Charles Evaldo Boller
O Grau 11 do Rito Escocês Antigo e Aceito, conhecido como
Cavaleiro Eleito ou Cavaleiro Eleito dos Doze, é um dos graus filosóficos que
sintetiza com rara elegância o espírito da justiça, da liderança e da
responsabilidade cívica. Sua essência, como se revela pela lenda do grau, está
na preparação do iniciado para exercer funções de governo ou participar
ativamente da vida política, não como mero espectador, mas como agente de
transformação e guardião da ordem justa.
A narrativa ritualística remete ao período de Salomão, que,
tendo já escolhido quinze mestres de confiança no grau anterior, agora realiza
um sorteio entre eles para eleger doze que comandariam as doze tribos de
Israel. Estes mestres recebem não apenas a honra de governar, mas também
instruções diretas das leis mosaicas, guardadas na Arca da Aliança, símbolo
supremo da presença divina e do pacto entre o Eterno e o povo.
Essa passagem, rica em conteúdo simbólico, é o ponto de partida
para reflexões históricas, esotéricas e práticas que ultrapassam o tempo
bíblico e encontram aplicabilidade no mundo contemporâneo.
Aspecto Histórico
Contexto Bíblico e a Monarquia Salomônica
A lenda do grau 11 se insere no contexto da narrativa
veterotestamentária[1] da monarquia de Israel.
Salomão, conhecido por sua sabedoria e por sua habilidade política, consolidou
um reino unificado, administrado com a colaboração de líderes regionais. A
referência às doze tribos não é apenas geográfica ou administrativa, mas também
teológica: elas representavam a totalidade do povo eleito.
A Arca da Aliança, que segundo a tradição continha as tábuas da
Lei recebidas por Moisés no Sinai, não era apenas um artefato sagrado, mas o centro
espiritual e jurídico de Israel. Conceder acesso ao conteúdo de suas leis
significava conferir autoridade moral e política derivada de Deus.
O Número Doze na Tradição Antiga
Historicamente, o número doze está ligado a sistemas de governo
e organização social desde a Antiguidade: doze meses no calendário, doze signos
do zodíaco, doze olímpicos na mitologia grega, doze apóstolos no cristianismo.
Em todos esses contextos, o número simboliza plenitude e harmonia
administrativa. No contexto salomônico, o sorteio dos doze entre quinze mestres
reforça a ideia de legitimidade e imparcialidade no acesso ao poder.
Paralelos na Tradição Maçônica
A Maçonaria, especialmente no Rito Escocês Antigo e Aceito, incorporou o simbolismo
da escolha, da responsabilidade e do governo compartilhado como elementos
centrais de seus graus capitulares e filosóficos. O grau 11, portanto, é
herdeiro dessa concepção histórica de liderança distribuída e legitimada pelo
consenso ou por critérios transparentes.
Aspecto Simbólico
O Sorteio Como Símbolo
O sorteio realizado por Salomão não é mero jogo de azar, mas
símbolo da imparcialidade do destino quando guiado pela providência. No plano
iniciático, indica que a liderança não é fruto de ambição pessoal, mas de um
chamado legítimo, reconhecido pela comunidade e sancionado por um princípio
superior.
A Arca da Aliança
No simbolismo maçônico, a Arca representa:
·
O depósito da lei moral: o conjunto de
princípios universais que regem a conduta humana;
·
A presença do Grande Arquiteto do Universo:
um espaço sagrado onde o homem encontra a verdade;
·
A memória da aliança: compromisso entre
governantes e governados, entre o iniciado e sua própria consciência.
O Número Doze
Simboliza a ordem cósmica aplicada à sociedade. É o número da
completude organizada: doze horas do dia e da noite, doze lados de um
dodecágono perfeito, doze discípulos que espalham a mensagem do mestre.
Aspecto Metafísico
O grau 11, no plano metafísico, ensina que governar é uma função
de mediação entre a lei divina e a realidade humana. O governante ideal é
aquele que, consciente de sua própria imperfeição, procura alinhar-se ao padrão
eterno do bem e da justiça.
A escolha dos doze remete ao arquétipo do "coro
ordenado", forças humanas que refletem a harmonia celeste. Tal como
as constelações no firmamento, cada tribo, e por analogia, cada região ou grupo
humano, deve cumprir sua função sem romper o equilíbrio geral.
Aspecto Esotérico
Governar Como Ato Iniciático
O esoterismo do grau revela que governar, no sentido iniciático,
não se limita ao plano político externo. O iniciado é chamado a governar a si mesmo, ordenar suas paixões,
administrar seus pensamentos e harmonizar suas faculdades. A liderança externa é reflexo e prova de sua liderança
interna.
A Transmissão das Leis Mosaicas
O ato de Salomão entregar aos doze as leis de Moisés é um rito
de transmissão iniciática, no qual o governante legítimo compartilha não apenas
normas, mas o espírito da lei. Esse gesto ecoa a função do Mestre Maçom ao
transmitir Luz e conhecimento aos irmãos.
