sábado, 16 de agosto de 2025

Comunicação Afiada, Arte, Técnica e Virtude

 Charles Evaldo Boller

Comunicar-se é parte essencial da vida humana, e na tradição clássica, a oratória sempre foi considerada a rainha das artes. Não se trata apenas da habilidade de falar bem, mas da capacidade de organizar o pensamento, de transmitir com clareza e de comover o coração dos homens. O orador, no mundo antigo, era aquele que não apenas informava, mas persuadia, educava e transformava. Feliz daquele que domina essa magnífica forma de informar, de expor ideias e de convencer sua audiência, pois possui em suas mãos o instrumento mais poderoso da vida social: a palavra. Tal poder garante o triunfo não apenas nos círculos políticos e profissionais, mas sobretudo no meio humano em que se lança, pois pela palavra o homem edifica ou destrói, aproxima ou afasta, integra ou isola.

Na Maçonaria, esta arte adquire um valor mais profundo, porque se encontra associada à dimensão simbólica e iniciática da Ordem. O maçom aprende que a comunicação é comparável ao ato de afiar espadas. A espada, símbolo da luta contra a ignorância e contra os inimigos da liberdade, só cumpre sua função quando polida e afiada. Da mesma forma, o pensamento humano necessita ser exercitado, organizado e clarificado até que sua expressão em palavras se torne precisa, bela e eficaz. No trabalho da mente surgem ideias, muitas vezes inéditas ou originais, que devem ser transmitidas com lucidez para que tenham efeito. O raciocínio claro é o alicerce da comunicação eficiente, e o órgão humano mais próximo de uma espada de dois gumes é a língua. Afiar a espada da palavra é tarefa do maçom, que a realiza por meio do estudo, da prática e do filosofar. O pensamento maçônico é a pedra de amolar da língua, que deve ser disciplinada e temperada para servir à verdade.

Esta metáfora da espada de dois gumes revela também a responsabilidade ética da comunicação. A palavra pode ser libertadora ou destrutiva. Pode edificar templos de sabedoria ou levantar muros de preconceito. É com a língua que se consola, mas também com ela que se difama. É com ela que se transmite lições eternas de fraternidade, mas também com ela que se instiga a discórdia. Por isso, o maçom é instruído a vigiar sua palavra e a usá-la com prudência. A comunicação afiada deve cortar a ignorância, mas nunca ferir a fraternidade; deve abrir caminho para a verdade, mas nunca para o ódio. A espada da língua, manejada sem disciplina, é perigosa; manejada com sabedoria, torna-se instrumento de iluminação.

Além da palavra comum, a maçonaria dispõe de uma linguagem simbólica. Esses meios de comunicação cumprem funções práticas, como a identificação entre iniciados, mas também carregam uma dimensão filosófica mais elevada: representam a necessidade de resguardar a liberdade de pensamento em ambientes de confiança. O segredo maçônico, mais do que proteger informações triviais, preserva o espaço de liberdade intelectual. O iniciado encontra, dentro da loja, a segurança de que pode expor-se sem receio, pois ali prevalece a regra do sigilo e da fraternidade. Esta condição é fundamental para que a comunicação floresça em sua forma mais pura: livre de pressões externas, livre da censura do mundo profano, livre para buscar a verdade. O segredo não é prisão, mas condição de liberdade.

A confiança entre irmãos é um dos alicerces dessa comunicação. Cada maçom deposita no outro a certeza de que sua palavra será ouvida com respeito e protegida com discrição. Esse pacto simbólico permite que se abaixem as guardas e que se abram os corações. A comunicação, assim, deixa de ser mera troca de informações para tornar-se verdadeira partilha de essências. É nesse espaço de confiança que o maçom experimenta a fraternidade em sua forma mais pura: falar sem máscaras, ouvir sem julgamentos, partilhar sem reservas. No mundo profano, a comunicação é muitas vezes dominada pelo interesse, pela competição e pela desconfiança; na loja, prevalece a lógica da fraternidade, que tem como finalidade a construção coletiva do bem.

A comunicação maçônica, contudo, não se restringe à esfera interna da ordem. O exercício da palavra em loja serve como preparação para a vida no mundo. O maçom é chamado a levar consigo a clareza, a prudência e a fraternidade que aprende em suas instruções, peças de arquitetura e debates. O discurso que ensaia diante dos irmãos deve refletir-se em sua atuação social, profissional e familiar. A retórica aprendida no templo não é mera exibição estética, mas treino para o cumprimento do dever maçônico de melhorar a si mesmo e à humanidade. Cada maçom, ao falar, deve lembrar-se de que carrega a responsabilidade de representar não apenas a si próprio, mas a tradição secular de sua ordem, que sempre defendeu a liberdade, a justiça e a fraternidade.

A prática da comunicação na Maçonaria se dá por diferentes meios. Um dos mais importantes é a leitura e apresentação de peças de arquitetura, textos preparados pelos irmãos para instrução e reflexão da loja. A peça de arquitetura é, por excelência, um exercício de oratória, pois exige clareza, profundidade e elegância na exposição. Ao preparar sua peça de arquitetura, o maçom é forçado a organizar seu pensamento, a escolher suas palavras com cuidado e a encontrar formas de tornar inteligíveis conceitos complexos. Ao apresentá-la, exercita a arte de comunicar-se diante de uma assembleia atenta e crítica. Assim, a peça de arquitetura é tanto um instrumento de ensino quanto um método de aperfeiçoamento da comunicação.

