Charles Evaldo Boller
Comunicar-se é parte essencial da vida humana, e na tradição
clássica, a oratória sempre foi considerada a rainha das artes. Não se trata
apenas da habilidade de falar bem, mas da capacidade de organizar o pensamento,
de transmitir com clareza e de comover o coração dos homens. O orador, no mundo
antigo, era aquele que não apenas informava, mas persuadia, educava e
transformava. Feliz daquele que domina essa magnífica forma de informar, de
expor ideias e de convencer sua audiência, pois possui em suas mãos o
instrumento mais poderoso da vida social: a palavra. Tal poder garante o
triunfo não apenas nos círculos políticos e profissionais, mas sobretudo no
meio humano em que se lança, pois pela palavra o homem edifica ou destrói,
aproxima ou afasta, integra ou isola.
Na Maçonaria, esta arte adquire um valor mais profundo, porque
se encontra associada à dimensão simbólica e iniciática da Ordem. O maçom
aprende que a comunicação é comparável ao ato de afiar espadas. A espada,
símbolo da luta contra a ignorância e contra os inimigos da liberdade, só
cumpre sua função quando polida e afiada. Da mesma forma, o pensamento humano
necessita ser exercitado, organizado e clarificado até que sua expressão em
palavras se torne precisa, bela e eficaz. No trabalho da mente surgem ideias,
muitas vezes inéditas ou originais, que devem ser transmitidas com lucidez para
que tenham efeito. O raciocínio claro é o alicerce da comunicação eficiente, e
o órgão humano mais próximo de uma espada de dois gumes é a língua. Afiar a
espada da palavra é tarefa do maçom, que a realiza por meio do estudo, da
prática e do filosofar. O pensamento maçônico é a pedra de amolar da língua,
que deve ser disciplinada e temperada para servir à verdade.
Esta metáfora da espada de dois gumes revela também a
responsabilidade ética da comunicação. A palavra pode ser libertadora ou
destrutiva. Pode edificar templos de sabedoria ou levantar muros de
preconceito. É com a língua que se consola, mas também com ela que se difama. É
com ela que se transmite lições eternas de fraternidade, mas também com ela que
se instiga a discórdia. Por isso, o maçom é instruído a vigiar sua palavra e a
usá-la com prudência. A comunicação afiada deve cortar a ignorância, mas nunca
ferir a fraternidade; deve abrir caminho para a verdade, mas nunca para o ódio.
A espada da língua, manejada sem disciplina, é perigosa; manejada com
sabedoria, torna-se instrumento de iluminação.
Além da palavra comum, a maçonaria dispõe de uma linguagem
simbólica. Esses meios de comunicação cumprem funções práticas, como a
identificação entre iniciados, mas também carregam uma dimensão filosófica mais
elevada: representam a necessidade de resguardar a liberdade de pensamento em
ambientes de confiança. O segredo maçônico, mais do que proteger informações
triviais, preserva o espaço de liberdade intelectual. O iniciado encontra,
dentro da loja, a segurança de que pode expor-se sem receio, pois ali prevalece
a regra do sigilo e da fraternidade. Esta condição é fundamental para que a
comunicação floresça em sua forma mais pura: livre de pressões externas, livre
da censura do mundo profano, livre para buscar a verdade. O segredo não é
prisão, mas condição de liberdade.
A confiança entre irmãos é um dos alicerces dessa comunicação.
Cada maçom deposita no outro a certeza de que sua palavra será ouvida com
respeito e protegida com discrição. Esse pacto simbólico permite que se abaixem
as guardas e que se abram os corações. A comunicação, assim, deixa de ser mera
troca de informações para tornar-se verdadeira partilha de essências. É nesse
espaço de confiança que o maçom experimenta a fraternidade em sua forma mais
pura: falar sem máscaras, ouvir sem julgamentos, partilhar sem reservas. No
mundo profano, a comunicação é muitas vezes dominada pelo interesse, pela
competição e pela desconfiança; na loja, prevalece a lógica da fraternidade,
que tem como finalidade a construção coletiva do bem.
