Charles Evaldo Boller
O Grau 6 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Secretário
Íntimo, é uma etapa singular na jornada do maçom, na qual se entrelaçam confiança,
lealdade, discrição e serviço abnegado. Ele representa, no plano simbólico
e iniciático, a transição entre os aprendizados voltados à reconstrução moral e
a introdução ao serviço espiritual e administrativo da ordem maçônica.
A narrativa lendária que fundamenta este grau descreve um
momento de tensão diplomática entre o Rei Salomão e Hiram, rei de Tiro, em
consequência da insatisfação deste último com o pagamento recebido com as
terras de Cabul, desérticas e em péssimo estado. Tal episódio desvela o pano de
fundo da missão de Johaben, personagem simbólico
que, por sua lealdade e prudência, é elevado à posição de Secretário Íntimo.
Nessa figura, se concentram as virtudes que o grau busca despertar no maçom.
Este ensaio propõe uma análise do grau sob múltiplas
perspectivas: histórica, simbólica, metafísica, esotérica e prática, sempre
orientada por uma filosofia da ação pautada na justiça, na consciência social e
na responsabilidade espiritual.
A Lenda das Terras de Cabul e a Ascensão de Johaben
O Contexto Histórico e Mitológico
A base lendária do grau 6 remonta ao episódio narrado em I Reis
9:10-14, no qual, ao final da construção do Templo de Jerusalém, o rei Salomão paga
os serviços prestados por Hiram, rei de Tiro, na construção do templo de
Jerusalém com vinte cidades na região de Cabul, ao Norte da Galileia. Hiram,
após visitar as terras, considera-as estéreis e sem valor, e expressa seu
desagrado.
Embora a narrativa bíblica seja breve, a tradição maçônica
elabora esse evento como uma alegoria sobre a frustração diante das
expectativas e sobre a necessidade de mediação entre soberanos e culturas
distintas. É nesse contexto que surge a figura de Johaben, apresentado como um
jovem discreto, leal, e observador, cuja atuação diplomática e prudente diante
da tensão entre os reis o leva à confiança plena de Salomão e à nomeação como
Secretário Íntimo.
Essa elevação simboliza a escolha de um iniciado preparado para
ocupar um papel de confiança, sigilo e serviço, atributos centrais à filosofia
do grau.
A Filosofia do Grau: Desigualdade, Curiosidade e Responsabilidade
Reconhecimento das Desigualdades
O grau 6 aborda, em seu fundo filosófico, a existência de
desigualdades, tanto na natureza quanto na organização social. A insatisfação
de Hiram, rei de Tiro, com as terras recebidas revela uma leitura de valor
baseada na utilidade imediata e na fertilidade do solo, o que remete ao dilema
do julgamento superficial dos dons recebidos.
Na tradição maçônica, o reconhecimento das desigualdades não
deve levar à resignação, mas sim à ação esclarecida. Trata-se de uma
desigualdade que pode ser mitigada por meio da solidariedade, da educação, da
justiça distributiva e da prática das virtudes. O Secretário Íntimo é aquele
que reconhece o mal potencial nas relações humanas e, por antecipação e
discernimento, atua para evitá-lo.
O Valor da Curiosidade
Outro eixo filosófico do grau é a exaltação da curiosidade,
entendida como o motor do conhecimento. Johaben, ao escutar conversas entre os
reis, não apenas compreende o conflito, mas também oferece uma mediação sábia e
diplomática. Sua atitude demonstra que a verdadeira curiosidade é aquela que
leva à compreensão profunda dos eventos, e não à mera bisbilhotice. Aqui se
distingue o conhecimento pelo bem comum da curiosidade vã.
Prevenção e Responsabilidade Moral
O Secretário Íntimo assume o papel daquele que prevê o mal
possível e age para evitá-lo, conforme a máxima estoica de que "quem
prevê, governa". O grau, portanto, aponta para um tipo de responsabilidade
ética superior: não basta reagir ao mal já presente; é dever do iniciado
antever suas causas e intervir com sabedoria e benevolência.
A Simbologia do Grau: a Intimidade Como Missão Espiritual
O Gabinete Secreto
O cenário ritualístico deste grau costuma evocar o ambiente
íntimo do rei, representando o gabinete onde são tratadas as questões mais
sensíveis do reino. Entrar neste espaço é receber a confiança suprema, que
exige do iniciado três qualidades essenciais: sigilo, integridade e
imparcialidade.
