sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Liderança Ética, Fundamentada na Lei e Voltada ao Bem Comum

 Charles Evaldo Boller

O Grau 11 do Rito Escocês Antigo e Aceito, conhecido como Cavaleiro Eleito ou Cavaleiro Eleito dos Doze, é um dos graus filosóficos que sintetiza com rara elegância o espírito da justiça, da liderança e da responsabilidade cívica. Sua essência, como se revela pela lenda do grau, está na preparação do iniciado para exercer funções de governo ou participar ativamente da vida política, não como mero espectador, mas como agente de transformação e guardião da ordem justa.

A narrativa ritualística remete ao período de Salomão, que, tendo já escolhido quinze mestres de confiança no grau anterior, agora realiza um sorteio entre eles para eleger doze que comandariam as doze tribos de Israel. Estes mestres recebem não apenas a honra de governar, mas também instruções diretas das leis mosaicas, guardadas na Arca da Aliança, símbolo supremo da presença divina e do pacto entre o Eterno e o povo.

Essa passagem, rica em conteúdo simbólico, é o ponto de partida para reflexões históricas, esotéricas e práticas que ultrapassam o tempo bíblico e encontram aplicabilidade no mundo contemporâneo.

Aspecto Histórico

Contexto Bíblico e a Monarquia Salomônica

A lenda do grau 11 se insere no contexto da narrativa veterotestamentária[1] da monarquia de Israel. Salomão, conhecido por sua sabedoria e por sua habilidade política, consolidou um reino unificado, administrado com a colaboração de líderes regionais. A referência às doze tribos não é apenas geográfica ou administrativa, mas também teológica: elas representavam a totalidade do povo eleito.

A Arca da Aliança, que segundo a tradição continha as tábuas da Lei recebidas por Moisés no Sinai, não era apenas um artefato sagrado, mas o centro espiritual e jurídico de Israel. Conceder acesso ao conteúdo de suas leis significava conferir autoridade moral e política derivada de Deus.

O Número Doze na Tradição Antiga

Historicamente, o número doze está ligado a sistemas de governo e organização social desde a Antiguidade: doze meses no calendário, doze signos do zodíaco, doze olímpicos na mitologia grega, doze apóstolos no cristianismo. Em todos esses contextos, o número simboliza plenitude e harmonia administrativa. No contexto salomônico, o sorteio dos doze entre quinze mestres reforça a ideia de legitimidade e imparcialidade no acesso ao poder.

Paralelos na Tradição Maçônica

A Maçonaria, especialmente no Rito Escocês Antigo e Aceito, incorporou o simbolismo da escolha, da responsabilidade e do governo compartilhado como elementos centrais de seus graus capitulares e filosóficos. O grau 11, portanto, é herdeiro dessa concepção histórica de liderança distribuída e legitimada pelo consenso ou por critérios transparentes.

Aspecto Simbólico

O Sorteio Como Símbolo

O sorteio realizado por Salomão não é mero jogo de azar, mas símbolo da imparcialidade do destino quando guiado pela providência. No plano iniciático, indica que a liderança não é fruto de ambição pessoal, mas de um chamado legítimo, reconhecido pela comunidade e sancionado por um princípio superior.

A Arca da Aliança

No simbolismo maçônico, a Arca representa:

·         O depósito da lei moral: o conjunto de princípios universais que regem a conduta humana;

·         A presença do Grande Arquiteto do Universo: um espaço sagrado onde o homem encontra a verdade;

·         A memória da aliança: compromisso entre governantes e governados, entre o iniciado e sua própria consciência.

O Número Doze

Simboliza a ordem cósmica aplicada à sociedade. É o número da completude organizada: doze horas do dia e da noite, doze lados de um dodecágono perfeito, doze discípulos que espalham a mensagem do mestre.

Aspecto Metafísico

O grau 11, no plano metafísico, ensina que governar é uma função de mediação entre a lei divina e a realidade humana. O governante ideal é aquele que, consciente de sua própria imperfeição, procura alinhar-se ao padrão eterno do bem e da justiça.

A escolha dos doze remete ao arquétipo do "coro ordenado", forças humanas que refletem a harmonia celeste. Tal como as constelações no firmamento, cada tribo, e por analogia, cada região ou grupo humano, deve cumprir sua função sem romper o equilíbrio geral.

Aspecto Esotérico

Governar Como Ato Iniciático

O esoterismo do grau revela que governar, no sentido iniciático, não se limita ao plano político externo. O iniciado é chamado a governar a si mesmo, ordenar suas paixões, administrar seus pensamentos e harmonizar suas faculdades. A liderança externa é reflexo e prova de sua liderança interna.

