A Maçonaria não é uma escola de erudição, mas de transformação.
O maçom que pensa, sente e age em harmonia é o iniciado. As colunas vazias se encherão
quando cada irmão descobrir que o templo está dentro de si, e que o trabalho é
pensar, não apenas para compreender o mundo, mas para edificá-lo.
O Esvaziamento dos Templos e o Silêncio da Mente
Tristemente observamos as colunas das lojas maçônicas rarearem
de homens comprometidos com o espírito da Arte Real. As cadeiras outrora
ocupadas por obreiros vibrantes e curiosos agora apresentam o vazio de um
desinteresse crescente. Muitos se perguntam: o que afastou tantos bons irmãos?
Seria o enfado das reuniões? A ausência de sentido nos rituais? Ou, ainda, o
choque entre o mundo profano, acelerado, tecnológico e utilitarista, e o
ambiente simbólico, meditativo e ritualístico da Maçonaria?
A resposta, contudo, parece mais sutil: não é a falta de
conteúdo que afasta o homem moderno, mas a falta de vivência. A doutrina
maçônica permanece rica, profunda e atual, uma filosofia de vida que trabalha
com a ética aristotélica, a liberdade kantiana, o espírito socrático e a fé
racional de Spinoza. O problema não está na mensagem, mas no mensageiro que
esqueceu o valor da prática constante, da convivência e da lapidação
intelectual.
Como o ferro se enferruja pela inatividade, também a mente do
maçom se embota pela ociosidade. As "férias
maçônicas", esse longo hiato entre dezembro e março, e muitas vezes em
julho, é mais do que uma pausa administrativa: é a suspensão simbólica do
pensamento, a interrupção da chama que deveria permanecer acesa sobre o altar
da consciência. Um músculo sem exercício atrofia; um cérebro sem debate
adormece.
O Declínio do Pensamento e o Fracasso da Escola Moderna
A sociedade contemporânea é um espelho trincado onde a
Maçonaria contempla sua própria imagem. As escolas, outrora templos do saber,
tornaram-se oficinas de adestramento técnico. O ensino transformou-se em mera
repetição de fórmulas, abandonando a arte de pensar. Como observou Hannah
Arendt, "a educação é o ponto em que
decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos responsabilidade por ele".
Mas o mundo moderno, centrado no consumo e no imediatismo, não ama o pensamento,
teme-o.
Desde a infância, a criança é moldada para obedecer, não para
refletir. O método socrático de diálogo, tese, antítese e síntese, foi
substituído pela memorização automática. A dúvida, motor do progresso
intelectual, passou a ser vista como ameaça à autoridade. O resultado é um
cidadão incapaz de pensar criticamente e de conviver com a incerteza.
Nesse cenário, a Maçonaria aparece como refúgio e esperança. É
uma escola de adultos que não ensina o que pensar, mas como pensar. Seu
método é a convivência; seu currículo, o autoconhecimento; sua meta, a
liberdade interior.
A Arte Real como Método de Ensino pela Dúvida
A instrução maçônica não se apoia em livros, mas em símbolos. A
régua de 24 polegadas ensina a administrar o tempo; o maço e o cinzel revelam
que a transformação interior exige esforço; a pedra bruta é o próprio ser
humano em seu estado inicial de imperfeição.
Esses instrumentos não têm valor apenas histórico: são
metáforas vivas do processo cognitivo. Pensar é golpear a pedra da ignorância,
lapidar o erro, extrair da dúvida a centelha da sabedoria.
Assim como Sócrates fazia "parir ideias" nos interlocutores, o maçom deve provocar em
si mesmo o parto da consciência. A filosofia não se ensina, vive-se. O
mestre não transmite verdades, mas desperta perguntas. "Conhece-te a ti mesmo" é a mais
antiga e a mais moderna das instruções, porque o autoconhecimento é o único
saber que não envelhece.
Maçom é aquele que pratica a rebeldia saudável do questionamento,
que jamais aceita o pensamento alheio sem reflexão. Submeter-se ao dogma é
trair a essência da Maçonaria, que nasceu justamente para libertar o homem das
correntes do obscurantismo.
Entre Fé e Razão: a Harmonia da Luz Tripla
A Maçonaria não é religião, mas espiritualiza a razão; não é
ciência, mas racionaliza a fé. Essa síntese, representada pelas três luzes do
templo, Sabedoria, Força e Beleza, constitui o tripé da mente equilibrada.
