quarta-feira, 29 de outubro de 2025

A Arte Real de Pensar, Convivência e o Renascimento do Pensador Moderno

 Charles Evaldo Boller

A Maçonaria não é uma escola de erudição, mas de transformação. O maçom que pensa, sente e age em harmonia é o iniciado. As colunas vazias se encherão quando cada irmão descobrir que o templo está dentro de si, e que o trabalho é pensar, não apenas para compreender o mundo, mas para edificá-lo.

O Esvaziamento dos Templos e o Silêncio da Mente

Tristemente observamos as colunas das lojas maçônicas rarearem de homens comprometidos com o espírito da Arte Real. As cadeiras outrora ocupadas por obreiros vibrantes e curiosos agora apresentam o vazio de um desinteresse crescente. Muitos se perguntam: o que afastou tantos bons irmãos? Seria o enfado das reuniões? A ausência de sentido nos rituais? Ou, ainda, o choque entre o mundo profano, acelerado, tecnológico e utilitarista, e o ambiente simbólico, meditativo e ritualístico da Maçonaria?

A resposta, contudo, parece mais sutil: não é a falta de conteúdo que afasta o homem moderno, mas a falta de vivência. A doutrina maçônica permanece rica, profunda e atual, uma filosofia de vida que trabalha com a ética aristotélica, a liberdade kantiana, o espírito socrático e a fé racional de Spinoza. O problema não está na mensagem, mas no mensageiro que esqueceu o valor da prática constante, da convivência e da lapidação intelectual.

Como o ferro se enferruja pela inatividade, também a mente do maçom se embota pela ociosidade. As "férias maçônicas", esse longo hiato entre dezembro e março, e muitas vezes em julho, é mais do que uma pausa administrativa: é a suspensão simbólica do pensamento, a interrupção da chama que deveria permanecer acesa sobre o altar da consciência. Um músculo sem exercício atrofia; um cérebro sem debate adormece.

O Declínio do Pensamento e o Fracasso da Escola Moderna

A sociedade contemporânea é um espelho trincado onde a Maçonaria contempla sua própria imagem. As escolas, outrora templos do saber, tornaram-se oficinas de adestramento técnico. O ensino transformou-se em mera repetição de fórmulas, abandonando a arte de pensar. Como observou Hannah Arendt, "a educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos responsabilidade por ele". Mas o mundo moderno, centrado no consumo e no imediatismo, não ama o pensamento, teme-o.

Desde a infância, a criança é moldada para obedecer, não para refletir. O método socrático de diálogo, tese, antítese e síntese, foi substituído pela memorização automática. A dúvida, motor do progresso intelectual, passou a ser vista como ameaça à autoridade. O resultado é um cidadão incapaz de pensar criticamente e de conviver com a incerteza.

Nesse cenário, a Maçonaria aparece como refúgio e esperança. É uma escola de adultos que não ensina o que pensar, mas como pensar. Seu método é a convivência; seu currículo, o autoconhecimento; sua meta, a liberdade interior.

A Arte Real como Método de Ensino pela Dúvida

A instrução maçônica não se apoia em livros, mas em símbolos. A régua de 24 polegadas ensina a administrar o tempo; o maço e o cinzel revelam que a transformação interior exige esforço; a pedra bruta é o próprio ser humano em seu estado inicial de imperfeição.

Esses instrumentos não têm valor apenas histórico: são metáforas vivas do processo cognitivo. Pensar é golpear a pedra da ignorância, lapidar o erro, extrair da dúvida a centelha da sabedoria.

Assim como Sócrates fazia "parir ideias" nos interlocutores, o maçom deve provocar em si mesmo o parto da consciência. A filosofia não se ensina, vive-se. O mestre não transmite verdades, mas desperta perguntas. "Conhece-te a ti mesmo" é a mais antiga e a mais moderna das instruções, porque o autoconhecimento é o único saber que não envelhece.

Maçom é aquele que pratica a rebeldia saudável do questionamento, que jamais aceita o pensamento alheio sem reflexão. Submeter-se ao dogma é trair a essência da Maçonaria, que nasceu justamente para libertar o homem das correntes do obscurantismo.

Entre Fé e Razão: a Harmonia da Luz Tripla

A Maçonaria não é religião, mas espiritualiza a razão; não é ciência, mas racionaliza a fé. Essa síntese, representada pelas três luzes do templo, Sabedoria, Força e Beleza, constitui o tripé da mente equilibrada.

