quarta-feira, 13 de agosto de 2025

Grau 7, Julgamento Ético com Maturidade Espiritual

 Charles Evaldo Boller

O grau 7 do Rito Escocês Antigo e Aceito, Preboste e Juiz, inaugura um ciclo mais profundo dentro da filosofia iniciática, onde a função simbólica de julgar é colocada a serviço da consciência moral e do compromisso com a Verdade. No plano esotérico, este grau representa a elevação do julgamento ético como função central da maturidade espiritual; no plano existencial, corresponde a um momento da vida adulta em que o indivíduo já desenvolveu acúmulo de experiências e discernimento e passa a ocupar, simbolicamente, a posição de juiz, principalmente de si mesmo e das situações do mundo.

Neste contexto, o presente texto propõe-se a examinar como os ensinamentos do grau 7 podem ser aplicados à vida do adulto moderno em múltiplas dimensões: ética, emocional, familiar, profissional, espiritual, intelectual e social. A proposta é ancorar os símbolos e lições iniciáticas nos desafios concretos da vida, em conformidade com os princípios da Andragogia e com os anseios de transformação pessoal e coletiva que norteiam a Maçonaria.

Função Simbólica do Juiz e o Julgamento Ético

O grau 7 tem como palavra-chave o julgamento. Este não é entendido como imposição autoritária de regras, mas como expressão de sabedoria, equilíbrio e equidade. O Preboste e Juiz é instado a julgar as próprias ações com honestidade e justiça, cultivando um senso de responsabilidade que ultrapassa a moral social comum e adentra o campo da moral interna, edificada sobre a retidão de caráter.

O valor da liberdade nesse grau não é absoluto ou anárquico. Pelo contrário, é um tipo de liberdade que nasce da autoconsciência e da autodisciplina. O indivíduo livre é aquele que aprendeu a se julgar com severidade ética, evitando a alienação moral. O juiz interior não é um tirano, mas um orientador que opera à luz da razão e da compaixão.

Esse modelo simbólico aponta para o amadurecimento da autonomia, que se traduz na capacidade de discernir e agir sem tutela externa, mesmo diante das ambiguidades da vida contemporânea. A autonomia, nesse contexto, é inseparável da consciência crítica e da autorreflexão contínua.

Aspectos Econômicos e Controle Financeiro

A ética aplicada aos aspectos econômicos é um traço fundamental deste grau. O Preboste e Juiz deve ser capaz de julgar não apenas os atos alheios, mas também os próprios hábitos econômicos, decisões de consumo e a relação que mantém com o dinheiro. O domínio dos recursos materiais torna-se símbolo de autocontrole e de equilíbrio interior.

O controle financeiro, neste plano simbólico, é visto como disciplina espiritual: não se trata de acumular, mas de administrar com sabedoria, comedimento e consciência social. A construção de uma vida econômica saudável, baseada em escolhas éticas, no respeito aos contratos e na responsabilidade fiscal, representa a aplicação prática dos princípios da justiça ensinados no grau 7.

Este aspecto assume importância decisiva na vida profissional e empresarial, tanto para proprietários quanto para gerentes e funcionários. A conduta ética nos negócios, a justiça nas relações laborais e a gestão responsável de recursos são formas contemporâneas de expressar o julgamento simbólico do grau.

Edificação Moral, Liderança e Vida Familiar

Como juiz simbólico, o maçom deste grau é convocado a edificar uma moral elevada e ativa, não apenas para si, mas como inspiração e influência nos círculos familiares, profissionais e sociais. A edificação moral ampla exige retidão, mas também empatia, capacidade de ouvir, ponderar e, sobretudo, perdoar. O julgamento justo é, também, compassivo.

A liderança que emana desse grau é silenciosa e eficaz. Trata-se da liderança do exemplo, do conselheiro sensato, do que assume responsabilidades sem aspiração ao mando autoritário. É uma liderança ética, voltada ao desenvolvimento dos outros, e que encontra ressonância no papel de pai, esposo, mentor e cidadão.

No ambiente familiar, a filosofia do grau 7 orienta o maçom a promover o crescimento mútuo, a escuta ativa e o respeito às individualidades dos filhos e da esposa. A família, nesse grau, é escola da moral viva, onde o juiz não impõe, mas educa; não acusa, mas orienta.

Desenvolvimento da Inteligência e Livre-pensamento

A prática do julgamento exige inteligência emocional e racional, capacidade de análise, leitura crítica da realidade e formação contínua. O grau 7 estimula o maçom a desenvolver a razão, mas também a sabedoria, que vai além do saber técnico e se manifesta como discernimento ético.

Esse desenvolvimento pressupõe o livre-pensamento, ou seja, a capacidade de pensar com liberdade, além de dogmas, tradições cegas ou convenções limitadoras. O juiz do grau 7 é um pensador lúcido, que busca a Verdade através do diálogo com múltiplas fontes de conhecimento: a ciência, a filosofia, a literatura, a espiritualidade.

Nesse sentido, o maçom é chamado a promover o incremento cultural não apenas como acúmulo de informações, mas como formação de visão crítica e de consciência social. A cultura, aqui, é meio de elevação interior e de atuação responsável no mundo.

