Charles Evaldo Boller
O oitavo grau do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado
Intendente dos Edifícios, ocupa posição significativa no percurso iniciático do
maçom que busca integrar o conhecimento simbólico aos compromissos éticos e
sociais de uma vida dedicada à edificação interior e à transformação do
mundo. Este grau introduz o maçom na contemplação das ciências, das artes e da
moral prática, propondo uma leitura espiritual da obra coletiva da
humanidade.
Historicamente associado à figura do rei Salomão, que teria
convocado experientes obreiros para atuarem como mestres e conselheiros, os
Intendentes dos Edifícios assumem o papel de instrutor legislador e espiritual.
Este grau coloca em destaque a tríplice missão do iniciado: interpretar
simbolicamente o mundo, difundir o saber como forma de emancipação coletiva e
combater os vícios sociais que degeneram a obra humana.
Aspectos Históricos do Grau 8: um Conselho de Mestres para a Edificação da Sabedoria
Segundo a tradição maçônica, após a morte de Hiram Abif, e a
conclusão simbólica do Templo de Jerusalém, Salomão teria reunido um conselho
formado por mestres experientes, aos quais atribuiu o título de Intendentes dos
Edifícios. Esses homens não eram apenas construtores físicos, mas instrutores,
filósofos e administradores da sabedoria que deveria reger as obras materiais e
espirituais do povo.
A lenda do grau sugere que Salomão, ao promover o progresso das
ciências e das artes, percebeu a necessidade de institucionalizar um corpo de
mestres que pudesse transmitir conhecimentos, coordenar as futuras construções
e assegurar que os princípios morais estivessem integrados ao progresso
técnico. Assim, a origem do grau está profundamente conectada com a valorização
da educação, do conhecimento prático e do espírito de liderança moral.
O grau 8 pode ser interpretado, portanto, como um marco na
evolução do processo iniciático, em que o maçom começa a assumir
responsabilidades para além do seu aperfeiçoamento individual, tornando-se
agente da transformação social, educacional e cultural.
O Simbolismo dos Edifícios: Construção Exterior e Interior
A simbologia do grau gira em torno da ideia de construção. Não
apenas a construção física de templos, palácios ou cidades, mas, sobretudo, a edificação
do caráter humano, da sociedade justa e da consciência espiritual.
Os "edifícios" do grau são múltiplos em seus
significados:
·
Edifícios físicos: a obra coletiva do
homem, que exige técnica, cooperação, planejamento e sabedoria.
·
Edifícios sociais: as instituições, as
leis, as tradições e a educação que sustentam a civilização.
·
Edifícios interiores: a alma humana, o
templo do espírito, que deve ser elevado por meio do conhecimento, da virtude e
da Verdade.
O intendente dos edifícios deve ser, pois, alguém que compreende
o valor simbólico da arquitetura e da engenharia como expressões da
ordem divina e da harmonia universal. Assim como as pedras brutas devem ser
lapidadas para se ajustarem ao templo, as paixões e os vícios devem ser
superados para que o homem se torne digno construtor da Nova Jerusalém, metáfora
da sociedade ideal, justa e iluminada.
Metafísica e Esoterismo do Grau: Edificação Como Caminho Iniciático
No plano metafísico, o grau 8 nos remete ao arquétipo do
Arquiteto Cósmico, cuja obra é o próprio universo, ordenado segundo proporções,
leis e harmonia. O maçom, enquanto intendente, é aquele que, consciente de sua
origem espiritual e da missão da humanidade, participa do processo divino de
edificação da realidade.
No esoterismo, a edificação representa o progresso da alma por
meio dos graus da iniciação, sendo que cada grau representa uma
"câmara" ou "compartimento" do templo interior. O grau 8 é
um ponto de inflexão, onde o obreiro deixa de ser apenas um executante para
tornar-se também um intérprete da Lei e um facilitador de aprendizagem dos seus
semelhantes.
A simbologia numérica do grau também tem valor esotérico: o
número 8 é o símbolo do equilíbrio, da regeneração e do infinito. Em pé, representa
dois círculos unidos (como o Céu e a Terra); deitado, torna-se o símbolo do
infinito. O Intendente dos Edifícios é, portanto, um agente da harmonia entre
os mundos visível e invisível, entre a matéria e o espírito, entre o humano e o
divino.
