Charles Evaldo Boller
A Comunicação Como Essência da Oratória
A oratória é a mais elevada das artes comunicativas e, desde os
primórdios da civilização, é considerada instrumento de poder, educação e
transformação. A palavra molda culturas, constrói alianças e determina
destinos. Para o homem livre e de bons costumes, a maestria na comunicação não
é luxo, mas necessidade vital.
No campo maçônico, essa habilidade transcende o utilitarismo da
vida em sociedade. Ela se converte em um ofício sagrado, pois é pela palavra
que se transmite o conhecimento iniciático, se fortalece a fraternidade e se
constrói a unidade do templo simbólico da humanidade.
Cícero, o grande orador romano, declarou em seu De Oratore:
"A eloquência é inseparável da
sabedoria, pois falar bem é pensar bem". Para o maçom, isso significa
que a clareza no falar é filha da clareza no pensar.
A Dimensão Histórica da Comunicação e a Retórica Clássica
A Maçonaria, enquanto tradição iniciática, herda da Antiguidade
clássica muito do seu ideal de comunicação. Aristóteles concebia a retórica
como "a capacidade de descobrir, em
cada caso, o meio disponível de persuasão". Os três pilares
aristotélicos: ethos (credibilidade moral), pathos (mobilização emocional) e
logos (estrutura racional), permanecem como fundamentos da arte maçônica de
falar.
O ethos, para o maçom, é sustentado pela sua conduta moral
irrepreensível; o pathos, pela capacidade de comover os irmãos em loja; o
logos, pela força lógica e coerente de seus argumentos.
No Renascimento, com o florescimento das sociedades discretas, a
palavra voltou a ganhar prestígio como instrumento de libertação e resistência
intelectual. Francis Bacon, cujas ideias ecoam em princípios maçônicos,
defendia que "o saber é poder",
e que o saber, para ser poder de fato, precisa ser transmitido de modo claro e
eficaz.
A Metáfora da Espada, Entre o Pensamento e a Palavra
A metáfora de afiar espadas para simbolizar o aprimoramento do
pensamento é profundamente enraizada na simbologia iniciática. Na tradição
cavaleiresca, a espada era mais que arma: era símbolo da justiça, da proteção e
da verdade.
Na bíblia judaico-cristã, em Hebreus 4:12, lemos: "A palavra de Deus é viva e eficaz, mais
cortante do que qualquer espada de dois gumes". A Maçonaria, ao interpretar
esse versículo de forma simbólica, entende que a palavra do homem justo também
deve ser afiada para cortar a ignorância e a injustiça.
O maçom, ao preparar-se para falar, age como o ferreiro que
coloca a espada na pedra de amolar: remove as rebarbas, ajusta o fio, tempera o
metal. O filosofar maçônico é exatamente essa pedra de afiar: um processo
contínuo de reflexão, diálogo e depuração.
A Linguagem Simbólica Maçônica de Sinais, Toques e Palavras
Uma das particularidades mais fascinantes da comunicação
maçônica é o seu sistema simbólico de reconhecimento: sinais, toques e palavras,
os únicos segredos maçônicos de fato.
Essa linguagem oculta remonta às guildas de pedreiros operativos
da Idade Média, que precisavam proteger seus segredos técnicos e assegurar que
apenas trabalhadores qualificados ingressassem nas obras. No mundo
especulativo, tais sinais não apenas identificam o iniciado, mas recordam que a
comunicação exige confiança e discrição.
Albert Galatim Mackey, em sua Encyclopedia of Freemasonry,
afirma: "Esses modos de reconhecimento
são ao mesmo tempo escudos e chaves: escudos que protegem a fraternidade e
chaves que abrem o coração do irmão".
O Sigilo e a Confiança Como Fundamentos
Na loja, a liberdade de expressão repousa sobre um pacto moral
chamado sigilo maçônico. Não se trata de ocultar informações por capricho, mas
de proteger o espaço onde a mente pode falar sem medo.
Historicamente, sociedades de pensamento, como os Rosa-Cruzes,
Illuminati e clubes iluministas do século XVIII, mantiveram práticas similares,
compreendendo que o pensamento livre floresce melhor em solo protegido.
O sigilo, portanto, é o que garante que a comunicação maçônica
seja honesta, profunda e destemida. Sem ele, a palavra seria tímida; com ele, a
palavra é audaz.
