sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Passagem da Vingança Instintiva para a Justiça Consciente e Ordenada

 Charles Evaldo Boller

O grau 10 do Rito Escocês Antigo e Aceito, conhecido como Cavaleiro Eleito dos Quinze, situa-se no conjunto dos chamados graus de vingança ou de justiça, que compreendem o nono, o décimo e, em certa medida, o décimo primeiro grau. Ele aprofunda o ensinamento iniciado no Mestre Eleito dos Nove e leva o iniciado a refletir sobre a responsabilidade moral de agir contra o crime, a corrupção e a impunidade. No contexto histórico-simbólico, o grau traduz a transição do desejo de vingança pessoal para a aplicação equilibrada e justa da lei, reforçando que a Justiça deve ser exercida com sabedoria e dentro dos limites éticos.

A lenda do grau é uma expansão do drama mítico em torno do assassinato do mestre Hiram Abif, arquiteto do Templo de Salomão. Se no nono grau o assassino Abiram é encontrado e punido, no décimo grau é narrada a captura dos outros dois conspiradores, o que completa o ciclo de justiça. Esta narrativa simbólica aponta para a necessidade de completar a obra da Justiça, não permitindo que culpados escapem por omissão, negligência ou complacência.

A Lenda do Grau

O enredo desenvolve-se após Bendecar informar ao Rei Salomão que conhece o paradeiro dos outros dois assassinos de Hiram. Salomão, prudente e estrategista, seleciona quinze Mestres de sua inteira confiança para realizar a missão. Antes de qualquer ação, escreve uma carta a Maacha, rei de Geth, pedindo permissão e apoio para capturar os criminosos. Esse detalhe não é menor: demonstra que, mesmo em uma época em que a lei era frequentemente a do mais forte, a diplomacia e o respeito à soberania do outro reino foram observados.

Obtida a permissão, os quinze mestres avançam, prendem os assassinos e os conduzem a Salomão, que determina sua execução. O ato encerra o ciclo de punição dos crimes cometidos contra Hiram, e simbolicamente, o ciclo de restauração da ordem.

Essa narrativa é carregada de significados:

1.      A figura dos quinze representa o reforço da determinação e a união de forças para cumprir um objetivo moral elevado.

2.      A carta diplomática demonstra que a justiça não deve ser feita à revelia das leis e costumes estabelecidos, mesmo que o fim desejado seja nobre.

3.      A captura e execução apontam para a conclusão de um processo judicial, evitando que a justiça seja seletiva ou parcial.

Aspectos Históricos

Historicamente, o grau remete às tradições bíblicas do Primeiro Livro dos Reis e das Crônicas, onde Salomão aparece como o exemplo do rei sábio, justo e protetor da ordem. A menção ao rei de Geth insere a narrativa no contexto geopolítico do Oriente Próximo, onde a diplomacia entre pequenos reinos era essencial para a sobrevivência e estabilidade.

No plano da Maçonaria Especulativa, a estrutura do grau foi consolidada no século XVIII, especialmente na França, onde os altos graus do Rito Escocês Antigo e Aceito foram organizados e codificados. O Cavaleiro Eleito dos Quinze aparece como uma etapa intermediária que une simbolicamente a tradição bíblica com os ideais iluministas de justiça, direito internacional e combate à impunidade.

Simbolismo do Grau

1.      O Número Quinze: na tradição cabalística, o número 15 corresponde às letras hebraicas Yod (10) e He (5), que formam o início do Tetragrama Sagrado (YHWH), associando a missão dos Mestres Eleitos a um dever sagrado.

2.      A Carta Diplomática: simboliza o respeito às instituições, a necessidade de ordem e o princípio da legalidade.

3.      A Prisão e a Execução: representam o cumprimento da justiça, não como vingança pessoal, mas como restabelecimento da harmonia social.

Aspectos Metafísicos e Esotéricos

Metafisicamente, o grau 10 ensina que a Justiça é uma manifestação da Lei Cósmica. A captura dos assassinos de Hiram não é apenas um ato material, mas a reordenação das energias desarmônicas provocadas pelo crime. No plano esotérico, representa a purificação do microcosmo (o indivíduo) e do macrocosmo (a sociedade) pela remoção das forças que perturbam a ordem universal.

O envio dos quinze mestres simboliza também a ação da Vontade iluminada pelo entendimento. Cada mestre pode ser interpretado como um princípio ou virtude necessária para que a justiça se manifeste: coragem, prudência, sabedoria, temperança, fé, perseverança, entre outras.

Dimensão Social e Filosofia Política

Na perspectiva social e política, o grau expressa conceitos que ressoam fortemente no mundo moderno:

1.      Diplomacia Internacional: a necessidade de comunicação respeitosa entre Estados soberanos.

2.      Cooperação Jurídica: nenhum país deve proteger criminosos; a extradição deve ser facilitada para que a justiça seja feita no foro adequado.

3.      Combate à Impunidade: a impunidade é corrosiva para a coesão social e enfraquece a confiança no sistema de justiça.

Esse ensinamento é atual quando se observam tensões geopolíticas, casos de corrupção transnacional e a busca por mecanismos globais de justiça, como o Tribunal Penal Internacional e a situação ditatorial brasileira.

Psicologia Simbólica

Sob a ótica da psicologia simbólica, os dois assassinos restantes representam os elementos sombrios não confrontados na psique do indivíduo. O trabalho dos quinze mestres é o esforço consciente para localizar e neutralizar esses aspectos destrutivos.

Bendecar, que conhece o paradeiro dos criminosos, representa a consciência desperta, que identifica a origem interna dos problemas. Salomão, como arquétipo do Self, coordena a operação de purificação interior. A diplomacia com o rei de Geth simboliza o diálogo entre as diferentes partes da personalidade, inclusive aquelas que parecem hostis ou distantes.

Aplicações Práticas no Cotidiano

O grau 10, traduzido para a vida contemporânea, ensina que:

1.      No ambiente profissional: conflitos e irregularidades devem ser tratados com justiça, sem protecionismos.

2.      Na vida social: crimes e injustiças precisam ser denunciados e enfrentados com os canais corretos.

3.      Na vida maçônica: é necessário aplicar a justiça interna com equidade, preservando a harmonia da loja.

4.      No desenvolvimento pessoal: identificar e "capturar" os próprios vícios e limitações é um passo fundamental para o crescimento moral e espiritual.

Conclusão

O grau 10 do Rito Escocês Antigo e Aceito, Cavaleiro Eleito dos Quinze, sintetiza a passagem da vingança instintiva para a justiça consciente e ordenada. Ele une os planos histórico, simbólico e esotérico com ensinamentos práticos que atravessam os séculos. Ao compreender sua lenda, filosofia e lição moral, o maçom é chamado a agir como agente da Justiça, tanto na sociedade externa quanto em seu templo interior.

Bibliografia

1.      ALBERT PIKE. Morals and Dogma of the Ancient and Accepted Scottish Rite of Freemasonry. Charleston: Supreme Council, 1871.

2.      JORGE, Silvio. O Rito Escocês Antigo e Aceito: História, Filosofia e Simbologia. Rio de Janeiro: Maçônica, 2015.

3.      LÉVI, Éliphas. Dogma e Ritual de Alta Magia. São Paulo: Pensamento, 2004.

4.      MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Co., 1914.

5.      MORGAN, William. Illustrations of Masonry. New York: 1827.

6.      OLIVER, George. Signs and Symbols Illustrated and Explained in a Course of Twelve Lectures on Freemasonry. London: Richard Spencer, 1855.

7.      WAITE, Arthur Edward. A New Encyclopedia of Freemasonry. London: William Rider, 1921.

8.      YATES, Frances A. The Rosicrucian Enlightenment. London: Routledge, 1972.

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