Charles Evaldo Boller
O grau 6 do Rito Escocês Antigo e Aceito,
denominado Secretário Íntimo, marca um momento de mudança no percurso
iniciático do maçom, no qual ele se confronta com a realidade da confiança e da
responsabilidade em um contexto de poder. Não mais se trata apenas de cultivar
virtudes pessoais ou de prestar serviços simbólicos; neste grau, o maçom é
chamado a participar das decisões dos altos conselhos, tornando-se testemunha
da fragilidade humana mesmo em ambientes de autoridade e liderança.
Essa posição simbólica e moral oferece um terreno
fértil para a reflexão sobre diversos valores de interesse prático para o
adulto moderno, em especial aqueles que dizem respeito ao exercício da
liberdade, autonomia, ética, liderança, educação emocional, espiritualidade e
desenvolvimento pessoal e coletivo. Este texto propõe uma leitura integrada do
simbolismo do grau 6 com os desafios da existência adulta, projetando luz sobre
sua aplicação na vida profissional, familiar, social, intelectual e espiritual.
O Grau 6 e a Responsabilidade Ética: a Confiança Como Pedra Angular
No grau 6, o iniciado é testemunha de um momento delicado:
o rei Salomão surpreende seus mais próximos colaboradores em um ato de
desconfiança. A narrativa do grau não gira em torno de punições ou castigos,
mas da superação de conflitos morais por meio da verdade e da conciliação. Essa
simbologia coloca a ética como centro da experiência do grau. Como afirma
Immanuel Kant (2004), agir eticamente é agir de tal maneira que se possa
desejar que a máxima da ação se torne uma lei universal. O maçom do grau 6
aprende que, mesmo diante de falhas humanas, é possível reconstruir a confiança
e edificar pontes.
Esse princípio tem ampla aplicação prática: no
ambiente empresarial, em posições de liderança, é comum haver mal-entendidos,
rupturas de confiança ou desafios éticos. O aprendizado maçônico conduz à
compreensão de que a liderança não é controle autoritário, mas edificação moral
pela verdade e pela capacidade de restaurar vínculos. Nas relações familiares,
esse mesmo princípio se converte em diálogo, escuta ativa e construção de
vínculos saudáveis com a esposa e os filhos.
Liberdade e Autonomia: o Caminho da Consciência e da Escolha Responsável
A liberdade não se realiza na ausência de limites,
mas na presença da consciência. O maçom do grau 6 descobre que somente é livre
aquele que compreende as implicações de seus atos e escolhe com base em valores
superiores. A autonomia, nesse contexto, é uma conquista — não um ponto de
partida — a liberdade se constrói na prática: na consideração e crítica sobre a
ação e suas consequências.
Na vida adulta, a liberdade conquistada é aquela
que permite ao sujeito tomar decisões econômicas com sabedoria, gerir seus
próprios recursos financeiros com responsabilidade, e não ser escravo de
impulsos ou imposições culturais. Isso tem aplicação direta na prática de
controle financeiro, no planejamento de carreira, e na vida como empreendedor
ou gestor. Um líder livre é aquele que é guiado por sua consciência, e não por
pressões externas ou jogos de poder.
Educação Andragógica e Aprendizado Contínuo: o Espírito do Estudo Permanente
O maçom iniciado no grau 6, é convidado a não
interromper sua caminhada cognitiva. O aprendizado contínuo é pilar do Rito Escocês
Antigo e Aceito, mas nesse grau ele adquire uma conotação mais
profunda: o iniciado é testemunha de segredos, o que simbolicamente representa
acesso a verdades mais elevadas, que exigem maturidade e discernimento.
A Andragogia — ciência da educação do adulto —
sustenta que o aprendizado só ocorre de modo eficaz quando o educando é sujeito
ativo no processo, com autonomia, experiência e motivação interna (Knowles,
1984). O maçom é, pois, um eterno estudante da vida, e esse grau o incentiva a
ser um leitor da realidade, um questionador das aparências e um amante da
sabedoria.
No contexto acadêmico, científico ou social, isso
implica assumir uma postura investigativa, crítica e dialógica. Na empresa,
permite ao gestor ou empreendedor manter-se atualizado, inovar com
responsabilidade e formar equipes capazes de aprender coletivamente.
Liderança Transformacional: do Comando à Inspiração
Um dos símbolos centrais do grau 6 é a confiança
pessoal que o rei deposita no Secretário Íntimo. Esta confiança não se compra
nem se impõe: ela é conquistada pela integridade e pela sabedoria. Portanto, o
maçom é conduzido à ideia de uma liderança transformacional[1],
nos moldes sugeridos por James MacGregor Burns (1978), na qual o líder inspira
pelo exemplo, pelo caráter e pela capacidade de desenvolver os liderados.
A liderança inspiradora aplica-se tanto à vida
profissional quanto à esfera familiar. No seio da família, o maçom deve ser
modelo para filhos e companheira; na empresa, deve ser aquele que escuta,
acolhe e orienta; na loja maçônica, deve auxiliar no despertar da consciência
coletiva e no progresso da ordem como um todo.
Inteligência e Livre-pensamento: Luzes da Razão e da Intuição
O grau 6 marca uma ruptura com a visão ingênua da
autoridade. Ao perceber a falibilidade dos líderes, o maçom é levado a
desenvolver sua inteligência de maneira crítica e independente. Isso ressoa com
o ideal do livre-pensador — aquele que não se submete a dogmas, mas que
constrói seu pensamento por meio do diálogo com as ciências humanas, com as
religiões comparadas e com a tradição maçônica.
