A Revelação e o Sentido Oculto do Número Sete
O Rito Escocês Antigo e Aceito encontra nas Escrituras Gregas, especialmente
no Apocalipse de João, não apenas uma alegoria profética, mas um mapa simbólico
da regeneração da consciência humana. Para o maçom que trilha os graus
filosóficos, o Apocalipse não é um livro de terrores futuros, mas de revelações
interiores, o desvelar do "véu do
templo" que encobre a visão da Verdade.
O número sete, constantemente repetido no texto bíblico, sete
selos, sete trombetas, sete igrejas, sete taças, é para a Cabala o número da
perfeição temporal, representando o ciclo completo da manifestação. No plano
simbólico, ele expressa a totalidade da criação visível e invisível, o
equilíbrio entre o divino e o humano. Na Maçonaria, o sete reaparece em vários
momentos: sete oficiais formam uma loja perfeita; sete são as virtudes cardeais
e teologais que o homem deve cultivar; sete degraus conduzem o iniciado da
terra ao céu simbólico.
Assim, quando João descreve o livro selado com sete selos, que
apenas o Cordeiro, símbolo do Cristo, pode abrir, ele fala da ciência divina
inacessível ao não iniciado, reservada àquele que purificou seu coração. O
cordeiro representa o iniciado perfeito, aquele que venceu o egoísmo e se
oferece em sacrifício consciente para que a luz se manifeste. O maçom, ao
buscar sua própria perfeição, torna-se participante deste mesmo processo: abrir
os selos da ignorância que prendem sua alma e revelar, dentro de si, o livro da
sabedoria oculta.
O Apocalipse como Drama Interior
O Apocalipse, para o iniciado maçom, é o drama simbólico do
próprio homem em luta contra as suas trevas internas. Os dragões, bestas e
anjos são projeções psíquicas das forças que operam no microcosmo humano.
Cabalistas e gnósticos já compreendiam essa chave: a revelação não é uma
previsão de catástrofes materiais, mas um processo de purificação espiritual,
em que o homem é confrontado com as forças opostas de sua própria natureza.
João, na ilha de Patmos, isolado do mundo, escreve em linguagem
velada, uma linguagem que os iniciados reconhecem. Ali, sua solidão não é
punição, mas retiro iniciático, símbolo da introspecção necessária ao autoconhecimento.
Ele, como o iniciado, atravessa o deserto da mente para ouvir o verbo interior.
Sua crítica ao império romano reflete a luta eterna do espírito contra as
potências que escravizam, sejam elas políticas, econômicas ou psicológicas.
O Iluminismo maçônico, muitos séculos depois, reproduziria esse
mesmo impulso libertador. Assim como João denunciou a tirania dos Césares, os
filósofos iluministas denunciaram a tirania das ideias e dos dogmas. O Rito Escocês Antigo e Aceito,
em sua essência simbólica, convida o maçom a ser igualmente um João moderno,
revelando à sua geração as verdades esquecidas sob o peso das instituições e
das aparências.
A Espada, a Balança e a Caveira: Justiça, Poder e Mortalidade
No Rito
Escocês Antigo e Aceito os símbolos da espada, da balança e da caveira
formam um tríptico moral de profundíssimo valor iniciático.
A espada é o instrumento do discernimento. Representa a
capacidade de separar o verdadeiro do falso, a luz das sombras, o justo do
injusto. Na tradição hermética, ela é o gládio flamejante do Querubim que
guarda o Éden, impedindo a entrada daqueles que ainda não purificaram suas
intenções. Na Loja, a espada não é arma de violência, mas de razão e justiça. Ao
manejá-la simbolicamente, o Mestre recorda que o poder só é legítimo quando
nasce do equilíbrio e da reta intenção.
A balança é o símbolo da justiça distributiva, evocando o ideal
socrático da medida e da moderação. Como ensina Aristóteles na Ética a Nicômaco,
a virtude está no meio: nem excesso nem carência, mas a justa proporção
entre as forças em conflito. O maçom é chamado a ser juiz de si mesmo,
a pesar seus atos na balança interior.
