quarta-feira, 13 de agosto de 2025

A Tolerância na Tradição Maçônica: Virtude com Limites

 Charles Evaldo Boller

A Tolerância como Pilar Maçônico

Na tradição maçônica, a tolerância não é concebida como uma aceitação indiscriminada de tudo e de todos. Ao contrário, é um atributo que deve ser cultivado com discernimento, fundamentado na razão, na moral e na defesa intransigente da liberdade. Ao maçom é ensinado que a virtude só floresce quando temperada por limites claros, pois a tolerância ilimitada se transforma em cumplicidade com o erro, o abuso e a tirania.

O conceito maçônico de tolerância remonta ao momento de sua própria gênese histórica: a Maçonaria moderna surgiu como resposta à intolerância política e religiosa que assolava a Europa nos séculos XVII e XVIII. Nesse contexto, a Ordem adotou como princípio essencial a convivência pacífica entre homens de credos e origens diversas, mas sempre subordinando essa convivência ao respeito inegociável às leis, à justiça e à dignidade humana.

Fundamentos Filosóficos e Históricos

Historicamente, a Maçonaria se estruturou a partir de um ideal ilustrado: promover o progresso intelectual e moral do indivíduo como via de emancipação das massas. Inspirada pelo humanismo renascentista e pela filosofia iluminista, a Ordem reconheceu que um povo instruído é invulnerável à tirania, enquanto um povo ignorante jamais conhecerá a verdadeira liberdade.

Grandes marcos da luta maçônica contra a intolerância incluem o movimento abolicionista no Brasil e as reformas laicas promovidas por figuras como o Marechal Deodoro da Fonseca, que, mesmo governando por curto período, implementou medidas que separaram o Estado da Igreja, secularizaram instituições e garantiram direitos civis universais.

A Maçonaria, contudo, não confunde tolerância com permissividade. É um espaço onde a liberdade de pensamento é incentivada, mas também onde se exige rigor no combate a qualquer força que ameace a integridade moral, intelectual ou espiritual do indivíduo e da coletividade.

Simbolismo da Tolerância e seus Limites

O ensinamento da tolerância, no campo simbólico, é refletido no esquadro e no compasso, instrumentos que representam a retidão moral e os limites da ação humana. O esquadro indica que nossas ações devem estar alinhadas à justiça e à verdade; o compasso lembra que nossas opiniões e julgamentos devem respeitar o espaço legítimo do outro, sem invadir o campo da arbitrariedade.

A estrela de cinco pontas inscrita no círculo do compasso e esquadro é um símbolo da harmonia entre o espírito e a matéria. Ela recorda ao iniciado que a tolerância não é renúncia à verdade, mas moderação na forma de apresentá-la, preservando a dignidade de todos os envolvidos.

Essa concepção ecoa a "Regra de Ouro", presente em várias tradições espirituais: "Não faças ao outro o que não queres que te façam." Na visão maçônica, esta máxima é sempre mediada pela responsabilidade moral de não tolerar o intolerável.

Dimensão Metafísica e Esotérica

No plano esotérico, a tolerância está ligada ao conceito de harmonia cósmica. O maçom aprende que o Universo é regido por leis imutáveis e que a dissonância moral ou espiritual, seja pela intolerância extrema ou pela permissividade absoluta, rompe o equilíbrio necessário à evolução do ser.

Do ponto de vista iniciático, a tolerância é o campo de prova do ego. Ela exige a superação de impulsos instintivos de vingança, vaidade intelectual e arrogância moral, substituindo-os pela busca serena da Verdade. No entanto, essa serenidade não é passividade: é vigilância ativa contra as forças do erro e da ignorância.

Assim, a tolerância maçônica é também uma prática de alquimia interna, na qual os metais brutos das paixões e preconceitos são transmutados em ouro espiritual: a sabedoria que sabe quando ceder e quando resistir.

Aspecto Social e Político

Na esfera social, a tolerância é a base da convivência pacífica e do pluralismo democrático. Entretanto, a experiência histórica mostra que sociedades que praticaram tolerância irrestrita com o intolerante sucumbiram ao autoritarismo. O filósofo Karl Popper cunhou, no século XX, o chamado "Paradoxo da Tolerância", segundo o qual, para preservar uma sociedade tolerante, é necessário ser intolerante com as ideias e práticas que visam destruir a própria tolerância.

O maçom, como agente moral e cidadão consciente, é treinado para reconhecer esse limite e agir contra qualquer ameaça às liberdades fundamentais. A Ordem, por sua vez, oferece o ambiente propício ao exercício dessa responsabilidade por meio do debate filosófico, da análise crítica e do compromisso prático com a justiça.

Aplicações Práticas na Vida Maçônica

A prática da tolerância com limites se manifesta na rotina das lojas Maçônicas em três frentes principais:

1.      Debates Filosóficos - O maçom é incentivado a expor suas ideias e ouvir as alheias, mesmo que discordantes, mantendo a urbanidade e a lógica no discurso.

2.      Decisões Coletivas - No processo deliberativo, a tolerância é essencial para permitir a participação de todos, mas as decisões são tomadas com base nos Landmarks e nos princípios imutáveis da Ordem.

3.      Ação Social - A Maçonaria, ao atuar em causas filantrópicas e educativas, tolera diferenças de opinião, mas não admite práticas contrárias à dignidade humana ou que sustentem injustiças.

Virtude em Equilíbrio

A tolerância, para o maçom, é uma virtude de equilíbrio: demasiada, degenera em fraqueza moral; insuficiente, converte-se em rigidez sectária. A Maçonaria ensina que ser tolerante é um ato de amor, mas um amor disciplinado, que protege o justo e repele o injusto.

A harmonia da Loja, e por extensão da sociedade, depende da presença dessa virtude exercida com sabedoria. E onde não houver tolerância com limites, não haverá amor, e onde não houver amor, o Grande Arquiteto do Universo não se manifesta.

Bibliografia

1.      ANDERSON, James. The Constitutions of the Free-Masons (1723); texto fundador da Maçonaria Especulativa, estabelece as bases da convivência pacífica entre homens de diferentes credos e opiniões, desde que respeitadas as leis e a moral;

2.      ECO, Umberto. Cinco Escritos Morais (1997); aborda a tolerância como valor ético e cultural, mostrando a importância de seus limites para a preservação da civilização;

3.      GUÉNON, René. A Crise do Mundo Moderno (1927); analisa a decadência moral e espiritual das sociedades contemporâneas e destaca a necessidade de princípios firmes para evitar o colapso cultural;

4.      MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry (1873); obra de referência que explora o simbolismo e a prática maçônica, incluindo a definição de virtudes como a tolerância e seus limites;

5.      PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry (1871); interpretação filosófica e esotérica dos graus do Rito Escocês, enfatizando a harmonia entre liberdade de pensamento e disciplina moral;

6.      POPPER, Karl. The Open Society and Its Enemies (1945); introduz o "paradoxo da tolerância" e demonstra que a defesa da sociedade livre exige intolerância contra forças destrutivas;

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