terça-feira, 12 de agosto de 2025

Missão de Viver Como Portador de um Conhecimento que Ilumina e Transforma

 Charles Evaldo Boller

O grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Perfeito e Sublime Maçom, é o ápice dos chamados Graus Inefáveis, encerrando um ciclo de desenvolvimento simbólico, ético e espiritual que se inicia com o Mestre Secreto e culmina com a revelação do Nome Inefável do Grande Arquiteto do Universo, o deus de judeus e cristãos, lembrando que o conceito genérico pode ser aplicado a qualquer deus criador do Universo, de qualquer religião criacionista.

Sua importância na estrutura do rito não se limita ao aspecto ritualístico. Ele representa o coroamento de um aprendizado que exige do iniciado maturidade moral, profundidade filosófica e discernimento espiritual. Nesse momento, o maçom é confrontado com o significado mais íntimo e elevado de sua jornada: a compreensão de que a verdade suprema, embora seja buscada no exterior, só pode ser encontrada no interior de si mesmo.

A narrativa lendária que envolve a descoberta do Nome Sagrado por três Mestres (Adoniran, Stolkin e Johabem) no templo subterrâneo de Enoch, e a subsequente recompensa de Salomão com a criação do grau de Grande Eleito ou Perfeito e Sublime Maçom é uma metáfora complexa sobre mérito, confiança e iluminação interior.

Do ponto de vista filosófico, o grau propõe uma síntese dos ensinamentos dos graus anteriores, revisando suas lições morais e adicionando a dimensão suprema: a revelação do Nome inscrito no delta luminoso sobre a Arca da Aliança. Essa revelação, entretanto, não é apenas verbal ou escrita; é um ato de consciência.

Moralmente, o grau reforça que ser digno na Maçonaria significa manter-se fiel a seus juramentos, preservar segredos e mistérios, respeitar a história e as tradições da Ordem Maçônica e viver em harmonia fraterna.

Aspectos Históricos

A Genealogia do Grau

O grau 14 tem raízes no Rito de Perfeição de Étienne Morin, estruturado em meados do século XVIII. No rito original, o grau final já se chamava "Perfeito e Sublime Maçom" ou "Grande Eleito", e era concebido como a coroação de um caminho simbólico semelhante ao dos Graus Inefáveis.

Quando o Supremo Conselho Mãe do Mundo foi fundado em Charleston (1801) e o Rito Escocês Antigo e Aceito foi fixado em 33 graus, esse último grau do Rito de Perfeição foi mantido e adaptado, assumindo o papel de fecho do ciclo dos graus secretos.

Influências Bíblicas e Cabalísticas

A lenda do templo subterrâneo de Enoch e da preservação do Nome Sagrado não se encontra nos textos canônicos da bíblia judaico-cristã, mas é extraída de tradições midráshicas e de escritos apócrifos como o Livro de Enoque.

O Nome Inefável, frequentemente representado pelo Tetragrama YHWH, י ה ו ה (Yod - Hé - Vav - Hé) é central no misticismo judaico e na cabala. Sua escrita e pronúncia eram rodeadas de reverência e proibições, pois acreditava-se que seu uso indevido podia romper a harmonia cósmica.

A inserção dessa temática no simbolismo maçônico demonstra a intenção de vincular o grau a um arquétipo universal: a busca pelo conhecimento supremo.

Salomão e a Meritocracia Iniciática

Na lenda, o ato de Salomão em conceder o grau aos três mestres que encontraram o Nome expressa um conceito de meritocracia espiritual: a recompensa não se dá pelo favor pessoal, mas pela comprovação de virtudes e capacidades. Essa visão era coerente com a imagem de Salomão como juiz sábio e governante justo, atributos que a Maçonaria eleva como modelos de liderança.

A Lenda do Grau

A lenda, em seu sentido iniciático, é um mito de descoberta. Os três mestres descem ao templo subterrâneo, um espaço oculto e protegido, e encontram o delta com o Nome Inefável. A descoberta não é fruto de acaso, mas de concessão divina, indicando que o acesso ao mistério exige permissão, ou seja, um estado interior compatível.

Salomão, como detentor da autoridade suprema no templo de Jerusalém e símbolo do poder legítimo, reconhece o feito e institui o grau, garantindo que os detentores dessa revelação sejam investidos com responsabilidade e distinção.

A lenda se articula com a do grau 13, Cavaleiro do Real Arco, em que a revelação do Nome também ocorre. No grau 14, essa revelação é reafirmada e formalizada como posse legítima do iniciado, que passa a integrar o círculo dos Perfeitos.

Simbolismo do Grau

O Delta Luminoso

O delta é um triângulo equilátero, figura geométrica que simboliza perfeição, equilíbrio e harmonia. Ele representa a tríade primordial (Sabedoria, Força e Beleza; Pai, Filho e Espírito; Pensamento, Palavra e Ação).

O delta inscrito com o Nome é símbolo da imanência divina no plano humano. A sua luminosidade sugere que a Verdade não é apenas compreendida intelectualmente, mas sentida como iluminação interior.