A caveira recorda o caráter transitório da existência. É
o memento mori[1]
dos antigos alquimistas: lembra ao iniciado que todo
poder e toda glória são pó, e que apenas o espírito, trabalhado e lapidado como
pedra cúbica, permanece. A caveira, nas lojas, não é símbolo de
terror, mas de sabedoria: apenas quem compreende a morte pode valorizar a vida.
Esses três símbolos formam uma síntese moral: discernimento,
equilíbrio e humildade diante da finitude. Quando a Loja deixa de observar
tais princípios, suas colunas se abatem, como o Sol e a Lua que se obscurecem
no Apocalipse.
A Ética do Mestre Servidor
O maçom não é aquele que adquire títulos, mas aquele que
serve silenciosamente. O Mestre é servidor porque compreende que a
autoridade é um instrumento de edificação, não de domínio. O Rito Escocês Antigo e Aceito
ensina que quem quer ser o maior, seja o servo de todos, reproduzindo a ética
do Evangelho e a sabedoria estoica de Sêneca, que via na humildade e na
autodominação a mais alta forma de grandeza.
O Mestre que trabalha a própria pedra inspira pelo exemplo, não
pela imposição. Ele muda a si mesmo e, ao mudar,
irradia transformação. Assim como a vela que acende outras sem
diminuir sua luz, o maçom que vive retamente multiplica a virtude ao seu redor.
A Loja torna-se, então, uma escola viva de moral prática, onde cada ato é uma
lição silenciosa.
No plano social, essa ética se traduz em liderança moral e
cidadania ativa. O maçom não busca converter o mundo por palavras, mas
persuadi-lo pelo brilho de sua conduta. Tal postura repete o ensinamento de Kant
de que a moral é agir de modo que a máxima da ação possa tornar-se lei
universal.
O Desafio do Mundo Contemporâneo: Multiculturalismo e Identidade
Vivemos um tempo em que as fronteiras físicas se dissolvem, mas
as fronteiras morais se erguem. O multiculturalismo contemporâneo é ao mesmo
tempo bênção e desafio: ele amplia o horizonte humano, mas também confunde
identidades. O maçom deve ser mediador entre mundos, portador da luz da
tolerância, capaz de conciliar diferenças sem diluir princípios.
O mundo globalizado é um novo campo de batalha simbólica. As
disputas por recursos, poder e influência econômica recriam as guerras do
Apocalipse sob formas modernas: mercados, algoritmos, ideologias. A Maçonaria,
ao defender a liberdade, a igualdade e a fraternidade, convida seus membros a
serem artífices da paz nesse caos organizado.
Como na época dos iluministas, Locke, Montesquieu, Rousseau,
urge repensar o contrato social. As promessas da modernidade,
codificadas na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, precisam ser
revisitadas à luz da nova complexidade global. A felicidade pública, outrora
associada à posse de direitos, deve agora incluir a responsabilidade ética
coletiva e o respeito à diversidade espiritual.
A Loja moderna é um laboratório para essa renovação: nela,
maçons de origens diversas convivem como iguais, aprendendo a construir uma
fraternidade que transcende credos, etnias e ideologias.
O Trabalho na Pedra e a Reconstrução da Alma
A metáfora do trabalho na pedra permanece a essência do caminho
maçônico. Cada golpe do malho sobre o cinzel é uma correção do caráter; cada
lasca removida é um vício abandonado. Trabalhar a pedra é, portanto, trabalhar-se.
No entanto, o sentido desse trabalho se renova a cada geração.
Os símbolos são os mesmos, régua, compasso, esquadro, mas sua interpretação
deve acompanhar o tempo. A régua de vinte e quatro polegadas, outrora usada
para medir o espaço físico, hoje mede o uso sábio do tempo, a disciplina
interior. O compasso, que delimitava planos arquitetônicos, delimita agora os
limites éticos da ação humana. O esquadro, instrumento de retidão geométrica,
torna-se símbolo da retidão moral.
