Charles Evaldo Boller
O grau de Mestre Perfeito, quinto grau do Rito Escocês Antigo e
Aceito, é o primeiro degrau na série de graus denominados "inefáveis", onde o trabalho
maçônico abandona os contornos estritamente simbólicos para adentrar o campo
filosófico e espiritual mais profundo. Neste estágio, o obreiro é convidado a
mergulhar na tragédia e no legado de Hiram Abif, compreendendo que a morte não
silenciou sua voz, mas antes elevou sua mensagem à eternidade. Assim, o grau de
Mestre Perfeito propõe não apenas a construção de um túmulo físico em honra ao
mestre assassinado, mas uma edificação interior que celebre as virtudes
e que as transmita como exemplo para as gerações futuras.
A Lenda: Continuação da Tragédia de Hiram
A lenda que sustenta este grau se desdobra a partir do
assassinato de Hiram Abif, mestre arquiteto do Templo de Salomão, personagem
central dos graus simbólicos. Com a morte de Hiram nos graus anteriores,
principalmente no grau 3, mestre maçom, estabelece-se um luto não apenas pelo
homem, mas pela filosofia que ele representa. No grau 5, o foco desloca-se do
assassinato em si para as consequências e responsabilidades daqueles que o herdaram.
Salomão, símbolo do rei sábio e justo, convoca os mestres
a encontrarem os culpados e a vingarem a morte de Hiram, NÃO por um desejo de
vingança vil, mas pela necessidade de restaurar a ordem e a justiça. Encontrado
o corpo do mestre, é construído um túmulo ou mausoléu, que atinge a perfeição
estética e simbólica. Daí surge o nome "Mestre Perfeito": aquele que reconhece a necessidade de
cultivar as virtudes eternizadas na figura de Hiram e construir, a partir
delas, sua própria perfeição interior.
A tumba perfeita, nesse contexto, representa a vitória da luz
sobre as trevas, da memória sobre o esquecimento e da virtude sobre a
corrupção. Ela é símbolo da imortalidade dos valores éticos e espirituais
que regem o iniciado.
Fundamentos Históricos e Filosóficos
Historicamente, o grau 5 surgiu no século XVIII, nas estruturas
que compuseram o Rito
Escocês Antigo e Aceito como síntese de diversas tradições esotéricas.
Influenciado por correntes judaico-cristãs, neoplatônicas e cabalísticas, o
grau de Mestre Perfeito foi estruturado para intensificar a transição do
trabalho especulativo ao trabalho iniciático de busca pela Verdade interior.
O processo de memorialização de Hiram encontra eco nas tradições
iniciáticas antigas, onde o sacrifício do justo ou do mestre é o ponto de
partida para a regeneração do grupo ou da comunidade espiritual. Tal como na
lenda órfica, na paixão de Cristo ou nos mitos egípcios de Osíris, a morte do
herói não representa o fim, mas o começo de uma nova
consciência.
Filosoficamente, este grau convida à meditação sobre a justiça,
a moral e a eternidade das virtudes. O que é a perfeição? Não é um estado fixo,
mas um processo contínuo de retificação de si mesmo, o "conhece-te a ti mesmo" socrático, e
de alinhamento com a verdade universal.
Simbolismo: Tumba, Perfume e Ramo de Acácia
O simbolismo do grau 5 é profundo e denso. A tumba de Hiram não
é apenas um monumento; é uma metáfora da
alma que abriga as virtudes adormecidas.
Ela deve ser construída com pedra bem lavrada, o que representa o trabalho
do iniciado sobre sua própria personalidade. Somente quem labora sobre si
com afinco, talhando os vícios e polindo as arestas morais, é capaz de edificar
um templo interior onde a memória da sabedoria habite.
O uso do incenso ou do perfume no ritual é igualmente simbólico.
Refere-se ao "bom odor das virtudes",
expressão presente na mística cristã medieval e retomada na linguagem maçônica.
As virtudes são fragrâncias da alma que tornam o ser humano digno de habitar o
templo da criação.
O ramo de acácia, já introduzido no grau 3, volta a aparecer
como emblema da imortalidade. A acácia floresce mesmo em solos áridos, sendo
sinal da persistência da vida espiritual mesmo após a morte do corpo ou dos
ideais. Ela convida o Mestre Perfeito à resiliência: mesmo diante das
injustiças do mundo, é preciso manter-se fértil em esperança.
Metafísica e Esoterismo: A Perfeição como Processo Iniciático
No plano metafísico, o grau 5 marca o início da reconstrução
do templo interior a partir da compreensão do sentido do sofrimento. Hiram
representa a consciência superior, que é atacada e morta pelas paixões inferiores
(os assassinos da lenda: Ignorância, Fanatismo e Ambição). A busca pelos
assassinos, que aparece neste grau, é a busca interior pelo reconhecimento e
dominação dos próprios defeitos.
