terça-feira, 12 de agosto de 2025

Grau 6, Uma Leitura Filosófica e Transformadora

Charles Evaldo Boller

O grau 6 do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Secretário Íntimo, marca um momento de mudança no percurso iniciático do maçom, no qual ele se confronta com a realidade da confiança e da responsabilidade em um contexto de poder. Não mais se trata apenas de cultivar virtudes pessoais ou de prestar serviços simbólicos; neste grau, o maçom é chamado a participar das decisões dos altos conselhos, tornando-se testemunha da fragilidade humana mesmo em ambientes de autoridade e liderança.

Essa posição simbólica e moral oferece um terreno fértil para a reflexão sobre diversos valores de interesse prático para o adulto moderno, em especial aqueles que dizem respeito ao exercício da liberdade, autonomia, ética, liderança, educação emocional, espiritualidade e desenvolvimento pessoal e coletivo. Este texto propõe uma leitura integrada do simbolismo do grau 6 com os desafios da existência adulta, projetando luz sobre sua aplicação na vida profissional, familiar, social, intelectual e espiritual.

O Grau 6 e a Responsabilidade Ética: a Confiança Como Pedra Angular

No grau 6, o iniciado é testemunha de um momento delicado: o rei Salomão surpreende seus mais próximos colaboradores em um ato de desconfiança. A narrativa do grau não gira em torno de punições ou castigos, mas da superação de conflitos morais por meio da verdade e da conciliação. Essa simbologia coloca a ética como centro da experiência do grau. Como afirma Immanuel Kant (2004), agir eticamente é agir de tal maneira que se possa desejar que a máxima da ação se torne uma lei universal. O maçom do grau 6 aprende que, mesmo diante de falhas humanas, é possível reconstruir a confiança e edificar pontes.

Esse princípio tem ampla aplicação prática: no ambiente empresarial, em posições de liderança, é comum haver mal-entendidos, rupturas de confiança ou desafios éticos. O aprendizado maçônico conduz à compreensão de que a liderança não é controle autoritário, mas edificação moral pela verdade e pela capacidade de restaurar vínculos. Nas relações familiares, esse mesmo princípio se converte em diálogo, escuta ativa e construção de vínculos saudáveis com a esposa e os filhos.

Liberdade e Autonomia: o Caminho da Consciência e da Escolha Responsável

A liberdade não se realiza na ausência de limites, mas na presença da consciência. O maçom do grau 6 descobre que somente é livre aquele que compreende as implicações de seus atos e escolhe com base em valores superiores. A autonomia, nesse contexto, é uma conquista — não um ponto de partida — a liberdade se constrói na prática: na consideração e crítica sobre a ação e suas consequências.

Na vida adulta, a liberdade conquistada é aquela que permite ao sujeito tomar decisões econômicas com sabedoria, gerir seus próprios recursos financeiros com responsabilidade, e não ser escravo de impulsos ou imposições culturais. Isso tem aplicação direta na prática de controle financeiro, no planejamento de carreira, e na vida como empreendedor ou gestor. Um líder livre é aquele que é guiado por sua consciência, e não por pressões externas ou jogos de poder.

Educação Andragógica e Aprendizado Contínuo: o Espírito do Estudo Permanente

O maçom iniciado no grau 6, é convidado a não interromper sua caminhada cognitiva. O aprendizado contínuo é pilar do Rito Escocês Antigo e Aceito, mas nesse grau ele adquire uma conotação mais profunda: o iniciado é testemunha de segredos, o que simbolicamente representa acesso a verdades mais elevadas, que exigem maturidade e discernimento.

A Andragogia — ciência da educação do adulto — sustenta que o aprendizado só ocorre de modo eficaz quando o educando é sujeito ativo no processo, com autonomia, experiência e motivação interna (Knowles, 1984). O maçom é, pois, um eterno estudante da vida, e esse grau o incentiva a ser um leitor da realidade, um questionador das aparências e um amante da sabedoria.

No contexto acadêmico, científico ou social, isso implica assumir uma postura investigativa, crítica e dialógica. Na empresa, permite ao gestor ou empreendedor manter-se atualizado, inovar com responsabilidade e formar equipes capazes de aprender coletivamente.

Liderança Transformacional: do Comando à Inspiração

Um dos símbolos centrais do grau 6 é a confiança pessoal que o rei deposita no Secretário Íntimo. Esta confiança não se compra nem se impõe: ela é conquistada pela integridade e pela sabedoria. Portanto, o maçom é conduzido à ideia de uma liderança transformacional[1], nos moldes sugeridos por James MacGregor Burns (1978), na qual o líder inspira pelo exemplo, pelo caráter e pela capacidade de desenvolver os liderados.

A liderança inspiradora aplica-se tanto à vida profissional quanto à esfera familiar. No seio da família, o maçom deve ser modelo para filhos e companheira; na empresa, deve ser aquele que escuta, acolhe e orienta; na loja maçônica, deve auxiliar no despertar da consciência coletiva e no progresso da ordem como um todo.

Inteligência e Livre-pensamento: Luzes da Razão e da Intuição

O grau 6 marca uma ruptura com a visão ingênua da autoridade. Ao perceber a falibilidade dos líderes, o maçom é levado a desenvolver sua inteligência de maneira crítica e independente. Isso ressoa com o ideal do livre-pensador — aquele que não se submete a dogmas, mas que constrói seu pensamento por meio do diálogo com as ciências humanas, com as religiões comparadas e com a tradição maçônica.