A Transmissão das Leis Mosaicas

O ato de Salomão entregar aos doze as leis de Moisés é um rito de transmissão iniciática, no qual o governante legítimo compartilha não apenas normas, mas o espírito da lei. Esse gesto ecoa a função do Mestre Maçom ao transmitir Luz e conhecimento aos irmãos.

Correspondências herméticas

·         Doze signos? Divisão da experiência humana em ciclos;

·         Doze trabalhos de Hércules? Superação progressiva das provas da vida;

·         Doze pétalas do chakra cardíaco (anahata)? Governo equilibrado pela compaixão;

Aspecto Social

A Função Social do Grau 11

No plano social, este grau inspira o maçom a participar ativamente da construção de uma sociedade justa. Isso envolve:

·         Defesa do povo contra arbitrariedades;

·         Ensino e esclarecimento dos direitos e deveres;

·         Promoção de leis que beneficiem o conjunto social, e não apenas grupos específicos;

Educação Como Pilar

O ensino das leis mosaicas aos líderes tribais é um exemplo da educação como base do governo. Sem conhecimento das leis, a liderança degenera em tirania ou ineficiência.

A Defesa dos Humildes

A moral do grau enfatiza que o governante deve estar atento aos mais frágeis, atuando como escudo contra a opressão e como voz dos que não têm voz.

Filosofia Política

Preparação para Governar

O grau 11 entende a política como uma arte que deve ser aprendida e exercida com ética. Assim, o maçom é preparado para:

·         Compreender a natureza humana;

·         Analisar criticamente propostas e leis;

·         Agir em conformidade com a justiça, mesmo contra interesses pessoais;

Democracia Como Modelo

A lenda reforça valores democráticos:

·         Escolha dos líderes com critérios claros (o sorteio, aqui, é metáfora de processos imparciais);

·         Representatividade (doze líderes para doze tribos);

·         Prestação de contas (a submissão à lei mosaica);

No entanto, o grau também alerta para as fragilidades da Democracia:

·         Possibilidade de manipulação da opinião pública;

·         Perigo de maiorias opressoras;

·         Necessidade constante de educação política do povo;

Psicologia Simbólica

Arquétipo do Juiz-líder

O grau desperta no iniciado o arquétipo do juiz-líder, que reúne:

·         Sabedoria (capacidade de discernir o certo);

·         Coragem (capacidade de agir conforme o certo);

·         Empatia (capacidade de compreender os governados);

Sorteio e Aceitação do Destino

O sorteio exige do eleito uma maturidade psicológica para aceitar a função como dever, não como privilégio. Isso implica a dissolução do egoísmo e a integração no serviço coletivo.

A Lei Como Reguladora do Inconsciente Coletivo

Na psicologia simbólica, a lei mosaica não é apenas um código externo, mas um mito estruturante que ordena o inconsciente coletivo, criando coesão e previsibilidade no comportamento social.

Aplicações Práticas Contemporâneas

Na Vida Maçônica

·         Incentivar debates sobre ética e política nas lojas;

·         Estimular a leitura e análise de textos jurídicos e filosóficos;

·         Formar comissões de estudos que simulem processos decisórios democráticos;

Na Vida Profana

·         Participar de conselhos comunitários;

·         Atuar em organizações não-governamentais voltadas à defesa de direitos;

·         Promover educação cívica em escolas e associações;

Na Política

·         Defender transparência e combate à corrupção;

·         Apoiar políticas públicas que fortaleçam a cidadania;

·         Zelar pela aplicação imparcial das leis;

Conclusão

O grau 11 do Rito Escocês Antigo e Aceito é, acima de tudo, um chamado à liderança ética, fundamentada na lei e voltada ao bem comum. Sua lenda bíblica não é apenas recordação histórica, mas paradigma eterno: o governante ideal é aquele que, tendo recebido Luz e instrução, se compromete a proteger e educar o povo, guiando-o com justiça e amor fraterno.

Assim, a iniciação neste grau é mais que um título honorífico: é um pacto com a verdade, a liberdade e a dignidade humana.

Bibliografia

1.      Bíblia Sagrada - Antigo Testamento, livros de Reis e Crônicas.

2.      ALMEIDA, Onório. Os Graus Filosóficos do Rito Escocês Antigo e Aceito. São Paulo: Madras, 2015.

3.      PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871.

4.      ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

5.      CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São Paulo: Cultrix, 1997.

6.      FROMM, Erich. O Medo à Liberdade. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.

7.      PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.

8.      BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

9.      JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2002.

10.  KUHN, Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1998.



[1] "Veterotestamentário" refere-se ao Antigo Testamento da Bíblia, ou seja, à parte que contém a história da criação até a chegada do messias, Jesus Cristo. O termo também pode ser usado para descrever algo relacionado a este conjunto de livros religiosos;

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