Charles Evaldo Boller
O termo "involução",
o contrário de "evolução",
implica em retrocesso, regressão. Na linguagem filosófica e biológica,
significa processo de simplificação ou perda de complexidade. Aplicada à
sociedade humana, a noção de involução carrega juízo de valor negativo,
indicando o retorno a estados primitivos de organização social, moral ou
intelectual. A história da humanidade é narrativa de expansão e adaptação. Os
primeiros hominídeos surgiram no continente africano há cerca de 6 a 7 milhões
de anos. A linhagem do Homo, da qual fazemos parte, foi o primeiro a deixar a
África há cerca de 1,8 milhão de anos, iniciando a migração que o levaria à
Eurásia. O Homo Sapiens, surgido há aproximadamente 300 mil anos, foi o único a
sobreviver e se expandir globalmente. Essa trajetória revela um processo de
evolução cultural, simbólica e tecnológica sem precedentes entre os seres
vivos.
Tecnicamente, a involução da sociedade humana pode ser
compreendida como a perda de estruturas civilizatórias que sustentam a coesão
social, os direitos humanos e o desenvolvimento ético e racional. Isso não
significa que os indivíduos retornem literalmente a um estágio primitivo, mas
que certos aspectos da vida social, como a convivência democrática, o diálogo
intercultural ou o respeito à interdependência com o outro, são minados por
forças destruidoras como: intolerância, hiperindividualismo, alienação
tecnológica, e outras. No campo das ideias, pode-se dizer que a involução
ocorre quando sociedades abdicam da razão crítica, do pensamento filosófico e
do saber acumulado em favor de dogmatismo, desinformação e conformismo. Ela
também se manifesta quando instituições deixam de cumprir seu papel
civilizatório, regredindo para formas autocráticas ou primitivas de
organização.
Em sua obra, "Interpretação
das Culturas" (1973), Clifford Geertz (1926-2006), o antropólogo
introduz a ideia de "descrição densa",
defendendo que a cultura deve ser compreendida como um sistema de significados
compartilhados. Para ele, a cultura não é mero adorno da vida social, mas a
própria moldura que permite a interpretação do mundo. A involução, nesse
sentido, pode ser vista como um enfraquecimento dos sistemas simbólicos que dão
sentido à vida coletiva. Quando uma sociedade reduz seus horizontes simbólicos,
limitando a diversidade cultural, reprimindo o pensamento crítico, empobrecendo
sua linguagem ou vulgarizando o sagrado, ela embarca em um processo de
involução. Ele nos convida a ver que não há humanidade sem interpretação, e que
o empobrecimento dos significados é o prenúncio da barbárie.
Embora seja impossível um retorno literal à vida das cavernas,
muitos autores identificam traços de primitivismo simbólico em sociedades
hodiernas. O culto à força bruta, o apelo aos instintos mais básicos e a
negação das leis que comandam o Universo, como princípio de mediação social caracterizam
esse retorno. Hannah Arendt, em "As
Origens do Totalitarismo" (1951), aponta para essa regressão
civilizatória ao discutir como ideologias totalitárias desumanizam o outro e
destroem a capacidade de julgamento moral.
A expressão "involução"
ganha notoriedade no contexto chinês moderno, especialmente entre jovens
profissionais urbanos. Originalmente um termo antropológico para descrever um
tipo de desenvolvimento estagnado, quando um sistema cresce em intensidade, mas
não em inovação, ele passa a denotar frustração social com um modelo de vida
competitivo, exaustivo e sem perspectivas reais de progresso. Na China
contemporânea, apesar de avanços tecnológicos e econômicos, muitos vivenciam um
ciclo de produtividade excessiva e recompensas decrescentes. O fenômeno é
identificado na supercompetição acadêmica, na carga de trabalho extrema e na
pressão social por performance. Assim, a involução se manifesta não como
estagnação material, mas como colapso do bem-estar e da criatividade,
sinalizando uma decadência invisível.
A sociedade contemporânea apresenta um paradoxo: na medida em que
se torna mais complexa em termos de sistemas, redes e informações, ela também
se mostra mais vulnerável à fragmentação, nega a existência de valores,
verdades, propósitos inerentes à vida e inclinada à superficialidade. A
involução ocorre como descompasso entre complexidade estrutural e maturidade
moral. Tecnologicamente avançados, mas espiritualmente exaustos, os indivíduos
vivem imersos em redes de comunicação instantânea, mas carecem de escuta e
diálogo autênticos. O sociólogo Zygmunt Bauman descreve essa condição como
"modernidade líquida", onde
relações, instituições e identidades tornam-se instáveis e descartáveis. Neste
contexto, a involução não é visível como ruína externa, mas como colapso
silencioso das virtudes humanas: solidariedade, empatia, reverência,
transcendência.
O que o maçom pode fazer? A Maçonaria, como escola iniciática e
ética, tem por missão contribuir com a elevação moral, intelectual e espiritual
do ser humano. Diante do cenário de involução, o maçom deve ser o agente lúcido
da resistência. Sua atuação começa com o autoconhecimento, passa pela vivência
dos princípios maçônicos e culmina no serviço à sociedade. Sua filosofia
recomenda três ações:
1. Restaurar os Significados - Em tempos de banalização
simbólica, o maçom deve cultivar o sentido profundo dos ritos, das palavras e
dos gestos. A simbologia maçônica deve ser vivida como experiência
transformadora, não como tradição mecânica;
2. Fomentar o Diálogo Filosófico - A loja maçônica deve
ser espaço de escuta ativa, debate construtivo e reflexão crítica. O maçom pode
contribuir trazendo temas relevantes à pauta, conduzindo estudos com método
andragógico e incentivando a construção coletiva do saber;
3. Agir com Ética na Sociedade - A influência do maçom
não se limita ao templo. Ele deve atuar como luz no mundo profano: no trabalho,
na família, na política e nas redes sociais. A coerência entre discurso e
prática é a verdadeira pedra filosofal da luta contra a involução.
O maçom, como arquétipo do construtor, deve resistir às forças
de destruição simbólica que corroem o tecido civilizacional. Seu trabalho é
silencioso, mas radical: restaurar a dignidade humana, cultivar a sabedoria,
proteger os valores perenes.
A involução não se vence com pressa, mas com perseverança.
Bibliografia
1. BAUMAN, Zygmunt, Modernidade Líquida, Rio de Janeiro, Zahar, 2001;
2. GEERTZ, Clifford, A Interpretação das Culturas, Rio de Janeiro, LTC, 1989;
3.
HARARI, Yuval Noah, Sapiens: Uma Breve História
da Humanidade, São Paulo, Companhia das Letras, 2015;
4.
SANTOS, Milton, Por outra globalização, do
pensamento único à consciência universal, Rio de Janeiro, Record, 2000;
5. ZHANG, Chenchen, Involution and Alienation
in Contemporary China, Journal of Contemporary China, 2023;
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