Somente a fé gera o fanático; somente a razão gera o
materialista. O equilíbrio se dá na vivência, no diálogo constante entre o
sentimento e o intelecto, entre o saber e o ser.
Platão já advertia em A República que "a educação não é o enchimento de um vaso,
mas o acender de uma chama". A fé sem razão é fogo destrutivo; a razão
sem fé é cinza fria. O maçom, ao equilibrar essas forças, torna-se o alquimista de si mesmo: transmuta o chumbo da
ignorância em ouro de sabedoria.
O Templo como Escola Viva da Convivência
O templo maçônico é mais do que um espaço físico: é o laboratório
espiritual da convivência. É ali que se aprende a ouvir, a tolerar, a
duvidar e a compartilhar. Livros e estudos são ferramentas, mas o aprendizado
surge do contato humano, da discussão fraterna, do debate ritualizado e
respeitoso.
A convivência é a argamassa que une as pedras do edifício
simbólico. Sem ela, o templo se desfaz em poeira. A ausência dos irmãos,
portanto, não é apenas administrativa, é ontológica: o templo vazio reflete
o vazio da alma coletiva.
O maçom aprende pela observação dos gestos, pelo silêncio
ritual, pela troca de olhares, pela palavra proferida sob juramento. Essa metodologia
instrucional viva é o antídoto contra a estagnação mental e espiritual.
Filosofar como Exercício de Liberdade
Pensar é um ato de coragem. A filosofia, ensinava Immanuel
Kant, é o exercício da razão autônoma, a libertação da "menoridade autoimposta". Quando
o homem tem medo de usar o próprio entendimento, torna-se escravo das opiniões
alheias.
Na Maçonaria, o exercício da liberdade intelectual é central.
Cada grau representa diversas etapas do amadurecimento da consciência: o
Aprendiz aprende a escutar; o Companheiro, a dialogar; o Mestre, a discernir. O
processo é gradual porque o pensar autêntico é também uma iniciação.
O maçom é convidado a filosofar não como acadêmico, mas como
artífice. Ele pensa com o malho e o cinzel, ferramentas da mente e do coração.
O pensar maçônico é operativo, voltado à ação e à construção moral.
A Crise da Ociosidade Simbólica
O maior perigo para a Maçonaria moderna não é a crítica
externa, mas a indolência interna. Muitos irmãos acreditam que frequentar a
Loja é suficiente, esquecendo que o trabalho se faz no silêncio da mente e no
exercício do dia a dia.
As longas "férias"
maçônicas são sintoma de uma doença mais profunda: a dissociação entre o ideal
e a prática. Enquanto o mundo profano trabalha incessantemente, o maçom se
permite o repouso espiritual. Contudo, o espírito, assim como o corpo, exige
exercício.
Se a Loja está em recesso, o pensamento não deveria estar. Cada
irmão é, em si mesmo, uma Loja viva, um templo ambulante. A pausa
administrativa não precisa ser pausa reflexiva: pode ser tempo de leitura, de
estudo, de escrita, de introspecção.
O Método Socrático como Via Maçônica
O método dialético, tese, antítese e síntese, é o modelo oculto
de todos os rituais maçônicos. A abertura dos trabalhos (tese) representa o
início do questionamento; os debates e instruções (antítese) simbolizam o
confronto das ideias; o fechamento ritual (síntese) expressa a elevação do
entendimento.
A dialética é o
martelo que forja o pensamento livre.
Jesus, em sua pedagogia espiritual, também usava a dúvida como instrumento de
iluminação. Suas parábolas não eram respostas, mas enigmas. Ele não doutrinava:
despertava.
Da mesma forma, o Mestre Maçom deve aprender a fazer perguntas
mais profundas que as respostas. Pois quem tem todas as respostas deixou de
aprender.
Criatividade e Pensamento Maçônico
O homem criativo erra muitas vezes, mas é o erro que o aproxima
da Verdade. A incerteza é o berço da inovação. Domenico de Masi, ao propor a
ideia do "ócio criativo",
lembra que a mente humana cria melhor quando livre de pressões e aberta ao
prazer do pensamento.
Aplicada à Maçonaria, essa teoria sugere que o trabalho
maçônico deve ser prazeroso, estimulante, vivo. Quando o pensar se torna arte,
o maçom não sabe se está aprendendo, ensinando ou criando, ele simplesmente é.
A criatividade é,
portanto, expressão do Espírito. É quando o homem colabora com o Grande Arquiteto
do Universo na construção invisível do mundo das ideias.