Outro momento privilegiado da comunicação maçônica são os debates em loja. Após a apresentação de uma peça de arquitetura, os irmãos são convidados a comentar, a questionar, a expandir os pontos levantados. Nessa troca intelectual, cada um experimenta o desafio de expor sua opinião de maneira clara e respeitosa. Aprende-se a ouvir o outro com atenção e a responder sem agressividade, cultivando a virtude da tolerância. O debate maçônico é, portanto, uma escola de comunicação fraterna: nele não há vencedores ou vencidos, mas apenas o crescimento mútuo. Cada voz contribui para o patrimônio coletivo da loja, e cada ouvido se enriquece com a palavra do outro.

A comunicação também se manifesta nos rituais, onde os gestos, as fórmulas e os diálogos ritualísticos constroem uma linguagem simbólica que vai além do verbal. As palavras do ritual não são improvisadas, mas cuidadosamente escolhidas ao longo dos séculos para transmitir verdades universais. O maçom que pronuncia tais palavras participa de uma tradição que o transcende, e sua voz ecoa a de milhões de irmãos que, antes dele, repetiram as mesmas fórmulas. Esta comunicação ritualística é, ao mesmo tempo, instrucional e espiritual: ensina valores e desperta a consciência para realidades superiores.

Há ainda uma dimensão Metafísica da comunicação maçônica. Quando a palavra é usada com clareza, com prudência e com fraternidade, ela se harmoniza com a ordem cósmica, que é a expressão do Grande Arquiteto do Universo. A comunicação, neste sentido, não é apenas social, mas espiritual. O ato de falar com sabedoria é um ato de participação no Logos universal[1], o princípio que, segundo a tradição grega e cristã, organiza e sustenta o Cosmos. O maçom que comunica com retidão torna-se cocriador, inserindo-se no ritmo da criação divina. Sua palavra, afiada e justa, é mais do que um som: é vibração que se integra à música das esferas.

Não se pode esquecer, contudo, que a comunicação afiada exige disciplina e constante aperfeiçoamento. O maçom deve exercitar a leitura, o estudo, a meditação e a prática da oratória. Não basta falar; é necessário pensar antes de falar. Não basta possuir conhecimento; é necessário saber transmiti-lo. A clareza é fruto do esforço, e a eloquência não se improvisa. O trabalho silencioso de polir o pensamento é o que garante a beleza da palavra. Assim como a espada não se afia sozinha, a língua não se aperfeiçoa sem exercício. A comunicação afiada é conquista de quem se dedica ao estudo e à prática constantes.

No mundo contemporâneo, marcado por excesso de informações e pela superficialidade das redes sociais, a lição maçônica da comunicação afiada torna-se ainda mais relevante. A palavra banalizada perde seu poder; a palavra polida recupera seu brilho. O maçom é chamado a ser exemplo de clareza e de profundidade num tempo em que a pressa e a confusão dominam o discurso. Sua comunicação deve ser não apenas eficiente, mas também ética e transformadora. O mundo precisa de vozes que falem com sabedoria, e a Maçonaria prepara tais vozes.

A comunicação afiada é, portanto, arte, técnica e virtude. É arte, porque exige beleza e criatividade. É técnica, porque depende de método e clareza. É virtude, porque demanda prudência, fraternidade e responsabilidade. O maçom, ao exercitar-se nessa arte, não busca apenas o sucesso pessoal, mas a construção de um mundo melhor. Sua palavra deve servir ao bem, despertar consciências, harmonizar corações e edificar a humanidade. É nessa prática que ele encontra sua vocação mais profunda: tornar-se instrumento do Grande Arquiteto do Universo, comunicando ao mundo a Luz que recebeu em loja.

Bibliografia

1.      ARISTÓTELES. Retórica. Texto fundamental que estabelece as bases da arte oratória, mostrando a importância da clareza, da lógica e da ética no uso da palavra. Essencial para compreender a dimensão filosófica da comunicação.

2.      AZEVEDO, Evaristo de Moraes. A Filosofia Maçônica. São Paulo: Madras, 2006. Estudo contemporâneo sobre a Maçonaria como filosofia prática, mostrando como a comunicação simbólica e verbal se entrelaçam no caminho iniciático.

3.      BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. Reflexão sobre a importância da confiança e do vínculo comunitário para que a comunicação seja autêntica.

4.      CÍCERO, Marco Túlio. Do Orador. Obra clássica romana que mostra a oratória como arte de liderança política e moral. Traz exemplos de como a palavra pode ser instrumento de civilização.

5.      ECO, Umberto. O Nome da Rosa. São Paulo: Record, 1983. Romance que, embora literário, reflete sobre a importância da palavra, do sigilo e da interpretação dos símbolos. Útil como metáfora para a comunicação maçônica.

6.      FREITAS, Sérgio. Oratória Maçônica. Rio de Janeiro: A Trolha, 1998. Estudo específico sobre técnicas de comunicação dentro da Maçonaria, mostrando a importância das planchas e dos debates.

7.      HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. Explora a comunicação como fundamento da racionalidade social. Oferece um contraponto moderno à visão maçônica de diálogo fraterno.

8.      KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o Esclarecimento? (1784). Texto que relaciona a comunicação à liberdade de pensamento. A coragem de usar a própria razão está intrinsecamente ligada à clareza da palavra.

9.      MACKEY, Albert Galatim. Encyclopedia of Freemasonry. Chicago: Masonic History Co., 1914. Obra de referência sobre símbolos, rituais e linguagens da Maçonaria, incluindo os sistemas de sinais e palavras.



[1] "Logos universal" refere-se a um conceito filosófico e religioso que descreve uma inteligência ou razão divina que governa o Universo e toda a realidade. É frequentemente traduzido como "palavra", "discurso" ou "razão", mas em seu sentido mais profundo, representa uma ordem cósmica, um princípio criativo e uma força unificadora que permeia todas as coisas;

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