O benefício primeiro desse labor é o próprio maçom e sua
família. Ao tornar-se mais justo, prudente e equilibrado, ele se torna exemplo
e eixo de harmonia em seu lar. Dele irradia-se a luz que, refletida, transforma
o bairro, a cidade, a sociedade. Assim cumpre-se a lei hermética da
correspondência: "O que está em cima
é como o que está embaixo, para que se cumpra o milagre da unidade."
O Julgamento Simbólico e o Despertar da Consciência
No Apocalipse de João, os mortos são julgados segundo suas
obras. Na Maçonaria, o julgamento ocorre a cada reunião, quando o iniciado
examina seu próprio progresso diante do altar das virtudes. Esse autoexame
constante é o "juízo final"
do homem desperto.
A espada da justiça e a balança da equidade são instrumentos
desse tribunal interior. O Grande Arquiteto do Universo, longe de ser um juiz
externo, é a consciência cósmica que habita em cada ser. Ser "aprovado pelo Grande Arquiteto do Universo"
significa alcançar a harmonia entre pensamento, palavra e ação.
A vida, assim compreendida, é o grande templo em construção.
Cada experiência é uma pedra colocada no edifício da alma. E cada erro, um
tijolo quebrado que ensina a paciência e a humildade.
O Renascimento Espiritual do Iniciado
A travessia dos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito é um processo de morte e
renascimento. O iniciado desce ao seu inferno interior, enfrenta as feras do
ego e retorna purificado. É o mesmo percurso descrito por Dante na Divina
Comédia, por Platão no Mito da Caverna e pelos alquimistas em suas "operae
magnum"[2].
No Rito
Escocês Antigo e Aceito, essa regeneração se expressa na simbologia do
Oriente e do Ocidente. O Ocidente é o mundo da matéria e da ignorância; o
Oriente, o da luz e da sabedoria. O maçom caminha do Ocidente para o Oriente,
repetindo o percurso do Sol. Mas cada amanhecer exige que ele morra para as
trevas do dia anterior.
Esse renascimento é o sentido do "ajuste de contas" do Apocalipse. Não é o Grande Arquiteto do
Universo quem castiga o homem, mas o próprio homem que se confronta com a
colheita de suas ações. A justiça divina é, em última instância, autoconsciência.
Diálogo e Transformação: a Nova Palavra dos Iluminados
O tempo atual exige uma nova forma de iluminação. Já não basta
o diálogo superficial, é preciso interrogar as próprias bases da civilização. O
maçom moderno deve reencarnar o espírito dos filósofos do século XVIII:
questionar, reconstruir, iluminar.
A ciência trouxe ao homem o poder de dominar a natureza, mas
não o ensinou a dominar a si mesmo. As redes de comunicação unem
continentes, mas separam corações. A Maçonaria, ao cultivar o pensamento
crítico e a ética universal, oferece método de treinamento da consciência: o retorno ao ser essencial.
Reavaliar a Declaração dos Direitos do Homem é reavaliar o
próprio conceito de humanidade. O direito à felicidade não pode ser apenas o
direito ao consumo, mas o direito à plenitude interior, à harmonia com o
cosmos. O Grande Arquiteto do Universo é a inteligência universal que anima
todos os seres.
A Maçonaria como Caminho da Paz e da Reconstrução do Mundo
O fim do Apocalipse mostra a Nova Jerusalém, cidade simbólica
construída de ouro e pedras preciosas, onde não há templo, pois o próprio
Cordeiro é o templo. Para o maçom, essa cidade é o ideal da humanidade
reconciliada, a civilização da Luz, fruto de séculos de trabalho interior e
coletivo.
Cada Loja é um esboço dessa cidade sagrada. Quando seus membros
se reúnem em harmonia, constroem no invisível o modelo da paz universal. Assim,
a Maçonaria não é uma associação de homens, mas um processo civilizatório
contínuo, que transforma a matéria em espírito e o indivíduo em fraternidade.
Trabalhar na pedra, isto é, na alma, é a via da reconstrução
social. Não há reforma política, econômica ou cultural que se sustente sem a
reforma do coração. Por isso, o maçom começa sempre por si mesmo.