A comunicação maçônica, contudo, não se restringe à esfera
interna da ordem. O exercício da palavra em loja serve como preparação para a
vida no mundo. O maçom é chamado a levar consigo a clareza, a prudência e a
fraternidade que aprende em suas instruções, peças de arquitetura e debates. O
discurso que ensaia diante dos irmãos deve refletir-se em sua atuação social,
profissional e familiar. A retórica aprendida no templo não é mera exibição
estética, mas treino para o cumprimento do dever maçônico de melhorar a si
mesmo e à humanidade. Cada maçom, ao falar, deve lembrar-se de que carrega a
responsabilidade de representar não apenas a si próprio, mas a tradição secular
de sua ordem, que sempre defendeu a liberdade, a justiça e a fraternidade.
A prática da comunicação na Maçonaria se dá por diferentes
meios. Um dos mais importantes é a leitura e apresentação de peças de
arquitetura, textos preparados pelos irmãos para instrução e reflexão da loja.
A peça de arquitetura é, por excelência, um exercício de oratória, pois exige
clareza, profundidade e elegância na exposição. Ao preparar sua peça de
arquitetura, o maçom é forçado a organizar seu pensamento, a escolher suas
palavras com cuidado e a encontrar formas de tornar inteligíveis conceitos
complexos. Ao apresentá-la, exercita a arte de comunicar-se diante de uma
assembleia atenta e crítica. Assim, a peça de arquitetura é tanto um
instrumento de ensino quanto um método de aperfeiçoamento da comunicação.
Outro momento privilegiado da comunicação maçônica são os debates
em loja. Após a apresentação de uma peça de arquitetura, os irmãos são
convidados a comentar, a questionar, a expandir os pontos levantados. Nessa
troca intelectual, cada um experimenta o desafio de expor sua opinião de
maneira clara e respeitosa. Aprende-se a ouvir o outro com atenção e a
responder sem agressividade, cultivando a virtude da tolerância. O debate
maçônico é, portanto, uma escola de comunicação fraterna: nele não há
vencedores ou vencidos, mas apenas o crescimento mútuo. Cada voz contribui para
o patrimônio coletivo da loja, e cada ouvido se enriquece com a palavra do
outro.
A comunicação também se manifesta nos rituais, onde os gestos,
as fórmulas e os diálogos ritualísticos constroem uma linguagem simbólica que
vai além do verbal. As palavras do ritual não são improvisadas, mas
cuidadosamente escolhidas ao longo dos séculos para transmitir verdades
universais. O maçom que pronuncia tais palavras participa de uma tradição que o
transcende, e sua voz ecoa a de milhões de irmãos que, antes dele, repetiram as
mesmas fórmulas. Esta comunicação ritualística é, ao mesmo tempo, instrucional
e espiritual: ensina valores e desperta a consciência para realidades
superiores.
Há ainda uma dimensão Metafísica da comunicação maçônica. Quando
a palavra é usada com clareza, com prudência e com fraternidade, ela se
harmoniza com a ordem cósmica, que é a expressão do Grande Arquiteto do Universo.
A comunicação, neste sentido, não é apenas social, mas espiritual. O ato de
falar com sabedoria é um ato de participação no Logos universal[1], o
princípio que, segundo a tradição grega e cristã, organiza e sustenta o Cosmos.
O maçom que comunica com retidão torna-se cocriador, inserindo-se no ritmo da
criação divina. Sua palavra, afiada e justa, é mais do que um som: é vibração
que se integra à música das esferas.
Não se pode esquecer, contudo, que a comunicação afiada exige
disciplina e constante aperfeiçoamento. O maçom deve exercitar a leitura, o
estudo, a meditação e a prática da oratória. Não basta falar; é necessário
pensar antes de falar. Não basta possuir conhecimento; é necessário saber
transmiti-lo. A clareza é fruto do esforço, e a eloquência não se improvisa. O
trabalho silencioso de polir o pensamento é o que garante a beleza da palavra.