A inteligência aqui não é apenas racional, mas emocional, espiritual e prática. Daniel Goleman (1995) aponta que a inteligência emocional[2] é fundamental para a liderança e para as relações humanas. O maçom do grau 6 deve ser capaz de compreender seus próprios afetos, gerir emoções e estabelecer relações empáticas — seja no ambiente familiar, profissional ou social.

Edificação Moral e Espiritualidade: o Ser Como Templo Interior

A construção moral do ser é uma constante nos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, mas no grau 6 ela assume uma tonalidade mais aguda: o maçom percebe que a moral não é apenas um código de conduta, mas uma disposição interna que orienta suas escolhas em ambientes de poder, conflito e fragilidade humana.

A edificação moral se conecta diretamente com o desenvolvimento espiritual. Aqui, não se trata de religiosidade institucional, mas de espiritualidade como consciência do sagrado em si e no outro. O "ser sagrado" não é aquele separado da vida, mas aquele que se vê como parte de uma totalidade maior, conectado com valores universais. Como assinala Viktor Frankl (2008), a espiritualidade é uma dimensão essencial da existência humana, que confere sentido mesmo diante do sofrimento e do absurdo.

Diálogo com a Sociedade: Cultura, Ciência e Transformação Social

O maçom do grau 6 não é apenas um observador da realidade; ele é chamado a transformá-la. Ao desenvolver cultura, dialogar com a ciência e participar da vida social, ele contribui com a construção de uma sociedade mais justa e esclarecida. A cultura não é ornamento, mas alimento da alma. A ciência não é oposta à espiritualidade, mas um de seus braços. A vida social não é distração, mas campo de ação moral.

Nesse sentido, o maçom, consciente de seus deveres, atua como elo entre a tradição e a inovação, entre a ética e o progresso. Ele não se esconde em estruturas de poder, mas trabalha pela emancipação dos outros. Sua prática educativa é, portanto, libertadora — tanto na escola quanto na família, na empresa ou na loja maçônica.

Transformação Interna e Despertar da Consciência

Talvez o maior valor prático do grau 6 resida em sua vocação para a transformação interna. O maçom é confrontado com a complexidade humana, com as ambiguidades do poder e com a necessidade de desenvolver uma consciência mais ampla. Esta consciência é o que permite não apenas agir com ética, mas também despertar no outro esse mesmo impulso para o bem.

A transformação interna não é um estado final, mas um processo contínuo, alimentado por estudo, reflexão e prática. O despertar da consciência é o que conecta o maçom com o sagrado, com a liberdade, com o amor fraterno e com a missão universal de melhorar a humanidade.

Conclusão

O grau 6 do Rito Escocês Antigo e Aceito, ao promover uma profunda reflexão sobre a confiança, a ética, a liderança e o poder, oferece ao maçom uma oportunidade singular de crescimento pessoal e coletivo. Os valores nele presentes — liberdade, autonomia, controle financeiro, liderança ética, inteligência, espiritualidade, educação e transformação interna — não são meros conceitos abstratos. São ferramentas vivas para uma existência mais plena, consciente e significativa.

Ao internalizar esses valores, o maçom fortalece seu papel na família, na empresa, na sociedade e na loja. E, mais que isso, torna-se agente de um processo sutil e revolucionário: a construção de um mundo onde o sagrado habita nas pequenas escolhas cotidianas e onde a inteligência é posta a serviço da justiça, da liberdade e do amor fraterno.

Bibliografia

1.      BURNS, J. M., Leadership, New York, Harper & Row, 1978;

2.      ELIADE, M., O sagrado e o profano, a essência das religiões, São Paulo, Martins Fontes, 1992;

3.      FRANKL, V. E., Em busca de sentido, Petrópolis, Vozes, 2008;

4.      GOLEMAN, D., Inteligência emocional, Rio de Janeiro, Objetiva, 1995;

5.      KANT, I., Fundamentação da Metafísica dos costumes, São Paulo, Martins Fontes, 2004;

6.      KNOWLES, M. S., The Adult Learner, A Neglected Species, Houston, Gulf Publishing, 1984;

7.      MORIN, E., A cabeça bem-feita, repensar a reforma, reformar o pensamento, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002;

8.      PIAGET, J., A construção do real na criança, Rio de Janeiro, Zahar, 1973;

9.      STEINER, R., A ciência oculta, um esboço, São Paulo, Antroposófica, 2006;



[1] A liderança transformacional é um estilo de liderança que busca inspirar, motivar e engajar os colaboradores, promovendo mudanças significativas tanto nos indivíduos quanto na organização. Em vez de focar apenas em resultados e tarefas, líderes transformacionais buscam desenvolver um senso de propósito compartilhado, inspirando a equipe a alcançar seu potencial máximo e a contribuir para um objetivo maior;

[2] Inteligência Emocional (IE) é a capacidade de reconhecer, compreender, gerenciar e utilizar as próprias emoções e as dos outros de forma eficaz. Envolve habilidades como autoconsciência, autorregulação, automotivação, empatia e habilidades sociais. Em essência, IE é a capacidade de usar as emoções a seu favor, tanto na vida pessoal quanto profissional;

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