sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Grau 3 A Filosofia e os Valores Práticos do Rito

 Charles Evaldo Boller

O grau 3 do Rito Escocês Antigo e Aceito, também conhecido como o grau de Mestre Maçom, representa o ápice simbólico da Maçonaria Simbólica e encerra a tríade fundamental dos graus azuis. Este grau, carregado de simbolismo fúnebre e de renascimento, estabelece uma transição ontológica[1] para o maçom: a morte simbólica do profano e o nascimento do verdadeiro buscador da Luz. Não se trata apenas de um rito iniciático, mas de uma profunda jornada interior em busca da transcendência, da autonomia moral e do propósito existencial. A filosofia do grau 3 é, assim, o solo fértil onde os valores de maior relevância prática para o adulto se enraízam, se desenvolvem e frutificam.

Busca pela Liberdade e Livre-pensar

O Mestre Maçom é, por excelência, um livre-pensador. A liberdade, neste grau, não é apenas um ideal político ou civil, mas uma condição interna conquistada por meio da morte do ego, do dogma e das amarras que o subjugam na sociedade. A liberdade interior, a mais difícil de ser alcançada, exige coragem moral e discernimento. O maçom aprende a não mais reagir por impulso ou tradição, mas a agir conforme sua razão iluminada e sua consciência desperta. Tal perspectiva liberta o adulto de condicionamentos culturais e permite a construção de uma vida pautada por escolhas conscientes, éticas e autênticas.

Desenvolvimento da Autonomia e Liderança

A filosofia do grau 3 propõe um ideal de maturidade emocional e ética. O Mestre Maçom não mais se apoia em guias externos, mas assume responsabilidade plena sobre sua existência. A autonomia, neste contexto, é tanto intelectual quanto espiritual, implicando a capacidade de decidir, julgar e agir com base em princípios sólidos, adquiridos pelo estudo e pela reflexão. Essa maturidade se converte também em liderança: não uma liderança hierárquica autoritária, mas aquela que inspira, orienta e transforma. Seja no ambiente empresarial, como gestor ou colaborador, seja na família, o Mestre é chamado a ser exemplo.

Ética Como Pilar Existencial

A construção do ser ético é um objetivo central da Maçonaria e se intensifica no grau 3. A ética maçônica não se reduz ao cumprimento de regras, mas se expressa como integridade, retidão e fidelidade aos princípios universais do bem. O Mestre compreende que o bem coletivo supera o interesse individual e, por isso, age com equidade, respeito e justiça. Essa ética é aplicável tanto na vida privada quanto na atuação profissional, promovendo relações humanas mais justas e conscientes.

Edificação Moral e Transformação Interior

No cerne do grau 3 está o mito de Hiram Abif, cuja morte simbólica representa a necessidade de "morrer para o mundo profano" e "renascer" para uma nova dimensão da existência. Esse simbolismo exige do maçom um compromisso com a edificação de sua própria personalidade moral. A construção do templo interior envolve o abandono de vícios, egoísmos e paixões inferiores. É um processo contínuo de burilamento do caráter, onde a prática da virtude substitui o instinto e o desejo desordenado.

Aspectos Econômicos e Controle Financeiro

A liberdade também se conquista no domínio material. O grau 3 encoraja o maçom a conquistar sua independência econômica, promovendo uma relação consciente e equilibrada com os bens materiais. A simbologia do trabalho e da construção remete à importância da disciplina, da diligência e da gestão financeira ética. Um Mestre não deve ser escravo do consumo, da dívida ou da especulação, mas senhor de sua economia pessoal. A sabedoria na administração financeira permite não apenas a sobrevivência digna, mas a generosidade e o suporte à família, à comunidade e à própria Ordem.

Desenvolvimento da Inteligência e da Educação Contínua

O grau 3 exige que o maçom busque incessantemente a luz do conhecimento. Não há estagnação possível para o Mestre. O aprendizado contínuo, segundo os princípios da Andragogia, é fundamental. O adulto é estimulado a aprender pela experiência, pela reflexão crítica e pelo diálogo com o saber. A inteligência é vista como instrumento da sabedoria, e a cultura como ponte entre o homem e sua essência. A leitura, a pesquisa, o estudo comparado das religiões, das ciências humanas e das filosofias são meios para o autoconhecimento e o progresso intelectual.

Educação Emocional e Relações Humanas

A elevação maçônica não se limita ao plano intelectual, mas exige o amadurecimento emocional. O grau 3 propicia o reconhecimento das próprias fragilidades, dos medos, das perdas e das dores existenciais. O Mestre é chamado a lidar com a morte, o luto e o sofrimento como oportunidades de crescimento espiritual. A educação emocional, nesse contexto, permite desenvolver empatia, resiliência e equilíbrio afetivo. Tais competências são fundamentais nas relações interpessoais, na família e no ambiente profissional.