A inteligência aqui não é apenas racional, mas
emocional, espiritual e prática. Daniel Goleman (1995) aponta que a inteligência
emocional[2] é
fundamental para a liderança e para as relações humanas. O maçom do grau 6 deve
ser capaz de compreender seus próprios afetos, gerir emoções e estabelecer
relações empáticas — seja no ambiente familiar, profissional ou social.
Edificação Moral e Espiritualidade: o Ser Como Templo Interior
A construção moral do ser é uma constante nos graus
do Rito Escocês
Antigo e Aceito, mas no grau 6 ela assume uma tonalidade mais
aguda: o maçom percebe que a moral não é apenas um código de conduta, mas uma
disposição interna que orienta suas escolhas em ambientes de poder, conflito e
fragilidade humana.
A edificação moral se conecta diretamente com o
desenvolvimento espiritual. Aqui, não se trata de religiosidade institucional,
mas de espiritualidade como consciência do sagrado em si e no outro.
O "ser sagrado" não é aquele separado da vida, mas aquele que se vê
como parte de uma totalidade maior, conectado com valores universais. Como
assinala Viktor Frankl (2008), a espiritualidade é uma dimensão essencial da
existência humana, que confere sentido mesmo diante do sofrimento e do absurdo.
Diálogo com a Sociedade: Cultura, Ciência e Transformação Social
O maçom do grau 6 não é apenas um observador da
realidade; ele é chamado a transformá-la. Ao desenvolver cultura, dialogar com
a ciência e participar da vida social, ele contribui com a construção de uma
sociedade mais justa e esclarecida. A cultura não é ornamento, mas alimento
da alma. A ciência não é oposta à espiritualidade, mas um de seus braços. A
vida social não é distração, mas campo de ação moral.
Nesse sentido, o maçom, consciente de seus deveres,
atua como elo entre a tradição e a inovação, entre a ética e o progresso. Ele
não se esconde em estruturas de poder, mas trabalha pela emancipação dos
outros. Sua prática educativa é, portanto, libertadora — tanto na escola quanto
na família, na empresa ou na loja maçônica.
Transformação Interna e Despertar da Consciência
Talvez o maior valor prático do grau 6 resida em
sua vocação para a transformação interna. O maçom é confrontado com a
complexidade humana, com as ambiguidades do poder e com a necessidade de
desenvolver uma consciência mais ampla. Esta consciência é o que permite não
apenas agir com ética, mas também despertar no outro esse mesmo impulso para o
bem.
A transformação interna não é um estado final, mas
um processo contínuo, alimentado por estudo, reflexão e prática. O despertar da
consciência é o que conecta o maçom com o sagrado, com a liberdade, com o amor
fraterno e com a missão universal de melhorar a humanidade.
Conclusão
O grau 6 do Rito Escocês Antigo e Aceito,
ao promover uma profunda reflexão sobre a confiança, a ética, a liderança e o
poder, oferece ao maçom uma oportunidade singular de crescimento pessoal e
coletivo. Os valores nele presentes — liberdade, autonomia, controle
financeiro, liderança ética, inteligência, espiritualidade, educação e
transformação interna — não são meros conceitos abstratos. São ferramentas
vivas para uma existência mais plena, consciente e significativa.
Ao internalizar esses valores, o maçom fortalece
seu papel na família, na empresa, na sociedade e na loja. E, mais que isso,
torna-se agente de um processo sutil e revolucionário: a construção de um mundo
onde o sagrado habita nas pequenas escolhas cotidianas e onde a inteligência é
posta a serviço da justiça, da liberdade e do amor fraterno.
Bibliografia
1. BURNS, J. M., Leadership, New York, Harper
& Row, 1978;
2.
ELIADE, M., O sagrado e o profano, a essência
das religiões, São Paulo, Martins Fontes, 1992;
3.
FRANKL, V. E., Em busca de sentido, Petrópolis,
Vozes, 2008;
4.
GOLEMAN, D., Inteligência emocional, Rio de
Janeiro, Objetiva, 1995;
5.
KANT, I., Fundamentação da Metafísica dos
costumes, São Paulo, Martins Fontes, 2004;
6.
KNOWLES, M. S., The Adult Learner, A Neglected
Species, Houston, Gulf Publishing, 1984;
7.
MORIN, E., A cabeça bem-feita, repensar a
reforma, reformar o pensamento, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002;
8.
PIAGET, J., A construção do real na criança, Rio
de Janeiro, Zahar, 1973;
9.
STEINER, R., A ciência oculta, um esboço, São
Paulo, Antroposófica, 2006;
[1]
A liderança transformacional é um estilo de liderança que busca
inspirar, motivar e engajar os colaboradores, promovendo mudanças
significativas tanto nos indivíduos quanto na organização. Em vez de focar
apenas em resultados e tarefas, líderes transformacionais buscam desenvolver um
senso de propósito compartilhado, inspirando a equipe a alcançar seu potencial
máximo e a contribuir para um objetivo maior;
[2]
Inteligência Emocional (IE) é a capacidade de reconhecer, compreender,
gerenciar e utilizar as próprias emoções e as dos outros de forma eficaz.
Envolve habilidades como autoconsciência, autorregulação, automotivação,
empatia e habilidades sociais. Em essência, IE é a capacidade de usar as
emoções a seu favor, tanto na vida pessoal quanto profissional;
Nenhum comentário:
Postar um comentário