Charles Evaldo Boller
O grau 1 da Maçonaria, conhecido como Aprendiz
Maçom, é o portal iniciático que introduz o neófito a uma trajetória simbólica,
filosófica e moral. Embora estruturado sob alegorias e símbolos ancestrais,
esse grau tem profunda ressonância com as necessidades do adulto moderno. A
Maçonaria, particularmente no Rito Escocês Antigo e Aceito, oferece ao Aprendiz
um arcabouço de valores que transcendem o tempo e se tornam ferramentas
práticas para a vida pessoal, familiar, profissional e espiritual.
Este texto propõe explorar os principais valores
ensinados no grau 1 e sua aplicabilidade no cotidiano do adulto, dentro de
múltiplas esferas — liberdade, autonomia, ética, finanças, liderança, educação,
espiritualidade e o contínuo despertar da consciência — sempre iluminado pelo
ideal maçônico de tornar-se um ser humano melhor.
Faz-se necessária uma explicação a respeito da filosofia
praticada na Maçonaria. O maçom não é, necessariamente, um filósofo no sentido
acadêmico ou sistemático do termo. Ele não se ocupa da elaboração de tratados
nem se prende a escolas doutrinárias fixas. Em vez disso, é um amante da
sabedoria no seu estado mais puro: aquele que busca compreender o mundo por
meio da investigação racional, crítica e aberta aos diversos saberes. No
ambiente da loja, o maçom se entrega ao que denomina filosofar
maçônico, um exercício coletivo de diálogo, escuta e reflexão,
onde os temas mais variados do conhecimento humano são abordados de maneira
eclética, da ética à física, da mitologia à política, da arte à metafísica.
Esse filosofar não tem como meta a verdade absoluta, mas a iluminação
progressiva da consciência. O maçom reconhece, com lucidez, a vastidão de
sua ignorância, o que o impele a continuar investigando, debatendo, aprendendo.
Seu impulso não é o orgulho do saber, mas a humildade da busca. Alimentado por
uma vontade teimosa de aperfeiçoamento, persegue uma utopia, não como um fim
concreto, mas como um norte simbólico, que dá sentido à caminhada. Assim, o
maçom constrói-se diariamente, pedra por pedra, no templo interior da razão, da
ética e da fraternidade.
A Busca pela Liberdade e o Despertar da Autonomia
A liberdade é o valor axial do grau de Aprendiz. A
cerimônia de iniciação representa a libertação da ignorância e a entrada num
mundo de Luz — metáfora do conhecimento e da consciência. Contudo, essa
liberdade não é licenciosidade, mas sim a capacidade de escolher e agir segundo
a razão, o bem e a justiça. O adulto, ao internalizar este valor, compreende
que sua liberdade se realiza em conjunto com a responsabilidade.
Autonomia, nesse contexto, é uma consequência
prática da liberdade consciente. Para o Aprendiz, a autonomia se reflete na
capacidade de pensar por si mesmo — um ideal kantiano que ressoa fortemente na
Maçonaria. No mundo moderno, onde a manipulação ideológica, a desinformação e o
conformismo são perigos constantes, a autonomia representa a emancipação do
espírito.
Aplicações Econômicas e Controle Financeiro
Embora o Rito Escocês Antigo e Aceito não
aborde diretamente questões econômicas, a ética e a responsabilidade,
fundamentos do grau 1, encontram eco prático na administração financeira
pessoal. O controle financeiro exige disciplina, planejamento e moderação —
virtudes que o Aprendiz é instado a cultivar.
Valores como trabalho honesto, equilíbrio, uso
ético dos recursos e previdência são apresentados como partes de um caráter
lapidado. Um Aprendiz bem orientado é convidado a refletir sobre o sentido do
consumo, a justa medida da ambição e a necessidade de construir uma vida
econômica saudável, livre de dívidas e desperdícios.