O Templo Subterrâneo

Arquetipicamente, descer ao subterrâneo é um ato de iniciação: abandonar o mundo da superfície (consciente) e penetrar nas camadas ocultas (inconsciente) para ali encontrar um tesouro de valor inestimável. É a katábasis[1] das tradições iniciáticas.

Os Três Mestres

Cada Mestre simboliza uma virtude indispensável:

·         Adoniran: perseverança na busca da Verdade;

·         Stolkin: retidão moral e disciplina;

·         Johabem: lealdade e fidelidade.

O número três, recorrente, remete à perfeição e à manifestação do divino no mundo.

Metafísica e Esoterismo

O Nome Inefável, no grau, é a expressão do Princípio Absoluto. Ele não é apenas um conjunto de letras, mas a representação da essência de toda a realidade. Na cabala, cada letra do Tetragrama é uma chave para compreender aspectos da criação.

Do ponto de vista esotérico, a revelação do Nome é uma metanoia[2], mudança de mente, que transforma a percepção do iniciado. Ele passa a compreender que o templo de Deus é a consciência purificada e que o Nome está inscrito em seu próprio ser.

O templo subterrâneo corresponde ao centro sagrado da psique, que nas tradições alquímicas é chamado vas hermeticum[3], onde a Obra se completa.

Filosofia do Grau

A filosofia do grau 14 é uma síntese iniciática:

·         Revisão dos ensinamentos anteriores;

·         Consolidação da moral maçônica;

·         Compreensão de que o segredo não é apenas para ser guardado, mas para ser vivido.

Ela ensina que o acesso ao sagrado não é casual, mas conquistado pela constância, disciplina e purificação interior.

O grau também ecoa um princípio filosófico universal: o conhecimento implica em responsabilidade proporcional.

Moral e Lição

A lição moral central pode ser enunciada em três máximas:

1.      Seja digno: a confiança se constrói com ações, não com palavras.

2.      Guarde o sagrado: preservar os segredos é preservar a integridade da própria alma.

3.      Respeite as tradições: a Maçonaria é herdeira de uma memória ancestral, que deve ser preservada.

Aspectos Sociais e Filosofia Política

O grau inspira atitudes aplicáveis na vida civil:

·         Justiça meritocrática: recompensar pelo mérito e não por favoritismo.

·         Sigilo e confiança: no campo político, isso se traduz em proteger informações vitais e agir com integridade.

·         Harmonia social: trabalhar para unir, não para dividir.

Psicologia Simbólica

A estrutura do grau corresponde a uma jornada arquetípica:

·         Descida: enfrentamento do inconsciente e das sombras pessoais.

·         Encontro: revelação do Self (o Nome Inefável).

·         Retorno: reintegração da nova consciência à vida diária.

Esse processo é paralelo ao que Jung descreve como individuação.

Aplicações Práticas

No trabalho maçônico e na vida profana, o Grau 14 inspira:

·         Postura de guardião da integridade moral;

·         Discrição e prudência no trato das informações;

·         Liderança baseada em sabedoria e não em imposição;

·         Promoção da fraternidade e do diálogo construtivo;

·         Busca permanente pela luz do conhecimento.

Conclusão

O Perfeito e Sublime Maçom é, antes de tudo, um estado de ser. Ele é a personificação da fidelidade, da dignidade e da sabedoria. Ao encerrar os Graus Inefáveis, o iniciado recebe não apenas um símbolo, mas a missão de viver como portador de um conhecimento que ilumina e transforma.

Bibliografia

  1. ALMEIDA, Irineu de. Simbologia dos Graus Inefáveis. São Paulo: Editora Maçônica, 2010.
  2. ANDERSON, James. Constituições de Anderson. Lisboa: Maçônica Lusitana, 2005.
  3. BAUER, Raymond. A Cabala e a Maçonaria. Porto Alegre: Pensamento Iniciático, 2008.
  4. BINNING, William. O Rito Escocês Antigo e Aceito: História e Filosofia. Londres: Lodge Publications, 1998.
  5. HALL, Manly P. The Lost Keys of Freemasonry. Los Angeles: Philosophical Research Society, 1993.
  6.  MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Co., 1914.
  7. PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871.
  8. STEIN, Murray. Jung's Map of the Soul. Chicago: Open Court, 1998.



[1] Katábasis, no contexto grego antigo e em diversas tradições mitológicas e psicológicas, refere-se a uma descida ao submundo ou ao mundo inferior, frequentemente associada a uma jornada de transformação e busca por conhecimento. É o oposto de anábasis, que é a subida ou retorno do submundo;

[2] Metanoia, do grego, significa essencialmente uma mudança de mente ou de pensamento, e pode ser traduzida como arrependimento, conversão ou transformação profunda. Em psicologia, refere-se a uma transformação psicológica fundamental, muitas vezes desencadeada por crises ou conflitos existenciais, enquanto na teologia cristã, é frequentemente associada à conversão ou arrependimento;

[3] O vas hermeticum, na alquimia, é um recipiente selado onde ocorrem as transformações e transmutações simbólicas e práticas. É um conceito fundamental no hermetismo, representando um espaço onde forças opostas e tensões se encontram para gerar a "Grande Obra", ou seja, a transformação espiritual e a busca pela iluminação;

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