Charles Evaldo Boller
O grau 10 do Rito Escocês Antigo e Aceito, conhecido como
Cavaleiro Eleito dos Quinze, situa-se no conjunto dos chamados graus de
vingança ou de justiça, que compreendem o nono, o décimo e, em certa medida, o décimo
primeiro grau. Ele aprofunda o ensinamento iniciado no Mestre Eleito dos Nove e
leva o iniciado a refletir sobre a responsabilidade moral de agir contra o
crime, a corrupção e a impunidade. No contexto histórico-simbólico, o grau
traduz a transição do desejo de vingança pessoal para a aplicação equilibrada e
justa da lei, reforçando que a Justiça deve ser exercida com sabedoria e dentro
dos limites éticos.
A lenda do grau é uma expansão do drama mítico em torno do
assassinato do mestre Hiram Abif, arquiteto do Templo de Salomão. Se no nono
grau o assassino Abiram é encontrado e punido, no décimo grau é narrada a
captura dos outros dois conspiradores, o que completa o ciclo de justiça. Esta
narrativa simbólica aponta para a necessidade de completar a obra da Justiça,
não permitindo que culpados escapem por omissão, negligência ou complacência.
A Lenda do Grau
O enredo desenvolve-se após Bendecar informar ao Rei Salomão que
conhece o paradeiro dos outros dois assassinos de Hiram. Salomão, prudente e
estrategista, seleciona quinze Mestres de sua inteira confiança para realizar a
missão. Antes de qualquer ação, escreve uma carta a Maacha, rei de Geth,
pedindo permissão e apoio para capturar os criminosos. Esse detalhe não é
menor: demonstra que, mesmo em uma época em que a lei era frequentemente a do
mais forte, a diplomacia e o respeito à soberania do outro reino foram
observados.
Obtida a permissão, os quinze mestres avançam, prendem os
assassinos e os conduzem a Salomão, que determina sua execução. O ato encerra o
ciclo de punição dos crimes cometidos contra Hiram, e simbolicamente, o ciclo
de restauração da ordem.
Essa narrativa é carregada de significados:
1.
A figura dos quinze representa o reforço da
determinação e a união de forças para cumprir um objetivo moral elevado.
2.
A carta diplomática demonstra que a justiça não
deve ser feita à revelia das leis e costumes estabelecidos, mesmo que o fim
desejado seja nobre.
3.
A captura e execução apontam para a conclusão de
um processo judicial, evitando que a justiça seja seletiva ou parcial.
Aspectos Históricos
Historicamente, o grau remete às tradições bíblicas do Primeiro
Livro dos Reis e das Crônicas, onde Salomão aparece como o exemplo do rei
sábio, justo e protetor da ordem. A menção ao rei de Geth insere a narrativa no
contexto geopolítico do Oriente Próximo, onde a diplomacia entre pequenos
reinos era essencial para a sobrevivência e estabilidade.
No plano da Maçonaria Especulativa, a estrutura do grau foi
consolidada no século XVIII, especialmente na França, onde os altos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito
foram organizados e codificados. O Cavaleiro Eleito dos Quinze aparece como uma
etapa intermediária que une simbolicamente a tradição bíblica com os ideais
iluministas de justiça, direito internacional e combate à impunidade.
Simbolismo do Grau
1.
O Número Quinze: na tradição cabalística,
o número 15 corresponde às letras hebraicas Yod (10) e He (5), que formam o
início do Tetragrama Sagrado (YHWH), associando a missão dos Mestres Eleitos a
um dever sagrado.
2.
A Carta Diplomática: simboliza o respeito
às instituições, a necessidade de ordem e o princípio da legalidade.
3.
A Prisão e a Execução: representam o
cumprimento da justiça, não como vingança pessoal, mas como restabelecimento da
harmonia social.
