sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Grau 9, a Superação da Vingança pela Equidade

 Charles Evaldo Boller

O grau 9 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Mestre Eleito dos Nove, representa um momento de inflexão na jornada maçônica. Trata-se de um grau de justiça, retidão e missão, onde se evidencia a responsabilidade moral do iniciado diante da Verdade, da justiça e da reparação do mal.

No plano simbólico, esse grau aponta para a superação da vingança pela equidade, do ódio pelo discernimento e da ignorância pela consciência desperta.

No plano prático, a sua filosofia é um fértil terreno para semear valores essenciais ao adulto moderno — liberdade, autonomia, liderança, ética, inteligência emocional e espiritualidade — que dialogam com as exigências da vida familiar, profissional, intelectual e iniciática.

Busca pela Liberdade e Autonomia no Grau 9

A liberdade, na perspectiva do Mestre Eleito dos Nove, não é apenas uma condição exterior, mas, sobretudo, uma conquista interior.

A missão simbólica do grau — fazer justiça sem cair na armadilha da vingança — exige discernimento ético e liberdade de julgamento. O iniciado, diante da tarefa de reparar uma injustiça, deve libertar-se de paixões inferiores, como o ódio ou o desejo de revanche. Isso implica um amadurecimento psíquico e emocional que o capacita a agir de modo autônomo, guiado por valores superiores.

A autonomia, nesse contexto, é o reflexo da liberdade bem compreendida. Trata-se da capacidade de deliberar com base em princípios éticos próprios, internalizados pela reflexão e pela prática. Esse valor é fundamental na vida adulta, seja nas decisões familiares, seja na condução de negócios ou no exercício da cidadania. A filosofia do grau 9 encoraja o maçom a construir sua autonomia moral e espiritual como um ideal constante.

Aspectos Econômicos e Controle Financeiro

Embora os temas econômicos não apareçam explicitamente nos símbolos do grau 9, sua filosofia tem implicações práticas nesse campo. A noção de justiça que perpassa o grau pode ser transposta para o campo das finanças pessoais e empresariais, exigindo do maçom responsabilidade, equidade e honestidade nas transações. O autocontrole que o grau demanda no julgamento dos próprios impulsos se estende à administração racional dos recursos.

O controle financeiro, nesse sentido, não é apenas uma habilidade técnica, mas um desdobramento ético. Um adulto que busca o equilíbrio financeiro também cultiva a moderação, a prudência e a previsibilidade — valores que refletem a sabedoria que o Mestre Eleito dos Nove é convidado a desenvolver.

Construção de um Ser Ético e Edificação Moral Ampla

O cerne do grau 9 está na ética. A missão do iniciado é cumprir um dever moral que exige coragem, mas também temperança. O grau propõe que a justiça não nasce da impulsividade, mas da reflexão consciente e da virtude praticada. Dessa forma, contribui para a edificação de um ser ético, cujo comportamento se orienta por valores superiores.

A edificação moral ampla, por sua vez, implica a construção de uma vida baseada na integridade, na honra e no respeito ao outro. Na sociedade contemporânea, marcada por relativismos éticos[1] e polarizações, a filosofia do grau 9 é uma chamada à responsabilidade individual e coletiva. O maçom é instado a ser exemplo de probidade, tanto na vida pública quanto na privada.

Desenvolvimento da Liderança e Aplicações na Empresa

O Mestre Eleito dos Nove, ao assumir a responsabilidade de corrigir uma injustiça, assume também uma função de liderança. Trata-se de uma liderança ética, servidora e consciente do bem comum. No mundo corporativo, esse modelo de liderança é cada vez mais valorizado. Líderes que agem com retidão, discernimento e empatia são capazes de transformar ambientes de trabalho e motivar equipes com base em valores e não apenas em metas.

Seja como proprietário, gerente ou colaborador, o maçom que internaliza os ensinamentos do grau 9 torna-se um agente de equilíbrio, mediação e transformação nos contextos empresariais. Sua liderança moral pode evitar conflitos, fomentar o diálogo e estabelecer uma cultura organizacional mais humana e ética.

Apoio ao Desenvolvimento Humano na Família

A justiça, enquanto valor cultivado no grau 9, também se manifesta no ambiente familiar. A figura do pai ou da mãe que age com equilíbrio, justiça e empatia contribui decisivamente para o desenvolvimento psíquico e moral dos filhos. O adulto que se esforça por viver os princípios do Mestre Eleito dos Nove oferece aos seus familiares um modelo de maturidade e amor incondicional.

Ao lado da esposa, esse maçom não apenas compartilha a vida, mas também constrói um espaço de justiça afetiva, onde o diálogo, o respeito mútuo e a escuta são cultivados. O lar torna-se, assim, uma extensão do templo — um lugar de evolução, retificação e fraternidade.

Desenvolvimento da Inteligência e Livre-pensamento

O grau 9 desafia o iniciado a pensar criticamente. O discernimento necessário para agir com justiça implica o desenvolvimento da inteligência analítica, emocional e espiritual. A prática constante de julgamento ético estimula a autonomia intelectual e favorece o livre-pensamento — um dos pilares da Maçonaria.

Ser um livre-pensador é ser capaz de raciocinar fora dos dogmas, com base na razão, na experiência e na reflexão crítica. O Mestre Eleito dos Nove, ao examinar a legitimidade de suas ações e intenções, desenvolve um espírito investigativo, avesso a fanatismos e manipulações ideológicas.

