Charles Evaldo Boller
O grau 14 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Perfeito e
Sublime Maçom, é o ápice dos chamados Graus Inefáveis, encerrando um ciclo de
desenvolvimento simbólico, ético e espiritual que se inicia com o Mestre
Secreto e culmina com a revelação do Nome Inefável do Grande Arquiteto do
Universo, o deus de judeus e cristãos, lembrando que o conceito genérico pode
ser aplicado a qualquer deus criador do Universo, de qualquer religião
criacionista.
Sua importância na estrutura do rito não se limita ao aspecto
ritualístico. Ele representa o coroamento de um aprendizado que exige do
iniciado maturidade moral, profundidade filosófica e discernimento espiritual.
Nesse momento, o maçom é confrontado com o significado mais íntimo e elevado de
sua jornada: a compreensão de que a verdade suprema, embora seja buscada no
exterior, só pode ser encontrada no interior de si mesmo.
A narrativa lendária que envolve a descoberta do Nome Sagrado
por três Mestres (Adoniran, Stolkin e Johabem) no templo subterrâneo de Enoch,
e a subsequente recompensa de Salomão com a criação do grau de Grande Eleito ou
Perfeito e Sublime Maçom é uma metáfora complexa sobre mérito, confiança e iluminação interior.
Do ponto de vista filosófico, o grau propõe uma síntese dos
ensinamentos dos graus anteriores, revisando suas lições morais e adicionando a
dimensão suprema: a revelação do Nome inscrito no delta luminoso sobre a Arca
da Aliança. Essa revelação, entretanto, não é apenas verbal ou escrita; é um
ato de consciência.
Moralmente, o grau reforça que ser digno na Maçonaria significa
manter-se fiel a seus juramentos, preservar segredos e mistérios, respeitar a
história e as tradições da Ordem Maçônica e viver em harmonia fraterna.
Aspectos Históricos
A Genealogia do Grau
O grau 14 tem raízes no Rito de Perfeição de Étienne Morin,
estruturado em meados do século XVIII. No rito original, o grau final já se
chamava "Perfeito e Sublime Maçom" ou "Grande Eleito", e
era concebido como a coroação de um caminho simbólico semelhante ao dos Graus
Inefáveis.
Quando o Supremo Conselho Mãe do Mundo foi fundado em Charleston
(1801) e o Rito Escocês
Antigo e Aceito foi fixado em 33 graus, esse último grau do Rito de
Perfeição foi mantido e adaptado, assumindo o papel de fecho do ciclo dos graus
secretos.
Influências Bíblicas e Cabalísticas
A lenda do templo subterrâneo de Enoch e da preservação do Nome
Sagrado não se encontra nos textos canônicos da bíblia judaico-cristã, mas é
extraída de tradições midráshicas e de escritos apócrifos como o Livro de
Enoque.
O Nome Inefável, frequentemente representado pelo Tetragrama
YHWH, י ה ו ה (Yod - Hé - Vav - Hé) é central no misticismo judaico
e na cabala. Sua escrita e pronúncia eram rodeadas de reverência e proibições,
pois acreditava-se que seu uso indevido podia romper a harmonia cósmica.
A inserção dessa temática no simbolismo maçônico demonstra a
intenção de vincular o grau a um arquétipo universal: a busca pelo conhecimento
supremo.
Salomão e a Meritocracia Iniciática
Na lenda, o ato de Salomão em conceder o grau aos três mestres
que encontraram o Nome expressa um conceito de meritocracia espiritual: a
recompensa não se dá pelo favor pessoal, mas pela comprovação de virtudes e
capacidades. Essa visão era coerente com a imagem de Salomão como juiz
sábio e governante justo, atributos que a Maçonaria eleva como modelos de
liderança.
A Lenda do Grau
A lenda, em seu sentido iniciático, é um mito de descoberta.
Os três mestres descem ao templo subterrâneo, um espaço oculto e protegido, e
encontram o delta com o Nome Inefável. A descoberta não é fruto de acaso, mas
de concessão divina, indicando que o acesso ao mistério exige permissão, ou
seja, um estado interior compatível.
Salomão, como detentor da autoridade suprema no templo de
Jerusalém e símbolo do poder legítimo, reconhece o feito e institui o grau,
garantindo que os detentores dessa revelação sejam investidos com
responsabilidade e distinção.
A lenda se articula com a do grau 13, Cavaleiro do Real Arco, em
que a revelação do Nome também ocorre. No grau 14, essa revelação é reafirmada
e formalizada como posse legítima do iniciado, que passa a integrar o círculo
dos Perfeitos.
Simbolismo do Grau
O Delta Luminoso
O delta é um triângulo equilátero, figura geométrica que
simboliza perfeição, equilíbrio e harmonia. Ele representa a tríade primordial
(Sabedoria, Força e Beleza; Pai, Filho e Espírito; Pensamento, Palavra e Ação).
O delta inscrito com o Nome é símbolo da imanência divina no
plano humano. A sua luminosidade sugere que a Verdade não é apenas compreendida
intelectualmente, mas sentida como iluminação interior.
