico do Iluminismo, no qual Kant
define a menoridade e convoca o homem a usar sua própria razão. Essencial para
compreender a relação entre Ocidente, Oriente e emancipação racional na
Maçonaria;
7.
PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston,
1871. Obra fundamental do Rito Escocês Antigo e Aceito, repleta de reflexões
sobre Luz, Oriente, Ocidente e a espiritualidade racional;
8.
RAGON,
Jean-Marie. Cours Philosophique et Interprétatif des Initiations Anciennes et
Modernes. Paris: 1841. Ragon interpreta os símbolos maçônicos, incluindo
o papel do Oriente no templo e sua significação espiritual;
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