sábado, 9 de agosto de 2025

Grau 5, a Construção do Templo com Retidão

 Charles Evaldo Boller

O grau 5 do Rito Escocês Antigo e Aceito, intitulado Mestre Perfeito, representa um momento simbólico de reconstrução interior e aprofundamento moral no caminho do maçom. Após os quatro primeiros graus, nos quais o maçom aprende as bases da construção do templo interior, o quinto grau propõe a superação da dor, da perda e da desilusão, direcionando o iniciado à perfeição ética, à justiça e à sabedoria aplicada. Tal grau adquire especial relevância quando lido à luz das necessidades e aspirações do adulto contemporâneo, em sua busca por liberdade, autonomia, equilíbrio financeiro, liderança e desenvolvimento espiritual.

O Grau 5: Contexto Simbólico e Filosófico

O Mestre Perfeito é aquele que, diante da ausência de seu mestre ideal, Hiram Abif, decide continuar a construção do templo com retidão. Ele honra a memória e os ensinamentos de seu mestre não apenas com sentimentos, mas com ações concretas. O grau trata do sepultamento digno de Hiram, indicando que a dor pela perda deve ser transmutada em ação moral e progresso contínuo. A simbologia do túmulo, da urna e das lágrimas não convida à estagnação melancólica, mas ao reconhecimento do valor do mestre e ao compromisso com os ideais mais elevados. O maçom, neste estágio, torna-se guardião da virtude e da integridade moral.

Liberdade e Autonomia como Bases da Reconstrução

A busca pela liberdade, nesta fase, não é apenas externa (política ou social), mas interna: a libertação dos apegos emocionais destrutivos, do ego inflado, da escravidão do consumo e das paixões desordenadas. O Mestre Perfeito compreende que liberdade é aquela cultivada pela autodisciplina e pelo discernimento ético (Kant, 2003). Assim, o grau favorece o desenvolvimento da autonomia, conceito central da Andragogia, conforme definido por Knowles (1980), como a capacidade de se autogerir no processo de aprendizagem e na vida.

Aplicações Econômicas e Controle Financeiro

A ética da responsabilidade, emergente neste grau, possui implicações práticas na vida econômica. O maçom, ao tornar-se "perfeito", deve gerenciar seus recursos com prudência, parcimônia e honestidade, pois compreende que a estabilidade financeira é também um alicerce da liberdade. A simbologia do túmulo e da memória de Hiram reforça a necessidade de se valorizar o legado e o trabalho honesto. A consciência de que os bens são transitórios orienta o Mestre Perfeito a priorizar investimentos no conhecimento, na família e no progresso humano, reduzindo o apelo consumista e aderindo a uma ética financeira madura (Sen, 1999).

Edificação Ética e Moral

A ética no grau 5 é elevada à condição de telos[1], ou seja, de finalidade maior da ação humana. O maçom é chamado à perfeição moral, compreendida como um processo contínuo de aperfeiçoamento interior. Inspirando-se na tradição estoica e nos ensinamentos cristãos e judaicos que permeiam o Rito Escocês Antigo e Aceito, o Mestre Perfeito assume o compromisso de agir com justiça, lealdade e verdade. A moralidade aqui não é apenas um conjunto de regras, mas um modo de ser que se expressa na vida cotidiana: na palavra honrada, na responsabilidade profissional, na fidelidade familiar e no respeito pelo outro (Macintyre, 2001).

Liderança Consciente e Responsável

No contexto simbólico do grau 5, o maçom é convocado a liderar pelo exemplo. A liderança não é compreendida como dominação ou prestígio, mas como serviço, inspiração e construção coletiva. Em sua prática, o Mestre Perfeito deve ser capaz de influenciar positivamente seu entorno: empresa, família, loja e comunidade. Ele assume posturas proativas, promove o diálogo e estimula o desenvolvimento dos outros. Essa forma de liderança está alinhada com o modelo da liderança servidora (Greenleaf, 2002), em que o líder é, acima de tudo, um servidor da verdade e do bem comum.

Valores Aplicáveis à Vida Empresarial

Na vida empresarial, o grau oferece fundamentos sólidos para o exercício ético e sustentável dos negócios. Como proprietário, o Mestre Perfeito deve adotar práticas empresariais justas e humanizadas. Como funcionário, deve agir com responsabilidade, comprometimento e honestidade. Como gerente, deve integrar liderança com sensibilidade, inteligência emocional e justiça. A retidão ensinada pelo grau é incompatível com a corrupção, a exploração e a fraude. Assim, o maçom fortalece a cultura da integridade organizacional e atua como agente de transformação nas instituições em que opera (Friedman, 2005).

Fortalecimento da Família como Núcleo Humano

No âmbito familiar, o grau inspira o maçom a se tornar um pilar de equilíbrio e sabedoria. A memória de Hiram, honrada no ritual, ensina o valor da figura do mestre como guia, o que pode ser traduzido em termos de paternidade consciente, companheirismo e dedicação à educação dos filhos. A família é reconhecida como espaço privilegiado para a transmissão dos valores morais, culturais e espirituais. A harmonia conjugal, o diálogo intergeracional e a formação integral dos filhos são responsabilidades éticas do Mestre Perfeito (Bauman, 2004).

Desenvolvimento da Inteligência e do Livre-Pensar

O grau propicia o aprimoramento da inteligência racional, emocional e espiritual. A valorização da sabedoria prática (phronesis[2]), em Aristóteles (2001), é aqui reafirmada. O Mestre Perfeito é incentivado a refletir criticamente, estudar, questionar e buscar a verdade com humildade. Esse processo leva à formação do ser livre-pensante, que não se submete passivamente a dogmas, ideologias ou manipulações, mas busca o conhecimento com discernimento. Trata-se da recuperação da razão ilustrada, aliada à espiritualidade consciente (Habermas, 2003).

