Charles Evaldo Boller
Valores Práticos para um Cotidiano com Sentido
A Maçonaria, enquanto escola simbólica e iniciática, oferece ao
homem moderno um caminho para o autoconhecimento e para a vivência de valores
superiores em um mundo em que a superficialidade e o materialismo tomam
proporções alarmantes. O Rito Escocês Antigo e Aceito, com sua estrutura
filosófica e moral complexa e harmônica, inicia seus ensinamentos nos três
graus simbólicos: Aprendiz, Companheiro e Mestre. Essa tríade é a base sobre a
qual repousa todo o edifício iniciático da Maçonaria escocesa. Embora simples
em aparência, esses graus contêm uma riqueza simbólica e prática capaz de
transformar radicalmente o modo como o indivíduo percebe a vida, seus deveres,
sua liberdade e sua espiritualidade.
Num momento histórico em que a sociedade parece perder-se em
automatismos, consumismos e ausência de sentido, os graus simbólicos do Rito
Escocês Antigo e Aceito oferecem ao homem uma oportunidade ímpar: a de
reencontrar-se com sua interioridade e reorientar sua existência para um eixo
ético, transcendente e autêntico. A proposta é clara: não basta pertencer à
Maçonaria — é preciso ser maçom. E essa essência se adquire mediante a vivência
dos valores fundamentais propostos já nos três primeiros graus. O que se segue
é uma análise filosófica e prática dos valores simbólicos contidos nos graus
simbólicos, com especial destaque aos seus efeitos concretos na vida cotidiana.
O Primeiro Grau, Aprendiz, o Silêncio Como Caminho
O Aprendiz é aquele que se inicia. Etimologicamente, iniciar é
começar, mas também é entrar no mistério. O Aprendiz ingressa em um Universo simbólico
que busca resgatar a dimensão esquecida do sagrado. No grau de Aprendiz, o
silêncio é a primeira grande lição. Não que o Aprendiz fique calado e proibido
de se expressar, esse silêncio é outro, interno, místico, contemplativo. Ele
representa mais do que o calar-se: é a escuta ativa do mundo interior, do
próximo e da Tradição. O silêncio é ferramenta contra a dispersão e a
superficialidade, vícios tão comuns na contemporaneidade.
No plano prático, o Aprendiz é convidado a refletir sobre suas
ações, a dominar suas paixões, a adquirir hábitos de ordem e disciplina. Esses
valores, quando internalizados, produzem efeitos notáveis: melhoram as relações
familiares e profissionais, aumentam a capacidade de concentração, fortalecem o
autocontrole e o autoconhecimento. Em uma sociedade marcada pela impulsividade,
o Aprendiz aprende a ser constante. O esquadro e o compasso sugerem que a vida
deve ser medida com justiça e equilíbrio — valores raros no mundo atual, mas
urgentes para uma vida interessante e válida.
O Aprendiz é também um trabalhador do espírito. Na pedra bruta —
símbolo de si mesmo — ele deve identificar arestas, vícios, incoerências. Não
há autoengano possível para o Aprendiz. Ele aprende que é na humildade e na lapidação
de si mesmo que nasce a dignidade do ser humano.
O Segundo Grau, Companheiro, o Trabalho Como Aperfeiçoamento
O Companheiro é o que trabalha com outros, que sai do isolamento
da aprendizagem inicial e caminha ao lado de irmãos. Neste grau, valoriza-se o
saber, o estudo das ciências e artes liberais, a razão em equilíbrio com a
intuição. O Companheiro começa a compreender o mundo como obra simbólica e,
portanto, como espaço de significados profundos.
No cotidiano, o Companheiro representa o homem que busca a
excelência no agir. Profissionalmente, significa empenhar-se em seu ofício com
retidão e competência. Em suas relações, ele busca o diálogo, a fraternidade, o
entendimento mútuo. A ética do trabalho, o compromisso com a Verdade, a
valorização do conhecimento e a busca pela beleza — todos são valores que
tornam a vida mais rica, mais justa, mais bela.
Num tempo em que o conhecimento técnico é divorciado da
sabedoria e onde a especialização frequentemente anula a visão total do ser
humano, o Companheiro é convidado a desenvolver o pensamento simbólico, a
harmonizar razão e espiritualidade. É neste grau que o maçom aprende que
construir-se é também construir o mundo — com justiça, harmonia e beleza.
O nível ensina a igualdade essencial entre os homens e a
humildade do verdadeiro saber. Em sua vivência prática, esse ensinamento
convida à empatia, ao respeito às diferenças e à valorização do outro como um
companheiro na jornada do existir.
O Terceiro Grau, Mestre Maçom, a Morte Como Iniciação à Vida Plena
O grau de Mestre é o ápice dos graus simbólicos. Nele, o maçom é
confrontado com o mistério da morte — não como fim, mas como transformação. O
mito de Hiram Abif, central neste grau, é símbolo da fidelidade à verdade,
mesmo diante da injustiça e da violência. A morte de Hiram representa a perda
da palavra, do sagrado, da sabedoria. Mas seu reencontro simboliza o
renascimento espiritual, a ressurreição do homem integral.
Na vida prática, o Mestre Maçom é aquele que busca a coerência
entre discurso e ação. É o que serve, o que lidera com sabedoria, o que
transmite conhecimento e valores. Ele é o construtor de pontes entre o mundo
visível e o invisível, entre a razão e o mistério, entre o indivíduo e a
coletividade.