A Construção de um Ser Ético e a Edificação Moral Ampla
O Aprendiz inicia sua jornada na pedra bruta —
símbolo de sua condição ainda não polida, cheia de imperfeições morais. A
lapidação desta pedra é o processo simbólico de autoconstrução ética. Ética, no
grau 1, é entendida como um esforço contínuo de correção, coerência e
alinhamento entre palavras e ações.
A moral maçônica não é impositiva, mas reflexiva.
Não dita o que pensar, mas ensina a pensar melhor, com base em valores como
honestidade, retidão, fraternidade e respeito. A edificação moral ampla que
começa no grau 1 deve permear todas as dimensões da existência: relações
afetivas, vínculos profissionais, cidadania e espiritualidade.
O Desenvolvimento da Liderança
A liderança, entendida como influência positiva e
orientada ao bem comum, é um valor implícito ao progresso maçônico. No grau 1,
o Aprendiz é chamado, primeiramente, a liderar a si mesmo. Esse autocontrole,
autoconsciência e autodisciplina são pré-condições para qualquer atuação
efetiva no mundo externo.
O homem que domina suas paixões, governa seus
impulsos e compreende seus limites torna-se, gradativamente, apto a orientar,
guiar e servir aos outros — seja como chefe de família, como gerente de
empresa, como cidadão ou como irmão em Loja.
A Prática dos Valores na Empresa
Na vida profissional, os ensinamentos do grau 1 são
aplicáveis tanto ao proprietário quanto ao colaborador. O maçom como empresário
é chamado a ser justo, íntegro e sensível às necessidades sociais de seus
empregados. O maçom como funcionário, por sua vez, deve agir com zelo, respeito
às regras e espírito de cooperação. O maçom como gerente é símbolo da harmonia
entre autoridade e empatia.
A ética no trabalho, a pontualidade, o respeito às
hierarquias e o comprometimento com a excelência são valores compatíveis com a
conduta maçônica. Assim, a loja torna-se uma escola de virtudes aplicáveis ao
mundo corporativo.
O Apoio ao Desenvolvimento Humano na Família
O maçom começa sua reforma íntima dentro do lar. O
Aprendiz é chamado a ser exemplo para a esposa, filhos e parentes. A presença
atenciosa, a escuta ativa, o diálogo sincero e a capacidade de pedir perdão são
manifestações práticas de uma vida transformada.
O vínculo conjugal é sustentado por amor, paciência
e fidelidade — virtudes ensinadas nas entrelinhas do simbolismo maçônico. Já o
papel paterno é visto como um sacerdócio, uma missão de conduzir os filhos pelo
exemplo, e não pela imposição.
O Desenvolvimento da Inteligência e o Livre-pensar
O livre-pensar é um valor caro à Maçonaria. No grau
1, o Aprendiz é estimulado a abandonar preconceitos, superstições e fanatismos.
Ele aprende que a Verdade é progressiva e que a razão deve iluminar as crenças.
A inteligência não é apenas lógica ou acadêmica,
mas também emocional, simbólica e ética. O crescimento intelectual, incentivado
por leituras, debates, estudos comparados e observação, forma o substrato do
espírito crítico. Assim, a loja torna-se um laboratório de formação do ser
livre-pensante.
O Incremento Cultural, Acadêmico e Científico
A cultura é entendida na Maçonaria como um meio de
elevar o espírito humano. O Aprendiz é convidado a estudar, refletir, ampliar
horizontes e cultivar a sensibilidade estética. O Rito Escocês
Antigo e Aceito incentiva o amor à arte, à literatura, à música e
à história como formas de construção de uma consciência ampliada.
Na vida acadêmica, os princípios maçônicos inspiram
rigor, ética na pesquisa, abertura ao debate e respeito às divergências. A
ciência, enquanto caminho de descoberta, dialoga com a filosofia maçônica, pois
ambas buscam a verdade por vias racionais e experienciadas.