Assim como a espada não se afia sozinha, a língua não se aperfeiçoa sem
exercício. A comunicação afiada é conquista de quem se dedica ao estudo e à
prática constantes.
No mundo contemporâneo, marcado por excesso de informações e
pela superficialidade das redes sociais, a lição maçônica da comunicação afiada
torna-se ainda mais relevante. A palavra banalizada perde seu poder; a palavra
polida recupera seu brilho. O maçom é chamado a ser exemplo de clareza e de
profundidade num tempo em que a pressa e a confusão dominam o discurso. Sua
comunicação deve ser não apenas eficiente, mas também ética e transformadora. O
mundo precisa de vozes que falem com sabedoria, e a Maçonaria prepara tais
vozes.
A comunicação afiada é, portanto, arte, técnica e virtude.
É arte, porque exige beleza e criatividade. É técnica, porque depende de método
e clareza. É virtude, porque demanda prudência, fraternidade e
responsabilidade. O maçom, ao exercitar-se nessa arte, não busca apenas o
sucesso pessoal, mas a construção de um mundo melhor. Sua palavra deve servir
ao bem, despertar consciências, harmonizar corações e edificar a humanidade. É
nessa prática que ele encontra sua vocação mais profunda: tornar-se instrumento
do Grande Arquiteto do Universo, comunicando ao mundo a Luz que recebeu em loja.
Bibliografia
1.
ARISTÓTELES. Retórica. Texto fundamental que
estabelece as bases da arte oratória, mostrando a importância da clareza, da
lógica e da ética no uso da palavra. Essencial para compreender a dimensão
filosófica da comunicação.
2.
AZEVEDO, Evaristo de Moraes. A Filosofia
Maçônica. São Paulo: Madras, 2006. Estudo contemporâneo sobre a Maçonaria como
filosofia prática, mostrando como a comunicação simbólica e verbal se
entrelaçam no caminho iniciático.
3.
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança
no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2003. Reflexão sobre a importância da
confiança e do vínculo comunitário para que a comunicação seja autêntica.
4.
CÍCERO, Marco Túlio. Do Orador. Obra clássica
romana que mostra a oratória como arte de liderança política e moral. Traz
exemplos de como a palavra pode ser instrumento de civilização.
5.
ECO, Umberto. O Nome da Rosa. São Paulo: Record,
1983. Romance que, embora literário, reflete sobre a importância da palavra, do
sigilo e da interpretação dos símbolos. Útil como metáfora para a comunicação
maçônica.
6.
FREITAS, Sérgio. Oratória Maçônica. Rio de
Janeiro: A Trolha, 1998. Estudo específico sobre técnicas de comunicação dentro
da Maçonaria, mostrando a importância das planchas e dos debates.
7.
HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo.
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012. Explora a comunicação como fundamento da
racionalidade social. Oferece um contraponto moderno à visão maçônica de
diálogo fraterno.
8.
KANT, Immanuel. Resposta à Pergunta: Que é o
Esclarecimento? (1784). Texto que relaciona a comunicação à liberdade de
pensamento. A coragem de usar a própria razão está intrinsecamente ligada à
clareza da palavra.
9.
MACKEY, Albert Galatim. Encyclopedia of
Freemasonry. Chicago: Masonic History Co., 1914. Obra de referência sobre
símbolos, rituais e linguagens da Maçonaria, incluindo os sistemas de sinais e
palavras.
[1] "Logos
universal" refere-se a um conceito filosófico e religioso que descreve
uma inteligência ou razão divina que governa o Universo e toda a realidade. É
frequentemente traduzido como "palavra", "discurso" ou
"razão", mas em seu sentido mais profundo, representa uma ordem
cósmica, um princípio criativo e uma força unificadora que permeia todas as
coisas;
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