Aspectos Metafísicos e Esotéricos
Metafisicamente, o grau 10 ensina que a Justiça é uma
manifestação da Lei Cósmica. A captura dos assassinos de Hiram não é apenas um
ato material, mas a reordenação das energias desarmônicas provocadas pelo
crime. No plano esotérico, representa a purificação do microcosmo (o indivíduo)
e do macrocosmo (a sociedade) pela remoção das forças que perturbam a ordem
universal.
O envio dos quinze mestres simboliza também a ação da Vontade
iluminada pelo entendimento. Cada mestre pode ser interpretado como um
princípio ou virtude necessária para que a justiça se manifeste: coragem,
prudência, sabedoria, temperança, fé, perseverança, entre outras.
Dimensão Social e Filosofia Política
Na perspectiva social e política, o grau expressa conceitos que
ressoam fortemente no mundo moderno:
1.
Diplomacia Internacional: a necessidade
de comunicação respeitosa entre Estados soberanos.
2.
Cooperação Jurídica: nenhum país deve
proteger criminosos; a extradição deve ser facilitada para que a justiça seja
feita no foro adequado.
3.
Combate à Impunidade: a impunidade é
corrosiva para a coesão social e enfraquece a confiança no sistema de justiça.
Esse ensinamento é atual quando se observam tensões
geopolíticas, casos de corrupção transnacional e a busca por mecanismos globais
de justiça, como o Tribunal Penal Internacional e a situação ditatorial
brasileira.
Psicologia Simbólica
Sob a ótica da psicologia simbólica, os dois assassinos
restantes representam os elementos sombrios não confrontados na psique do
indivíduo. O trabalho dos quinze mestres é o esforço consciente para localizar
e neutralizar esses aspectos destrutivos.
Bendecar, que conhece o paradeiro dos criminosos, representa
a consciência desperta, que identifica a origem interna dos problemas.
Salomão, como arquétipo do Self, coordena a operação de purificação interior.
A diplomacia com o rei de Geth simboliza o diálogo entre as diferentes
partes da personalidade, inclusive aquelas que parecem hostis ou distantes.
Aplicações Práticas no Cotidiano
O grau 10, traduzido para a vida contemporânea, ensina que:
1.
No ambiente profissional: conflitos e
irregularidades devem ser tratados com justiça, sem protecionismos.
2.
Na vida social: crimes e injustiças
precisam ser denunciados e enfrentados com os canais corretos.
3.
Na vida maçônica: é necessário aplicar a
justiça interna com equidade, preservando a harmonia da loja.
4.
No desenvolvimento pessoal: identificar e
"capturar" os próprios vícios e limitações é um passo fundamental
para o crescimento moral e espiritual.
Conclusão
O grau 10 do Rito
Escocês Antigo e Aceito, Cavaleiro Eleito dos Quinze, sintetiza a passagem
da vingança instintiva para a justiça consciente e ordenada. Ele une os
planos histórico, simbólico e esotérico com ensinamentos práticos que
atravessam os séculos. Ao compreender sua lenda, filosofia e lição moral, o
maçom é chamado a agir como agente da Justiça, tanto na sociedade externa
quanto em seu templo interior.
Bibliografia
1.
ALBERT PIKE. Morals and Dogma of the Ancient and
Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871.
2.
JORGE, Silvio. O Rito Escocês Antigo e Aceito:
História, Filosofia e Simbologia. Rio de Janeiro: Maçônica, 2015.
3.
LÉVI, Éliphas. Dogma e Ritual de Alta Magia. São
Paulo: Pensamento, 2004.
4. MACKEY,
Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Co., 1914.
5. MORGAN, William. Illustrations of Masonry.
New York: 1827.
6. OLIVER, George. Signs and Symbols
Illustrated and Explained in a Course of Twelve Lectures on Freemasonry.
London: Richard Spencer, 1855.
7. WAITE, Arthur Edward. A New Encyclopedia
of Freemasonry. London: William Rider, 1921.
8. YATES, Frances A. The Rosicrucian
Enlightenment. London: Routledge, 1972.
Nenhum comentário:
Postar um comentário