Educação Emocional e Andragógica
A educação emocional é uma necessidade
contemporânea. O Aprendiz, ao enfrentar o espelho de seus defeitos morais, é
levado a desenvolver empatia, paciência, humildade e capacidade de perdoar.
Esse processo é a base da inteligência emocional, essencial para os
relacionamentos interpessoais e para a saúde psíquica.
A forma de treinamento adotada na Maçonaria é
eminentemente andragógica — centrada no adulto, no diálogo, na experiência e na
autonomia. Segundo Knowles (1980), a Andragogia reconhece que o adulto aprende
melhor quando há motivação interna, aplicação prática, autoorientação e
experiências relevantes. O grau 1 propicia esse ambiente ao valorizar o
simbolismo, o ritual, o debate e a reflexão.
Diálogo com as Ciências Humanas e Religiões Comparadas
A Maçonaria, embora não seja uma religião, favorece
o diálogo inter-religioso e interfilosófico. O Aprendiz aprende a respeitar as
tradições espirituais da humanidade e a buscar nelas elementos de sabedoria.
A psicologia, a antropologia, a história, a
sociologia e a filosofia são interlocutoras legítimas do pensamento maçônico. O
grau 1 já oferece uma abertura para esse diálogo ao apresentar símbolos
universais e práticas que ressoam com mitos, arquétipos e narrativas culturais
de diversas civilizações.
Educação Geral e Aprendizado Contínuo
O verdadeiro aprendizado é eterno, mas o Aprendiz não
é eterno, um dia ele se torna mestre de si mesmo e deixa de ser aprendiz, sem
afastar-se do aprendizado permanente e das novidades. O compromisso com o
aprendizado contínuo é uma marca do maçom. O grau 1 inaugura uma forma de
aprendizagem que se estende por toda a vida. Não há um fim, apenas etapas de
evolução da consciência.
O estudo, a curiosidade, o desejo de crescer, são
motores do progresso humano e maçônico. O Aprendiz deve buscar sempre a Luz —
símbolo do saber, da sabedoria e do discernimento.
Transformação Interna, Consciência e Ser Sagrado
A maior aplicação do grau 1 está na transformação
interna. A Maçonaria não pretende mudar o mundo de fora para dentro, mas de
dentro para fora. O Aprendiz é instado a trabalhar sobre si, a vencer suas
sombras, a controlar suas paixões, a refinar suas intenções.
Esse processo é, por excelência, o despertar da
consciência. E, para muitos, esse despertar aponta para o sagrado interior. O
ser sagrado não é dogmático, mas uma presença que emerge da comunhão com o
Todo, da prática do bem e da elevação da alma.
Desenvolvimento Espiritual
O caminho maçônico é espiritual. O grau 1 introduz
o conceito do Grande Arquiteto do Universo — princípio transcendente que une
homens de diferentes crenças. O espiritual não é o místico irracional, mas o
cultivo do sentido, da transcendência e da interioridade.
A oração silenciosa, a meditação sobre os símbolos,
o silêncio ritual e a prática do bem são expressões espirituais cultivadas
desde o primeiro grau. O espírito se desenvolve na medida em que o Aprendiz se
conhece, se reconstrói e se oferece ao bem comum.
Conclusão
O grau 1 do Rito Escocês Antigo e Aceito não é um
fim em si mesmo, mas um ponto de partida. Contudo, já contém em si um Universo de
valores e práticas de extrema relevância para o adulto contemporâneo. Em cada
uma das áreas da vida — familiar, profissional, intelectual, espiritual — ele
oferece fundamentos sólidos e instrumentos simbólicos para a construção de um
ser humano mais livre, autônomo, ético, emocionalmente equilibrado e
espiritualmente desperto.
A Maçonaria, enquanto escola iniciática, dialoga
profundamente com as necessidades do mundo moderno, oferecendo uma forma de
educação integral que transforma não apenas o indivíduo, mas, por extensão, as
estruturas sociais, culturais e espirituais do mundo ao seu redor.
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