Charles Evaldo Boller
Ao abordar o tema do conhecimento maçônico, depara-se
imediatamente com um dilema de definição. Muito se especula, muito se fantasia,
muito se distorce a respeito do que seja a Maçonaria. Uns a compreendem como
uma sociedade filantrópica, outros como uma fraternidade hermética, e há ainda
aqueles que a veem como uma mera associação de interesses. Todas essas
descrições, embora parciais, falham em apreender sua essência. A razão é
simples: a Maçonaria não se define por meio de fórmulas, mas pela vivência.
Assim como a verdade, que não se encerra em proposições
racionais, mas se manifesta na abertura do ser para o mundo, a Maçonaria não
pode ser delimitada de modo definitivo. Pode-se "ser maçom sem sê-lo", isto é, viver de acordo com os
princípios universais de justiça, fraternidade e liberdade, sem jamais ter
vestido um avental maçônico. E, inversamente, portar um avental sem jamais se tornar
maçom, se o gesto exterior não corresponde a uma transformação interior.
Esta ambiguidade, entre o formal e o vivencial, entre o
simbólico e o real, é a chave para compreender a profundidade do conhecimento
maçônico. Ele não é apenas uma doutrina, mas uma filosofia de vida, uma prática
existencial e um caminho de autotransformação.
O Problema da Verdade
Verdade e Ilusão dos Sentidos
Platão, em sua célebre alegoria da caverna (República, Livro
VII), descreveu os homens acorrentados que tomam sombras projetadas por objetos
como sendo a realidade. Esta metáfora é adequada para pensar a condição do
profano diante da Maçonaria. Quem olha de fora enxerga apenas sombras, boatos,
preconceitos, distorções. A essência do caminho maçônico não é acessível pelos
sentidos, mas por uma conversão interior, uma ascensão em direção à Luz da
Verdade.
A questão epistemológica se coloca: o que é a Verdade? Spinoza
já havia alertado que os homens, tomados pelas paixões, confundem aparência e
realidade. Nietzsche, séculos depois, diria que a Verdade nada mais é do que
"um exército móvel de metáforas",
sobre Verdade e mentira no sentido extra-moral. A Maçonaria, ao acolher essa
ambiguidade, não oferece verdades dogmáticas, mas convida o iniciado a
discernir continuamente entre ilusão e realidade.
Heidegger e a Verdade Como Abertura
Heidegger, em Sobre a Essência da Verdade (1943), mostra que a Verdade
não é mera correspondência entre enunciado e fato, mas a abertura em que o ser
se revela. A Maçonaria, nesse sentido, é um exercício constante de abertura:
abertura ao outro, à diversidade de credos, à pluralidade política, à busca do
ser. É por isso que, em Constantinopla, os maçons respeitam os muçulmanos e em
Roma respeitam os católicos. A Verdade maçônica não é exclusivista, mas
inclusiva, porque se sabe sempre parcial e inacabada.
Dimensão Ética e Cívica
Maçonaria Como Escola de Virtudes
Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, definiu a virtude como
hábito, uma disposição adquirida pela repetição de atos justos. A Maçonaria,
vista em sentido lato, é precisamente uma escola de virtudes. Ensina pela
prática: a solidariedade, o respeito à lei, a fraternidade e a responsabilidade
social.
Dizer que o maçom é, antes de tudo, "um bom cidadão e um bom súdito" não é apequenar sua função,
mas enaltecer sua vocação cívica. Em sociedades corroídas pelo individualismo e
pela corrupção, a simples prática da retidão já é ato revolucionário.
Política e Convivência
A dimensão política da Maçonaria é, muitas vezes, mal
compreendida. Ela não se identifica com partidos ou ideologias, mas cultiva o
espaço do diálogo. É herdeira direta do Iluminismo, que viu na razão pública e
na liberdade de consciência os fundamentos de uma sociedade justa. O templo
maçônico é, por excelência, o espaço da convivência democrática: homens de
diferentes origens discutem, em pé de igualdade, os problemas da humanidade.
Iluminismo e Modernidade
Kant e a Saída da Menoridade
Kant, em seu famoso ensaio Resposta à Pergunta: Que é o
Esclarecimento? (1784), definiu o Iluminismo como a "saída do homem de sua menoridade". A menoridade é a
incapacidade de usar o próprio entendimento sem a tutela de outrem. Ora, a
Maçonaria é precisamente essa escola de emancipação: exige que cada iniciado
pense por si, investigue, busque a Verdade. Não há lugar para subserviência
cega, pois "ovelhas" são
facilmente conduzidas à escravidão.
O maçom é chamado a ser um homem livre e de bons costumes. Livre
porque autônomo, crítico, capaz de decidir por si mesmo; de bons costumes
porque reconhece que a liberdade só floresce em harmonia com a virtude.
Montesquieu e o Espírito das Leis
Montesquieu, em O Espírito das Leis (1748), demonstrou que o
poder deve ser limitado pela divisão e pelo equilíbrio. A Maçonaria, ao
combater o despotismo, ecoa esse princípio: só é legítima a liderança exercida
em consonância com a lei e com a fraternidade. O maçom aprende a obedecer para
depois comandar; e quando comanda, sabe que o poder é serviço, não privilégio.
Simbologia e Hermetismo
O Segredo Como Instrução
Muito se fala dos segredos da Maçonaria. Mas, na verdade,
trata-se de segredos instrucionais. Não podem ser revelados de antemão porque
não são informações, mas experiências. Como ensina Mircea Eliade em Ritos de
Iniciação, todo rito é um treinamento do ser: só quem passa pela experiência
pode compreender seu significado.
Assim, livros que expõem símbolos não revelam nada de essencial,
pois o segredo não está no sinal exterior, mas na ressonância interior que ele
provoca.
Jung e a Linguagem Simbólica
Carl Gustav Jung mostrou que os símbolos falam à psique em
profundidade, despertando arquétipos coletivos. O esquadro e o compasso, o sol
e a lua, a pedra bruta e a pedra polida: todos esses símbolos ressoam no
inconsciente e transformam a consciência. A simbologia maçônica é, portanto,
hermética não porque oculta verdades arbitrárias, mas porque guarda o acesso à
dimensão mais profunda do ser humano.
Educação Maçônica e Andragogia
O Estudo Como Autopolimento
O conhecimento maçônico é inseparável do estudo. O maçom que
não estuda não progride. Esta exigência não é elitista, pois não depende de
títulos acadêmicos, mas de disposição para aprender. Muitos irmãos com
instrução elementar se destacaram pelo esforço em polir a própria pedra.
A metáfora é clara: sem o trabalho constante sobre si mesmo,
não há construção coletiva. A Maçonaria é um canteiro de obras, e cada
iniciado é uma pedra a ser lapidada.
Andragogia e Aprendizagem Ativa
Malcolm Knowles, teórico da andragogia, mostrou que a educação
de adultos deve ser autônoma, experiencial e orientada para a prática. A instrução
maçônica, ainda que intuitiva, aplica esses princípios: o aprendizado se dá na
troca de experiências, no debate fraterno, na reflexão conjunta. A loja é um
laboratório de pensamento, em que cada voz acrescenta algo ao edifício comum.
Liderança e Obediência
A Lição Pitagórica
Os pitagóricos excluíam de sua comunidade aquele que cometia
injustiça, considerando-o "como
morto". A Maçonaria conserva essa disciplina: o maçom indigno é
excluído da fraternidade. Não se trata de punição arbitrária, mas de preservar
a harmonia do corpo social.
Obedecer, aqui, não é servilismo, mas exercício de disciplina. É
na obediência que se aprende a governar a si mesmo; e quem governa a si
mesmo está apto a liderar os outros.
Maquiavel e o Poder
Maquiavel, em O Príncipe, descreveu os abusos do poder absoluto.
A Maçonaria, ao contrário, ensina que o poder deve ser limitado pelo amor fraterno.
O líder não é o que domina, mas o que serve. A liderança maçônica é
colegiada, voluntária, construída sobre o diálogo e a obediência recíproca.
Filantropia e Transformação Social
Crítica ao Assistencialismo
A beneficência maçônica não pode degenerar em assistencialismo.
Dar o pão alivia a fome por um dia, mas pode gerar dependência. Ensinar a
pescar é mais difícil, mas liberta.
Assim, a filantropia da Ordem está em educar, em despertar
consciências, em formar cidadãos responsáveis. Sua maior obra é a construção de
seres humanos melhores, não a mera distribuição de recursos.
Amor Fraterno Como Lei
O amor fraterno é a lei suprema da Maçonaria. Não é
sentimentalismo, mas princípio filosófico. Só o amor é capaz de mover os homens
de forma justa e perfeita. Por isso, liberdade e igualdade só podem se realizar
plenamente na fraternidade.
Perigos e Desafios da Senda Maçônica
Ser maçom é enfrentar riscos. Combater a tirania, a ignorância e
a intolerância implicam desafiar poderosos. O pior inimigo, contudo, é
interior: o orgulho, a vaidade, a falta de disciplina.
A senda maçônica não é um mar de rosas, mas um campo de batalha
espiritual. Cada reunião, cada debate, cada estudo é uma oportunidade de
enfrentar a si mesmo. A fraternidade ajuda, mas a luta é pessoal e
intransferível.
Ser Maçom sem Avental
Pode-se ser maçom sem avental, porque o essencial é a vida reta
e justa. A Ordem não cria virtudes, apenas as reconhece e fortalece. A
iniciação apenas oficializa uma disposição já existente na alma.
O avental, símbolo do trabalho, só tem sentido quando
corresponde a um compromisso real. O maçom é aquele que, iniciado ou não, busca
incessantemente a sabedoria, cultiva a justiça e pratica a fraternidade.
Conclusão
Definir a Maçonaria é tarefa impossível. Mais adequado é
vivê-la. É uma escola, um caminho, uma filosofia prática de vida. É o lugar
onde se aprende que a Verdade é sempre maior que nossas fórmulas, que a
fraternidade é mais forte que nossas diferenças, e que a liberdade exige
disciplina e coragem.
Em suma, o conhecimento maçônico não é acumulação de
informações, mas autoconhecimento e transformação. É um chamado a ser, a viver,
a construir, com humildade e perseverança, o templo simbólico da humanidade.
"Conhece-te a ti
mesmo", dizia Sócrates. A Maçonaria não acrescenta nada além disso.
Apenas oferece as ferramentas, o ambiente fraterno e o estímulo para que cada
homem percorra sua jornada. E que o Grande Arquiteto do Universo proteja e
conduza todos os que ousam trilhar esse caminho.
Bibliografia
1.
ANDERSON, James. Constituições de Anderson.
1723. Documento fundacional da Maçonaria moderna. Ressalta a tolerância
religiosa e a fraternidade universal;
2.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: abril
Cultural, 1973. Apresenta a ideia de virtude como hábito, essencial para
compreender a Maçonaria como escola de virtudes;
3.
ELIADE, Mircea. Ritos de Iniciação. São Paulo:
Martins Fontes, 2001. Demonstra a função instrucional do segredo e do símbolo
nos ritos, aplicável à experiência maçônica;
4.
HEIDEGGER, Martin. Sobre a Essência da Verdade.
Petrópolis: Vozes, 1998. Fundamenta a noção de verdade como abertura, em
paralelo à busca maçônica;
5.
JUNG, Carl Gustav. Símbolos da Transformação.
Petrópolis: Vozes, 2008. Mostra como os símbolos operam transformações
psíquicas profundas, iluminando a função dos símbolos maçônicos;
6.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o
Esclarecimento? São Paulo: Martins Fontes, 2005. Texto essencial para a
compreensão da dimensão iluminista e emancipatória da Maçonaria;
7.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. São Paulo:
Martins Fontes, 2007. Ajuda a compreender a crítica maçônica ao despotismo e a
valorização da liderança ética;
8.
MONTESQUIEU, Charles. O Espírito das Leis. São
Paulo: Martins Fontes, 2000. Inspira a concepção maçônica de poder equilibrado
e governança justa;
9.
NIETZSCHE, Friedrich. Sobre Verdade e Mentira no
Sentido Extra-Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Texto útil para
pensar a dimensão relativa e metafórica da verdade na Maçonaria;
10. PIKE, Albert. Morals and Dogma. Charleston:
Supreme Council, 1871. Obra clássica da Maçonaria filosófica, destacando a
simbologia e a dimensão hermética;
11. SPINOZA,
Baruch. Ética. São Paulo: Martins Fontes, 2011. Fundamenta a crítica à
escravidão das paixões e a busca da liberdade pela razão, próxima do ideal
maçônico;
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