Família, Humanismo e Desenvolvimento Pessoal

O Mestre Maçom, em sua jornada, não caminha isolado. Ele compreende que seu progresso se reflete em sua atuação como esposo, pai, irmão, cidadão. O desenvolvimento humano integral exige que o maçom se dedique à sua família com amor, responsabilidade e presença. Ele é orientador de seus filhos, parceiro de sua esposa e modelo de conduta ética. O humanismo maçônico ensina que o templo a ser construído não é apenas interior, mas também familiar, comunitário e social.

Aplicações Profissionais na Empresa e Sociedade

No ambiente empresarial, o Mestre deve ser agente de transformação. Como proprietário, funcionário ou gestor, aplica os valores maçônicos para promover justiça, dignidade e responsabilidade social. Ele entende a empresa como extensão de sua vocação para servir e construir. Lidera com ética, promove a cooperação e valoriza o ser humano como fim e não como meio. Também se destaca como profissional íntegro, transparente e competente, valorizando o mérito e a excelência.

Vida Acadêmica, Científica e Social

A filosofia do grau 3 também dialoga com a vida acadêmica e científica. A busca da Verdade, princípio fundamental da Maçonaria, exige espírito crítico, método e abertura ao novo. O Mestre deve contribuir com o progresso do saber, seja como pesquisador, professor ou estudante, valorizando a interdisciplinaridade e o diálogo entre saberes. Na esfera social, participa ativamente da construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva, comprometendo-se com causas nobres e com o bem-estar coletivo.

Diálogo Inter-religioso e Ciências Humanas

O estudo comparado das religiões e das ciências humanas integra a sabedoria do grau 3. O maçom compreende que não há um único caminho para o sagrado e que a espiritualidade é busca plural, marcada pela diversidade cultural e simbólica. O respeito às religiões e a valorização da espiritualidade como experiência transcendente enriquecem sua visão de mundo. Da mesma forma, o conhecimento antropológico, filosófico, sociológico e psicológico oferece ferramentas para compreender o ser humano em sua complexidade.

Despertar da Consciência e Transformação Maçônica

O Mestre vive em estado de vigilância. Ele não está mais adormecido nas ilusões do mundo profano, mas desperto para sua missão, sua identidade e sua eternidade. A consciência desperta é a luz que guia o caminho. A transformação maçônica não é mera formalidade ritualística, mas processo interior de iluminação. Cada símbolo, cada palavra, cada gesto do grau 3 aponta para um novo modo de ser e de existir. A Maçonaria torna-se, assim, escola de alma, forja de consciência e laboratório de humanidade.

O Ser Sagrado e o Desenvolvimento Espiritual

O grau 3 revela a dimensão sagrada do ser. O Mestre é aquele que, tendo enfrentado a morte simbólica, reencontra o divino em si mesmo. A espiritualidade não é dogmática, mas vivencial. É o silêncio do templo interior, a meditação, a oração, a contemplação do mistério. O maçom espiritualizado reconhece a presença do Grande Arquiteto do Universo em todas as coisas, e sua vida torna-se oferenda, serviço e louvor. Seu caminho não é apenas ético e racional, mas também místico e transformador.

Considerações Finais

O grau 3 do Rito Escocês Antigo e Aceito, ao propor a morte simbólica e o renascimento do Mestre Maçom, oferece ao adulto moderno um itinerário de valores práticos e existenciais. Liberdade, autonomia, ética, inteligência, liderança, espiritualidade, educação contínua, responsabilidade familiar e compromisso social compõem a tessitura filosófica deste grau. Trata-se de um método de aprendizagem iniciático que, ao iluminar o caminho do indivíduo, repercute em toda a sua rede de relações e influencia positivamente a sociedade.

A filosofia do grau 3 convida o adulto a ser mais que mero espectador da vida: a ser construtor consciente de si mesmo, servidor do bem comum e buscador do sagrado.

Bibliografia

1.      BOURDIEU, Pierre, A reprodução, elementos para uma teoria do sistema de ensino, Lisboa, Vega, 1970;

2.      CAMINO, Caio Júlio, A Sabedoria da Tradição Maçônica, São Paulo, Madras, 2014;

3.      DELORS, Jacques, Educação, um tesouro a descobrir, São Paulo, Cortez, 2006;

4.      KNOWLES, Malcolm, Andragogia, A Educação de Adultos, Rio de Janeiro, LTC, 2020;

5.      LÉVI-STRAUSS, Claude, O Pensamento Selvagem, São Paulo, Companhia das Letras, 1996;

6.      PIEPER, Josef, As Virtudes Fundamentais, São Paulo, Quadrante, 2001;

7.      WAITE, Arthur Edward, A New Encyclopedia of Freemasonry, London, Wings Books, 1996;

8.      WIRTH, Oswald, O Simbolismo Maçônico, São Paulo, Pensamento, 2000;



[1] Em filosofia, ontológico refere-se ao estudo do ser, da existência e da realidade. Trata-se de investigar o que existe, como as coisas existem e qual a natureza da existência;

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