A Finalidade Ética da Comunicação Maçônica
A palavra proferida na Maçonaria deve estar a serviço da
construção do homem e da sociedade. Em um discurso célebre de 1870, pronunciado
por John Yarker, destacado maçom inglês, declarou: "que nossas palavras sejam como pedras assentadas: firmes, precisas e
capazes de sustentar o peso da verdade".
A finalidade ética da comunicação maçônica inclui:
·
Educar pelo exemplo e pelo ensino;
·
Resolver discordâncias pela concórdia;
·
Inspirar a ação virtuosa;
·
Fortalecer os vínculos fraternos.
A loja, como microcosmo da sociedade ideal, exige que a palavra
seja instrumento de conciliação, e não de divisão.
A Psicologia Simbólica da Palavra e do Silêncio
Carl Jung identificou a palavra como veículo de
arquétipos, e o silêncio como o útero onde esses arquétipos se
gestam antes de se manifestar. No contexto maçônico, isso se traduz na
prática de refletir antes de falar.
O silêncio, longe de ser ausência, é um estado de escuta
ativa e elaboração mental. É nesse intervalo que a espada é afiada. Assim,
quando a palavra surge, ela não é improviso ocioso, mas golpe preciso.
O maçom aprende que há um tempo para falar e um tempo para
calar, tal como ensina (Eclesiastes 3:7): "Tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de
falar".
Exemplos Históricos de Discursos Maçônicos
A história registra orações maçônicas memoráveis. Entre elas:
·
Benjamin Franklin - Em uma reunião maçônica na
Filadélfia, Franklin afirmou: "A
Maçonaria é uma arte que nos ensina a viver como se fôssemos eternos, e a falar
como se cada palavra fosse a última";
·
José Bonifácio de Andrada e Silva - No Brasil,
em suas falas políticas e maçônicas, defendeu a palavra como arma contra a
tirania, inspirando a independência nacional;
·
Lafayette - O herói franco-americano, maçom,
dizia: "A liberdade precisa da
espada para ser conquistada e da palavra para ser preservada".
Esses exemplos mostram que, em diferentes contextos históricos,
a comunicação maçônica foi instrumento de transformação social e política.
A Comunicação Como Instrumento de Progresso Humano
Quando o maçom afia sua comunicação, ele não o faz apenas para a
loja, mas para a vida. Uma palavra justa pode corrigir um erro, inspirar uma
ação nobre ou consolar um espírito aflito.
Assim, a comunicação afiada:
·
Desperta no homem natural a consciência do
dever;
·
Harmoniza o indivíduo com a comunidade;
·
Reforça a percepção de que cada um é artífice de
seu próprio destino;
No sentido mais elevado, comunicar-se bem é colaborar com a obra
do Grande Arquiteto do Universo, ajudando a edificar um mundo mais justo e
iluminado.
O Caminho para o Cosmos
Ao afiar a espada da palavra, o maçom prepara-se para cortar a
ignorância e a injustiça. A comunicação, quando polida pela razão e temperada
pela virtude, torna-se ponte entre o homem e o infinito.
O destino final da palavra justa é o
próprio Cosmos: um estado de harmonia universal onde cada som é melodia, cada
silêncio é repouso, e cada frase é pedra firme na construção da obra eterna.
Bibliografia
1.
ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2005;
2.
BACON, Francis. Novum Organum. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001;
3.
CÍCERO, Marco Túlio. De Oratore. São Paulo:
Martin Claret, 2012;
4.
ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Rio de Janeiro:
Record, 2001;
5.
FRANKLIN,
Benjamin. The Papers of Benjamin Franklin. Yale University Press, 1961;
6.
JUNG, Carl Gustav. O Homem e Seus Símbolos. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 2008;
7.
MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry.
Chicago: Masonic History Company, 1914;
8.
OLIVEIRA, José Castellani de. Maçonaria:
História, Lendas e Mistérios. São Paulo: Madras, 2006;
9.
PIMENTEL, Álvaro. A Filosofia da Comunicação
Maçônica. Lisboa: Ed. Esquadro e Compasso, 2010;
10. YARKER, John. The Arcane Schools. Belfast:
William Tait, 1909;
Nenhum comentário:
Postar um comentário