Charles Evaldo Boller
O grau 7 do Rito Escocês Antigo e Aceito, Preboste
e Juiz, inaugura um ciclo mais profundo dentro da filosofia iniciática, onde a
função simbólica de julgar é colocada a serviço da consciência moral e do
compromisso com a Verdade. No plano esotérico, este grau representa a elevação
do julgamento ético como função central da maturidade espiritual; no plano
existencial, corresponde a um momento da vida adulta em que o indivíduo já
desenvolveu acúmulo de experiências e discernimento e passa a ocupar,
simbolicamente, a posição de juiz, principalmente de si mesmo e das situações
do mundo.
Neste contexto, o presente texto propõe-se a
examinar como os ensinamentos do grau 7 podem ser aplicados à vida do adulto
moderno em múltiplas dimensões: ética, emocional, familiar, profissional,
espiritual, intelectual e social. A proposta é ancorar os símbolos e lições
iniciáticas nos desafios concretos da vida, em conformidade com os princípios
da Andragogia e com os anseios de transformação pessoal e coletiva que norteiam
a Maçonaria.
Função Simbólica do Juiz e o Julgamento Ético
O grau 7 tem como palavra-chave o julgamento.
Este não é entendido como imposição autoritária de regras, mas como expressão
de sabedoria, equilíbrio e equidade. O Preboste e Juiz é instado a julgar as
próprias ações com honestidade e justiça, cultivando um senso de
responsabilidade que ultrapassa a moral social comum e adentra o campo da moral
interna, edificada sobre a retidão de caráter.
O valor da liberdade nesse grau não é absoluto ou
anárquico. Pelo contrário, é um tipo de liberdade que nasce da autoconsciência
e da autodisciplina. O indivíduo livre é aquele que aprendeu a se julgar com
severidade ética, evitando a alienação moral. O juiz interior não é um
tirano, mas um orientador que opera à luz da razão e da compaixão.
Esse modelo simbólico aponta para o amadurecimento
da autonomia, que se traduz na capacidade de discernir e agir sem tutela
externa, mesmo diante das ambiguidades da vida contemporânea. A autonomia,
nesse contexto, é inseparável da consciência crítica e da autorreflexão contínua.
Aspectos Econômicos e Controle Financeiro
A ética aplicada aos aspectos econômicos é um traço
fundamental deste grau. O Preboste e Juiz deve ser capaz de julgar não apenas
os atos alheios, mas também os próprios hábitos econômicos, decisões de consumo
e a relação que mantém com o dinheiro. O domínio dos recursos materiais
torna-se símbolo de autocontrole e de equilíbrio interior.
O controle financeiro, neste plano simbólico, é
visto como disciplina espiritual: não se trata de acumular, mas de administrar
com sabedoria, comedimento e consciência social. A construção de uma vida
econômica saudável, baseada em escolhas éticas, no respeito aos contratos e na
responsabilidade fiscal, representa a aplicação prática dos princípios da
justiça ensinados no grau 7.
Este aspecto assume importância decisiva na vida
profissional e empresarial, tanto para proprietários quanto para gerentes e
funcionários. A conduta ética nos negócios, a justiça nas relações laborais e a
gestão responsável de recursos são formas contemporâneas de expressar o
julgamento simbólico do grau.
Edificação Moral, Liderança e Vida Familiar
Como juiz simbólico, o maçom deste grau é convocado
a edificar uma moral elevada e ativa, não apenas para si, mas como inspiração e
influência nos círculos familiares, profissionais e sociais. A edificação moral
ampla exige retidão, mas também empatia, capacidade de ouvir, ponderar e,
sobretudo, perdoar. O julgamento justo é, também, compassivo.
A liderança que emana desse grau é silenciosa e
eficaz. Trata-se da liderança do exemplo, do conselheiro sensato, do que assume
responsabilidades sem aspiração ao mando autoritário. É uma liderança
ética, voltada ao desenvolvimento dos outros, e que encontra ressonância no
papel de pai, esposo, mentor e cidadão.
No ambiente familiar, a filosofia do grau 7 orienta
o maçom a promover o crescimento mútuo, a escuta ativa e o respeito às
individualidades dos filhos e da esposa. A família, nesse grau, é escola da
moral viva, onde o juiz não impõe, mas educa; não acusa, mas orienta.
Desenvolvimento da Inteligência e Livre-pensamento
A prática do julgamento exige inteligência
emocional e racional, capacidade de análise, leitura crítica da realidade e
formação contínua. O grau 7 estimula o maçom a desenvolver a razão, mas também
a sabedoria, que vai além do saber técnico e se manifesta como discernimento
ético.
Esse desenvolvimento pressupõe o livre-pensamento,
ou seja, a capacidade de pensar com liberdade, além de dogmas, tradições cegas
ou convenções limitadoras. O juiz do grau 7 é um pensador lúcido, que busca a Verdade
através do diálogo com múltiplas fontes de conhecimento: a ciência, a
filosofia, a literatura, a espiritualidade.
Nesse sentido, o maçom é chamado a promover o
incremento cultural não apenas como acúmulo de informações, mas como formação
de visão crítica e de consciência social. A cultura, aqui, é meio de elevação
interior e de atuação responsável no mundo.