O processo de reconstrução simbólica do túmulo é, portanto, um ritual
de alquimia interna, de morte e renascimento. Como ensinam os textos
herméticos, é preciso morrer para os erros para renascer na Luz da Verdade.
Essa perfeição não é um estado final, mas um caminho de constante ascensão, que
se dá pela autoinvestigação, pelo autodesenvolvimento e pela prática ativa das
virtudes.
O Mestre Perfeito aprende, então, que a fraternidade é o cimento que liga as pedras da obra coletiva.
Sem ela, a perfeição é apenas egoísmo espiritual. A verdadeira perfeição é
comunitária, é o reflexo do bem individual na harmonia do coletivo.
Dimensões Práticas: Autodesenvolvimento, Justiça e Liberdade
A principal lição moral do grau 5 é clara: é necessário cercear
a liberdade dos que praticam o mal. Isso não se refere apenas à sociedade, mas
ao templo interior de cada iniciado. Os assassinos de Hiram estão presentes em
cada homem enquanto este não domina seus instintos inferiores. Cabe ao Mestre
Perfeito identificar esses "criminosos
internos" e corrigi-los, submetendo-os ao tribunal da razão e da
consciência moral.
Essa tarefa exige coragem,
vigilância e disciplina. O autodesenvolvimento, nesse contexto, passa por um
processo de justiça interna. Aquilo que está em desarmonia deve ser
reconhecido, julgado e reeducado. É a liberdade:
não fazer o que se quer, mas o que se deve. Homem livre é aquele que
governa a si mesmo, conforme ensinava Epiteto.
Essa busca pela perfeição deve também se refletir na sociedade.
O Mestre Perfeito não é apenas um construtor de si, mas um artífice social. Ele
inspira, orienta e eleva os que estão ao seu redor por meio do exemplo. Por
isso, o grau exige do obreiro o compromisso com a ética, a Verdade e a justiça
nas suas ações públicas e privadas.
Fraternidade e Memória: Honrar os Heróis das Virtudes
Outro ponto central da lição do grau 5 é a valorização dos
exemplos virtuosos. O mausoléu de Hiram é um memorial às virtudes que ele
personificou. Honrar os heróis da moral é perpetuar
seus ensinamentos. Em tempos de crise de valores, esse gesto é
profundamente revolucionário.
Na prática maçônica, essa valorização pode ser expressa por meio
de homenagens àqueles irmãos que se distinguem por sua conduta, pelo incentivo
à educação moral da juventude, pela preservação da memória dos grandes
pensadores e obreiros da humanidade, e pelo cultivo da gratidão como força
espiritual.
Ao reconhecer e exaltar os exemplos, a loja maçônica torna-se um
espaço educativo, onde a ética é vivida e transmitida. Nesse sentido, o Mestre
Perfeito não é "perfeito por si",
mas aquele que se aperfeiçoa e contribui para o aperfeiçoamento coletivo.
Atualidade do Grau: A Busca pela Verdade nas Relações Humanas
A atualidade do grau 5 é manifesta na urgência de
restabelecimento da Verdade e da ética nas relações humanas, sociais e
políticas. Em um mundo onde a mentira e a manipulação da informação corroem as
instituições, onde a ética é frequentemente substituída pela conveniência, o
ideal do Mestre Perfeito ressurge como um farol.
A Maçonaria, ao estimular a formação homens comprometidos com a
Verdade, a justiça e o amor fraterno, torna-se uma escola viva da reconstrução moral da humanidade. Cada
Mestre Perfeito é convocado a ser, em sua vida pessoal e pública, um túmulo
erguido à virtude e um exemplo de conduta íntegra.
Conclusão
O Grau 5 do Rito Escocês Antigo e Aceito, Mestre Perfeito,
convida o iniciado a ultrapassar o luto da perda do mestre para tornar-se, ele
próprio, um templo vivo das virtudes eternas. A perfeição aqui não é
utopia, mas caminho: o caminho do autoconhecimento, do domínio de si, da
justiça aplicada e da fraternidade vivida.
Construir o túmulo de Hiram é
construir dentro de si o altar da sabedoria, onde a memória dos
justos vive e orienta. A Maçonaria, como escola iniciática, oferece os
instrumentos; cabe ao obreiro empunhá-los com coragem e sabedoria. Que cada
Mestre Perfeito saiba que o aperfeiçoamento humano é tarefa infinita, mas
profundamente recompensadora.
Bibliografia
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