sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Grau 1, Fundamento de Valores Práticos para o Adulto Contemporâneo

 Charles Evaldo Boller

O grau 1 da Maçonaria, conhecido como Aprendiz Maçom, é o portal iniciático que introduz o neófito a uma trajetória simbólica, filosófica e moral. Embora estruturado sob alegorias e símbolos ancestrais, esse grau tem profunda ressonância com as necessidades do adulto moderno. A Maçonaria, particularmente no Rito Escocês Antigo e Aceito, oferece ao Aprendiz um arcabouço de valores que transcendem o tempo e se tornam ferramentas práticas para a vida pessoal, familiar, profissional e espiritual.

Este texto propõe explorar os principais valores ensinados no grau 1 e sua aplicabilidade no cotidiano do adulto, dentro de múltiplas esferas — liberdade, autonomia, ética, finanças, liderança, educação, espiritualidade e o contínuo despertar da consciência — sempre iluminado pelo ideal maçônico de tornar-se um ser humano melhor.

Faz-se necessária uma explicação a respeito da filosofia praticada na Maçonaria. O maçom não é, necessariamente, um filósofo no sentido acadêmico ou sistemático do termo. Ele não se ocupa da elaboração de tratados nem se prende a escolas doutrinárias fixas. Em vez disso, é um amante da sabedoria no seu estado mais puro: aquele que busca compreender o mundo por meio da investigação racional, crítica e aberta aos diversos saberes. No ambiente da loja, o maçom se entrega ao que denomina filosofar maçônico, um exercício coletivo de diálogo, escuta e reflexão, onde os temas mais variados do conhecimento humano são abordados de maneira eclética, da ética à física, da mitologia à política, da arte à metafísica.

Esse filosofar não tem como meta a verdade absoluta, mas a iluminação progressiva da consciência. O maçom reconhece, com lucidez, a vastidão de sua ignorância, o que o impele a continuar investigando, debatendo, aprendendo. Seu impulso não é o orgulho do saber, mas a humildade da busca. Alimentado por uma vontade teimosa de aperfeiçoamento, persegue uma utopia, não como um fim concreto, mas como um norte simbólico, que dá sentido à caminhada. Assim, o maçom constrói-se diariamente, pedra por pedra, no templo interior da razão, da ética e da fraternidade.

A Busca pela Liberdade e o Despertar da Autonomia

A liberdade é o valor axial do grau de Aprendiz. A cerimônia de iniciação representa a libertação da ignorância e a entrada num mundo de Luz — metáfora do conhecimento e da consciência. Contudo, essa liberdade não é licenciosidade, mas sim a capacidade de escolher e agir segundo a razão, o bem e a justiça. O adulto, ao internalizar este valor, compreende que sua liberdade se realiza em conjunto com a responsabilidade.

Autonomia, nesse contexto, é uma consequência prática da liberdade consciente. Para o Aprendiz, a autonomia se reflete na capacidade de pensar por si mesmo — um ideal kantiano que ressoa fortemente na Maçonaria. No mundo moderno, onde a manipulação ideológica, a desinformação e o conformismo são perigos constantes, a autonomia representa a emancipação do espírito.

Aplicações Econômicas e Controle Financeiro

Embora o Rito Escocês Antigo e Aceito não aborde diretamente questões econômicas, a ética e a responsabilidade, fundamentos do grau 1, encontram eco prático na administração financeira pessoal. O controle financeiro exige disciplina, planejamento e moderação — virtudes que o Aprendiz é instado a cultivar.

Valores como trabalho honesto, equilíbrio, uso ético dos recursos e previdência são apresentados como partes de um caráter lapidado. Um Aprendiz bem orientado é convidado a refletir sobre o sentido do consumo, a justa medida da ambição e a necessidade de construir uma vida econômica saudável, livre de dívidas e desperdícios.

A Construção de um Ser Ético e a Edificação Moral Ampla

O Aprendiz inicia sua jornada na pedra bruta — símbolo de sua condição ainda não polida, cheia de imperfeições morais. A lapidação desta pedra é o processo simbólico de autoconstrução ética. Ética, no grau 1, é entendida como um esforço contínuo de correção, coerência e alinhamento entre palavras e ações.

A moral maçônica não é impositiva, mas reflexiva. Não dita o que pensar, mas ensina a pensar melhor, com base em valores como honestidade, retidão, fraternidade e respeito. A edificação moral ampla que começa no grau 1 deve permear todas as dimensões da existência: relações afetivas, vínculos profissionais, cidadania e espiritualidade.

O Desenvolvimento da Liderança

A liderança, entendida como influência positiva e orientada ao bem comum, é um valor implícito ao progresso maçônico. No grau 1, o Aprendiz é chamado, primeiramente, a liderar a si mesmo. Esse autocontrole, autoconsciência e autodisciplina são pré-condições para qualquer atuação efetiva no mundo externo.

O homem que domina suas paixões, governa seus impulsos e compreende seus limites torna-se, gradativamente, apto a orientar, guiar e servir aos outros — seja como chefe de família, como gerente de empresa, como cidadão ou como irmão em Loja.

A Prática dos Valores na Empresa

Na vida profissional, os ensinamentos do grau 1 são aplicáveis tanto ao proprietário quanto ao colaborador. O maçom como empresário é chamado a ser justo, íntegro e sensível às necessidades sociais de seus empregados. O maçom como funcionário, por sua vez, deve agir com zelo, respeito às regras e espírito de cooperação. O maçom como gerente é símbolo da harmonia entre autoridade e empatia.

A ética no trabalho, a pontualidade, o respeito às hierarquias e o comprometimento com a excelência são valores compatíveis com a conduta maçônica. Assim, a loja torna-se uma escola de virtudes aplicáveis ao mundo corporativo.

