Charles Evaldo Boller
A Tolerância como Pilar Maçônico
Na tradição maçônica, a tolerância não é concebida como uma
aceitação indiscriminada de tudo e de todos. Ao contrário, é um atributo que
deve ser cultivado com discernimento, fundamentado na razão, na moral e na
defesa intransigente da liberdade. Ao maçom é ensinado que a virtude só
floresce quando temperada por limites claros, pois a tolerância ilimitada se
transforma em cumplicidade com o erro, o abuso e a tirania.
O conceito maçônico de tolerância remonta ao momento de sua
própria gênese histórica: a Maçonaria moderna surgiu como resposta à
intolerância política e religiosa que assolava a Europa nos séculos XVII e
XVIII. Nesse contexto, a Ordem adotou como princípio essencial a convivência
pacífica entre homens de credos e origens diversas, mas sempre subordinando
essa convivência ao respeito inegociável às leis, à justiça e à dignidade
humana.
Fundamentos Filosóficos e Históricos
Historicamente, a Maçonaria se estruturou a partir de um ideal
ilustrado: promover o progresso intelectual e moral do indivíduo como via de
emancipação das massas. Inspirada pelo humanismo renascentista e pela filosofia
iluminista, a Ordem reconheceu que um povo instruído é invulnerável à tirania,
enquanto um povo ignorante jamais conhecerá a verdadeira liberdade.
Grandes marcos da luta maçônica contra a intolerância incluem o
movimento abolicionista no Brasil e as reformas laicas promovidas por figuras
como o Marechal Deodoro da Fonseca, que, mesmo governando por curto período,
implementou medidas que separaram o Estado da Igreja, secularizaram instituições
e garantiram direitos civis universais.
A Maçonaria, contudo, não confunde tolerância com
permissividade. É um espaço onde a liberdade de pensamento é incentivada, mas
também onde se exige rigor no combate a qualquer força que ameace a integridade
moral, intelectual ou espiritual do indivíduo e da coletividade.
Simbolismo da Tolerância e seus Limites
O ensinamento da tolerância, no campo simbólico, é refletido no
esquadro e no compasso, instrumentos que representam a retidão moral e os
limites da ação humana. O esquadro indica que nossas ações devem estar
alinhadas à justiça e à verdade; o compasso lembra que nossas opiniões e
julgamentos devem respeitar o espaço legítimo do outro, sem invadir o campo da
arbitrariedade.
A estrela de cinco pontas inscrita no círculo do compasso e
esquadro é um símbolo da harmonia entre o espírito e a matéria. Ela recorda ao
iniciado que a tolerância não é renúncia à verdade, mas moderação na forma de
apresentá-la, preservando a dignidade de todos os envolvidos.
Essa concepção ecoa a "Regra
de Ouro", presente em várias tradições espirituais: "Não faças ao outro o que não queres que te
façam." Na visão maçônica, esta máxima é sempre mediada pela
responsabilidade moral de não tolerar o intolerável.
Dimensão Metafísica e Esotérica
No plano esotérico, a tolerância está ligada ao conceito de
harmonia cósmica. O maçom aprende que o Universo é regido por leis imutáveis e
que a dissonância moral ou espiritual, seja pela intolerância extrema ou pela
permissividade absoluta, rompe o equilíbrio necessário à evolução do ser.
Do ponto de vista iniciático, a tolerância é o campo de prova do
ego. Ela exige a superação de impulsos instintivos de vingança, vaidade
intelectual e arrogância moral, substituindo-os pela busca serena da Verdade.
No entanto, essa serenidade não é passividade:
é vigilância ativa contra as forças do erro e da ignorância.
Assim, a tolerância maçônica é também uma prática de alquimia
interna, na qual os metais brutos das paixões e preconceitos são transmutados
em ouro espiritual: a sabedoria que sabe quando ceder e quando resistir.
Aspecto Social e Político
Na esfera social, a tolerância é a base da convivência pacífica
e do pluralismo democrático. Entretanto, a experiência histórica mostra que
sociedades que praticaram tolerância irrestrita com o intolerante sucumbiram ao
autoritarismo. O filósofo Karl Popper cunhou, no século XX, o chamado "Paradoxo da Tolerância", segundo o
qual, para preservar uma sociedade tolerante, é necessário ser intolerante com
as ideias e práticas que visam destruir a própria tolerância.
O maçom, como agente moral e cidadão consciente, é treinado para
reconhecer esse limite e agir contra qualquer ameaça às liberdades
fundamentais. A Ordem, por sua vez, oferece o ambiente propício ao exercício
dessa responsabilidade por meio do debate filosófico, da análise crítica e do
compromisso prático com a justiça.
Aplicações Práticas na Vida Maçônica
A prática da tolerância com limites se manifesta na rotina das
lojas Maçônicas em três frentes principais:
1.
Debates Filosóficos - O maçom é
incentivado a expor suas ideias e ouvir as alheias, mesmo que discordantes,
mantendo a urbanidade e a lógica no discurso.
2.
Decisões Coletivas - No processo
deliberativo, a tolerância é essencial para permitir a participação de todos,
mas as decisões são tomadas com base nos Landmarks e nos princípios imutáveis
da Ordem.
3.
Ação Social - A Maçonaria, ao atuar em
causas filantrópicas e educativas, tolera diferenças de opinião, mas não admite
práticas contrárias à dignidade humana ou que sustentem injustiças.
Virtude em Equilíbrio
A tolerância, para o maçom, é uma virtude de equilíbrio:
demasiada, degenera em fraqueza moral; insuficiente, converte-se em rigidez
sectária. A Maçonaria ensina que ser tolerante é um
ato de amor, mas um amor disciplinado, que protege o justo e repele o injusto.
A harmonia da Loja, e por extensão da sociedade, depende da
presença dessa virtude exercida com sabedoria. E onde não houver tolerância com
limites, não haverá amor, e onde não houver amor, o Grande Arquiteto do
Universo não se manifesta.
Bibliografia
1.
ANDERSON,
James. The Constitutions of the Free-Masons (1723); texto fundador da
Maçonaria Especulativa, estabelece as bases da convivência pacífica entre
homens de diferentes credos e opiniões, desde que respeitadas as leis e a
moral;
2.
ECO, Umberto. Cinco Escritos Morais (1997); aborda
a tolerância como valor ético e cultural, mostrando a importância de seus
limites para a preservação da civilização;
3.
GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno (1927); analisa
a decadência moral e espiritual das sociedades contemporâneas e destaca a
necessidade de princípios firmes para evitar o colapso cultural;
4.
MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry
(1873); obra de referência que explora o simbolismo e a prática maçônica,
incluindo a definição de virtudes como a tolerância e seus limites;
5.
PIKE,
Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of
Freemasonry (1871); interpretação filosófica e esotérica dos graus do Rito
Escocês, enfatizando a harmonia entre liberdade de pensamento e disciplina
moral;
6.
POPPER,
Karl. The Open Society and Its Enemies (1945); introduz o "paradoxo da tolerância" e demonstra
que a defesa da sociedade livre exige intolerância contra forças destrutivas;
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