Charles Evaldo Boller
Valores Práticos e Iniciação Interna
No percurso iniciático da Maçonaria, os chamados graus inefáveis
do Rito Escocês Antigo e Aceito, que vão do quarto ao 14º grau, constituem uma
etapa singularmente rica e simbólica.
Esses graus não apenas complementam os ensinamentos simbólicos
dos três primeiros, mas convidam o maçom a uma introspecção mais profunda, onde
os mitos, alegorias e ritos convergem para o despertar da consciência
espiritual e moral. Em tempos marcados pela dispersão de valores, pelo
materialismo e pelo vazio existencial, o conteúdo filosófico e espiritual
destes graus oferece uma poderosa ferramenta para reconstruir uma vida dotada
de sentido.
A presente reflexão propõe-se a apresentar os graus inefáveis do
Rito
Escocês Antigo e Aceito destacando os seus valores práticos e como esses
podem influenciar positivamente a vida cotidiana do maçom, contribuindo para
sua maturidade intelectual, equilíbrio emocional, autonomia espiritual e
consciência social.
Fundamentos dos Graus Inefáveis e o Legado dos Graus Simbólicos
Os graus inefáveis se apoiam nas fundações lançadas nos graus
simbólicos, Aprendiz, Companheiro e Mestre, onde o maçom toma contato com os
princípios universais da ética, do trabalho interior e da fraternidade. Com
base nessa tríade formativa, os graus de 4 a 14 desenvolvem temas que vão da base
da alegoria de Hiram Abif ao reencontro com o Nome Inefável — uma metáfora da
busca pelo conhecimento do Eu superior e da reintegração espiritual com o
divino.
A filosofia dos graus simbólicos convida o homem ao
autoconhecimento, à transformação de seu caráter e à vida virtuosa. Os graus
inefáveis, por sua vez, ampliam esse horizonte, desenvolvendo temas como
justiça, fidelidade, sabedoria, sofrimento, esperança, silêncio e redenção —
todos dotados de aplicação direta no cotidiano do maçom moderno.
Percurso dos Graus Inefáveis e seus Significados Práticos
Grau 4, Mestre Secreto
Este grau trata da fidelidade, discrição e vigilância. O maçom é
introduzido na importância do dever silencioso, do segredo como preservação do
sagrado e do compromisso com a Verdade. Em um mundo saturado de vaidades e
superficialidades, o silêncio virtuoso e a escuta ativa tornam-se
recursos fundamentais nas relações humanas e profissionais.
Grau 5, Mestre Perfeito
Aqui, o valor do trabalho bem realizado e da perfeição interior
são exaltados. O grau simboliza a construção moral contínua. Na vida cotidiana,
essa lição se manifesta na excelência ética e na busca da qualidade em todas as
esferas da existência — seja no ofício profissional, seja na vida familiar e
comunitária.
Grau 6, Secretário Íntimo
Neste grau, o maçom é chamado à lealdade, à discrição e à
diplomacia. A importância da palavra medida, da prudência no conselho e do
discernimento são centrais. A aplicação prática é evidente nas funções de
liderança, no trato com o poder e na gestão de conflitos sociais ou pessoais.
Grau 7, Preboste e Juiz
Este grau introduz o maçom à justiça, à imparcialidade e
à responsabilidade. O símbolo do juiz não é apenas institucional, mas interno: os
maçons são chamados a julgar os próprios atos com equidade. Num tempo de
polarizações e juízos apressados, o maçom é lembrado de ser justo, ponderado e
ético.
Grau 8, Intendente dos Edifícios
Este grau simboliza a administração eficiente dos recursos e
da vida interior. Praticamente, incentiva o maçom a organizar sua
existência com equilíbrio entre espírito e matéria, entre razão e
intuição. Torna-se modelo de gestão pessoal, familiar e até mesmo financeira.
Grau 9, Mestre Eleito dos Nove
Neste grau, o tema da justiça retributiva[1] se
intensifica, com ênfase na luta contra a hipocrisia e o mal. O maçom é
convidado a encarar seus próprios vícios e a combater a injustiça. Trata-se de
uma lição sobre coragem moral, com aplicação direta na cidadania ativa e na
integridade.
Grau 10, Mestre Eleito dos Quinze
Relaciona-se com a libertação do espírito e com a busca
dos valores ocultos. O maçom aprende que o bem deve ser resgatado da opressão.
Na vida prática, traduz-se em empatia, solidariedade e persistência frente às
adversidades.
Grau 11, Sublime Cavaleiro Eleito ou Cavaleiro Eleito dos XII
Este grau explora a honra e a consagração ao serviço do bem. O
cavaleiro é símbolo da aliança entre força e justiça. A virtude da lealdade se
une ao compromisso social e à nobreza de caráter — um modelo para a ação no
mundo contemporâneo.
Grau 12, Grão-mestre Arquiteto
Neste ponto, a sabedoria é o foco. O maçom é instado a
cultivar o pensamento crítico, a razão e a ciência. O grau valoriza o
conhecimento útil e aplicável. Num tempo de excesso de informação, ele
propõe discernimento e aprofundamento como antídotos à ignorância.
Grau 13, Cavaleiro do Real Arco
Aqui, o mergulho e escavação do templo interior atinge um ponto
alto. Trata-se da revelação de que o Nome Inefável — o Eu superior — reside
dentro de nós. O símbolo do Real Arco evoca o renascimento espiritual.