A Missão da Maçonaria na Era Digital
Vivemos a era da informação, mas não do conhecimento. A
Internet multiplica dados, mas não consciência. O homem moderno lê muito, mas
pensa pouco. Confunde sabedoria com opinião, e liberdade com descontrole.
A Maçonaria, se quiser permanecer relevante, deve resgatar o
ofício do pensamento lento, reflexivo e profundo. Seu templo é o antídoto
contra a pressa. Suas colunas, Sabedoria, Força e Beleza, são os pilares que
sustentam o equilíbrio entre a técnica, a ética e a estética.
Cabe às lojas tornarem-se espaços de reflexão e não apenas de
formalidade ritual. A presença do irmão deve ser estimulada não pelo dever, mas
pela paixão intelectual e moral.
O Retorno da Convivência: o Templo como Ágora Moderna
O templo maçônico é uma ágora onde a palavra é pedra e o
silêncio é argamassa. Cada sessão deve ser um exercício de filosofia viva, onde
as ideias se entrelaçam como colunas em construção.
O debate fraterno, livre de vaidade, é o alimento do espírito.
Assim como o fogo precisa de oxigênio, o pensamento precisa de oposição. O
irmão que discorda não é inimigo, é espelho. A divergência é a escola da
tolerância.
A Maçonaria precisa recuperar essa vocação socrática de gerar
ideias pelo diálogo. O maçom que pensa sozinho reflete; o que pensa com os
irmãos desperta.
Prática Maçônica e Exemplos para a Vida Profana
O exercício do pensamento maçônico deve estender-se além das
colunas do templo. Na vida cotidiana, o maçom deve aplicar o método reflexivo
em suas relações familiares, profissionais e sociais.
No trabalho, pode praticar a equidade e a justiça distributiva
aprendidas na Loja; na família, a paciência e o amor fraterno; na política, a
prudência e a busca do bem comum.
Pensar antes de agir, essa máxima simples, é a mais elevada das
virtudes. Pois o pensamento é a lâmpada que ilumina o caminho da ação justa.
Reacender a Chama do Pensamento
A Maçonaria não precisa ser reinventada: precisa ser revivida.
Sua doutrina é eterna porque fala ao coração e à razão do homem. O que deve ser reacendido é o fervor da convivência, a chama
do debate, o prazer da busca.
As lojas não podem ser clubes sociais ou refúgios burocráticos.
Devem ser oficinas vivas, onde cada reunião é um laboratório da alma. Quando o
pensamento se torna hábito, a fé se transforma em sabedoria.
O maçom que pensa constrói templos invisíveis de luz. Sua maior
obra não é o edifício material, mas a arquitetura interior que edifica em si e
nos outros.
O retorno dos pensadores à Maçonaria não se dará por marketing
ou rituais sofisticados, mas pelo redescobrimento da Arte Real de pensar, o
mais sagrado dos ofícios humanos.
Quando as colunas voltarem a ecoar o som das ideias, e o
martelo do Venerável Mestre marcar o ritmo do pensamento coletivo, então os
templos se encherão novamente, não apenas de corpos, mas de almas iluminadas.
Bibliografia Comentada
1.
ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro.
Denuncia a crise da educação e a perda da capacidade de pensar como ameaça à
liberdade, questão central no ensaio;
2.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Fundamenta a
noção de virtude como hábito racional, aplicável ao exercício do pensar e ao
equilíbrio entre fé e razão;
3.
CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. Inspira a
leitura simbólica dos rituais maçônicos como arquétipos universais da jornada
do herói e da transformação interior;
4.
DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Fundamenta a
ideia de que o prazer no pensar e criar é forma elevada de trabalho espiritual
e social;
5.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o
Esclarecimento? Define o uso público da razão como libertação da menoridade
intelectual, afirmando o ideal maçônico;
6.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of
Freemasonry. Clássico do pensamento maçônico que une filosofia, simbolismo
e moral;
7.
PLATÃO. A República. Inspira a metáfora da luz,
do conhecimento e da educação como libertação da caverna da ignorância;
8.
SÓCRATES (via PLATÃO). Apologia de Sócrates.
Modelo do pensar dialético e do valor da dúvida como instrumento da sabedoria;
9.
SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos
Geômetras. Apresenta a unidade entre razão e fé, ciência e espiritualidade,
essência da harmonia maçônica;
10. STEIN,
Ernest. O Simbolismo Maçônico e a Iniciação. Interpreta os rituais como
processos cognitivos e espirituais, reforçando a importância da vivência;

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