Somente a fé gera o fanático; somente a razão gera o materialista. O equilíbrio se dá na vivência, no diálogo constante entre o sentimento e o intelecto, entre o saber e o ser.

Platão já advertia em A República que "a educação não é o enchimento de um vaso, mas o acender de uma chama". A fé sem razão é fogo destrutivo; a razão sem fé é cinza fria. O maçom, ao equilibrar essas forças, torna-se o alquimista de si mesmo: transmuta o chumbo da ignorância em ouro de sabedoria.

O Templo como Escola Viva da Convivência

O templo maçônico é mais do que um espaço físico: é o laboratório espiritual da convivência. É ali que se aprende a ouvir, a tolerar, a duvidar e a compartilhar. Livros e estudos são ferramentas, mas o aprendizado surge do contato humano, da discussão fraterna, do debate ritualizado e respeitoso.

A convivência é a argamassa que une as pedras do edifício simbólico. Sem ela, o templo se desfaz em poeira. A ausência dos irmãos, portanto, não é apenas administrativa, é ontológica: o templo vazio reflete o vazio da alma coletiva.

O maçom aprende pela observação dos gestos, pelo silêncio ritual, pela troca de olhares, pela palavra proferida sob juramento. Essa metodologia instrucional viva é o antídoto contra a estagnação mental e espiritual.

Filosofar como Exercício de Liberdade

Pensar é um ato de coragem. A filosofia, ensinava Immanuel Kant, é o exercício da razão autônoma, a libertação da "menoridade autoimposta". Quando o homem tem medo de usar o próprio entendimento, torna-se escravo das opiniões alheias.

Na Maçonaria, o exercício da liberdade intelectual é central. Cada grau representa diversas etapas do amadurecimento da consciência: o Aprendiz aprende a escutar; o Companheiro, a dialogar; o Mestre, a discernir. O processo é gradual porque o pensar autêntico é também uma iniciação.

O maçom é convidado a filosofar não como acadêmico, mas como artífice. Ele pensa com o malho e o cinzel, ferramentas da mente e do coração. O pensar maçônico é operativo, voltado à ação e à construção moral.

A Crise da Ociosidade Simbólica

O maior perigo para a Maçonaria moderna não é a crítica externa, mas a indolência interna. Muitos irmãos acreditam que frequentar a Loja é suficiente, esquecendo que o trabalho se faz no silêncio da mente e no exercício do dia a dia.

As longas "férias" maçônicas são sintoma de uma doença mais profunda: a dissociação entre o ideal e a prática. Enquanto o mundo profano trabalha incessantemente, o maçom se permite o repouso espiritual. Contudo, o espírito, assim como o corpo, exige exercício.

Se a Loja está em recesso, o pensamento não deveria estar. Cada irmão é, em si mesmo, uma Loja viva, um templo ambulante. A pausa administrativa não precisa ser pausa reflexiva: pode ser tempo de leitura, de estudo, de escrita, de introspecção.

O Método Socrático como Via Maçônica

O método dialético, tese, antítese e síntese, é o modelo oculto de todos os rituais maçônicos. A abertura dos trabalhos (tese) representa o início do questionamento; os debates e instruções (antítese) simbolizam o confronto das ideias; o fechamento ritual (síntese) expressa a elevação do entendimento.

A dialética é o martelo que forja o pensamento livre. Jesus, em sua pedagogia espiritual, também usava a dúvida como instrumento de iluminação. Suas parábolas não eram respostas, mas enigmas. Ele não doutrinava: despertava.

Da mesma forma, o Mestre Maçom deve aprender a fazer perguntas mais profundas que as respostas. Pois quem tem todas as respostas deixou de aprender.

Criatividade e Pensamento Maçônico

O homem criativo erra muitas vezes, mas é o erro que o aproxima da Verdade. A incerteza é o berço da inovação. Domenico de Masi, ao propor a ideia do "ócio criativo", lembra que a mente humana cria melhor quando livre de pressões e aberta ao prazer do pensamento.

Aplicada à Maçonaria, essa teoria sugere que o trabalho maçônico deve ser prazeroso, estimulante, vivo. Quando o pensar se torna arte, o maçom não sabe se está aprendendo, ensinando ou criando, ele simplesmente é.

A criatividade é, portanto, expressão do Espírito. É quando o homem colabora com o Grande Arquiteto do Universo na construção invisível do mundo das ideias.

