sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Simbolismo, Filosofia e Prática da Edificação Moral e Social

 Charles Evaldo Boller

O oitavo grau do Rito Escocês Antigo e Aceito, denominado Intendente dos Edifícios, ocupa posição significativa no percurso iniciático do maçom que busca integrar o conhecimento simbólico aos compromissos éticos e sociais de uma vida dedicada à edificação interior e à transformação do mundo. Este grau introduz o maçom na contemplação das ciências, das artes e da moral prática, propondo uma leitura espiritual da obra coletiva da humanidade.

Historicamente associado à figura do rei Salomão, que teria convocado experientes obreiros para atuarem como mestres e conselheiros, os Intendentes dos Edifícios assumem o papel de instrutor legislador e espiritual. Este grau coloca em destaque a tríplice missão do iniciado: interpretar simbolicamente o mundo, difundir o saber como forma de emancipação coletiva e combater os vícios sociais que degeneram a obra humana.

Aspectos Históricos do Grau 8: um Conselho de Mestres para a Edificação da Sabedoria

Segundo a tradição maçônica, após a morte de Hiram Abif, e a conclusão simbólica do Templo de Jerusalém, Salomão teria reunido um conselho formado por mestres experientes, aos quais atribuiu o título de Intendentes dos Edifícios. Esses homens não eram apenas construtores físicos, mas instrutores, filósofos e administradores da sabedoria que deveria reger as obras materiais e espirituais do povo.

A lenda do grau sugere que Salomão, ao promover o progresso das ciências e das artes, percebeu a necessidade de institucionalizar um corpo de mestres que pudesse transmitir conhecimentos, coordenar as futuras construções e assegurar que os princípios morais estivessem integrados ao progresso técnico. Assim, a origem do grau está profundamente conectada com a valorização da educação, do conhecimento prático e do espírito de liderança moral.

O grau 8 pode ser interpretado, portanto, como um marco na evolução do processo iniciático, em que o maçom começa a assumir responsabilidades para além do seu aperfeiçoamento individual, tornando-se agente da transformação social, educacional e cultural.

O Simbolismo dos Edifícios: Construção Exterior e Interior

A simbologia do grau gira em torno da ideia de construção. Não apenas a construção física de templos, palácios ou cidades, mas, sobretudo, a edificação do caráter humano, da sociedade justa e da consciência espiritual.

Os "edifícios" do grau são múltiplos em seus significados:

·         Edifícios físicos: a obra coletiva do homem, que exige técnica, cooperação, planejamento e sabedoria.

·         Edifícios sociais: as instituições, as leis, as tradições e a educação que sustentam a civilização.

·         Edifícios interiores: a alma humana, o templo do espírito, que deve ser elevado por meio do conhecimento, da virtude e da Verdade.

O intendente dos edifícios deve ser, pois, alguém que compreende o valor simbólico da arquitetura e da engenharia como expressões da ordem divina e da harmonia universal. Assim como as pedras brutas devem ser lapidadas para se ajustarem ao templo, as paixões e os vícios devem ser superados para que o homem se torne digno construtor da Nova Jerusalém, metáfora da sociedade ideal, justa e iluminada.

Metafísica e Esoterismo do Grau: Edificação Como Caminho Iniciático

No plano metafísico, o grau 8 nos remete ao arquétipo do Arquiteto Cósmico, cuja obra é o próprio universo, ordenado segundo proporções, leis e harmonia. O maçom, enquanto intendente, é aquele que, consciente de sua origem espiritual e da missão da humanidade, participa do processo divino de edificação da realidade.

No esoterismo, a edificação representa o progresso da alma por meio dos graus da iniciação, sendo que cada grau representa uma "câmara" ou "compartimento" do templo interior. O grau 8 é um ponto de inflexão, onde o obreiro deixa de ser apenas um executante para tornar-se também um intérprete da Lei e um facilitador de aprendizagem dos seus semelhantes.

A simbologia numérica do grau também tem valor esotérico: o número 8 é o símbolo do equilíbrio, da regeneração e do infinito. Em pé, representa dois círculos unidos (como o Céu e a Terra); deitado, torna-se o símbolo do infinito. O Intendente dos Edifícios é, portanto, um agente da harmonia entre os mundos visível e invisível, entre a matéria e o espírito, entre o humano e o divino.