A Pena, o Livro e o Olho
Os símbolos do Secretário Íntimo incluem com frequência uma
pena, um livro e um olho atento. A pena representa a escrita fiel, o
compromisso com a verdade e a clareza nos registros. O livro é o repositório da
memória da Ordem e do coração do iniciado. Já o olho é a atenção vigilante, o
olhar que tudo vê, mas que também tudo guarda em discrição.
A Cor Verde
A cor frequentemente associada a este grau é o verde, símbolo da
esperança, da renovação e do conhecimento que floresce. Evoca também o elemento
da natureza e a promessa de crescimento moral e espiritual.
Dimensões Metafísicas e Esotéricas: O Segredo como Síntese da Alma
O Segredo Como Estrutura do Ser
No campo metafísico, o grau de Secretário Íntimo exige a
reflexão sobre o segredo, não apenas como omissão voluntária, mas como
realidade iniciática. Em muitas tradições esotéricas, o segredo não é algo a
ser escondido, mas uma verdade tão profunda que não pode ser revelada senão
pela experiência vivida.
O iniciado deste grau aprende que guardar um segredo não é
silenciar algo externo, mas proteger a integridade de um mistério que transforma
internamente. A confiança que lhe é depositada é um rito de passagem
espiritual que confere ao irmão um novo papel: ser guardião da palavra que
edifica, não que destrói.
O Logos Interior
A prática da escuta, da escrita e da fala cuidadosa remete ao
conceito grego de Logos, a palavra criadora. O Secretário Íntimo torna-se o
artesão do verbo sagrado, aquele que escreve com o coração e escuta com a alma,
reconhecendo que cada palavra pode curar ou ferir, edificar ou destruir.
A Moral do Grau: Lealdade, Bondade e Utilidade Desinteressada
Lealdade
A lealdade é o princípio central da moral do grau. Lealdade ao
superior, ao irmão, à Verdade e à missão da ordem maçônica. Trata-se de uma
lealdade que não admite subserviência, mas que se manifesta como fidelidade aos
princípios universais da Justiça e da Fraternidade.
Johaben, ao interceder entre os reis, age com lealdade à paz, e
não a uma das partes. Isso significa que o Secretário Íntimo não é mero
executor de ordens, mas agente moral que deve refletir sobre as consequências
de sua ação, com retidão de consciência.
Bondade e Utilidade
O grau ensina que o bem deve ser praticado sem interesse, sem
cálculo, sem esperar retorno. A bondade que se incentiva no iniciado é ativa,
constante, silenciosa, como a água que escava a pedra pela persistência e não
pela força.
Ser útil sempre é o lema moral do grau. A nobreza está em
tornar-se instrumento de progresso e consolo, mesmo que ninguém veja. O
Secretário Íntimo age nos bastidores, mas transforma a cena toda.
Discrição e Justiça
O respeito aos segredos alheios, ensinado neste grau, reforça a
necessidade de discrição. A justiça, para ser exercida com equidade, precisa de
discrição e não da exposição humilhante. A sensibilidade moral do Secretário
Íntimo exige que veja além da aparência, sem se deixar dominar pela
negatividade. Não julgar precipitadamente, mas observar com inteligência
emocional e espiritual.
A Aplicação Prática no Cotidiano Maçônico e Profano
O ensino do grau de Secretário Íntimo não se restringe ao templo
maçônico. Ele propõe um modelo de atuação para o mundo: agir com sabedoria e
lealdade nas relações humanas, especialmente em ambientes de conflito e poder.
Seja no contexto familiar, profissional ou político, a figura do
Secretário Íntimo é aquela do conciliador, do servidor fiel, do conselheiro
prudente. Sua atuação discreta transforma ambientes e reconcilia opostos.
Na vida profissional, é o gestor ético que protege os interesses
coletivos sem traições pessoais. Na vida social, é aquele que promove o diálogo
em tempos de polarização. Na vida espiritual, é o iniciado que compreende que o
verdadeiro segredo é o amor que serve sem ser visto.
Considerações Finais
O Grau 6 do Rito Escocês Antigo e Aceito ensina, por meio da
lenda de Hiram e do exemplo de Johaben, que o poder não reside na imposição,
mas na confiança. O Secretário Íntimo é o homem transformado que, por ter
vencido o ego e se consagrado ao serviço, se torna guardião da palavra que
cura, do segredo que edifica e da ação que constrói pontes.
Seu caminho é o da vigilância espiritual, da prudência social,
da generosidade moral e da fidelidade iniciática. Em um mundo marcado pela
exposição excessiva, pelo imediatismo e pela superficialidade, o grau nos
lembra que a força está na intimidade do espírito com o sagrado e na ação
silenciosa que transforma a realidade.
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