sábado, 9 de agosto de 2025

Comunicação Afiada: a Arte Maçônica de Lapidar a Palavra

 Charles Evaldo Boller

A Comunicação Como Essência da Oratória

A oratória é a mais elevada das artes comunicativas e, desde os primórdios da civilização, é considerada instrumento de poder, educação e transformação. A palavra molda culturas, constrói alianças e determina destinos. Para o homem livre e de bons costumes, a maestria na comunicação não é luxo, mas necessidade vital.

No campo maçônico, essa habilidade transcende o utilitarismo da vida em sociedade. Ela se converte em um ofício sagrado, pois é pela palavra que se transmite o conhecimento iniciático, se fortalece a fraternidade e se constrói a unidade do templo simbólico da humanidade.

Cícero, o grande orador romano, declarou em seu De Oratore: "A eloquência é inseparável da sabedoria, pois falar bem é pensar bem". Para o maçom, isso significa que a clareza no falar é filha da clareza no pensar.

A Dimensão Histórica da Comunicação e a Retórica Clássica

A Maçonaria, enquanto tradição iniciática, herda da Antiguidade clássica muito do seu ideal de comunicação. Aristóteles concebia a retórica como "a capacidade de descobrir, em cada caso, o meio disponível de persuasão". Os três pilares aristotélicos: ethos (credibilidade moral), pathos (mobilização emocional) e logos (estrutura racional), permanecem como fundamentos da arte maçônica de falar.

O ethos, para o maçom, é sustentado pela sua conduta moral irrepreensível; o pathos, pela capacidade de comover os irmãos em loja; o logos, pela força lógica e coerente de seus argumentos.

No Renascimento, com o florescimento das sociedades discretas, a palavra voltou a ganhar prestígio como instrumento de libertação e resistência intelectual. Francis Bacon, cujas ideias ecoam em princípios maçônicos, defendia que "o saber é poder", e que o saber, para ser poder de fato, precisa ser transmitido de modo claro e eficaz.

A Metáfora da Espada, Entre o Pensamento e a Palavra

A metáfora de afiar espadas para simbolizar o aprimoramento do pensamento é profundamente enraizada na simbologia iniciática. Na tradição cavaleiresca, a espada era mais que arma: era símbolo da justiça, da proteção e da verdade.

Na bíblia judaico-cristã, em Hebreus 4:12, lemos: "A palavra de Deus é viva e eficaz, mais cortante do que qualquer espada de dois gumes". A Maçonaria, ao interpretar esse versículo de forma simbólica, entende que a palavra do homem justo também deve ser afiada para cortar a ignorância e a injustiça.

O maçom, ao preparar-se para falar, age como o ferreiro que coloca a espada na pedra de amolar: remove as rebarbas, ajusta o fio, tempera o metal. O filosofar maçônico é exatamente essa pedra de afiar: um processo contínuo de reflexão, diálogo e depuração.

A Linguagem Simbólica Maçônica de Sinais, Toques e Palavras

Uma das particularidades mais fascinantes da comunicação maçônica é o seu sistema simbólico de reconhecimento: sinais, toques e palavras, os únicos segredos maçônicos de fato.

Essa linguagem oculta remonta às guildas de pedreiros operativos da Idade Média, que precisavam proteger seus segredos técnicos e assegurar que apenas trabalhadores qualificados ingressassem nas obras. No mundo especulativo, tais sinais não apenas identificam o iniciado, mas recordam que a comunicação exige confiança e discrição.

Albert Galatim Mackey, em sua Encyclopedia of Freemasonry, afirma: "Esses modos de reconhecimento são ao mesmo tempo escudos e chaves: escudos que protegem a fraternidade e chaves que abrem o coração do irmão".

O Sigilo e a Confiança Como Fundamentos

Na loja, a liberdade de expressão repousa sobre um pacto moral chamado sigilo maçônico. Não se trata de ocultar informações por capricho, mas de proteger o espaço onde a mente pode falar sem medo.

Historicamente, sociedades de pensamento, como os Rosa-Cruzes, Illuminati e clubes iluministas do século XVIII, mantiveram práticas similares, compreendendo que o pensamento livre floresce melhor em solo protegido.