Correspondências herméticas
·
Doze signos? Divisão da experiência humana em
ciclos;
·
Doze trabalhos de Hércules? Superação
progressiva das provas da vida;
·
Doze pétalas do chakra cardíaco (anahata)?
Governo equilibrado pela compaixão;
Aspecto Social
A Função Social do Grau 11
No plano social, este grau inspira o maçom a participar
ativamente da construção de uma sociedade justa. Isso envolve:
·
Defesa do povo contra arbitrariedades;
·
Ensino e esclarecimento dos direitos e deveres;
·
Promoção de leis que beneficiem o conjunto
social, e não apenas grupos específicos;
Educação Como Pilar
O ensino das leis mosaicas aos líderes tribais é um exemplo da
educação como base do governo. Sem conhecimento das leis, a liderança degenera
em tirania ou ineficiência.
A Defesa dos Humildes
A moral do grau enfatiza que o governante deve estar atento aos
mais frágeis, atuando como escudo contra a opressão e como voz dos que não têm
voz.
Filosofia Política
Preparação para Governar
O grau 11 entende a política como uma arte que deve ser
aprendida e exercida com ética. Assim, o maçom é preparado para:
·
Compreender a natureza humana;
·
Analisar criticamente propostas e leis;
·
Agir em conformidade com a justiça, mesmo contra
interesses pessoais;
Democracia Como Modelo
A lenda reforça valores democráticos:
·
Escolha dos líderes com critérios claros (o
sorteio, aqui, é metáfora de processos imparciais);
·
Representatividade (doze líderes para doze
tribos);
·
Prestação de contas (a submissão à lei mosaica);
No entanto, o grau também alerta para as fragilidades da
Democracia:
·
Possibilidade de manipulação da opinião pública;
·
Perigo de maiorias opressoras;
·
Necessidade constante de educação política do
povo;
Psicologia Simbólica
Arquétipo do Juiz-líder
O grau desperta no iniciado o arquétipo do juiz-líder, que
reúne:
·
Sabedoria (capacidade de discernir o certo);
·
Coragem (capacidade de agir conforme o certo);
·
Empatia (capacidade de compreender os
governados);
Sorteio e Aceitação do Destino
O sorteio exige do eleito uma maturidade psicológica para
aceitar a função como dever, não como privilégio. Isso implica a dissolução do
egoísmo e a integração no serviço coletivo.
A Lei Como Reguladora do Inconsciente Coletivo
Na psicologia simbólica, a lei mosaica não é apenas um código
externo, mas um mito estruturante que ordena o inconsciente coletivo, criando
coesão e previsibilidade no comportamento social.
Aplicações Práticas Contemporâneas
Na Vida Maçônica
·
Incentivar debates sobre ética e política nas
lojas;
·
Estimular a leitura e análise de textos
jurídicos e filosóficos;
·
Formar comissões de estudos que simulem
processos decisórios democráticos;
Na Vida Profana
·
Participar de conselhos comunitários;
·
Atuar em organizações não-governamentais
voltadas à defesa de direitos;
·
Promover educação cívica em escolas e
associações;
Na Política
·
Defender transparência e combate à corrupção;
·
Apoiar políticas públicas que fortaleçam a
cidadania;
·
Zelar pela aplicação imparcial das leis;
Conclusão
O grau 11 do Rito
Escocês Antigo e Aceito é, acima de tudo, um chamado à liderança ética,
fundamentada na lei e voltada ao bem comum. Sua lenda bíblica não é apenas
recordação histórica, mas paradigma eterno: o governante ideal é aquele que,
tendo recebido Luz e instrução, se compromete a proteger e educar o povo,
guiando-o com justiça e amor fraterno.
Assim, a iniciação neste grau é mais que um título
honorífico: é um pacto com a verdade, a liberdade e a dignidade humana.
Bibliografia
1.
Bíblia Sagrada - Antigo Testamento, livros de
Reis e Crônicas.
2.
ALMEIDA, Onório. Os Graus Filosóficos do Rito
Escocês Antigo e Aceito. São Paulo: Madras, 2015.
3.
PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and
Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871.
4.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de
Janeiro: Zahar, 1994.
5.
CAMPBELL, Joseph. O Herói de Mil Faces. São
Paulo: Cultrix, 1997.
6.
FROMM, Erich. O Medo à Liberdade. Rio de
Janeiro: Zahar, 1980.
7.
PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da
Rocha Pereira. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001.
8.
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política. Rio
de Janeiro: Campus, 2000.
9.
JUNG, Carl Gustav. Os Arquétipos e o Inconsciente
Coletivo. Petrópolis: Vozes, 2002.
10. KUHN,
Thomas. A Estrutura das Revoluções Científicas. São Paulo: Perspectiva, 1998.
[1]
"Veterotestamentário" refere-se ao Antigo Testamento da Bíblia, ou
seja, à parte que contém a história da criação até a chegada do messias, Jesus
Cristo. O termo também pode ser usado para descrever algo relacionado a este
conjunto de livros religiosos;
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