A Missão da Maçonaria na Era Digital

Vivemos a era da informação, mas não do conhecimento. A Internet multiplica dados, mas não consciência. O homem moderno lê muito, mas pensa pouco. Confunde sabedoria com opinião, e liberdade com descontrole.

A Maçonaria, se quiser permanecer relevante, deve resgatar o ofício do pensamento lento, reflexivo e profundo. Seu templo é o antídoto contra a pressa. Suas colunas, Sabedoria, Força e Beleza, são os pilares que sustentam o equilíbrio entre a técnica, a ética e a estética.

Cabe às lojas tornarem-se espaços de reflexão e não apenas de formalidade ritual. A presença do irmão deve ser estimulada não pelo dever, mas pela paixão intelectual e moral.

O Retorno da Convivência: o Templo como Ágora Moderna

O templo maçônico é uma ágora onde a palavra é pedra e o silêncio é argamassa. Cada sessão deve ser um exercício de filosofia viva, onde as ideias se entrelaçam como colunas em construção.

O debate fraterno, livre de vaidade, é o alimento do espírito. Assim como o fogo precisa de oxigênio, o pensamento precisa de oposição. O irmão que discorda não é inimigo, é espelho. A divergência é a escola da tolerância.

A Maçonaria precisa recuperar essa vocação socrática de gerar ideias pelo diálogo. O maçom que pensa sozinho reflete; o que pensa com os irmãos desperta.

Prática Maçônica e Exemplos para a Vida Profana

O exercício do pensamento maçônico deve estender-se além das colunas do templo. Na vida cotidiana, o maçom deve aplicar o método reflexivo em suas relações familiares, profissionais e sociais.

No trabalho, pode praticar a equidade e a justiça distributiva aprendidas na Loja; na família, a paciência e o amor fraterno; na política, a prudência e a busca do bem comum.

Pensar antes de agir, essa máxima simples, é a mais elevada das virtudes. Pois o pensamento é a lâmpada que ilumina o caminho da ação justa.

Reacender a Chama do Pensamento

A Maçonaria não precisa ser reinventada: precisa ser revivida. Sua doutrina é eterna porque fala ao coração e à razão do homem. O que deve ser reacendido é o fervor da convivência, a chama do debate, o prazer da busca.

As lojas não podem ser clubes sociais ou refúgios burocráticos. Devem ser oficinas vivas, onde cada reunião é um laboratório da alma. Quando o pensamento se torna hábito, a fé se transforma em sabedoria.

O maçom que pensa constrói templos invisíveis de luz. Sua maior obra não é o edifício material, mas a arquitetura interior que edifica em si e nos outros.

O retorno dos pensadores à Maçonaria não se dará por marketing ou rituais sofisticados, mas pelo redescobrimento da Arte Real de pensar, o mais sagrado dos ofícios humanos.

Quando as colunas voltarem a ecoar o som das ideias, e o martelo do Venerável Mestre marcar o ritmo do pensamento coletivo, então os templos se encherão novamente, não apenas de corpos, mas de almas iluminadas.

Bibliografia Comentada

1.      ARENDT, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. Denuncia a crise da educação e a perda da capacidade de pensar como ameaça à liberdade, questão central no ensaio;

2.      ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Fundamenta a noção de virtude como hábito racional, aplicável ao exercício do pensar e ao equilíbrio entre fé e razão;

3.      CAMPBELL, Joseph. O Poder do Mito. Inspira a leitura simbólica dos rituais maçônicos como arquétipos universais da jornada do herói e da transformação interior;

4.      DE MASI, Domenico. O Ócio Criativo. Fundamenta a ideia de que o prazer no pensar e criar é forma elevada de trabalho espiritual e social;

5.      KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: O que é o Esclarecimento? Define o uso público da razão como libertação da menoridade intelectual, afirmando o ideal maçônico;

6.      PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Clássico do pensamento maçônico que une filosofia, simbolismo e moral;

7.      PLATÃO. A República. Inspira a metáfora da luz, do conhecimento e da educação como libertação da caverna da ignorância;

8.      SÓCRATES (via PLATÃO). Apologia de Sócrates. Modelo do pensar dialético e do valor da dúvida como instrumento da sabedoria;

9.      SPINOZA, Baruch. Ética Demonstrada à Maneira dos Geômetras. Apresenta a unidade entre razão e fé, ciência e espiritualidade, essência da harmonia maçônica;

10.  STEIN, Ernest. O Simbolismo Maçônico e a Iniciação. Interpreta os rituais como processos cognitivos e espirituais, reforçando a importância da vivência;

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