Na vida cotidiana, essa é uma poderosa lição de introspecção e espiritualidade.
Grau 14, Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom
Encerra os graus inefáveis. Este grau representa a plenitude
da jornada interior. É o grau da reintegração, onde o maçom compreende que
o templo é o próprio ser. Praticamente, o grau propõe uma vida de equilíbrio,
sabedoria, serviço e transcendência — aplicável em todas as dimensões do
existir.
Os Graus Inefáveis e a Realidade Contemporânea
Vivemos uma época em que os valores que sustentam a vida plena
estão sendo dissolvidos pelo niilismo, pelo consumo desenfreado e pela crise
das instituições. A jornada dos graus inefáveis, com sua mística velada e seus
arquétipos simbólicos, oferece ao homem moderno uma via de resgate da
interioridade e de reintegração com o cosmos.
A prática do silêncio, da justiça, da administração prudente, da
luta contra o mal, da lealdade, da busca da sabedoria e da espiritualidade
consciente se configura como um mapa existencial para quem deseja transformar
sua vida num caminho significativo. Mais que um rito, trata-se de um
aprendizado simbólico para o amadurecimento da alma[2].
Resultados Práticos na Vida do Maçom
O impacto dos graus inefáveis não se restringe ao domínio
iniciático, mas alcança o cotidiano em seu sentido mais amplo:
·
Na vida familiar, o maçom aprende a ser
exemplo de paciência, justiça, amor e firmeza moral;
·
Na vida profissional, age com retidão,
busca a excelência, cultiva o saber e administra com equilíbrio;
·
Na vida emocional, torna-se senhor de si,
cultivando o autoconhecimento e a serenidade;
·
Na vida social, age como cidadão ético,
combatendo a corrupção, promovendo a paz e sendo solidário;
·
Na vida espiritual, caminha na busca do
sagrado, não como dogma, mas como expressão íntima do Uno.
Cada grau, ao modo de um degrau iniciático, contribui
para edificar esse templo invisível dentro do homem — aquele onde habita o dono
do Nome Inefável, que é a própria centelha divina em cada um[3]. Cada
grau é um novo estado de consciência que fortalece a iniciação interna
que o maçom busca para a sua vida.
Conclusão
A profunda jornada pelos graus inefáveis do Rito Escocês Antigo
e Aceito não é apenas uma escalada hierárquica. É, sobretudo, um convite à iniciação
interna — à travessia do deserto das ilusões até o oásis do sentido.
Em um tempo onde a sociedade parece anestesiada e desprovida de valores
consistentes, a sabedoria desses graus ressurge como farol ético e
espiritual.
Ao se lançar nesse caminho, o maçom não apenas estuda, mas vive
os símbolos, e deles extrai substância para a construção de uma vida válida de
ser vivida. Os graus inefáveis não apenas iluminam a consciência; provocam
ações concretas no mundo. E é por isso que, mais que nunca, fazem-se
necessários.
Bibliografia
1.
ALVES, Rubem, O Enigma da Religião, São Paulo,
Loyola, 2000;
2.
BACHELARD, Gaston, A Poética do Espaço, São
Paulo, Martins Fontes, 1998;
3.
ELIAS, Norbert, A Sociedade dos Indivíduos, Rio
de Janeiro, Jorge Zahar, 1994;
4.
FAVRE, Roger, O Simbolismo Maçônico, São Paulo,
Pensamento, 2003;
5.
GÉRALD, Christian, Os Ritos Maçônicos, História,
Doutrinas e Práticas, Lisboa, Hugin, 2001;
6.
GUÉNON, René, O Simbolismo da Cruz, São Paulo,
Pensamento, 2010;
7.
HALL, Manly P., Os Ensinamentos Secretos de
Todos os Tempos, São Paulo, Pensamento, 2007;
8.
PIETROBON, Luciano, Graus Filosóficos do Rito
Escocês Antigo e Aceito, Curitiba, Madras, 2015;
9.
WAITE, Arthur Edward, A Doutrina Secreta da
Maçonaria, São Paulo, Pensamento, 2009;
10. YATES,
Frances A., A Tradição Hermética, São Paulo, Cultrix, 2002;
[1]
A justiça retributiva é um conceito que se foca na punição do ofensor
como forma de retribuição pelo crime cometido, buscando restaurar a ordem
social que foi quebrada. Em outras palavras, a ideia central é que o criminoso
deve receber uma punição proporcional ao mal causado, como uma forma de
reparação;
[2]
Na filosofia, a alma é frequentemente concebida como o princípio vital
ou imaterial de um ser vivo, responsável pela consciência, pensamento e
emoções. Já na Maçonaria, a "alma" é entendida como o aspecto
espiritual do ser humano, ligado à busca pela evolução moral e pela conexão com
o Grande Arquiteto do Universo;
[3]
Na Maçonaria, a "centelha divina" refere-se à essência
espiritual ou divina inerente a cada ser humano, uma porção do Criador presente
em cada indivíduo. É a parte imortal e espiritual que nos conecta com a fonte
da criação. Essa centelha impulsiona a busca pela Verdade, justiça e bem, e é
vista como um potencial a ser despertado e desenvolvido ao longo da jornada
maçônica;
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