Incremento Cultural e Vida Acadêmica

O estudo, como via de elevação, é compatível com a filosofia do grau 9. A leitura de textos clássicos sobre ética, filosofia moral, jurisprudência e espiritualidade é um meio eficaz de aprimoramento cultural e de ampliação da consciência crítica. O maçom que frequenta ambientes acadêmicos pode levar a esses espaços uma postura ética e dialogal inspirada nos ensinamentos do grau.

O incremento cultural também se estende à vida artística, à literatura, à música e às ciências humanas. O Mestre Eleito dos Nove deve ser um homem culto, capaz de transitar por diferentes saberes, estabelecendo pontes entre a tradição e a modernidade.

Educação Emocional e Andragogia

A justiça que o grau 9 exige não pode ser praticada sem equilíbrio emocional. A educação das emoções — domínio das paixões, reconhecimento das vulnerabilidades, capacidade de perdão — é um requisito essencial. O maçom é chamado a desenvolver sua inteligência emocional para julgar com empatia e agir com humanidade.

Nesse processo, a Andragogia — ciência da aprendizagem de adultos — tem papel central. O aprendizado maçônico não se dá por imposição, mas por motivação intrínseca. O grau 9 é especialmente fecundo para a Andragogia porque estimula a reflexão sobre dilemas éticos reais, promovendo a aprendizagem significativa e transformadora.

Diálogo com as Ciências Humanas e as Religiões Comparadas

A filosofia do grau 9 dialoga com diversas áreas do saber. A sociologia, a psicologia, a filosofia moral e o direito oferecem aportes valiosos para compreender a complexidade do ato de julgar e reparar. O maçom pode enriquecer sua formação ética ao estudar teorias da justiça, como as de John Rawls ou Amartya Sen, por exemplo.

Do mesmo modo, o diálogo com as religiões comparadas oferece uma visão mais abrangente do valor da justiça na espiritualidade universal. O Cristianismo, o Judaísmo, o Islamismo, o Hinduísmo e o Budismo compartilham, com suas variações, a valorização da retidão, da misericórdia e da ação justa. O Mestre Eleito dos Nove pode, assim, reconhecer nos outros caminhos espirituais ecos de sua própria missão iniciática.

Transformação Interna, Consciência e Espiritualidade

O grau 9 é profundamente iniciático. O ato de corrigir uma injustiça, de se confrontar com o mal e de superá-lo com equilíbrio, é uma metáfora da luta interna do ser humano contra suas próprias sombras. A transformação interior é o objetivo último desse grau: despertar uma consciência justa, lúcida e compassiva.

Esse despertar não é apenas psicológico ou ético, mas também espiritual. O Mestre Eleito dos Nove é chamado a despertar o ser sagrado que habita em seu interior. A justiça, nesse contexto, não é apenas uma virtude social, mas um atributo divino que deve ser manifestado na vida concreta. O maçom se torna, assim, um instrumento da luz, um restaurador do equilíbrio, um sacerdote da justiça universal.

Conclusão

O grau 9 do Rito Escocês Antigo e Aceito transcende a narrativa simbólica da vingança e se transforma em um poderoso arquétipo de transformação ética, emocional, intelectual e espiritual. Ao integrar os ensinamentos desse grau à vida adulta, o maçom fortalece sua liberdade, sua autonomia, sua consciência financeira, seu compromisso com a ética e sua liderança moral.

Mais do que uma lição moral, o grau 9 é uma prática de vida. Ele desafia o iniciado a tornar-se um restaurador da justiça em seu lar, em seu trabalho, na sociedade e em si mesmo. Nessa jornada, os valores de liberdade, cultura, espiritualidade e inteligência não são metas distantes, mas instrumentos diários de elevação.

Bibliografia

1.      ALIGHIERI, Dante, A Divina Comédia, Tradução de Italo Eugenio Mauro, São Paulo, Martin Claret, 2001;

2.      CAMPOS, Haroldo, A arte no horizonte do provável, São Paulo: Perspectiva, 1981;

3.      ELIAS, Norbert, A sociedade dos indivíduos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1994;

4.      FROMM, Erich, O medo à liberdade, São Paulo, Martins Fontes, 2001;

5.      GADOTTI, Moacir, Educação e espiritualidade, São Paulo, Instituto Paulo Freire, 2007;

6.      KANT, Immanuel, Fundamentação da Metafísica dos costumes, Tradução de Paulo Quintela, Lisboa, Edições 70, 1993;

7.      MASLOW, Abraham, Motivação e personalidade, São Paulo, Editora WMF Martins Fontes, 2010;

8.      RAWLS, John, Uma teoria da justiça, São Paulo, Martins Fontes, 2002;

9.      SEN, Amartya, A ideia de justiça, São Paulo, Companhia das Letras, 2011;

10.  SILVA, Adilson, A espiritualidade na Maçonaria, São Paulo, Madras, 2014;

11.  YOUNG, Michael, Justiça e igualdade, Porto Alegre, L&PM, 2016;



[1] O relativismo ético é uma corrente filosófica que defende que não existem verdades morais universais e absolutas, ou seja, o que é considerado certo ou errado pode variar de acordo com a cultura, a época ou a perspectiva individual. Em outras palavras, a moralidade não é fixa e universal, mas sim relativa aos contextos sociais e individuais;

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