Filosofia Moral do Grau: Educação, Trabalho e Justiça Social
A filosofia do grau 8 é social. O Intendente dos Edifícios é
aquele que luta contra a ignorância, a hipocrisia e a ambição, por meio da transmissão
de conhecimentos, da moral do trabalho e da valorização da justiça. Esses três
vícios sociais são considerados entraves à evolução da humanidade.
Combate à Ignorância
A ignorância é a mãe da tirania, da superstição e da
miséria. O grau 8 ensina que todo maçom deve ser um educador, alguém que
transmite Luz aos que ainda se encontram nas sombras do desconhecimento. A transmissão
de conhecimentos é a principal ferramenta de emancipação e progresso. O
conhecimento deve ser difundido para todos, como bem público.
Luta Contra a Hipocrisia
A hipocrisia social e moral é denunciada neste grau como
obstáculo à autenticidade e à fraternidade humana. O maçom deve viver segundo
os princípios que proclama, sendo verdadeiro em suas ações e fiel aos seus
compromissos. A máscara social da hipocrisia desfigura a realidade e impede a
edificação de um mundo mais justo.
Superação da Ambição
A ambição desmedida é denunciada como forma de degeneração do
trabalho. O grau exalta o valor do trabalho honesto, útil e justo, não
como meio de enriquecimento egoísta, mas como expressão de dignidade humana e
serviço à coletividade. Amar o trabalho é respeitar a ordem natural das coisas
e colaborar com a obra divina.
A Missão Social do Intendente dos Edifícios
Além dos aspectos simbólicos e filosóficos, o grau 8 convida o
maçom à ação prática. Ele deve atuar como um arquiteto moral da sociedade,
promovendo o bem comum, a justiça e o desenvolvimento sustentável. O intendente
está chamado a ser:
·
Instrutor, na difusão do saber e da
cultura;
·
Construtor, na edificação de instituições
éticas e eficientes;
·
Moralista, no combate às estruturas de
opressão, corrupção e injustiça;
·
Servidor, no respeito à propriedade
pública e na defesa da coisa comum;
·
Educador do trabalho, promovendo a ética
profissional e a valorização do esforço coletivo.
É neste sentido que o grau encontra seu ápice: transformar a
educação e o trabalho em instrumentos de libertação humana e espiritual.
Atualizações Contemporâneas: o Grau 8 e o Mundo Atual
Num mundo marcado por desigualdades sociais, crises ecológicas e
alienação cultural, o grau 8 ressurge com uma atualidade pungente. O maçom
moderno, investido como Intendente dos Edifícios, encontra desafios
específicos:
·
Educação digital e crítica: difundir o
discernimento e o pensamento crítico numa era de excesso de informação.
·
Justiça social e ambiental: construir
políticas e práticas que promovam a equidade e o cuidado com o planeta.
·
Combate às novas formas de ignorância e
manipulação: resgatar o valor da verdade, da ciência e da ética.
·
Promoção de culturas de paz: substituir a
violência simbólica e social por diálogo, mediação e cooperação.
Assim, o maçom do grau 8 é chamado a ser um guardião da
civilização em tempos de colapso moral e institucional. Ele é, como nas
origens, um conselheiro de Salomão: não do rei histórico, mas do ideal de
sabedoria, justiça e beleza que todo homem justo deve buscar.
Conclusão: O Edifício do Espírito e da Sociedade
O Grau 8 do Rito Escocês Antigo e Aceito é uma síntese entre o saber
simbólico e o compromisso social. Ao tornar-se Intendente dos Edifícios, o
maçom assume uma responsabilidade ética que transcende o templo ritualístico:
ele é chamado a edificar no mundo, e em si mesmo, uma obra que seja digna da
presença do Grande Arquiteto do Universo.
Assim, a lenda de Salomão, a filosofia da evolução e do
trabalho, a moral da justiça e da cooperação, e o simbolismo da construção são
integrados num único ideal: a edificação do ser humano pleno, consciente de sua
origem espiritual e de seu papel transformador na sociedade.
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