sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Involução da Sociedade Humana

 Charles Evaldo Boller

O termo "involução", o contrário de "evolução", implica em retrocesso, regressão. Na linguagem filosófica e biológica, significa processo de simplificação ou perda de complexidade. Aplicada à sociedade humana, a noção de involução carrega juízo de valor negativo, indicando o retorno a estados primitivos de organização social, moral ou intelectual. A história da humanidade é narrativa de expansão e adaptação. Os primeiros hominídeos surgiram no continente africano há cerca de 6 a 7 milhões de anos. A linhagem do Homo, da qual fazemos parte, foi o primeiro a deixar a África há cerca de 1,8 milhão de anos, iniciando a migração que o levaria à Eurásia. O Homo Sapiens, surgido há aproximadamente 300 mil anos, foi o único a sobreviver e se expandir globalmente. Essa trajetória revela um processo de evolução cultural, simbólica e tecnológica sem precedentes entre os seres vivos.

Tecnicamente, a involução da sociedade humana pode ser compreendida como a perda de estruturas civilizatórias que sustentam a coesão social, os direitos humanos e o desenvolvimento ético e racional. Isso não significa que os indivíduos retornem literalmente a um estágio primitivo, mas que certos aspectos da vida social, como a convivência democrática, o diálogo intercultural ou o respeito à interdependência com o outro, são minados por forças destruidoras como: intolerância, hiperindividualismo, alienação tecnológica, e outras. No campo das ideias, pode-se dizer que a involução ocorre quando sociedades abdicam da razão crítica, do pensamento filosófico e do saber acumulado em favor de dogmatismo, desinformação e conformismo. Ela também se manifesta quando instituições deixam de cumprir seu papel civilizatório, regredindo para formas autocráticas ou primitivas de organização.

Em sua obra, "Interpretação das Culturas" (1973), Clifford Geertz (1926-2006), o antropólogo introduz a ideia de "descrição densa", defendendo que a cultura deve ser compreendida como um sistema de significados compartilhados. Para ele, a cultura não é mero adorno da vida social, mas a própria moldura que permite a interpretação do mundo. A involução, nesse sentido, pode ser vista como um enfraquecimento dos sistemas simbólicos que dão sentido à vida coletiva. Quando uma sociedade reduz seus horizontes simbólicos, limitando a diversidade cultural, reprimindo o pensamento crítico, empobrecendo sua linguagem ou vulgarizando o sagrado, ela embarca em um processo de involução. Ele nos convida a ver que não há humanidade sem interpretação, e que o empobrecimento dos significados é o prenúncio da barbárie.

Embora seja impossível um retorno literal à vida das cavernas, muitos autores identificam traços de primitivismo simbólico em sociedades hodiernas. O culto à força bruta, o apelo aos instintos mais básicos e a negação das leis que comandam o Universo, como princípio de mediação social caracterizam esse retorno. Hannah Arendt, em "As Origens do Totalitarismo" (1951), aponta para essa regressão civilizatória ao discutir como ideologias totalitárias desumanizam o outro e destroem a capacidade de julgamento moral.

A expressão "involução" ganha notoriedade no contexto chinês moderno, especialmente entre jovens profissionais urbanos. Originalmente um termo antropológico para descrever um tipo de desenvolvimento estagnado, quando um sistema cresce em intensidade, mas não em inovação, ele passa a denotar frustração social com um modelo de vida competitivo, exaustivo e sem perspectivas reais de progresso. Na China contemporânea, apesar de avanços tecnológicos e econômicos, muitos vivenciam um ciclo de produtividade excessiva e recompensas decrescentes. O fenômeno é identificado na supercompetição acadêmica, na carga de trabalho extrema e na pressão social por performance. Assim, a involução se manifesta não como estagnação material, mas como colapso do bem-estar e da criatividade, sinalizando uma decadência invisível.

A sociedade contemporânea apresenta um paradoxo: na medida em que se torna mais complexa em termos de sistemas, redes e informações, ela também se mostra mais vulnerável à fragmentação, nega a existência de valores, verdades, propósitos inerentes à vida e inclinada à superficialidade. A involução ocorre como descompasso entre complexidade estrutural e maturidade moral. Tecnologicamente avançados, mas espiritualmente exaustos, os indivíduos vivem imersos em redes de comunicação instantânea, mas carecem de escuta e diálogo autênticos. O sociólogo Zygmunt Bauman descreve essa condição como "modernidade líquida", onde relações, instituições e identidades tornam-se instáveis e descartáveis. Neste contexto, a involução não é visível como ruína externa, mas como colapso silencioso das virtudes humanas: solidariedade, empatia, reverência, transcendência.

O que o maçom pode fazer? A Maçonaria, como escola iniciática e ética, tem por missão contribuir com a elevação moral, intelectual e espiritual do ser humano. Diante do cenário de involução, o maçom deve ser o agente lúcido da resistência. Sua atuação começa com o autoconhecimento, passa pela vivência dos princípios maçônicos e culmina no serviço à sociedade. Sua filosofia recomenda três ações:

1. Restaurar os Significados - Em tempos de banalização simbólica, o maçom deve cultivar o sentido profundo dos ritos, das palavras e dos gestos. A simbologia maçônica deve ser vivida como experiência transformadora, não como tradição mecânica;

2. Fomentar o Diálogo Filosófico - A loja maçônica deve ser espaço de escuta ativa, debate construtivo e reflexão crítica. O maçom pode contribuir trazendo temas relevantes à pauta, conduzindo estudos com método andragógico e incentivando a construção coletiva do saber;

3. Agir com Ética na Sociedade - A influência do maçom não se limita ao templo. Ele deve atuar como luz no mundo profano: no trabalho, na família, na política e nas redes sociais. A coerência entre discurso e prática é a verdadeira pedra filosofal da luta contra a involução.

O maçom, como arquétipo do construtor, deve resistir às forças de destruição simbólica que corroem o tecido civilizacional. Seu trabalho é silencioso, mas radical: restaurar a dignidade humana, cultivar a sabedoria, proteger os valores perenes.

A involução não se vence com pressa, mas com perseverança.

Bibliografia

1.      BAUMAN, Zygmunt, Modernidade Líquida, Rio de Janeiro, Zahar, 2001;

2.      GEERTZ, Clifford, A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, LTC, 1989;

3.      HARARI, Yuval Noah, Sapiens: Uma Breve História da Humanidade, São Paulo, Companhia das Letras, 2015;

4.      SANTOS, Milton, Por outra globalização, do pensamento único à consciência universal, Rio de Janeiro, Record, 2000;

5.      ZHANG, Chenchen, Involution and Alienation in Contemporary China, Journal of Contemporary China, 2023;

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