Vida Acadêmica, Científica e Social
A filosofia do grau 7 encontra aplicação fecunda na
vida acadêmica e científica, onde o julgamento ético é indispensável. O maçom
que atua como pesquisador, professor ou estudioso deve submeter suas atividades
ao crivo da honestidade intelectual, do rigor metodológico e da integridade
ética.
No plano social, o grau 7 convida à justiça
distributiva[1],
ao engajamento cívico e à defesa dos direitos humanos. A figura do juiz
simbólico é aqui traduzida como o cidadão responsável, que participa da
sociedade não para julgar os outros com dureza, mas para discernir caminhos
mais justos e inclusivos para todos.
Educação Emocional, Ciências Humanas e Religiões Comparadas
Um dos maiores desafios do julgamento ético é a
neutralização das paixões descontroladas. Assim, o grau 7 exige um esforço
continuado de educação emocional, em que a inteligência do coração complementa
a racionalidade. Controlar as próprias emoções, reconhecer as emoções alheias e
agir com empatia são habilidades centrais para o juiz interior[2].
Esse equilíbrio é fomentado pelo diálogo com as
ciências humanas, em especial a psicologia, a sociologia e a filosofia moral. A
antropologia também fornece uma lente útil para compreender os sistemas
simbólicos e as estruturas culturais que moldam os julgamentos humanos.
O contato com as religiões comparadas expande o
horizonte do julgamento, possibilitando ao maçom compreender diferentes visões
sobre justiça, pecado, perdão e transcendência. O juiz simbólico não é
sectário; ele busca a verdade nos múltiplos caminhos do sagrado.
Andragogia, Educação e Aprendizado Contínuo
A Andragogia — ciência da educação de adultos —
dialoga diretamente com o sistema de treinamento maçônico. O grau 7 propõe um
aprendizado baseado na experiência, na reflexão e na autonomia. O maçom é um estudante
contínuo, que julga os próprios erros e aprende com eles. Essa postura reflete
o valor da educação permanente, não como obrigação, mas como vocação interior.
A educação, aqui, não se limita à instrução formal.
Ela abarca a formação ética, emocional, cultural e espiritual. O Preboste e Juiz
educa a si mesmo todos os dias e se torna educador simbólico para os que estão
ao seu redor.
Transformação Interna e Despertar da Consciência
A principal função do julgamento simbólico é a transformação
interna. O maçom do grau 7 não julga para punir, mas para compreender,
curar, reconstruir. A consciência desperta-se na medida em que o indivíduo
abandona a rigidez moralista e adota uma ética lúcida, compassiva e ativa.
Essa consciência transformada não é um fim, mas um
caminho: o caminho do autoconhecimento, da superação dos vícios interiores e da
busca do bem comum. O maçom é, aqui, artífice do próprio templo interior,
julga as próprias paixões e direciona a vida para a virtude.
Despertar do Ser Sagrado e Espiritualidade
O grau 7 abre espaço para o despertar do ser
sagrado, não como adesão dogmática, mas como abertura ao mistério da vida, da
justiça cósmica e da presença do divino em todas as coisas. O juiz simbólico é
também um sacerdote da justiça interior, que compreende que julgar é, em
última instância, servir à Luz.
A espiritualidade, nesse grau, não é separada da
vida prática. Ela permeia o trabalho, a família, a sociedade, a política e a
cultura. É espiritual aquele que age com justiça, fala com verdade, sente com
compaixão e vive com consciência.
Conclusão
O grau 7 do Rito Escocês Antigo e Aceito propõe um
modelo de julgamento interior que transcende a moral convencional para tornar-se
instrumento de transformação pessoal e social. O Preboste e Juiz é um ser que julga
com sabedoria, age com ética e lidera com consciência. Os valores abordados
neste grau — liberdade, autonomia, justiça, cultura, espiritualidade, educação
— não são apenas símbolos iniciáticos, mas instrumentos vivos para uma vida
adulta plena, equilibrada e virtuosa.
Bibliografia
1.
ANDRADE, Vicente, Filosofia Maçônica, Os Graus
Inefáveis do Rito Escocês Antigo e Aceito, São Paulo, Madras, 2008;
2.
BAPTISTA, Cláudio, A Justiça na Maçonaria,
Ética, Moral e Simbolismo, Porto, Letras & Letras, 2014;
3.
KNOWLES, Malcolm S., The Adult Learner, A
Neglected Species, Houston, Gulf Publishing, 1990;
4.
MASLOW, Abraham, Motivação e Personalidade, São
Paulo, LTC, 2008;
5.
MORIN, Edgar, A Cabeça Bem-feita, repensar a
reforma, reformar o pensamento, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001;
6.
ROCHA, Luiz Carlos Molinaro, O Livro da
Maçonaria Simbólica e Filosófica, São Paulo, Pensamento, 2010;
7.
STEINER, Rudolf, Teosofia, São Paulo,
Antroposófica, 2015;
8.
ZUBOFF, Shoshana, A Era do Capitalismo de
Vigilância, Rio de Janeiro, Intrínseca, 2020;
[1]
Justiça distributiva é um conceito da ética e filosofia política que se refere
à distribuição justa e equitativa de bens, recursos, oportunidades e encargos
na sociedade. Busca garantir que todos os membros de uma comunidade tenham
acesso ao que necessitam e que as desigualdades sejam minimizadas;
[2]
Juiz de si próprio;
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