Vida Acadêmica, Científica e Social

A filosofia do grau 7 encontra aplicação fecunda na vida acadêmica e científica, onde o julgamento ético é indispensável. O maçom que atua como pesquisador, professor ou estudioso deve submeter suas atividades ao crivo da honestidade intelectual, do rigor metodológico e da integridade ética.

No plano social, o grau 7 convida à justiça distributiva[1], ao engajamento cívico e à defesa dos direitos humanos. A figura do juiz simbólico é aqui traduzida como o cidadão responsável, que participa da sociedade não para julgar os outros com dureza, mas para discernir caminhos mais justos e inclusivos para todos.

Educação Emocional, Ciências Humanas e Religiões Comparadas

Um dos maiores desafios do julgamento ético é a neutralização das paixões descontroladas. Assim, o grau 7 exige um esforço continuado de educação emocional, em que a inteligência do coração complementa a racionalidade. Controlar as próprias emoções, reconhecer as emoções alheias e agir com empatia são habilidades centrais para o juiz interior[2].

Esse equilíbrio é fomentado pelo diálogo com as ciências humanas, em especial a psicologia, a sociologia e a filosofia moral. A antropologia também fornece uma lente útil para compreender os sistemas simbólicos e as estruturas culturais que moldam os julgamentos humanos.

O contato com as religiões comparadas expande o horizonte do julgamento, possibilitando ao maçom compreender diferentes visões sobre justiça, pecado, perdão e transcendência. O juiz simbólico não é sectário; ele busca a verdade nos múltiplos caminhos do sagrado.

Andragogia, Educação e Aprendizado Contínuo

A Andragogia — ciência da educação de adultos — dialoga diretamente com o sistema de treinamento maçônico. O grau 7 propõe um aprendizado baseado na experiência, na reflexão e na autonomia. O maçom é um estudante contínuo, que julga os próprios erros e aprende com eles. Essa postura reflete o valor da educação permanente, não como obrigação, mas como vocação interior.

A educação, aqui, não se limita à instrução formal. Ela abarca a formação ética, emocional, cultural e espiritual. O Preboste e Juiz educa a si mesmo todos os dias e se torna educador simbólico para os que estão ao seu redor.

Transformação Interna e Despertar da Consciência

A principal função do julgamento simbólico é a transformação interna. O maçom do grau 7 não julga para punir, mas para compreender, curar, reconstruir. A consciência desperta-se na medida em que o indivíduo abandona a rigidez moralista e adota uma ética lúcida, compassiva e ativa.

Essa consciência transformada não é um fim, mas um caminho: o caminho do autoconhecimento, da superação dos vícios interiores e da busca do bem comum. O maçom é, aqui, artífice do próprio templo interior, julga as próprias paixões e direciona a vida para a virtude.

Despertar do Ser Sagrado e Espiritualidade

O grau 7 abre espaço para o despertar do ser sagrado, não como adesão dogmática, mas como abertura ao mistério da vida, da justiça cósmica e da presença do divino em todas as coisas. O juiz simbólico é também um sacerdote da justiça interior, que compreende que julgar é, em última instância, servir à Luz.

A espiritualidade, nesse grau, não é separada da vida prática. Ela permeia o trabalho, a família, a sociedade, a política e a cultura. É espiritual aquele que age com justiça, fala com verdade, sente com compaixão e vive com consciência.

Conclusão

O grau 7 do Rito Escocês Antigo e Aceito propõe um modelo de julgamento interior que transcende a moral convencional para tornar-se instrumento de transformação pessoal e social. O Preboste e Juiz é um ser que julga com sabedoria, age com ética e lidera com consciência. Os valores abordados neste grau — liberdade, autonomia, justiça, cultura, espiritualidade, educação — não são apenas símbolos iniciáticos, mas instrumentos vivos para uma vida adulta plena, equilibrada e virtuosa.

Bibliografia

1.      ANDRADE, Vicente, Filosofia Maçônica, Os Graus Inefáveis do Rito Escocês Antigo e Aceito, São Paulo, Madras, 2008;

2.      BAPTISTA, Cláudio, A Justiça na Maçonaria, Ética, Moral e Simbolismo, Porto, Letras & Letras, 2014;

3.      KNOWLES, Malcolm S., The Adult Learner, A Neglected Species, Houston, Gulf Publishing, 1990;

4.      MASLOW, Abraham, Motivação e Personalidade, São Paulo, LTC, 2008;

5.      MORIN, Edgar, A Cabeça Bem-feita, repensar a reforma, reformar o pensamento, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001;

6.      ROCHA, Luiz Carlos Molinaro, O Livro da Maçonaria Simbólica e Filosófica, São Paulo, Pensamento, 2010;

7.      STEINER, Rudolf, Teosofia, São Paulo, Antroposófica, 2015;

8.      ZUBOFF, Shoshana, A Era do Capitalismo de Vigilância, Rio de Janeiro, Intrínseca, 2020;



[1] Justiça distributiva é um conceito da ética e filosofia política que se refere à distribuição justa e equitativa de bens, recursos, oportunidades e encargos na sociedade. Busca garantir que todos os membros de uma comunidade tenham acesso ao que necessitam e que as desigualdades sejam minimizadas;

[2] Juiz de si próprio;

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