O Apoio ao Desenvolvimento Humano na Família

O maçom começa sua reforma íntima dentro do lar. O Aprendiz é chamado a ser exemplo para a esposa, filhos e parentes. A presença atenciosa, a escuta ativa, o diálogo sincero e a capacidade de pedir perdão são manifestações práticas de uma vida transformada.

O vínculo conjugal é sustentado por amor, paciência e fidelidade — virtudes ensinadas nas entrelinhas do simbolismo maçônico. Já o papel paterno é visto como um sacerdócio, uma missão de conduzir os filhos pelo exemplo, e não pela imposição.

O Desenvolvimento da Inteligência e o Livre-pensar

O livre-pensar é um valor caro à Maçonaria. No grau 1, o Aprendiz é estimulado a abandonar preconceitos, superstições e fanatismos. Ele aprende que a Verdade é progressiva e que a razão deve iluminar as crenças.

A inteligência não é apenas lógica ou acadêmica, mas também emocional, simbólica e ética. O crescimento intelectual, incentivado por leituras, debates, estudos comparados e observação, forma o substrato do espírito crítico. Assim, a loja torna-se um laboratório de formação do ser livre-pensante.

O Incremento Cultural, Acadêmico e Científico

A cultura é entendida na Maçonaria como um meio de elevar o espírito humano. O Aprendiz é convidado a estudar, refletir, ampliar horizontes e cultivar a sensibilidade estética. O Rito Escocês Antigo e Aceito incentiva o amor à arte, à literatura, à música e à história como formas de construção de uma consciência ampliada.

Na vida acadêmica, os princípios maçônicos inspiram rigor, ética na pesquisa, abertura ao debate e respeito às divergências. A ciência, enquanto caminho de descoberta, dialoga com a filosofia maçônica, pois ambas buscam a verdade por vias racionais e experienciadas.

Educação Emocional e Andragógica

A educação emocional é uma necessidade contemporânea. O Aprendiz, ao enfrentar o espelho de seus defeitos morais, é levado a desenvolver empatia, paciência, humildade e capacidade de perdoar. Esse processo é a base da inteligência emocional, essencial para os relacionamentos interpessoais e para a saúde psíquica.

A forma de treinamento adotada na Maçonaria é eminentemente andragógica — centrada no adulto, no diálogo, na experiência e na autonomia. Segundo Knowles (1980), a Andragogia reconhece que o adulto aprende melhor quando há motivação interna, aplicação prática, autoorientação e experiências relevantes. O grau 1 propicia esse ambiente ao valorizar o simbolismo, o ritual, o debate e a reflexão.

Diálogo com as Ciências Humanas e Religiões Comparadas

A Maçonaria, embora não seja uma religião, favorece o diálogo inter-religioso e interfilosófico. O Aprendiz aprende a respeitar as tradições espirituais da humanidade e a buscar nelas elementos de sabedoria.

A psicologia, a antropologia, a história, a sociologia e a filosofia são interlocutoras legítimas do pensamento maçônico. O grau 1 já oferece uma abertura para esse diálogo ao apresentar símbolos universais e práticas que ressoam com mitos, arquétipos e narrativas culturais de diversas civilizações.

Educação Geral e Aprendizado Contínuo

O verdadeiro aprendizado é eterno, mas o Aprendiz não é eterno, um dia ele se torna mestre de si mesmo e deixa de ser aprendiz, sem afastar-se do aprendizado permanente e das novidades. O compromisso com o aprendizado contínuo é uma marca do maçom. O grau 1 inaugura uma forma de aprendizagem que se estende por toda a vida. Não há um fim, apenas etapas de evolução da consciência.

O estudo, a curiosidade, o desejo de crescer, são motores do progresso humano e maçônico. O Aprendiz deve buscar sempre a Luz — símbolo do saber, da sabedoria e do discernimento.

Transformação Interna, Consciência e Ser Sagrado

A maior aplicação do grau 1 está na transformação interna. A Maçonaria não pretende mudar o mundo de fora para dentro, mas de dentro para fora. O Aprendiz é instado a trabalhar sobre si, a vencer suas sombras, a controlar suas paixões, a refinar suas intenções.

Esse processo é, por excelência, o despertar da consciência. E, para muitos, esse despertar aponta para o sagrado interior. O ser sagrado não é dogmático, mas uma presença que emerge da comunhão com o Todo, da prática do bem e da elevação da alma.

Desenvolvimento Espiritual

O caminho maçônico é espiritual. O grau 1 introduz o conceito do Grande Arquiteto do Universo — princípio transcendente que une homens de diferentes crenças. O espiritual não é o místico irracional, mas o cultivo do sentido, da transcendência e da interioridade.

A oração silenciosa, a meditação sobre os símbolos, o silêncio ritual e a prática do bem são expressões espirituais cultivadas desde o primeiro grau. O espírito se desenvolve na medida em que o Aprendiz se conhece, se reconstrói e se oferece ao bem comum.

Conclusão

O grau 1 do Rito Escocês Antigo e Aceito não é um fim em si mesmo, mas um ponto de partida. Contudo, já contém em si um Universo de valores e práticas de extrema relevância para o adulto contemporâneo. Em cada uma das áreas da vida — familiar, profissional, intelectual, espiritual — ele oferece fundamentos sólidos e instrumentos simbólicos para a construção de um ser humano mais livre, autônomo, ético, emocionalmente equilibrado e espiritualmente desperto.

A Maçonaria, enquanto escola iniciática, dialoga profundamente com as necessidades do mundo moderno, oferecendo uma forma de educação integral que transforma não apenas o indivíduo, mas, por extensão, as estruturas sociais, culturais e espirituais do mundo ao seu redor.

Bibliografia

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