sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Um Estudo Filosófico, Simbólico e Prático

 Charles Evaldo Boller

O Grau 6 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Secretário Íntimo, é uma etapa singular na jornada do maçom, na qual se entrelaçam confiança, lealdade, discrição e serviço abnegado. Ele representa, no plano simbólico e iniciático, a transição entre os aprendizados voltados à reconstrução moral e a introdução ao serviço espiritual e administrativo da ordem maçônica.

A narrativa lendária que fundamenta este grau descreve um momento de tensão diplomática entre o Rei Salomão e Hiram, rei de Tiro, em consequência da insatisfação deste último com o pagamento recebido com as terras de Cabul, desérticas e em péssimo estado. Tal episódio desvela o pano de fundo da missão de Johaben, personagem simbólico que, por sua lealdade e prudência, é elevado à posição de Secretário Íntimo. Nessa figura, se concentram as virtudes que o grau busca despertar no maçom.

Este ensaio propõe uma análise do grau sob múltiplas perspectivas: histórica, simbólica, metafísica, esotérica e prática, sempre orientada por uma filosofia da ação pautada na justiça, na consciência social e na responsabilidade espiritual.

A Lenda das Terras de Cabul e a Ascensão de Johaben

O Contexto Histórico e Mitológico

A base lendária do grau 6 remonta ao episódio narrado em I Reis 9:10-14, no qual, ao final da construção do Templo de Jerusalém, o rei Salomão paga os serviços prestados por Hiram, rei de Tiro, na construção do templo de Jerusalém com vinte cidades na região de Cabul, ao Norte da Galileia. Hiram, após visitar as terras, considera-as estéreis e sem valor, e expressa seu desagrado.

Embora a narrativa bíblica seja breve, a tradição maçônica elabora esse evento como uma alegoria sobre a frustração diante das expectativas e sobre a necessidade de mediação entre soberanos e culturas distintas. É nesse contexto que surge a figura de Johaben, apresentado como um jovem discreto, leal, e observador, cuja atuação diplomática e prudente diante da tensão entre os reis o leva à confiança plena de Salomão e à nomeação como Secretário Íntimo.

Essa elevação simboliza a escolha de um iniciado preparado para ocupar um papel de confiança, sigilo e serviço, atributos centrais à filosofia do grau.

A Filosofia do Grau: Desigualdade, Curiosidade e Responsabilidade

Reconhecimento das Desigualdades

O grau 6 aborda, em seu fundo filosófico, a existência de desigualdades, tanto na natureza quanto na organização social. A insatisfação de Hiram, rei de Tiro, com as terras recebidas revela uma leitura de valor baseada na utilidade imediata e na fertilidade do solo, o que remete ao dilema do julgamento superficial dos dons recebidos.

Na tradição maçônica, o reconhecimento das desigualdades não deve levar à resignação, mas sim à ação esclarecida. Trata-se de uma desigualdade que pode ser mitigada por meio da solidariedade, da educação, da justiça distributiva e da prática das virtudes. O Secretário Íntimo é aquele que reconhece o mal potencial nas relações humanas e, por antecipação e discernimento, atua para evitá-lo.

O Valor da Curiosidade

Outro eixo filosófico do grau é a exaltação da curiosidade, entendida como o motor do conhecimento. Johaben, ao escutar conversas entre os reis, não apenas compreende o conflito, mas também oferece uma mediação sábia e diplomática. Sua atitude demonstra que a verdadeira curiosidade é aquela que leva à compreensão profunda dos eventos, e não à mera bisbilhotice. Aqui se distingue o conhecimento pelo bem comum da curiosidade vã.

Prevenção e Responsabilidade Moral

O Secretário Íntimo assume o papel daquele que prevê o mal possível e age para evitá-lo, conforme a máxima estoica de que "quem prevê, governa". O grau, portanto, aponta para um tipo de responsabilidade ética superior: não basta reagir ao mal já presente; é dever do iniciado antever suas causas e intervir com sabedoria e benevolência.

A Simbologia do Grau: a Intimidade Como Missão Espiritual

O Gabinete Secreto

O cenário ritualístico deste grau costuma evocar o ambiente íntimo do rei, representando o gabinete onde são tratadas as questões mais sensíveis do reino. Entrar neste espaço é receber a confiança suprema, que exige do iniciado três qualidades essenciais: sigilo, integridade e imparcialidade.