O Templo Subterrâneo
Arquetipicamente, descer ao subterrâneo é um ato de iniciação:
abandonar o mundo da superfície (consciente) e penetrar nas camadas ocultas
(inconsciente) para ali encontrar um tesouro de valor inestimável. É a
katábasis[1]
das tradições iniciáticas.
Os Três Mestres
Cada Mestre simboliza uma virtude indispensável:
·
Adoniran: perseverança na busca da Verdade;
·
Stolkin: retidão moral e disciplina;
·
Johabem: lealdade e fidelidade.
O número três, recorrente, remete à perfeição e à manifestação
do divino no mundo.
Metafísica e Esoterismo
O Nome Inefável, no grau, é a expressão do Princípio Absoluto.
Ele não é apenas um conjunto de letras, mas a representação da essência de toda
a realidade. Na cabala, cada letra do Tetragrama é uma chave para compreender
aspectos da criação.
Do ponto de vista esotérico, a revelação do Nome é uma metanoia[2],
mudança de mente, que transforma a percepção do iniciado. Ele passa a compreender
que o templo de Deus é a consciência purificada e que o Nome está inscrito em
seu próprio ser.
O templo subterrâneo corresponde ao centro sagrado da psique,
que nas tradições alquímicas é chamado vas hermeticum[3],
onde a Obra se completa.
Filosofia do Grau
A filosofia do grau 14 é uma síntese iniciática:
·
Revisão dos ensinamentos anteriores;
·
Consolidação da moral maçônica;
·
Compreensão de que o segredo não é apenas para
ser guardado, mas para ser vivido.
Ela ensina que o acesso ao sagrado não é casual, mas conquistado
pela constância, disciplina e purificação interior.
O grau também ecoa um princípio filosófico universal: o
conhecimento implica em responsabilidade proporcional.
Moral e Lição
A lição moral central pode ser enunciada em três máximas:
1.
Seja digno: a confiança se constrói com ações,
não com palavras.
2.
Guarde o sagrado: preservar os segredos é
preservar a integridade da própria alma.
3.
Respeite as tradições: a Maçonaria é herdeira de
uma memória ancestral, que deve ser preservada.
Aspectos Sociais e Filosofia Política
O grau inspira atitudes aplicáveis na vida civil:
·
Justiça meritocrática: recompensar pelo mérito e
não por favoritismo.
·
Sigilo e confiança: no campo político, isso se
traduz em proteger informações vitais e agir com integridade.
·
Harmonia social: trabalhar para unir, não para
dividir.
Psicologia Simbólica
A estrutura do grau corresponde a uma jornada arquetípica:
·
Descida: enfrentamento do inconsciente e das
sombras pessoais.
·
Encontro: revelação do Self (o Nome Inefável).
·
Retorno: reintegração da nova consciência à vida
diária.
Esse processo é paralelo ao que Jung descreve como individuação.
Aplicações Práticas
No trabalho maçônico e na vida profana, o Grau 14 inspira:
·
Postura de guardião da integridade moral;
·
Discrição e prudência no trato das informações;
·
Liderança baseada em sabedoria e não em
imposição;
·
Promoção da fraternidade e do diálogo
construtivo;
·
Busca permanente pela luz do conhecimento.
Conclusão
O Perfeito e Sublime Maçom é, antes de tudo, um estado de ser.
Ele é a personificação da fidelidade, da dignidade e da sabedoria. Ao encerrar
os Graus Inefáveis, o iniciado recebe não apenas um símbolo, mas a missão de
viver como portador de um conhecimento que ilumina e transforma.
Bibliografia
- ALMEIDA, Irineu de. Simbologia dos Graus Inefáveis. São Paulo: Editora Maçônica, 2010.
- ANDERSON, James. Constituições de Anderson. Lisboa: Maçônica Lusitana, 2005.
- BAUER, Raymond. A Cabala e a Maçonaria. Porto Alegre: Pensamento Iniciático, 2008.
- BINNING,
William. O Rito Escocês Antigo e Aceito: História e Filosofia. Londres: Lodge Publications, 1998.
- HALL, Manly P. The Lost Keys of Freemasonry. Los Angeles: Philosophical Research Society, 1993.
- MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Co., 1914.
- PIKE, Albert. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871.
- STEIN, Murray. Jung's Map of the Soul. Chicago: Open Court, 1998.
[1]
Katábasis, no contexto grego antigo e em diversas tradições mitológicas e
psicológicas, refere-se a uma descida ao submundo ou ao mundo inferior,
frequentemente associada a uma jornada de transformação e busca por conhecimento.
É o oposto de anábasis, que é a subida ou retorno do submundo;
[2] Metanoia,
do grego, significa essencialmente uma mudança de mente ou de pensamento, e
pode ser traduzida como arrependimento, conversão ou transformação profunda. Em
psicologia, refere-se a uma transformação psicológica fundamental, muitas vezes
desencadeada por crises ou conflitos existenciais, enquanto na teologia cristã,
é frequentemente associada à conversão ou arrependimento;
[3] O vas
hermeticum, na alquimia, é um recipiente selado onde ocorrem as
transformações e transmutações simbólicas e práticas. É um conceito fundamental
no hermetismo, representando um espaço onde forças opostas e tensões se
encontram para gerar a "Grande Obra", ou seja, a transformação
espiritual e a busca pela iluminação;
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