A glória final pertence ao Grande Arquiteto do Universo, cuja
obra o homem apenas reflete, como o espelho polido reflete o Sol. Quando o
maçom cumpre sua missão, o Apocalipse se converte em Revelação da Luz, e o julgamento
final em comunhão eterna.
A Revelação é o Despertar da Consciência
O Apocalipse, a espada, a balança e a caveira não são
recordações de um passado religioso, mas arquétipos da transformação interior. O maçom, operário do
espírito, é chamado a decifrar esses símbolos em sua própria vida, convertendo
o juízo final em iluminação presente. O Rito Escocês Antigo e Aceito, ao unir o
pensamento hebraico, grego, cristão e iluminista, mostra que a revelação é o
despertar da consciência, e que a Nova Jerusalém é construída, pedra a
pedra, no coração de cada homem justo.
Bibliografia Comentada
1.
ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano. São
Paulo: Martins Fontes, 1992. Obra indispensável para entender a função dos
ritos e símbolos como meios de comunicação entre o homem e o transcendente,
aplicável ao estudo dos rituais maçônicos;
2.
GUÉNON, Rene. Símbolos Fundamentais da Ciência
Sagrada. Lisboa: Vega, 1988. Guénon destaca a universalidade dos símbolos
maçônicos e sua correspondência com tradições antigas. A caveira e o julgamento
interior aparecem como chaves para o renascimento espiritual;
3.
HALL,
Manly P. The Secret Teachings of All Ages. Los Angeles: Philosophical
Research Society, 1928. Compêndio de sabedoria esotérica que relaciona a
Cabala, o Gnosticismo e o simbolismo cristão com a Maçonaria. Útil para
decifrar o sentido oculto do Apocalipse como processo iniciático;
4.
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. São
Paulo: Martins Fontes, 2003. Base filosófica para compreender a ética maçônica
do dever e da intenção pura: agir por respeito à lei moral, não por interesse.
O ideal do mestre servidor reflete esse princípio kantiano;
5.
LÉVI, Eliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia.
Paris, 1856. Lévi associa os números e símbolos bíblicos à alquimia espiritual.
Sua interpretação da espada e da balança como instrumentos da vontade e da
justiça inspira o entendimento maçônico da retidão;
6.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of
Freemasonry. Washington, d. C.: Supreme Council, 1871. Obra monumental
do Rito Escocês Antigo e Aceito. Pike interpreta simbolicamente o Apocalipse e
o número sete como etapas do aperfeiçoamento humano. Essencial para compreender
a filosofia mística do rito;
7.
PLATÃO. A República. São Paulo: Edipro, 2018. A
alegoria da caverna ilustra o processo de iluminação que o maçom experimenta ao
abrir os "selos" da ignorância e ascender ao mundo das ideias,
simbolizado pelo Oriente;
8.
SAINT-MARTIN, Claude de. O Homem de Desejo.
Paris, 1790. Texto místico fundamental para a tradição martinista, que
influenciou o simbolismo do Rito Escocês Antigo e Aceito. O homem deve
transformar o desejo em força ascendente para unir-se ao princípio divino;
9.
SÊNECA. Cartas a Lucílio. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2008. As reflexões estoicas sobre a virtude e a serenidade
diante da morte complementam o simbolismo da caveira e o desapego moral
requerido ao iniciado;
[1]
"Memento mori" é uma expressão latina que significa
"lembre-se de que você deve morrer". É um conceito filosófico e
artístico que serve como um lembrete da inevitabilidade da morte e da brevidade
da vida. A prática, com raízes na filosofia clássica e no estoicismo, encoraja
a viver o momento presente com mais intensidade, gratidão e desapego aos bens
materiais, como em obras de arte com símbolos de caveiras, ampulhetas ou velas
apagadas;
[2]
A Opus Magnum ou Grande Obra dos alquimistas era um processo de
transformação complexo. A meta física e simbólica era alcançar um estado
superior de ser, o que envolvia a transmutação de um metal inferior (como
chumbo) em um metal nobre (como ouro), e a criação da pedra filosofal e do
elixir da longa vida;

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