A Pena, o Livro e o Olho

Os símbolos do Secretário Íntimo incluem com frequência uma pena, um livro e um olho atento. A pena representa a escrita fiel, o compromisso com a verdade e a clareza nos registros. O livro é o repositório da memória da Ordem e do coração do iniciado. Já o olho é a atenção vigilante, o olhar que tudo vê, mas que também tudo guarda em discrição.

A Cor Verde

A cor frequentemente associada a este grau é o verde, símbolo da esperança, da renovação e do conhecimento que floresce. Evoca também o elemento da natureza e a promessa de crescimento moral e espiritual.

Dimensões Metafísicas e Esotéricas: O Segredo como Síntese da Alma

O Segredo Como Estrutura do Ser

No campo metafísico, o grau de Secretário Íntimo exige a reflexão sobre o segredo, não apenas como omissão voluntária, mas como realidade iniciática. Em muitas tradições esotéricas, o segredo não é algo a ser escondido, mas uma verdade tão profunda que não pode ser revelada senão pela experiência vivida.

O iniciado deste grau aprende que guardar um segredo não é silenciar algo externo, mas proteger a integridade de um mistério que transforma internamente. A confiança que lhe é depositada é um rito de passagem espiritual que confere ao irmão um novo papel: ser guardião da palavra que edifica, não que destrói.

O Logos Interior

A prática da escuta, da escrita e da fala cuidadosa remete ao conceito grego de Logos, a palavra criadora. O Secretário Íntimo torna-se o artesão do verbo sagrado, aquele que escreve com o coração e escuta com a alma, reconhecendo que cada palavra pode curar ou ferir, edificar ou destruir.

A Moral do Grau: Lealdade, Bondade e Utilidade Desinteressada

Lealdade

A lealdade é o princípio central da moral do grau. Lealdade ao superior, ao irmão, à Verdade e à missão da ordem maçônica. Trata-se de uma lealdade que não admite subserviência, mas que se manifesta como fidelidade aos princípios universais da Justiça e da Fraternidade.

Johaben, ao interceder entre os reis, age com lealdade à paz, e não a uma das partes. Isso significa que o Secretário Íntimo não é mero executor de ordens, mas agente moral que deve refletir sobre as consequências de sua ação, com retidão de consciência.

Bondade e Utilidade

O grau ensina que o bem deve ser praticado sem interesse, sem cálculo, sem esperar retorno. A bondade que se incentiva no iniciado é ativa, constante, silenciosa, como a água que escava a pedra pela persistência e não pela força.

Ser útil sempre é o lema moral do grau. A nobreza está em tornar-se instrumento de progresso e consolo, mesmo que ninguém veja. O Secretário Íntimo age nos bastidores, mas transforma a cena toda.

Discrição e Justiça

O respeito aos segredos alheios, ensinado neste grau, reforça a necessidade de discrição. A justiça, para ser exercida com equidade, precisa de discrição e não da exposição humilhante. A sensibilidade moral do Secretário Íntimo exige que veja além da aparência, sem se deixar dominar pela negatividade. Não julgar precipitadamente, mas observar com inteligência emocional e espiritual.

A Aplicação Prática no Cotidiano Maçônico e Profano

O ensino do grau de Secretário Íntimo não se restringe ao templo maçônico. Ele propõe um modelo de atuação para o mundo: agir com sabedoria e lealdade nas relações humanas, especialmente em ambientes de conflito e poder.

Seja no contexto familiar, profissional ou político, a figura do Secretário Íntimo é aquela do conciliador, do servidor fiel, do conselheiro prudente. Sua atuação discreta transforma ambientes e reconcilia opostos.

Na vida profissional, é o gestor ético que protege os interesses coletivos sem traições pessoais. Na vida social, é aquele que promove o diálogo em tempos de polarização. Na vida espiritual, é o iniciado que compreende que o verdadeiro segredo é o amor que serve sem ser visto.

Considerações Finais

O Grau 6 do Rito Escocês Antigo e Aceito ensina, por meio da lenda de Hiram e do exemplo de Johaben, que o poder não reside na imposição, mas na confiança. O Secretário Íntimo é o homem transformado que, por ter vencido o ego e se consagrado ao serviço, se torna guardião da palavra que cura, do segredo que edifica e da ação que constrói pontes.

Seu caminho é o da vigilância espiritual, da prudência social, da generosidade moral e da fidelidade iniciática. Em um mundo marcado pela exposição excessiva, pelo imediatismo e pela superficialidade, o grau nos lembra que a força está na intimidade do espírito com o sagrado e na ação silenciosa que transforma a realidade.

Bibliografia

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