O sigilo, portanto, é o que garante que a comunicação maçônica seja honesta, profunda e destemida. Sem ele, a palavra seria tímida; com ele, a palavra é audaz.

A Finalidade Ética da Comunicação Maçônica

A palavra proferida na Maçonaria deve estar a serviço da construção do homem e da sociedade. Em um discurso célebre de 1870, pronunciado por John Yarker, destacado maçom inglês, declarou: "que nossas palavras sejam como pedras assentadas: firmes, precisas e capazes de sustentar o peso da verdade".

A finalidade ética da comunicação maçônica inclui:

·         Educar pelo exemplo e pelo ensino;

·         Resolver discordâncias pela concórdia;

·         Inspirar a ação virtuosa;

·         Fortalecer os vínculos fraternos.

A loja, como microcosmo da sociedade ideal, exige que a palavra seja instrumento de conciliação, e não de divisão.

A Psicologia Simbólica da Palavra e do Silêncio

Carl Jung identificou a palavra como veículo de arquétipos, e o silêncio como o útero onde esses arquétipos se gestam antes de se manifestar. No contexto maçônico, isso se traduz na prática de refletir antes de falar.

O silêncio, longe de ser ausência, é um estado de escuta ativa e elaboração mental. É nesse intervalo que a espada é afiada. Assim, quando a palavra surge, ela não é improviso ocioso, mas golpe preciso.

O maçom aprende que há um tempo para falar e um tempo para calar, tal como ensina (Eclesiastes 3:7): "Tempo de rasgar e tempo de coser; tempo de estar calado e tempo de falar".

Exemplos Históricos de Discursos Maçônicos

A história registra orações maçônicas memoráveis. Entre elas:

·         Benjamin Franklin - Em uma reunião maçônica na Filadélfia, Franklin afirmou: "A Maçonaria é uma arte que nos ensina a viver como se fôssemos eternos, e a falar como se cada palavra fosse a última";

·         José Bonifácio de Andrada e Silva - No Brasil, em suas falas políticas e maçônicas, defendeu a palavra como arma contra a tirania, inspirando a independência nacional;

·         Lafayette - O herói franco-americano, maçom, dizia: "A liberdade precisa da espada para ser conquistada e da palavra para ser preservada".

Esses exemplos mostram que, em diferentes contextos históricos, a comunicação maçônica foi instrumento de transformação social e política.

A Comunicação Como Instrumento de Progresso Humano

Quando o maçom afia sua comunicação, ele não o faz apenas para a loja, mas para a vida. Uma palavra justa pode corrigir um erro, inspirar uma ação nobre ou consolar um espírito aflito.

Assim, a comunicação afiada:

·         Desperta no homem natural a consciência do dever;

·         Harmoniza o indivíduo com a comunidade;

·         Reforça a percepção de que cada um é artífice de seu próprio destino;

No sentido mais elevado, comunicar-se bem é colaborar com a obra do Grande Arquiteto do Universo, ajudando a edificar um mundo mais justo e iluminado.

O Caminho para o Cosmos

Ao afiar a espada da palavra, o maçom prepara-se para cortar a ignorância e a injustiça. A comunicação, quando polida pela razão e temperada pela virtude, torna-se ponte entre o homem e o infinito.

O destino final da palavra justa é o próprio Cosmos: um estado de harmonia universal onde cada som é melodia, cada silêncio é repouso, e cada frase é pedra firme na construção da obra eterna.

Bibliografia

1.      ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005;

2.      BACON, Francis. Novum Organum. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001;

3.      CÍCERO, Marco Túlio. De Oratore. São Paulo: Martin Claret, 2012;

4.      ECO, Umberto. O Nome da Rosa. Rio de Janeiro: Record, 2001;

5.      FRANKLIN, Benjamin. The Papers of Benjamin Franklin. Yale University Press, 1961;

6.      JUNG, Carl Gustav. O Homem e Seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008;

7.      MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Company, 1914;

8.      OLIVEIRA, José Castellani de. Maçonaria: História, Lendas e Mistérios. São Paulo: Madras, 2006;

9.      PIMENTEL, Álvaro. A Filosofia da Comunicação Maçônica. Lisboa: Ed. Esquadro e Compasso, 2010;

10.  YARKER, John. The Arcane Schools. Belfast: William Tait, 1909;

Nenhum comentário: