Charles Evaldo Boller
A Importância do Grau 13 no Percurso Iniciático
No Universo do Rito Escocês Antigo e Aceito, o grau 13,
Cavaleiro do Real Arco, ocupa um lugar de destaque entre os Graus Inefáveis.
Trata-se de síntese e revelação que conduz o maçom a um ponto culminante de sua
busca simbólica: o contato com o Nome Inefável do Grande Arquiteto do
Universo. Esta revelação não é ato puramente narrativo ou teatral, mas um marco
espiritual que representa a união entre a alma humana e a Verdade eterna.
Ao contrário de graus mais voltados à ação externa ou à
moralidade social, o grau 13 mergulha profundamente na dimensão mística da
iniciação. Sua lenda não é de caráter guerreiro ou jurídico, mas essencialmente
contemplativa, centrada na preservação e descoberta de um conhecimento
supremo que transcende o tempo e a história.
Neste grau, o iniciado entra em contato com a tradição
antediluviana, representada por Enoch, o sétimo patriarca após Adão, e com a
ideia de que o saber deve ser protegido contra as forças destrutivas, sejam
elas naturais, como o dilúvio, ou humanas, como o esquecimento e a corrupção
moral. É também um grau que, filosoficamente, proclama a liberdade de culto e de pensamento como condições indispensáveis para o progresso humano
e a dignidade da pessoa.
A amplitude do seu ensinamento permite uma leitura em vários
planos: histórico, simbólico, metafísico, esotérico, social, político,
psicológico e prático. Ao ampliarmos cada um desses aspectos, perceberemos que
o Cavaleiro do Real Arco não é apenas uma figura de ritual, mas um arquétipo universal de buscador da Verdade.
A Lenda de Enoch e o Real Arco - Raízes Históricas e Tradições Correlatas
A Narrativa Bíblica
No Livro do Gênesis (5:18-24), Enoch é apresentado como alguém
que "andou com Deus" e, ao atingir 365 anos (número que
simbolicamente corresponde aos dias do ano solar), "já não foi encontrado,
pois Deus o levou". Essa formulação lacônica alimentou séculos de
interpretações místicas, muitas das quais influenciaram tradições posteriores
que a Maçonaria incorporou e reelaborou.
As Tradições Apócrifas e Místicas
Nos Livros de Enoch (1 Enoque, 2 Enoque e 3 Enoque), que não
integram o cânon bíblico na maioria das tradições cristãs, encontramos a
descrição de Enoch como escriba celestial, guardião de segredos cósmicos e
iniciador de uma linhagem de sábios. Ele ascende aos céus, recebe revelações
dos anjos e registra o conhecimento divino para as futuras gerações.
Na tradição rabínica e cabalística, Enoch é identificado com
Metatron, o mais elevado dos anjos, testemunhando sua transformação espiritual
e sua proximidade com o Nome divino. Essa identificação o coloca como mediador
entre o humano e o divino, função essencialmente iniciática.
A Lenda Maçônica de Enoch
A tradição maçônica associa Enoch à construção de um templo
subterrâneo de nove arcos, situado sob o monte Moriá, no mesmo local onde,
séculos depois, o rei Salomão edificaria seu Templo. No arco mais profundo,
Enoch deposita uma placa de ouro com o Nome Inefável do Grande Arquiteto do Universo.
Para assegurar a preservação desse tesouro, constrói também duas colunas: uma
de bronze, resistente ao fogo, e outra de mármore, resistente à água.
A lenda afirma que essas precauções visavam proteger a Palavra
contra as alternâncias cíclicas de destruição do mundo, catástrofes aquáticas
(dilúvios) e ígneas (incêndios cósmicos), temas recorrentes em mitos sumérios,
egípcios, gregos e na filosofia estóica.
Influências de Outras Culturas
O mito do conhecimento oculto preservado em estruturas subterrâneas
encontra paralelo no Egito, com a lenda das câmaras secretas sob a Esfinge; na
Grécia, com as histórias órficas sobre cavernas iniciáticas; e entre os povos
celtas, cujas tumbas megalíticas eram vistas como portais para o Outro Mundo.
A Maçonaria, ao adotar a lenda de Enoch, não apenas preserva um
relato tradicional, mas o insere num código simbólico universal: a descida
ao interior da terra como imagem da jornada interior; o número nove como
símbolo de perfeição; o Nome sagrado como síntese da
Verdade última.
O Simbolismo do Grau 13
O Nome Inefável
No judaísmo, o Tetragrama Sagrado (YHWH) não é pronunciado,
sendo substituído por títulos reverenciais. Na Maçonaria, o Nome Inefável
representa mais que uma sequência de letras, é o símbolo da Verdade absoluta, inacessível ao intelecto comum e revelada somente
àquele que purificou seus pensamentos e intenções.
Esse Nome não é apenas um dado histórico ou linguístico: é a
chave para a compreensão de que o divino não pode ser aprisionado em
fórmulas humanas, e que toda definição é apenas aproximação de um mistério
maior.
O Templo Subterrâneo de Nove Arcos
O número nove, último dos algarismos simples, simboliza
plenitude e fechamento de ciclo. Os nove arcos representam etapas iniciáticas,
camadas sucessivas de purificação e autoconhecimento, pelas quais o iniciado
deve passar antes de alcançar a Palavra.
O caráter subterrâneo do templo sugere o inconsciente
profundo e o mistério do mundo interior. Descer a ele é realizar uma
catábase[1]
iniciática, enfrentando sombras e ilusões para encontrar a centelha divina.
As Duas Colunas
A coluna de bronze representa a resistência ao fogo (símbolo das
paixões destrutivas e das provações espirituais). A de mármore representa
resistência à água (símbolo das emoções descontroladas e das catástrofes
cíclicas). Juntas, representam a proteção do saber contra os dois grandes
agentes de dissolução: a corrupção interna e a destruição externa.
Elas também simbolizam estabilidade e permanência no tempo,
lembrando ao iniciado que a Verdade deve ser defendida com firmeza, mas
também com equilíbrio.
A Placa de Ouro
O ouro é símbolo de incorruptibilidade e perfeição. A placa
gravada com o Nome é a materialização do ideal supremo: a Verdade pura,
preservada contra o desgaste do tempo e contra a degradação moral.
Dimensão Metafísica e Esotérica
O grau 13, em sua essência, ensina que o conhecimento não é
fruto apenas do estudo externo, mas da experiência interior.
A Revelação Interior
Metafisicamente, a descida aos arcos subterrâneos é a jornada
da alma em direção à sua origem divina. O Nome Inefável não é algo que se
"aprende" como se aprende um fato histórico, mas algo que se reconhece quando se atinge determinado estado de
consciência.
Correspondências Tradicionais
·
Na Cabala, conhecer o Nome é atingir o
ponto mais alto da árvore da vida, Kether, onde a unidade com o Infinito é
plena;
·
No Hermetismo, é a reintegração ao Uno,
princípio de todas as coisas;
·
Na Alquimia, corresponde à obtenção da
Pedra Filosofal, que transmuta o homem imperfeito no Homem verdadeiro;
·
No Cristianismo esotérico, a Palavra é o
Logos, Cristo como encarnação da Verdade;
O Número Nove
O nove, triplo de três, é o número da realização espiritual.
Ele aparece nas nove hierarquias angélicas de PseudoDionísio[2],
nos nove céus da tradição islâmica e nos nove mundos da mitologia nórdica. No grau
13, representa o último passo antes da perfeição completa simbolizada pelo dez.
Dimensão Social e Filosofia Política
O ensinamento central do Grau 13, a liberdade de culto e de
pensamento, é inseparável da missão histórica da Maçonaria.
Liberdade de Culto
O maçom do Real Arco defende que todo ser humano tem direito
de se relacionar com o divino segundo sua própria consciência. Isso implica rejeitar tanto o fanatismo religioso quanto o
materialismo intolerante. A diversidade de credos não é obstáculo,
mas enriquecimento da vida espiritual.
Liberdade de Pensamento
A liberdade de pensamento é a base da ciência, da arte e da
filosofia. Sem ela, não há progresso humano real.
O grau 13 ensina que o homem deve estar livre para investigar, questionar e
expressar suas ideias, desde que o faça com respeito e responsabilidade.
Relação com a Justiça e o Progresso
A Maçonaria defende que o progresso das nações depende da
tríade: educação, justiça e liberdade. Um povo
oprimido intelectualmente ou espiritualmente está condenado à estagnação.
Psicologia simbólica
Do ponto de vista psicológico, o Nome Inefável é símbolo do
Self, o núcleo integrador da personalidade segundo Carl Gustav Jung.
Encontrá-lo é alcançar a individuação, processo pelo qual o indivíduo
se torna aquilo que é em potencial.
A descida aos nove arcos corresponde ao enfrentamento de nove
camadas de resistência interna: medos, preconceitos, ilusões, traumas,
condicionamentos, vaidades, apegos, ignorância e orgulho. Ao ultrapassá-las, o
iniciado chega ao centro de si mesmo.
Aplicações Práticas
No Plano Individual
·
Estudo contínuo das tradições espirituais,
identificando princípios universais;
·
Exercício diário da tolerância e do diálogo
inter-religioso;
·
Prática das virtudes cardeais e teologais;
No Plano Social
·
Apoio a legislações que garantam a liberdade de
crença e de expressão;
·
Defesa da educação laica e de qualidade;
·
Combate a toda forma de censura ideológica;
No Plano Maçônico
·
Fomento a trabalhos de loja que integrem
simbolismo, filosofia e ação social;
·
Promoção de estudos sobre pluralidade religiosa
e filosófica;
·
Criação de espaços de debate interno que
respeitem divergências;
Conclusão
O Cavaleiro do Real Arco é o guardião da Verdade e o defensor
da liberdade. Ao reencontrar o Nome Inefável, ele não adquire apenas um
conhecimento oculto, mas assume uma responsabilidade moral e social: viver de
acordo com a Verdade, protegê-la e promovê-la no mundo.
O grau 13 ensina que o verdadeiro templo
é o interior, e que a Palavra não se perde
enquanto houver quem a preserve no coração. Seu ensinamento é atemporal,
aplicável tanto na vida maçônica quanto na vida profana, como um chamado à
construção de um mundo mais livre, justo e iluminado.
Bibliografia
1.
ANDERSON, James. Constituições de Anderson de
1723. Lisboa: Ed. Maçônica, 2017;
2. COIL,
Henry Wilson. Coil's Masonic Encyclopedia. Richmond: Macoy Publishing, 1996;
3.
HALL,
Manly P. The Secret Teachings of All Ages. Los Angeles: Philosophical
Research Society, 2003;
4.
MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry.
Chicago: Masonic History Co., 1917;
5. PIKE, Albert. Morals and Dogma of the
Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston, 1871;
6. WAITE,
Arthur Edward. A New Encyclopedia of Freemasonry. London: William Rider, 1921;
7. WESTCOTT, W. Wynn. Numbers: Their Occult
Power and Mystic Virtues. London: Theosophical Publishing Society, 1890;
8. YATES, Frances A. The Rosicrucian
Enlightenment. London: Routledge, 2002;
9. ELIOT, Charles W. The Sacred Books of the
East. New York: P.F. Collier, 1910;
10. CASE, Paul Foster. The True and Invisible
Rosicrucian Order. York Beach: Samuel Weiser, 1985;
11. JUNG,
Carl Gustav. O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008;
12. PSEUDO-DIONÍSIO
Areopagita. Hierarquia Celestial. Lisboa: Edições 70, 2005;
13. BÍBLIA
SAGRADA. Livro do Gênesis e Livros de Enoque. Diversas edições e traduções;
Apêndice - Os Nove Arcos do Templo de Enoch e sua Interpretação Iniciática
O templo subterrâneo de nove arcos que figura na lenda do
Cavaleiro do Real Arco é mais que uma construção lendária:
é um mapa iniciático. Cada arco representa
um degrau da jornada interior, exigindo do iniciado o desenvolvimento de uma
virtude, a superação de um obstáculo e a assimilação de um ensinamento.
A disposição em nove níveis é coerente com antigas tradições que
viam a ascensão espiritual (ou, neste caso, a descida iniciática) como um
percurso de nove fases, como as nove esferas celestes de Dante na Divina
Comédia, as nove hierarquias angélicas ou as nove etapas do processo alquímico.
Significado de cada arco:
1º Arco - Humildade
·
Virtude: Reconhecimento da própria limitação
diante do mistério;
·
Símbolo numérico: Unidade que se abre ao todo;
·
Arquétipo psicológico: O Neófito que inicia a
busca;
·
Aplicação prática: O maçom deve iniciar cada
estudo e ação livre de arrogância intelectual, consciente de que a Verdade não
pode ser possuída, mas apenas servida;
2º Arco - Pureza de Intenção
·
Virtude: Honestidade interior e desapego de
interesses pessoais;
·
Símbolo numérico: Dois como espelho, refletindo
a alma;
·
Arquétipo psicológico: O Peregrino que escolhe
seu caminho;
·
Aplicação prática: Em loja, as discussões e
deliberações devem visar o bem coletivo, não o benefício de poucos;
3º Arco - Perseverança
·
Virtude: Capacidade de manter a busca apesar dos
obstáculos;
·
Símbolo numérico: Três como harmonia e equilíbrio;
·
Arquétipo psicológico: O Guerreiro paciente;
·
Aplicação prática: Não abandonar estudos ou
trabalhos maçônicos diante de dificuldades ou incompreensões;
4º Arco - Coragem
·
Virtude: Enfrentar o desconhecido sem ceder ao
medo;
·
Símbolo numérico: Quatro como estabilidade e
fundação;
·
Arquétipo psicológico: O Guardião da Porta;
·
Aplicação prática: Defender a liberdade de
pensamento mesmo quando ela é contestada no meio profano;
5º Arco - Discernimento
·
Virtude: Saber separar o verdadeiro do falso;
·
Símbolo numérico: Cinco como a estrela de cinco
pontas, símbolo do homem equilibrado;
·
Arquétipo psicológico: O Sábio em formação;
·
Aplicação prática: Examinar informações e
tradições com espírito crítico e método racional;
6º Arco - Justiça
·
Virtude: Dar a cada um o que lhe é devido, com
equidade;
·
Símbolo numérico: Seis como harmonia entre o Céu
e a Terra;
·
Arquétipo psicológico: O Legislador interno;
·
Aplicação prática: Ser imparcial nas decisões em
loja e no mundo profano, independentemente de afinidades pessoais;
7º Arco - Misericórdia
·
Virtude: Compreensão e compaixão pelas fraquezas
alheias;
·
Símbolo numérico: Sete como espiritualidade e
completude;
·
Arquétipo psicológico: O Curador;
·
Aplicação prática: Conciliar firmeza com
benevolência, lembrando que todo julgamento deve ser temperado por clemência;
8º Arco - Sabedoria
·
Virtude: Integração do conhecimento com a
experiência vivida;
·
Símbolo numérico: Oito como equilíbrio dinâmico
e infinito;
·
Arquétipo psicológico: O Mestre;
·
Aplicação prática: Unir teoria e prática,
simbolismo e ação, tornando-se exemplo vivo dos princípios maçônicos;
9º Arco - União com a Verdade
·
Virtude: Estado de consciência no qual o eu se
harmoniza com o divino;
·
Símbolo numérico: Nove como plenitude e retorno
à unidade superior;
·
Arquétipo psicológico: O Iluminado;
· Aplicação prática: Viver em coerência com o Nome Inefável, que não é apenas conhecido, mas encarnado na conduta;
[1]
"Catábase" refere-se a qualquer forma de descida, mas na mitologia e
literatura, especialmente na mitologia grega, o termo descreve a descida ao mundo
inferior ou submundo, geralmente com o objetivo de realizar uma missão,
consultar os mortos ou resgatar algo ou alguém. É o oposto de anábase, que é a
subida;
[2]
Dionísio Areopagita, autor, filósofo neoplatônico e teólogo cristão. Também
conhecido por Dionísio o Pseudo-Areopagita ou Pseudo-Dionísio o Areopagita.
Faleceu em 485. Nome dado ao autor de uma série de escritos místicos que
influíram determinantemente na filosofia medieval. Sua teologia forneceu
fundamentação à iconofilia bizantina e a diversos temas.
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