Incremento Cultural, Acadêmico e Científico

Na perspectiva do grau 5, o aprimoramento cultural e científico é um dever moral. A formação contínua em diversas áreas do saber contribui para o progresso individual e coletivo. A erudição não é vaidade, mas ferramenta de serviço. O maçom deve ser agente de circulação de saber, de democratização do conhecimento e de defesa da verdade científica em tempos de negacionismo[3]. A Maçonaria, como espaço de diálogo e investigação, pode fomentar grupos de estudo, círculos de leitura e debates filosóficos que ampliem o repertório dos irmãos (Morin, 2005).

Educação Emocional e Diálogo com as Ciências Humanas

A educação emocional é central na filosofia do Mestre Perfeito. Ele deve aprender a reconhecer, regular e expressar suas emoções com maturidade. A compaixão, o perdão e a empatia tornam-se virtudes indispensáveis. O contato com as ciências humanas — psicologia, sociologia, filosofia, história — contribui para ampliar a compreensão de si e do outro. O diálogo com religiões comparadas favorece o respeito à diversidade espiritual, fomentando uma espiritualidade ecumênica e integradora (Eliade, 2000).

Educação de Adultos e Andragogia

Como adulto em processo de aperfeiçoamento, o Mestre Perfeito deve assumir o protagonismo de sua educação, conforme os princípios da andragogia (Knowles, 1980). Ele aprende pela experiência, pela reflexão e pela aplicação prática do conhecimento. A loja torna-se um espaço privilegiado de aprendizagem colaborativa, onde o debate, o exemplo e o testemunho são fontes de crescimento mútuo. Os valores transmitidos no grau são consolidados quando internalizados pelo maçom adulto e aplicados em sua vida concreta.

Progresso Maçônico e Transformação Interna

O progresso na Maçonaria exige transformação interna. O grau 5 propõe um rito de passagem simbólico em que o maçom abandona a imaturidade moral e assume a responsabilidade por seu aperfeiçoamento. O "túmulo" de Hiram torna-se um símbolo de renascimento, indicando que todo aprendizado maçônico visa não apenas o conhecimento, mas a conversão existencial. O Mestre Perfeito não é aquele que sabe, mas aquele que vive o que aprendeu. Ele é símbolo de coerência, humildade e serviço.

Despertar do Ser Sagrado e Desenvolvimento Espiritual

O grau estimula o despertar do sagrado que habita no homem. Trata-se de um espiritualismo não dogmático, que reconhece o divino na interioridade do ser e na ética do amor ao próximo. A espiritualidade do Mestre Perfeito é ativa, operante, vinculada à prática da justiça e da verdade. Ao se aproximar do "sagrado" — seja ele compreendido teologicamente ou metafisicamente — o maçom transcende a banalidade e reencontra o sentido mais profundo da existência (Assmann, 2000).

Considerações Finais

O grau 5 do Rito Escocês Antigo e Aceito, ao propor a perfeição simbólica do mestre por meio da ação justa, da memória honrada e da superação da dor, oferece ao adulto contemporâneo um guia para sua vida prática. Liberdade, autonomia, ética, liderança, educação, espiritualidade e desenvolvimento humano convergem na figura do Mestre Perfeito como arquétipo de maturidade e plenitude. Seu exemplo inspira não apenas o progresso maçônico, mas também o aperfeiçoamento da sociedade.

Bibliografia

1.      ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, São Paulo, abril Cultural, 2001;

2.      ASSMANN, Jan, O preço do monoteísmo, São Paulo, Unesp, 2000;

3.      BAUMAN, Zygmunt, Amor líquido, Sobre a fragilidade dos laços humanos, Rio de Janeiro, Zahar, 2004;

4.      ELIADE, Mircea, O sagrado e o profano, São Paulo, Martins Fontes, 2000;

5.      FRIEDMAN, Milton, Capitalismo e liberdade, São Paulo, abril Cultural, 2005;

6.      GREENLEAF, Robert, O líder servidor, São Paulo, Makron Books, 2002;

7.      HABERMAS, Jürgen, Consciência moral e agir comunicativo, Lisboa, Instituto Piaget, 2003;

8.      KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos costumes, São Paulo, Martins Fontes, 2003;

9.      KNOWLES, Malcolm, The Adult Learner, A Neglected Species, Houston, Gulf Publishing, 1980;

10.  MACINTYRE, Alasdair, Depois da virtude, São Paulo, Martins Fontes, 2001;

11.  MORIN, Edgar, Os sete saberes necessários à educação do futuro, São Paulo, Cortez, 2005;

12.  SEN, Amartya, Desenvolvimento como liberdade, São Paulo, Companhia das Letras, 1999;



[1] Ponto ou estado de caráter atrativo ou concludente para o qual se move uma realidade; finalidade, objetivo, alvo, destino. Fase final, derradeira; a última parte, o remate;

[2] Phronesis, em grego, significa sabedoria prática ou prudência. É a capacidade de tomar decisões corretas em situações concretas, especialmente em relação à ação moral e ao bem comum. Aristóteles considerava a phronesis uma virtude intelectual essencial para a vida ética;

[3] O negacionismo é a atitude de recusar a aceitação de fatos históricos ou científicos comprovados, mesmo diante de evidências robustas. Em outras palavras, é uma postura de recusa em reconhecer a validade de algo, geralmente com base em crenças pessoais ou interesses, em vez de evidências;

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