A meditação sobre a morte, longe de ser mórbida, convida o
Mestre à urgência da vida com sentido. Ele aprende a valorizar o tempo, a
presença, a palavra, o gesto. Desenvolve espiritualidade, senso de missão,
responsabilidade ética. Em um mundo que evita falar da morte, o Mestre olha
para ela como parte integrante da vida — e isso o torna mais humano, mais
compassivo, mais justo.
O esquadro e o compasso sobrepostos, símbolo do grau, apontam
para a perfeição espiritual e moral. A régua de 24 polegadas — símbolo do tempo
bem distribuído — ensina que uma vida com propósito requer disciplina e
dedicação às diversas dimensões da existência: espiritual, familiar, social e
profissional.
Os Graus Simbólicos e a Realidade Contemporânea
A realidade atual é marcada pela desorientação axiológica[1]: não
sabemos mais o que é certo ou errado, o que tem valor ou o que é descartável.
Os valores da tradição maçônica — verdade, fraternidade, liberdade, sabedoria,
trabalho, silêncio, disciplina, morte iniciática, transcendência — aparecem
como um mapa para o homem contemporâneo reencontrar-se.
Esses valores simbólicos, quando praticados, produzem efeitos
concretos:
·
Na vida familiar, promovem o diálogo, a
paciência, o cuidado com o outro;
·
Na vida profissional, estimulam a ética,
o perfeccionismo, a responsabilidade;
·
Na vida pessoal, favorecem o
autoconhecimento, a superação de vícios e limitações, o cultivo de virtudes;
·
Na vida espiritual, oferecem uma
cosmovisão que une o visível e o invisível, o imanente e o transcendente.
Os três graus simbólicos formam uma curta, mas profunda jornada
mística que, se vivida com seriedade, pode encantar a existência outra vez. A
iniciação, nesse sentido, não é um rito vazio, mas um apelo à transformação.
A Maçonaria não propõe respostas prontas, mas perguntas profundas. Não oferece
dogmas, mas símbolos — e são eles que falam à alma e ao espírito do homem
cansado de respostas rasas.
A Pequena Jornada que Contém o Todo
Na prática iniciática do Rito Escocês Antigo e Aceito, os três
graus simbólicos encerram um tesouro inesgotável. Embora muitos vejam neles
apenas uma introdução ao caminho maçônico, a verdade é que contêm a essência
da jornada: o silêncio que prepara a alma, o trabalho que
lapida a razão, e a morte simbólica que desperta o espírito.
No mundo atual, em que o tédio existencial e o niilismo[2] ganham
terreno, a Maçonaria propõe um retorno ao simbólico como via de ressignificação[3]. É um
chamado à iniciação interna, à lapidação constante do eu, ao resgate de uma
vida interessante e válida de ser vivida. O maçom não foge do mundo — ele o
transforma a partir da transformação de si mesmo.
Que o Aprendiz, o Companheiro e o Mestre que habitam em nós não
adormeçam. Que continuem escutando, trabalhando e transcendendo. Pois a pedra
bruta só encontra sentido ao tornar-se pilar do templo — e o templo é o próprio
ser.
Bibliografia
1.
BERNHEIM, Alain, A Maçonaria Simbólica, São
Paulo, Madras, 2005;
2.
ELIADE, Mircea, O Sagrado e o Profano, São Paulo,
Martins Fontes, 1992;
3.
GÉLIS, Jacques, O Corpo e o Sagrado, Lisboa,
Teorema, 1991;
4.
GUÉNON, René, O Simbolismo da Cruz, São Paulo,
Pensamento, 2004;
5.
HEIDENREICH, Paulo, O Maçom e a Jornada
Iniciática, Porto Alegre, Artes e Ofícios, 2010;
6.
LIMA, João Ricardo Moderno, O Simbolismo
Maçônico, Rio de Janeiro, Maçônica, 2011;
7.
PIRES, José Hermógenes, Os Graus Simbólicos e a
Transformação do Ser, Belo Horizonte, Lux In Tenebris, 2003;
8.
SCHUON, Frithjof, O Sentido da Tradição, São
Paulo, Attar, 2000;
9.
YATES, Frances, A Tradição Hermética na
Renascença, São Paulo, Cultrix, 2005;
[1]
Desorientação axiológica refere-se à falta de clareza ou confusão em
relação aos valores e princípios que guiam as ações e escolhas de um indivíduo
ou de uma sociedade. É um termo usado para descrever um estado em que as
pessoas perdem o senso do que é importante, do que é certo ou errado, e do que
vale a pena buscar na vida. Em outras palavras, é quando há uma dúvida ou
incerteza sobre quais valores são válidos e devem ser seguidos, levando a uma
sensação de perda de direção e propósito;
[2]
O niilismo é uma corrente filosófica que questiona ou nega a existência
de significado, valor, propósito ou verdade na vida, na moralidade e na
existência como um todo. Em sua forma mais extrema, o niilismo afirma que nada
tem valor intrínseco, significado ou propósito. O termo deriva do latim
"nihil", que significa "nada".
[3]
Ressignificação é o ato de dar um novo significado a algo, especialmente
a experiências passadas, buscando uma perspectiva mais positiva ou funcional.
Em outras palavras, é mudar a forma como interpretamos e sentimos algo que
antes nos afetava negativamente, transformando essa experiência em aprendizado
ou oportunidade de crescimento;
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