Charles Evaldo Boller
No itinerário ascensional dos graus filosóficos do Rito Escocês
Antigo e Aceito, o grau 7, Preboste e Juiz, ocupa lugar central na formação
moral e intelectual do maçom. A transição do operariado simbólico para a
jurisdição moral introduz o iniciado na delicada missão de julgar não apenas os
outros, mas, antes de tudo, a si mesmo. Este grau representa a
necessidade de que, no mundo humano e maçônico, o discernimento entre o justo e
o injusto seja orientado por valores éticos universais, isento de paixões e de
interesses mesquinhos. Ao mesmo tempo, exige uma sensibilidade que compreenda o
perdão como face superior da Justiça.
A Lenda do Grau: o Tribunal de Salomão
Origem e Contexto Mítico
A lenda que embasa o grau 7 segue os desdobramentos da morte de
Hiram Abif, mestre arquiteto do Templo de Salomão. O assassinato de Hiram
mergulha o canteiro em desordem, exigindo a recomposição da harmonia por meio
de uma instância superior: nasce, então, o tribunal dos sete Prebostes e
Juízes, presidido por Tito, príncipe dos Heroditas. Os heroditas, de origem
simbólica controversa, assumem o papel de julgadores dos operários, ao passo
que os Prebostes se ocupam dos recursos e das reclamações, criando uma
hierarquia que simboliza os diferentes níveis de julgamento e discernimento.
A Função dos Prebostes e Juízes
O colégio dos sete simboliza não apenas o número da perfeição
mística, mas também a pluralidade de perspectivas que deve compor qualquer
julgamento justo. A Justiça não pode ser monopólio de um único indivíduo;
requer colegialidade, ponderação, escuta e consenso. Nesse sentido, o tribunal
salomônico encarna o ideal da justiça deliberativa, onde cada voz importa e
cada julgamento deve ser fruto de profunda reflexão.
Tito e os Heroditas
A figura de Tito, príncipe dos Heroditas, é envolta em
simbolismo. O nome evoca ressonâncias com o general romano Tito, responsável
pela destruição do Segundo Templo, o que gera uma tensão simbólica com o tema
do julgamento. No contexto do grau, porém, Tito representa o poder judicial que
não se dobra aos apelos sentimentais, mas também não ignora o apelo do coração.
Os Heroditas, nesse caso, são metáforas dos aspectos mais severos da
Justiça, contrapostos à sensibilidade dos Prebostes.
Simbolismo e Metafísica do Juízo
A Balança e a Espada
A iconografia clássica da Justiça, com a balança e a espada, é
evocada neste grau. A balança representa o equilíbrio entre o rigor da lei e a
misericórdia do juízo; a espada, a capacidade de aplicar a lei com firmeza. A
ausência de vendas nos olhos da Justiça maçônica é proposital: o juiz maçom
deve ver com clareza e consciência, não se deixar cegar por parcialidades ou
favoritismos.
O Sete Como Número Sagrado
O número sete remete à Criação (sete dias), às virtudes (sete
virtudes), aos céus (sete céus da tradição judaica), à música (sete notas), às
cores do espectro (sete cores). É o número da totalidade. A composição do
tribunal com sete juízes representa o esforço humano de replicar na Terra uma
justiça que se aproxime da ordem cósmica. Em sentido esotérico, julgar com o
espírito do sete é integrar corpo, mente e espírito à decisão, harmonizando
razão e compaixão.
Julgar Como Ato Iniciático
No plano metafísico, o julgamento é símbolo do exame de
consciência. A alma, no final de cada ciclo, passa pelo tribunal dos deuses,
como na tradição egípcia de Osíris e Maat. No grau de Preboste e Juiz, o maçom
é convidado a se antecipar a esse juízo final e tornar-se seu próprio juiz.
Essa é uma das chaves esotéricas do grau: a instauração de um tribunal
interno que submete cada ato, cada pensamento, cada intenção à luz da Verdade
e do dever.
Filosofia do Grau: Justiça e Direito Natural
O Princípio Ético da Justiça
Aristóteles define a justiça como a virtude que consiste em
"dar a cada um aquilo que lhe é
devido" (Ética a Nicômaco, V). Esse princípio, que ressoa fortemente
no conteúdo filosófico do grau, contrapõe-se ao utilitarismo e ao privilégio. A
Justiça não é caprichosa, nem cega à realidade social; ao contrário, ela é
atenta, ativa, prudente. É regida pelo valor da equidade.
Justiça Como Direito Natural
O maçom é ensinado, neste grau, a compreender a justiça não
apenas como um sistema legal, mas como um direito natural que antecede e
transcende as leis humanas. Tomás de Aquino, em sua Suma Teológica, ensina que
o direito natural é aquele que decorre da própria razão humana, inscrito na
natureza das coisas e dos homens. O maçom, ao julgar, deve estar atento a essa
dimensão natural da justiça: um bem intrínseco, que clama por reconhecimento
independentemente da codificação legal.
A Ética Como Fundamento da Lei
A tradição maçônica sustenta que nenhuma lei é justa se não se
fundamenta em valores éticos. A letra da lei, quando desprovida de espírito,
torna-se instrumento de opressão. Como ensinava Santo Agostinho, "uma lei injusta não é uma lei" (lex
iniusta non est lex). Portanto, o maçom investido como juiz deve ser mais do
que um aplicador frio da norma; ele deve ser seu intérprete moral, seu
conciliador humanista, seu restaurador do equilíbrio perdido.
O Perdão e a Justiça Superior
O Lugar do Perdão na Justiça Maçônica
Ao contrário da justiça retributiva que domina muitos sistemas
legais, a justiça maçônica acolhe a noção de perdão como manifestação
superior de consciência. A função do juiz, nesse sentido, aproxima-se da do
mestre espiritual, que compreende as limitações humanas e, sem abolir a
responsabilidade, oferece uma saída regenerativa ao infrator. Assim, justiça e
misericórdia não são termos opostos, mas complementares.
Julgar com humanidade
O maçom juiz é advertido contra os extremos: o rigor inflexível
e a leniência permissiva. O julgamento requer equilíbrio e sensibilidade, razão
e emoção, lei e compaixão. Trata-se, como diria Pascal, de unir "o espírito de geometria" com "o espírito de fineza". Em linguagem
esotérica, é a fusão do princípio solar (razão, luz, lei) com o princípio lunar
(intuição, receptividade, misericórdia).
Justiça Como Caminho Iniciático
Ao tornar-se juiz, o maçom ingressa em uma etapa da jornada
iniciática onde sua responsabilidade deixa de ser apenas consigo mesmo. Agora,
ele deve agir em nome da ordem maçônica e da humanidade. Cada decisão sua
impacta a harmonia do templo. Daí a exigência de prudência, discrição, e
sobretudo, humildade.
Moral do Grau: Direitos, Deveres e Imparcialidade
Conhecer os Próprios Direitos e Deveres
A liberdade exige responsabilidade. O maçom é chamado a conhecer
não apenas os direitos que lhe assistem, mas também os deveres que lhe
competem. Esta dualidade é o fundamento da cidadania iniciática. Aquele que
exige justiça deve ser também justo com os outros. Aquele que deseja ser
compreendido deve também aprender a escutar.
A Virtude da Imparcialidade
Julgar com imparcialidade é o centro moral do grau 7. A
imparcialidade exige a suspensão de pré-julgamentos, a superação de afetos
pessoais e o compromisso com a verdade. No dizer de Confúcio, "o homem nobre é imparcial como o céu; o
pequeno é parcial como as sombras da terra". No tribunal maçônico, não
há espaço para favoritismos, recompensas ou temores. A integridade do juiz é
sua autoridade.
A Igualdade Como Princípio Universal
A justiça maçônica é igual para todos porque reconhece em cada
homem um reflexo da mesma centelha divina. O Venerável Juiz não se deixa
seduzir pela posição social, pelo grau ou pelo prestígio. O julgamento é isento
de máscaras, é um chamado à essência. Neste sentido, o grau 7 é uma escola de
equidade, onde se aprende que o templo interior só pode ser edificado sobre a
base da justiça.
Aplicações Práticas: o Juiz na Vida Profana e na Loja
Justiça no Cotidiano
Na vida civil, o maçom juiz aplica os princípios do grau ao
mediar conflitos, ao ser justo no ambiente de trabalho, ao não se omitir diante
de injustiças. Ele busca compreender antes de punir, escutar antes de acusar,
acolher antes de condenar. Sua vida torna-se reflexo do tribunal simbólico de
Salomão: lugar de sabedoria, equilíbrio e amor à verdade.
Justiça na Loja
No interior da loja, o maçom do grau 7 é referência de
discernimento. Sua palavra deve ser sempre ponderada. Seu comportamento deve
espelhar a lei moral superior. Nas deliberações, ele não toma partido por
amizade ou por interesses, mas pelo bem da ordem maçônica. Ele é a consciência
coletiva do grupo, o espelho em que os outros podem se ver com Verdade.
O Juiz Como Símbolo do Eu Superior
O juiz maçom é a imagem arquetípica do Eu Superior que habita em
cada Iniciado. É a instância da consciência desperta, que examina
intenções, avalia condutas, corrige erros e orienta decisões. Nesse sentido, o grau
7 é mais que um rito: é prática espiritual, uma forma de vida iluminada pela
equidade.
Considerações Finais
O grau 7 do Rito Escocês Antigo e Aceito propõe profunda
meditação sobre a justiça, convidando o maçom a tornar-se não apenas aplicador
da lei, mas expressão viva de uma consciência reta. Ao adentrar o
tribunal de Salomão, o iniciado confronta-se com suas próprias imperfeições e
aprende que julgar o outro só é possível quando se aprendeu a julgar a si mesmo
com verdade, sem desculpas, mas também sem autocomiseração.
A justiça maçônica, enraizada na ética do perdão e na firmeza do dever, projeta um
modelo de sociedade mais equitativa, onde o bem comum prevalece sobre o
interesse individual e onde a verdade é
temperada pela misericórdia.
Bibliografia
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Cultural, 2001.
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Alexandre Corrêa. São Paulo: Loyola, 2000.
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PASCAL, Blaise. Pensamentos. São Paulo: Martins
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Calouste Gulbenkian, 1993.
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PIKE,
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HALEVI, Z'ev ben Shimon. A Cabala e a
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9.
LÉVI, Éliphas. Dogma e Ritual da Alta Magia. São
Paulo: Pensamento, 2004.
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