Filosofia Moral do Grau: Educação, Trabalho e Justiça Social

A filosofia do grau 8 é social. O Intendente dos Edifícios é aquele que luta contra a ignorância, a hipocrisia e a ambição, por meio da transmissão de conhecimentos, da moral do trabalho e da valorização da justiça. Esses três vícios sociais são considerados entraves à evolução da humanidade.

Combate à Ignorância

A ignorância é a mãe da tirania, da superstição e da miséria. O grau 8 ensina que todo maçom deve ser um educador, alguém que transmite Luz aos que ainda se encontram nas sombras do desconhecimento. A transmissão de conhecimentos é a principal ferramenta de emancipação e progresso. O conhecimento deve ser difundido para todos, como bem público.

Luta Contra a Hipocrisia

A hipocrisia social e moral é denunciada neste grau como obstáculo à autenticidade e à fraternidade humana. O maçom deve viver segundo os princípios que proclama, sendo verdadeiro em suas ações e fiel aos seus compromissos. A máscara social da hipocrisia desfigura a realidade e impede a edificação de um mundo mais justo.

Superação da Ambição

A ambição desmedida é denunciada como forma de degeneração do trabalho. O grau exalta o valor do trabalho honesto, útil e justo, não como meio de enriquecimento egoísta, mas como expressão de dignidade humana e serviço à coletividade. Amar o trabalho é respeitar a ordem natural das coisas e colaborar com a obra divina.

A Missão Social do Intendente dos Edifícios

Além dos aspectos simbólicos e filosóficos, o grau 8 convida o maçom à ação prática. Ele deve atuar como um arquiteto moral da sociedade, promovendo o bem comum, a justiça e o desenvolvimento sustentável. O intendente está chamado a ser:

·         Instrutor, na difusão do saber e da cultura;

·         Construtor, na edificação de instituições éticas e eficientes;

·         Moralista, no combate às estruturas de opressão, corrupção e injustiça;

·         Servidor, no respeito à propriedade pública e na defesa da coisa comum;

·         Educador do trabalho, promovendo a ética profissional e a valorização do esforço coletivo.

É neste sentido que o grau encontra seu ápice: transformar a educação e o trabalho em instrumentos de libertação humana e espiritual.

Atualizações Contemporâneas: o Grau 8 e o Mundo Atual

Num mundo marcado por desigualdades sociais, crises ecológicas e alienação cultural, o grau 8 ressurge com uma atualidade pungente. O maçom moderno, investido como Intendente dos Edifícios, encontra desafios específicos:

·         Educação digital e crítica: difundir o discernimento e o pensamento crítico numa era de excesso de informação.

·         Justiça social e ambiental: construir políticas e práticas que promovam a equidade e o cuidado com o planeta.

·         Combate às novas formas de ignorância e manipulação: resgatar o valor da verdade, da ciência e da ética.

·         Promoção de culturas de paz: substituir a violência simbólica e social por diálogo, mediação e cooperação.

Assim, o maçom do grau 8 é chamado a ser um guardião da civilização em tempos de colapso moral e institucional. Ele é, como nas origens, um conselheiro de Salomão: não do rei histórico, mas do ideal de sabedoria, justiça e beleza que todo homem justo deve buscar.

Conclusão: O Edifício do Espírito e da Sociedade

O Grau 8 do Rito Escocês Antigo e Aceito é uma síntese entre o saber simbólico e o compromisso social. Ao tornar-se Intendente dos Edifícios, o maçom assume uma responsabilidade ética que transcende o templo ritualístico: ele é chamado a edificar no mundo, e em si mesmo, uma obra que seja digna da presença do Grande Arquiteto do Universo.

Assim, a lenda de Salomão, a filosofia da evolução e do trabalho, a moral da justiça e da cooperação, e o simbolismo da construção são integrados num único ideal: a edificação do ser humano pleno, consciente de sua origem espiritual e de seu papel transformador na sociedade.

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